Biomarcadores não tradicionais de lesão renal aguda em recém-nascidos prematuros com sepse: diagnóstico precoce

Resumo

A lesão renal aguda (LRA) é comum na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (nUTI) e a sepse é uma de suas principais causas, especialmente em prematuros. Apresenta altas taxas de mortalidade e sua detecção precoce é o primeiro passo para a prevenção dessa condição, pois permite o tratamento adequado e melhora o desfecho, diminui o tempo de internação, os custos não médicos e a morbimortalidade. Destaca-se ainda que a LRA pode evoluir para doença renal crônica (DRC), havendo a necessidade de diálise, com maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares. Este artigo de revisão tem como objetivo discutir a LRA em recém-nascidos (RNs) prematuros com sepse, abordando biomarcadores utilizados na rotina laboratorial e principalmente a utilização de biomarcadores não tradicionais para identificação precoce de LRA.

Descritores:
Injúria Renal Aguda; Sepse; Recém-Nascido Prematuro; Biomarcadores

Abstract

Acute kidney injury (AKI) is a common finding in Neotatal Intensive Care Units (NICU). Sepsis is one the main causes of AKI in preterm newborns. AKI has been associated with significant death rates. Early detection of the condition is the first step to improving prevention, treatment, and outcomes, while decreasing length of hospitalization, care costs, and morbimortality. AKI may progress to chronic kidney disease (CKD), a condition linked with dialysis and greater risk of cardiovascular disease. This review article aims to discuss cases of AKI in preterm newborns with sepsis, the use of biomarkers in lab workup, and the use of non-conventional biomarkers for the early identification of AKI.

Keywords:
Acute Kidney Injury; Sepsis; Infant, Premature; Biomarkers

Introdução

A lesão renal aguda (LRA) é definida como um comprometimento repentino da função renal, acompanhado de um aumento agudo e reversível nos níveis séricos de creatinina (SCr), associados ou não à redução do débito urinário, resultando na incapacidade de manter homeostase adequada de fluidos, eletrólitos e resíduos. É um distúrbio complexo, multifatorial de lesão leve a insuficiência renal, em que terapia de substituição renal geralmente é exigida^1,2.

A LRA pode ser classificada em pré-renal, que é causada por hipovolemia, contração da artéria renal ou vasodilatação, podendo levar ao declínio da perfusão glomerular por diminuição do volume circulatório sem alteração renal; renal, causada por todos os tipos de doenças renais, incluindo capilares e glomerulares, doenças renais vasculares, nefrite intersticial aguda, além de necrose tubular aguda; e LRA pós-renal, que é observada na obstrução urinária aguda^3,4.

As causas de LRA em recém-nascidos (RNs) incluem peso muito baixo ao nascer (menor que 1.500 g), síndrome do desconforto respiratório, Apgar baixo em 5 minutos, o processo de intubação ao nascimento, parada cardíaca e o uso de medicamentos^5,6.

Quanto aos subgrupos de risco, os RNs pré-termos (com idade gestacional [IG] inferior a 37 semanas) podem ser estratificados em: pré-termo extremo - menor que 28 semanas; muito pré-termo - de 28 semanas a 31 semanas e 6 dias; pré-termo moderado - entre 32 semanas e 33 semanas e 6 dias; e pré-termo tardio - de 34 semanas a 36 semanas e 6 dias⁷.

A LRA é comum na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (nUTI) e está associada ao aumento nas taxas de mortalidade^5,8. Youssef et al. (2015)⁹ reportaram uma frequência de 10,8% de LRA na nUTI e atribuíram as causas mais comuns ao uso de ventilação mecânica e sepse.

Entende-se por sepse neonatal uma infecção que ocorre nos primeiros 28 dias de vida de RN a termo e até 4 semanas após a data prevista de parto em prematuros¹⁰. A sepse neonatal é uma complicação grave, especialmente entre prematuros, podendo ser estratificada em sepse precoce, definida por início nas primeiras 72 horas, e sepse tardia, como infecção que ocorre após 72 horas, atribuída a patógenos adquiridos no pós-natal^10,11.

