Acessibilidade / Reportar erro

Neutrófilos fagocitando hifas no sedimento urinário

Resumo

A fagocitose de estruturas fúngicas por neutrófilos é uma função bem documentada destas células imunes. No entanto, a fagocitose de hifas por neutrófilos no sedimento urinário não é normalmente observada durante avaliação de rotina de amostras. Este é um caso de fagocitose de hifas por neutrófilos na urina de um paciente receptor de aloenxerto renal.

Descritores:
Fagocitose; Hifas; Urinálise; Neutrófilos.

Abstract

The Phagocytosis of fungal structures by neutrophils is a well-documented function of these immune cells. However, neutrophil phagocytosis of hyphal structures in the urine sediment is not usually observed during routine sample evaluation. This is a case of hyphal phagocytosis by neutrophils in the urine of a kidney allograft recipient patient.

Keywords:
Phagocytosis; Hyphae; Urinalysis; Neutrophils.

Caso

Uma menina de 8 anos com malformação do seio urogenital e displasia renal desenvolveu doença renal crônica. Devido à perda da função renal, foi indicado um transplante renal que foi posteriormente realizado. A paciente foi diagnosticada com síndrome de Biedl-Bardet, uma condição que se caracteriza por polidactilia, obesidade, retardo no desenvolvimento do crescimento, bem como anormalidades genitais e renais. Durante a consulta, foi observada vulvovaginite e a paciente apresentou distúrbio miccional manifestado por uma frequência miccional anormal. A urinálise de rotina por tira reagente revelou o seguinte: densidade 1.009, pH 6,0; traços de hemoglobina, esterase leucocitária 2+, e nitrito positivo; todos os testes restantes foram negativos. A análise do sedimento urinário apresentou os seguintes resultados: células epiteliais 7-8/campo de alta potência (HPF), leucócitos 19-29/HPF, e eritrócitos 1-2/HPF. Além disso, foram detectadas células epiteliais tubulares renais e células decoy (células infectadas pelo poliomavírus BK). Curiosamente, as hifas foram vistas com leucócitos polimorfonucleares firmemente aderidos, aparentemente tentando realizar fagocitose, o que, segundo nosso conhecimento, nunca foi relatado anteriormente durante a urinálise de rotina (Figuras 1 e 2). Apesar do teste de nitrito positivo, a urocultura foi negativa para bactérias, enquanto um teste de cultura em meio específico para espécies de Candida se revelou positivo para Candida albicans. Posteriormente, a paciente foi tratada topicamente com Nistatina, o que aliviou os sintomas.

Figura 1
(A e B): Sedimento urinário fresco e não corado visto em microscopia de campo claro. Ampliação original 400x. À primeira vista, os leucócitos são vistos como ampliações da estrutura fúngica. Entretanto, movendo cuidadosamente o micrômetro do microscópio é possível notar que existem células (leucócitos) presas às hifas.

Figura 2
(A e B): Sedimento urinário fresco corado com Sternheimer-Malbin visto em microscopia de campo claro. Ampliação original 400x. O uso da coloração revela a estrutura nuclear dos leucócitos e, em alguns deles, é claramente visível um núcleo trilobular (setas brancas). Os neutrófilos são os leucócitos mais comuns observados em amostras de urina e, neste caso, estavam firmemente ligados às estruturas de hifas.

A Candida albicans estimula o recrutamento de neutrófilos e pode ser fagocitada por estas células. C. albicans é o principal agente de infecções fúngicas em humanos, com pacientes imunocomprometidos sendo particularmente sensíveis a este micro-organismo. C. albicans pode modificar suas estruturas de células em brotamento para filamentos de hifas, uma característica que pode contribuir para a eficácia do controle da infecção. O sistema imunológico atua contra a infecção por Candida realizando fagocitose de estruturas fúngicas com a membrana celular reconhecendo a forma do agente patogênico.

Os fungos são capazes de modificar suas estruturas dependendo da necessidade e das condições do local da infecção. As hifas invadem e penetram mais comumente os tecidos, enquanto leveduras atuam sobre a propagação do micro-organismo. As leveduras utilizam os vasos sanguíneos para disseminação11 Poloni JAT, Perazella MA, Neild GH. Macrophages at work: phagocytosis of urinary fungi. Clin Kidney J. 2013 Apr;6(2):233-4.

2 Netea MG, Brown GD, Kullberg BJ, Gow NAR. An integrated model of the recognition of Candida albicans by the innate immune system. Nat Rev Microbiol. 2008 Jan;6(1):67-78.

3 Moyes DL, Runglall M, Murciano C, Shen C, Nayar D, Thavaraj S, et al. A biphasic innate immune MAPK response discriminates between the yeast and hyphal forms of Candida albicans in epithelial cells. Cell Host Microbe. 2010 Sep;8(3):225-35.

4 McKenzie CG, Koser U, Lewis LE, Bain JM, Mora-Montes HM, Barker RN, et al. Contribution of Candida albicans cell wall components to recognition by and escape from murine macrophages. Infect Immun. 2010 Apr;78(4):1650-58.

5 Kumamoto CA, Vinces MD. Contributions of hyphae and hypha-coregulated genes to Candida albicans virulence. Cell Microbiol. 2005 Nov;7(11):1546-54.
-66 Lewis LE, Bain JM, Lowes C, Gillespie C, Rudkin FM, Gow NA, et al. Stage specific assessment of Candida albicans phagocytosis by macrophages identifies cell wall composition and morphogenesis as key determinants. PLoS Pathog. 2012;8(3):e1002578..