Os sinais clínicos da sepse neonatal incluem febre, hipotermia, hipotonia e convulsões, irritabilidade e letargia, dificuldade respiratória, palidez cutânea, sintomas gastrintestinais, icterícia idiopática, sinais de sangramento e taquicardia^10,12.

O nascimento prematuro dificulta a adaptação à vida extrauterina, podendo gerar várias complicações¹³. Assim, algumas características como redução na taxa de filtração glomerular (TFG), vasoconstrição renal e fluxo sanguíneo local reduzido são causas contribuintes para LRA na sepse, em que a fisiopatologia provavelmente é multifatorial, com mecanismos hemodinâmicos e microcirculatórios, ocasionando um prejuízo na oxigenação dos tecidos. A vasoplegia é o fenômeno fisiopatológico primário do choque séptico, causando hipotensão^14-16. Destaca-se ainda que, na LRA séptica, a diminuição da TFG secundária à hipotensão e à hipovolemia, associada à redução do débito cardíaco, é responsável pela oligúria e o aumento da SCr¹⁴.

Dentre os exames utilizados na investigação da sepse está o hemograma, podendo ser utilizados reagentes de fase aguda, como proteína C reativa (PCR) e procalcitonina (PCT) para auxiliar no diagnóstico, sendo o teste mais recomendado a hemocultura¹⁴.

Quanto ao diagnóstico de LRA, na tentativa de padronizar sua definição e classificação, foram criados os critérios de Risk, Injury, Failure, Loss, End-Stage (RIFLE) e Acute Kidney Injury Network (AKIN), com base na SCr e na produção de urina¹⁷. Porém, recentemente, os critérios de uniformização na definição de LRA sofreram modificações, sendo a mais recente o sistema de classificação do Kidney Disease: Improving Global Outcome (KDIGO), publicada em 2012¹⁸.

Posteriormente, em 2013, houve a necessidade de adequar essa classificação à população neonatal. Foi realizado um estudo envolvendo o Instituto Nacional de Saúde, neonatologistas, nefrologistas, pediatras e representantes do Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas e Renais, que resultou no KDIGO adaptado para RN¹⁹. Assim, os critérios KDIGO foram modificados para definir melhor nessa população a LRA neonatal²⁰ (Tabela 1).

Tabela 1
Critérios KDIGO modificados (Kidney Disease Improving Global Outcomes)

Estágio	Creatinina sérica	Débito urinário
0	Sem alteração ou aumento < 0,3 mg/dL	≥ 0,5 mL/kg/h
1	Aumento ≥ 0,3 mg/dL em 48 horas ou ≥1,5 a 1,9 vezes do valor de referência* ≤ 7 dias	< 0,5 mL/kg/h por 6 a 12 horas
2	≥ 2 a 2,9 vezes o valor de referência	< 0,5 mL/kg/h por ≥12 horas
3	≥ 3 vezes o valor de referência ou SCr ≥ 2,5 mg/dL ou necessidade de diálise	< 0,3 mL/kg/h por ≥ 24 horas ou anúria por ≥ 12 horas

• ^(*)
  Valor de referência: menor valor anterior de creatinina. SCr: creatinina sérica. Fonte: Adaptado de Alconcher et al., 2020²⁰.

Esta revisão tem por objetivo discutir a LRA em RNs prematuros com sepse, abordando os biomarcadores da rotina laboratorial para diagnóstico, prognóstico e acompanhamento de LRA, e principalmente biomarcadores não convencionais que se destacam na literatura recente, visando aumentar a compreensão e a conscientização acerca dessa condição.

Marcadores convencionais

Apesar da validação dos novos critérios de LRA, o diagnóstico ainda é difícil, especialmente na população neonatal, por se basear em duas anormalidades funcionais: alterações na SCr (marcador de TFG) e oligúria, ambos marcadores tardios de comprometimento renal²¹.

A SCr tem limitações tanto referentes a fatores renais quanto não renais. Dentre os fatores renais, destacam-se a TFG geralmente baixa em RNs e a maturação fisiológica do rim que ocorre até aproximadamente 2 anos de idade²². Haja vista que, após o nascimento, a SCr neonatal reflete os níveis maternos, dependendo da IG, de maneira que alterações (ou ausência delas) na SCr podem interferir na interpretação do diagnóstico da LRA, além do fato de não estimar o dano, mas a função glomerular, e levar dias para se elevar após a ocorrência de uma lesão²³.

Destaca-se principalmente que a concentração de SCr na população em geral pode não se alterar até que tenha havido perda de 25% a 50% da função renal²¹.

Outros fatores limitantes da SCr são referentes aos fatores não renais: idade, sexo, dieta, massa muscular e medicamentos²².

Além disso, diferentes técnicas de aferição, como, por exemplo, reação de Jaffé ou método enzimático, geram valores diferentes de SCr²¹.

Existem ainda limitações quanto à medida de diurese, em que sua acurácia depende da sondagem vesical, e os valores podem ser influenciados por várias drogas, especialmente diuréticos e aminas vasoativas²¹.

Já o biomarcador cistatina C (CysC) consiste em um inibidor de protease de cisteína, sintetizado por todas as células nucleadas do corpo. Atua como marcador endógeno de TFG e de disfunção tubular renal, livremente filtrado pelo glomérulo e completamente reabsorvido, não sendo secretado. Sua excreção na forma urinária (uCysC) está relacionada à gravidade da lesão tubular aguda^24,25.

Um estudo na China avaliou os níveis de CysC tanto no plasma como na urina de pacientes sépticos com LRA, e estavam consideravelmente elevados quando comparados aos dos pacientes com sepse sem a lesão²⁶.

Como resposta à LRA, torna-se previsível o aumento dos níveis de uCysC após os níveis séricos²⁷. Além disso, Fang et al. (2018)²⁸ registraram em seu estudo que a uCysC é sensível, capaz de detectar LRA em RNs e ainda prever mortalidade.

Biomarcadores não tradicionais

Assim, o foco tem sido encontrar melhores biomarcadores para diagnosticar LRA no início do curso, permitir o desenvolvimento de intervenções e, consequentemente, melhorar os resultados²³. Esses biomarcadores identificam processos normais, patogênicos ou respostas ao tratamento, não precisam estar envolvidos no processo da doença, constituindo uma ferramenta valiosa para determinar a condição de um paciente. Podem ser usados para avaliar predisposição a uma doença ou detectar anormalidades biológicas, mas são comumente usados para diagnosticar e medir condições patológicas ou dar um prognóstico sobre o desenvolvimento da doença²⁹.

Os biomarcadores não tradicionais podem ainda ser úteis na avaliação de resposta a uma determinada terapia. Idealmente, devem ser obtidos por procedimentos não invasivos (como coleta de urina) ou com efeitos mínimos nos pacientes (como coletas de sangue de rotina). Dessa forma, esforços contínuos têm sido feitos para identificar biomarcadores confiáveis de lesão renal no soro, no plasma e na urina²⁹.

Inúmeras são as características de um marcador ideal para a avaliação da função renal, dentre as quais podemos citar: ser filtrado livremente, não se ligando a macromoléculas, e não ser reabsorvido nos rins ou secretado pelos túbulos renais; ser capaz de gerar resultados fidedignos da TFG, com constante produção e difusão rápida para a área extracelular; não ser degradado ou eliminado por via diferente da via renal; ser possível determiná-lo por técnicas laboratoriais reprodutíveis e precisas, sem interferência de outros elementos; e ser de baixo custo³⁰.

Assim, os biomarcadores podem ser categorizados de forma básica em marcadores inflamatórios; por exemplo, lipocalina associada à gelatinase neutrofílica (NGAL), interleucina-6 (IL-6) e interleucina-18 (IL-18); marcadores de dano celular, como molécula de lesão renal 1 (KIM-1) e proteína de ligação de ácido graxo tipo L (L-FABP); ou marcadores de parada do ciclo celular, como inibidor de tecido de metaloproteinases-2 (TIMP-2) e proteína 7 de ligação ao fator de crescimento semelhante à insulina (IGFBP7)^31,32 (Figura 1).