Os neutrófilos são uma das principais células imunológicas que atuam no controle de agentes patogênicos em um local de infecção. O mecanismo de destruição das partículas engolfadas é feito por proteínas antimicrobianas e espécies reativas de oxigênio. O processo fagocitário começa quando receptores da fagocitose reconhecem padrões moleculares específicos. A ligação ligante-receptor estimula as células a engolfar o micróbio reconhecido.

Para eliminar leveduras, os neutrófilos sequestram estas estruturas fúngicas em fagossomas. Espécies reativas de oxigênio (ERO) e elastase são liberadas dentro dos fagossomas, melhorando o processo de destruição da levedura. As hifas, por outro lado, são mais desafiadoras para os neutrófilos por serem grandes e não poderem ser internalizadas. Neste caso, os grânulos azurófilos entregam seu conteúdo no núcleo, provocando a descondensação da cromatina e a liberação de armadilhas extracelulares de neutrófilos (NETs - do inglês neutrophil extracellular traps). As NETs têm uma contribuição no processo de imobilização e destruição de patógenos extracelulares, mas com a desvantagem de causar lesão tecidual77 Wheeler ML, Underhill DM. Time to cast a larger net. Nat Immunol. 2014 Oct;15(11):1000-1.

8 Branzk N, Lubojemska A, Hardison SE, Wang Q, Gutierrez MG, Brown GD, et al. Neutrophils sense microbe size and selectively release neutrophil extracellular traps in response to large pathogens. Nat Immunol. 2014 Nov;15(11):1017-25.

9 Brinkmann V, Zychlinsky AJ. Neutrophil extracellular traps: is immunity the second function of chromatin?. Cell Biol. 2012 Sep;198(5):773-83.
-1010 Urban CF, Reichard U, Brinkmann V, Zychlinsky A. Neutrophil extracellular traps capture and kill Candida albicans yeast and hyphal forms. Cell Microbiol. 2006 Apr;8(4):668-76.. A investigação da formação de NET em amostras clínicas é o próximo passo na compreensão da resposta dos neutrófilos contra agentes fúngicos no sistema urinário.

Nesta amostra de urina, foram observados leucócitos (neutrófilos, pois núcleos trilobulares foram claramente vistos na amostra corada) cobrindo virtualmente toda a estrutura do fungo. As células fagocitárias se esticaram e deformaram consideravelmente envolvendo a estrutura fúngica (hifas) na tentativa de engolfá-la. É razoável supor que os neutrófilos dentro da amostra não estavam meramente ligados às células fúngicas, mas sim em um processo fagocitário.

Concluímos que este achado em uma amostra de sedimento urinário é uma indicação in vivo de fagocitose de C. albicans por neutrófilos dentro do trato urinário, um achado anteriormente não relatado. O mesmo indicou a ação do sistema imunológico contra este tipo de agente patogênico. Esta observação destaca o amplo espectro de estruturas na análise de sedimentos da urina e auxilia técnicos de microscopia a reconhecer adequadamente este tipo de achado urinário.

References

  • 1
    Poloni JAT, Perazella MA, Neild GH. Macrophages at work: phagocytosis of urinary fungi. Clin Kidney J. 2013 Apr;6(2):233-4.
  • 2
    Netea MG, Brown GD, Kullberg BJ, Gow NAR. An integrated model of the recognition of Candida albicans by the innate immune system. Nat Rev Microbiol. 2008 Jan;6(1):67-78.
  • 3
    Moyes DL, Runglall M, Murciano C, Shen C, Nayar D, Thavaraj S, et al. A biphasic innate immune MAPK response discriminates between the yeast and hyphal forms of Candida albicans in epithelial cells. Cell Host Microbe. 2010 Sep;8(3):225-35.
  • 4
    McKenzie CG, Koser U, Lewis LE, Bain JM, Mora-Montes HM, Barker RN, et al. Contribution of Candida albicans cell wall components to recognition by and escape from murine macrophages. Infect Immun. 2010 Apr;78(4):1650-58.
  • 5
    Kumamoto CA, Vinces MD. Contributions of hyphae and hypha-coregulated genes to Candida albicans virulence. Cell Microbiol. 2005 Nov;7(11):1546-54.
  • 6
    Lewis LE, Bain JM, Lowes C, Gillespie C, Rudkin FM, Gow NA, et al. Stage specific assessment of Candida albicans phagocytosis by macrophages identifies cell wall composition and morphogenesis as key determinants. PLoS Pathog. 2012;8(3):e1002578.
  • 7
    Wheeler ML, Underhill DM. Time to cast a larger net. Nat Immunol. 2014 Oct;15(11):1000-1.
  • 8
    Branzk N, Lubojemska A, Hardison SE, Wang Q, Gutierrez MG, Brown GD, et al. Neutrophils sense microbe size and selectively release neutrophil extracellular traps in response to large pathogens. Nat Immunol. 2014 Nov;15(11):1017-25.
  • 9
    Brinkmann V, Zychlinsky AJ. Neutrophil extracellular traps: is immunity the second function of chromatin?. Cell Biol. 2012 Sep;198(5):773-83.
  • 10
    Urban CF, Reichard U, Brinkmann V, Zychlinsky A. Neutrophil extracellular traps capture and kill Candida albicans yeast and hyphal forms. Cell Microbiol. 2006 Apr;8(4):668-76.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2020
  • Aceito
    26 Out 2020
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com