Figura 1
Localizacao de cada biomarcador de lesao renal aguda na estrutura renal. Fonte: Adaptado de Malyszko et al. (2015)³³.

NGAL

O NGAL em sua forma urinária (uNGAL) é originado exclusivamente de células epiteliais danificadas do néfron distal, enquanto sua forma sérica (sNGAL) pode derivar tanto de lesão dos rins (por vazamento tubular) como de órgãos extrarrenais (que participam de cruzamentos com o rim)^34,35. Esse biomarcador é sensível para detecção precoce, previsão precisa, estratificação de risco, e seu aumento é proporcional à gravidade da LRA³⁴.

Um grupo de pesquisadores na China realizou uma revisão sistemática e meta-análise de estudos avaliando uNGAL e sNGAL na predição de LRA em pacientes sépticos. Os resultados mostraram boa precisão diagnóstica de LRA com sepse em ambos os tipos de amostras utilizadas³⁶.

IL-6

A IL-6 é a citocina mais estudada na população neonatal. Atua na resposta precoce do hospedeiro à infecção, antecedendo a elevação da PCR e após a liberação do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). É produzida por células endoteliais, fagócitos mononucleares, fibroblastos, amônio, células trofoblásticas e outras células logo após o estímulo de produtos microbianos³⁷.

A IL-6 é uma citocina multifuncional envolvida na regulação da resposta imune e inflamação, tendo também atividade pró-inflamatória. É, portanto, uma das responsáveis pelo início e pela propagação da resposta à inflamação, atuando na síntese de algumas proteínas de fase aguda (APPs), com pico precoce, em torno de 3h pós- injúria³⁸.

IL-18

IL-18 consiste em uma citocina pró-inflamatória induzida nas células epiteliais tubulares proximais como resposta à lesão, facilitando a síntese de interferon-gama (IFN-γ). Após a lesão renal, a IL-18 urinária (uIL-18) é secretada antes que haja redução significativa na função renal, tornando-a um potencial marcador precoce de LRA^39,40.

Em um estudo realizado em pacientes com várias doenças renais, os níveis de IL-18 foram substancialmente maiores e apresentaram sensibilidade e especificidade elevadas para necrose tubular aguda (NTA), podendo ser um biomarcador para lesão tubular proximal em NTA. Demonstrou ainda associação com LRA, já que a IL-18 esteve significativamente elevada, antecedendo o aumento da SCr em pacientes com insuficiência respiratória aguda/síndrome da angústia respiratória que desenvolveram LRA, sendo capaz também de prever mortalidade associada à ventilação mecânica²⁴.

KIM-1

A molécula de lesão renal urinária-1 (uKIM-1) é uma glicoproteína transmembranar, indetectável no rim ou na urina saudável, sendo, portanto, um marcador de lesão epitelial dos túbulos renais. Seus níveis urinários preveem com sensibilidade o prognóstico renal de pacientes com LRA e podem ser usados como indicadores de rastreamento precoce de mau prognóstico renal^41,42.

Foi realizado um estudo prospectivo na China, com 150 pacientes portadores de sepse, comparando, dentre outros parâmetros, o uKIM-1 entre sobreviventes e não sobreviventes de LRA séptica. Nos pacientes com LRA, o uKIM-1 aumentou consideravelmente em 6 horas, atingiu o pico em 24 horas e manteve-se elevado até 48 horas após admissão na UTI⁴². Entretanto, nos pacientes sem LRA, o KIM-1 permaneceu basal em vários momentos, semelhantemente aos do grupo-controle saudável (0,85 ± 0,37). Os não sobreviventes tinham um nível significativamente maior nas 24 e 48 horas, tudo levando a inferir que o KIM-1 é útil como biomarcador precoce no diagnóstico de LRA séptica e que o aumento persistente do nível de uKIM-1 pode estar relacionado a mau prognóstico⁴².

L-FABP

O L-FABP urinário (uL-FABP) é um biomarcador promissor para monitorar lesão tubulointersticial, uma vez que é expresso exclusivamente em células epiteliais do túbulo proximal no rim e porque a lesão tubular ocasionada por hipóxia eleva a síntese desse biomarcador⁴³.

Um estudo caso-controle com 27 pacientes pediátricos submetidos à cirurgia de circulação extracorpórea (CEC) apresentou alguns achados notáveis: no grupo LRA, os níveis de SCr atingiram o pico em 48 h, já os níveis de uL-FABP demonstraram aumento significativo em 6 h após a CEC; e o nível de L-FABP 6 h após a CEC esteve significativamente associado ao início da LRA. Esses resultados sugerem que esse biomarcador é útil na detecção precoce de LRA, precedendo o aumento de SCr por várias horas⁴⁴.

TIMP-2

O TIMP-2 consiste em um indutor da parada do ciclo celular G1, um mecanismo crucial implicado na LRA³².

Esse biomarcador prevê o desenvolvimento de LRA e foi validado em mais de 1.000 pacientes criticamente enfermos para estratificação de risco da lesão. Tem apresentado melhor desempenho do que qualquer outro biomarcador até o momento, demonstrando ser melhor em LRA induzida por sepse, contudo seu uso ainda não está aprovado em menores de 21 anos^32,45.

IGFBP7

O IGFBP7 é um indutor envolvido na parada do ciclo celular G1 de células tubulares renais em resposta à lesão, estando associado à LRA^32,45.

Dessa forma, o IGFBP7 é considerado um novo biomarcador para LRA e seu desempenho tem sido melhor do que o dos biomarcadores existentes na previsão de LRA moderada ou grave em até 12 horas após coleta da amostra. Também é interessante que o IGFBP7 demonstra ser superior ao TIMP-2 em pacientes cirúrgicos. Contudo, até o momento, seu uso não está aprovado em menores de 21 anos^32,45.

Syndecan-1

O syndecan-1 é um membro da família dos proteoglicanos transmembrana, que consistentemente apresenta em sua estrutura cadeias de sulfato de heparano, sem resíduos de cisteína⁴⁶. Em tecidos adultos, é majoritariamente expresso em células epiteliais simples, estratificadas, assim como em células plasmáticas⁴⁷.

O conceito de lesão endotelial como preditor precoce da LRA foi descrito na leptospirose, em que os níveis de syndecan-1 foram correlacionados com o dano do glicocálice renal, sabidamente associado à LRA⁴⁸. Um estudo com vários biomarcadores endoteliais mostrou que o syndecan-1, um biomarcador da disfunção do glicocálice endotelial, esteve fortemente associado à LRA grave em pacientes críticos de UTI⁴⁹.

Nefrina

Nefrina é uma proteína transmembranar expressa em podócitos glomerulares, nos quais as alterações estruturais precoces dos podócitos são caracterizadas pelo seu descolamento na membrana basal glomerular. Essas modificações podem gerar lesões glomerulares graves e contínuas, caso a condição persista. Por isso, é de importância clínica o reconhecimento precoce de qualquer lesão podocitária, sabendo que a análise da nefrina na urina tem potencial de se tornar um importante biomarcador de lesão glomerular precoce⁵⁰.

Não se sabe ainda se a lesão glomerular é induzida na fase inicial da LRA neonatal. Portanto, foi realizado um estudo com RNs, que descreveu a nefrina urinária como um biomarcador de maturação e lesão glomerular, estando significativamente associada ao desenvolvimento de LRA e mortalidade durante a internação na nUTI⁵¹.

Na Tabela 2 consta um resumo das principais informações acerca dos biomarcadores abordados nesta revisão.

Tabela 2
Origem, vantagens e desvantagens dos biomarcadores de lesão renal aguda

Biomarcador	Origem no rim	Vantagens	Desvantagens
Creatinina sérica	Glomérulo21	É considerado o marcador sorológico padrão para detectar LRA; sua análise é muito barata e tem boa estabilidade química na rotina clínica24.	É um marcador tardio de comprometimento renal21, afetado por idade, sexo, dieta, massa muscular, medicamentos22 e, após o nascimento, a SCr neonatal reflete os níveis maternos23.
Cistatina C	Glomérulo24 e túbulo proximal52	É completamente reabsorvida, sem ser secretada, e não é significativamente afetada por sexo, idade, raça, ou massa muscular24.	Não tem especificidade para distinguir LRA de doença renal crônica (DRC), há atraso no aumento dos seus níveis e é considerada mais um marcador da TFG, em vez de um biomarcador de LRA primária24,40.
NGAL	Túbulo distal34,35	Não é invasivo, é sensível para detecção precoce, previsão precisa, estratificação de risco, e seu aumento é proporcional à gravidade da LRA34.	Seus níveis plasmáticos incluem produção em órgãos distintos dos rins e o uNGAL é influenciado por desidratação, dificuldade de obtenção de amostra, hidratação em excesso e diuréticos30.
IL-6	Podócitos53	É uma citocina de resposta precoce do hospedeiro à infecção, antecedendo a elevação da PCR e é produzida por diversas células37.	Faltam evidências de apoio adaptadas aos critérios atuais do KDIGO54.
IL-18	Túbulo proximal40 e túbulo distal55	É um biomarcador de LRA isquêmica56 e antecede o aumento da SCr24.	Tem alto custo, é derivada também de isquemia miocárdica, lesão pulmonar e pode ser necessário que todo centro que utilize IL-18 estabeleça um valor de corte57.
KIM-1	Túbulo proximal58	É um indicador precoce de mau prognóstico renal, é indetectável no rim ou urina saudável e prevê com sensibilidade o prognóstico renal acerca da LRA41,42.	É utilizado somente para pesquisa e apresenta limitações no diagnóstico precoce da LRA e na monitorização de recuperação após lesão renal24,40.
L-FABP	Túbulo proximal43	É expresso exclusivamente em células epiteliais do túbulo proximal, e a lesão tubular por hipóxia eleva a síntese desse biomarcador, tornando-o promissor para monitorar lesão túbulointersticial43.	Não há ensaios padronizados que possibilitem seu uso clínico generalizado40.
TIMP-2	Túbulo proximal59	Apresenta melhor desempenho do que qualquer outro biomarcador até o momento e tem ótimos resultados em LRA induzida por sepse32.	O método atual é demorado, seu uso ainda não está aprovado em menores de 21 anos e um falso positivo pode gerar avaliações dispendiosas e desnecessárias45.
IGFBP7	Túbulo proximal60	Seu desempenho para prever LRA tem sido melhor do que os biomarcadores existentes e apresenta ótimos resultados em pacientes cirúrgicos32.	Não está aprovado em menores de 21 anos no momento, um falso positivo pode gerar medidas dispendiosas e desnecessárias e seu método atual é demorado45.
Syndecan-1	Glicocálice endotelial49	É um biomarcador de lesão endotelial do glicocálice61 e pode ser usado para diagnóstico e prognóstico na sepse62,63.	Seu mecanismo na LRA não está completamente elucidado64.
Nefrina	Podócitos50	Tem potencial para ser um importante biomarcador de lesão glomerular precoce50 e pode ser um biomarcador de LRA na nUTI, especialmente em prematuros51.	Quanto ao seu uso, há necessidade de estudos clínicos para avaliar, monitorar e fornecer prognóstico de doenças renais na população pediátrica50.

Discussão

Têm sido crescentes na literatura estudos reportando a utilização do biomarcador NGAL no diagnóstico de LRA. Como exemplo, o estudo de Nga et al. (2015)⁶⁵, avaliando o desenvolvimento de LRA após sepse, em que uNGAL foi um ótimo preditor da lesão nas 48 h seguintes, com alta sensibilidade (> 75%) e boa especificidade (> 65%).

Já em relação ao seu uso na LRA neonatal, foi realizado um estudo incluindo 50 RNs com LRA na nUTI do Hospital Infantil Universitário de Skopje, na Macedônia, para determinar a incidência, os fatores de risco e a eficiência do NGAL na detecção precoce da LRA nessa população. Os achados do estudo confirmaram a aplicabilidade desse biomarcador no diagnóstico precoce de LRA em RNs gravemente enfermos⁶⁶.

Dessa forma, o NGAL demonstra ser um biomarcador promissor, seja sNGAL ou uNGAL, apresentando resultados favoráveis desde a detecção ao risco de LRA, podendo ser usado também em casos de sepse e LRA neonatal.

Em relação às citocinas, a literatura reporta que níveis séricos de IL-6 podem estar associados a infecções - pneumonia, peritonite bacteriana e infecção do trato urinário (ITU) -, óbito e LRA em pacientes com cirrose hepática⁶⁷. Já na sepse neonatal, Fan e Yu (2012) não recomendam a utilização isolada dos biomarcadores inflamatórios PCR, PCT, interleucina-8 (IL-8), TNF-α e interleucina-1 beta (IL-1β); entretanto, IL-6 demonstrou-se superior à maioria destes, porém não deve ser utilizado separadamente³⁷.

Greenberg et al. (2015)⁶⁸ realizaram um estudo multicêntrico com 106 crianças de 1 mês a 18 anos de idade, submetidas à CEC, reportando que a IL-6 pode prever LRA em estágio 2/3 no período pré-operatório, podendo ainda ser um biomarcador útil para planejar o momento da cirurgia.

Como está envolvida desde o início do processo de inflamação, a elevação dos níveis de IL-6 ocorre precocemente quando comparada a outros biomarcadores. Assim, IL-6 tem demonstrado relação com infecções, LRA até mesmo em bebês e possivelmente sepse neonatal.

Ainda sobre as interleucinas, um estudo na China com 62 RNs graves não sépticos de nUTI mostrou que a IL-18 é preditiva, independentemente de LRA nessa população mesmo após o ajuste da IG, sexo, peso ao nascer e escore de Apgar, com a vantagem de não reduzir com o aumento da maturidade renal⁶⁹.

Portanto, por estar incluída na inflamação, associada à NTA e atuar na resposta à lesão, a IL-18 eleva-se rapidamente, podendo ser vista como potencial biomarcador de LRA, inclusive em RNs.

Tem sido crescente o número de estudos acerca da utilização do KIM-1 para diagnóstico de LRA na população neonatal, como o estudo realizado por Genc et al. (2013)⁷⁰, que avaliou a função do uKIM-1 na determinação precoce de LRA em 48 RNs prematuros de nUTI. O grupo detectou sensibilidade de 73,3% e especificidade de 76,9%, em que níveis de uKIM-1 aumentados no 7° dia elevaram o risco de óbito em 7,3 vezes. O estudo concluiu que esse biomarcador é preditivo de LRA na população neonatal⁷⁰.

Então, se torna perceptível que KIM-1 apresenta várias utilidades, desde o uso no diagnóstico precoce da LRA até no prognóstico do paciente, abrangendo população neonatal e LRA séptica.

Já em relação ao L-FABP, Elnady et al. (2014)⁷¹ realizaram um estudo caso-controle com 42 RNs sépticos de uma nUTI que desenvolveram LRA, cujos níveis de uL-FABP estiveram significativamente maiores nesses RNs comparados aos dos que não apresentavam a lesão.

Dessa forma, é notável o avanço nas pesquisas sobre L-FABP, especialmente por ser um biomarcador que detecta precocemente LRA, antecedendo a elevação de SCr e expandindo sua utilização para RNs, com resultados favoráveis.

Quanto aos biomarcadores de parada do ciclo celular, Chen et al. (2020)⁷² quantificaram TIMP-2 e IGFBP-7 para avaliar o desenvolvimento de LRA em 237 RNs de nUTI. A combinação de ambos esteve associada independentemente à LRA grave, com sensibilidade de 88,9% e especificidade de 50,9%.

Apesar de o uso de TIMP-2 não ter sido aprovado até o momento em menores de 21 anos, estudos reportando sua utilização em RNs vêm demonstrando resultados cada vez mais inovadores na detecção de LRA.

Situação semelhante ocorre com o IGFBP7. Apesar de não haver ainda aprovação para seu uso em RNs, já há estudos na literatura acerca do seu uso nessa população com resultados promissores.

Mesmo que os mecanismos da sepse não estejam totalmente compreendidos, é provável que ocorra associação entre a destruição do glicocálice e a sepse. Assim, o aumento das concentrações de syndecan-1 no plasma dos pacientes tem sido correlacionado negativamente com a sobrevida, apresentando alta significância e demonstrando que a elevação dos níveis dos componentes do glicocálice pode servir como biomarcador de diagnóstico e prognóstico na sepse^62,63.

Foi elaborada uma pesquisa de coorte prospectiva com 289 pacientes de idade inferior a 18 anos, incluindo RNs, submetidos à cirurgia cardíaca em um hospital de referência, no Ceará, Brasil. A pesquisa mostrou que os níveis plasmáticos de syndecan-1 no início do pós-operatório estiveram associados independentemente à LRA grave, bem como a um maior tempo de internação na UTI e no hospital⁷³.

A ideia de LRA proveniente de lesão endotelial, principalmente relacionada a dano no glicocálice renal, tem-se disseminado progressivamente, favorecendo o surgimento de novos estudos envolvendo o syndecan-1, associados em especial à LRA, inclusive na população neonatal e sepse.

Há relatos na literatura de que a nefrina urinária pode ser um biomarcador de LRA na nUTI. Um estudo realizado em RNs concluiu que as concentrações iniciais de nefrina urinária foram maiores na LRA do que em RNs sem a lesão, indicando ainda que o aumento dos seus níveis pode ocorrer devido à imaturidade glomerular, especialmente em prematuros⁵¹.

Tendo em vista o envolvimento a nível glomerular na LRA, a nefrina tem ganhado cada vez mais indicações no âmbito das pesquisas em saúde, propiciando achados relevantes e favoráveis acerca dessa lesão até mesmo na população neonatal.

Os biomarcadores, tanto convencionais como não convencionais, utilizados na avaliação da LRA apresentam uma variabilidade de especificidade e sensibilidade. Esse perfil varia de acordo com o método do exame, a medição, os valores de corte e os protocolos de armazenamento das amostras²⁴. Peres et al. (2013)²⁴ recomendam utilização de um painel de biomarcadores não convencionais para diagnóstico de LRA, visto que cada biomarcador tem a sua especificidade⁴². Assim, torna-se cada vez mais preciso e vantajoso o estudo desses biomarcadores na LRA em prematuros com sepse, uma vez que a literatura acerca do tema ainda é escassa.

Como demonstram alguns estudos, a LRA apresenta alta taxa de mortalidade, e sua detecção precoce permite o tratamento adequado e melhora o desfecho, assim como reduz o tempo de internação, os custos não médicos e a morbimortalidade^5,74. Nesse contexto, é de grande importância a utilização dos biomarcadores não tradicionais (como NGAL, IL-6, IL-18, KIM-1, L-FABP, TIMP-2, IGFBP7, syndecan-1 e nefrina) para detecção precoce da LRA em RNs prematuros com sepse, a fim de evitar DRC, óbito desses RNs e complicações também para o Sistema de Saúde.

Conclusão

A LRA é uma condição comum na nUTI, é multifatorial e tem a sepse como uma das suas principais causas, especialmente em prematuros, além de estar associada ao aumento da mortalidade. Devido à limitação dos marcadores tradicionais, faz-se necessária a utilização dos biomarcadores não tradicionais (como NGAL, IL-6, IL-18, KIM-1, L-FABP, TIMP-2, IGFBP7, syndecan-1 e nefrina) para diagnóstico precoce de LRA neonatal na sepse, com a finalidade de reduzir os elevados índices de mortalidade, de tempo de internação e complicações futuras.

Agradecimentos

Somos gratos por todo suporte técnico fornecido para o desenvolvimento desta revisão. Lemes, R. P. G., Junior, G. B. S., Daher, E. F. e Martins, A. M. C. são bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Nov 2021
• Data do Fascículo
  Jan-Mar 2022

Histórico

• Recebido
  10 Dez 2020
• Aceito
  09 Jul 2021