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Nereididae (Annelida, Polychaeta) da costa nordeste do Brasil: II. Gêneros Namalycastis, Ceratocephale, Laeonereis e Rullierinereis

Nereididae (Annelida, Polychaeta) from the northeastern coast of the Brazil: II. Genera Namalycastis, Ceratocephale, Laeonereis and Rullierinereis

Resumo

Six polychaete species belonging to the genera Namalycastis Hartman, 1959, Ceratocephale Malmgren, 1867, Laeonereis Hartman, 1945, and Rullierinereis Pettibone, 1970 were recorded as part of a systematic survey of the family Nereididae in estuaries, exposed sandy beaches, shelly soft bottoms, atolls and coral reefs of the Brazilian northeastern coast. Two new species, Rullierinereis auxiliadorae, from Ceará coast and Ceratocephale rocaensis, from Atol das Rocas, are described.

Taxonomy; Nereididae; Northeastern Brazil


Taxonomy; Nereididae; Northeastern Brazil

NEREIDIDAE (ANNELIDA, POLYCHAETA) DA COSTA NORDESTE DO BRASIL. II. GÊNEROS NAMALYCASTIS, CERATOCEPHALE, LAEONEREIS E RULLIERINEREIS

Cinthya S. G. Santos 1 1 . Centro de Estudos do Mar, Universidade Federal do Paraná, CP 002, 83 255 000, Pontal do Paraná, PR. ,2 1 . Centro de Estudos do Mar, Universidade Federal do Paraná, CP 002, 83 255 000, Pontal do Paraná, PR.

Paulo C. Lana 1 1 . Centro de Estudos do Mar, Universidade Federal do Paraná, CP 002, 83 255 000, Pontal do Paraná, PR.

ABSTRACT

NEREIDIDAE (ANNELIDA, POLYCHAETA) FROM THE NORTHEASTERN COAST OF THE BRAZIL. II. GENERA NAMALYCASTIS, CERATOCEPHALE, LAEONEREIS AND RULLIERINEREIS. Six polychaete species belonging to the genera Namalycastis Hartman, 1959, Ceratocephale Malmgren, 1867, Laeonereis Hartman, 1945, and Rullierinereis Pettibone, 1970 were recorded as part of a systematic survey of the family Nereididae in estuaries, exposed sandy beaches, shelly soft bottoms, atolls and coral reefs of the Brazilian northeastern coast. Two new species, Rullierinereis auxiliadorae, from Ceará coast and Ceratocephale rocaensis, from Atol das Rocas, are described.

KEYWORDS. Taxonomy, Nereididae, Northeastern Brazil.

INTRODUÇÃO

Até o presente, foram registradas 46 espécies de nereidídeos ao longo da costa brasileira. As primeiras referências remontam a Grube (1872), Hansen (1882), Kinberg (1866) e Treadwell (1920, 1923, 1932), que descreveram várias espécies a partir de material proveniente das costas sudeste e sul. Corrêa (1948) descreveu Lycastis siolii, proveniente do rio Tapajós, na Amazônia. Estudos mais abrangentes sobre os poliquetas do Brasil, alguns dos quais fazem menção aos nereidídeos, tiveram início na década de 70, (Nonato & Luna, 1970; Orensanz & Estivariz, 1971; Orensanz & Gianuca, 1974; Rullier & Amoureux, 1979; Lana, 1987; Lana & Sovierzoski, 1987; Paiva, 1993; Morgado et al., 1994; Santos et al., 1994; Santos & Lana, 2000).

Das 10 espécies conhecidas do gênero Ceratocephale Malmgren, 1867, apenas C. oculata Banse, 1977 havia sido registrada para a costa brasileira por Lana (1987) e Paiva (1993), respectivamente nas costas sul e sudeste. O gênero Namalycastis Hartman, 1959 foi registrado nas costa norte, sudeste e sul por Kinberg (1866), Corrêa (1948), Hartman (1959), Lana (1987), Rebelo (1988) e Glasby (1999), totalizando 5 espécies inclusa N. macroplatis descrita por Glasby (1999) para a região norte. Glasby (1999), em sua revisão da subfamília Namanereidinae, reportou as seguintes espécies para a costa brasileira: N. abiuma (Grube, 1872), N. siolii (Corrêa, 1948), N. brevicornis (Audouin & Edwards, 1833), N. senegalensis (Saint-Joseph, 1900) e N. macroplatis. O gênero Laeonereis Hartman, 1945 foi registrado para a costa do Rio de Janeiro por Treadwell (1923); os demais registros, também concentrados nas costas sul e sudeste foram feitos por Orensanz & Estivariz (1971), Orensanz & Gianuca (1974) e Lana (1987). Adicionalmente Santos et al. (1994) registraram o gênero em estuários da costa de Sergipe. O gênero Rullierinereis Pettibone, 1971, que abriga atualmente 10 espécies, é registrado pela primeira vez na costa brasileira.

Objetiva-se o levantamento taxonômico das espécies dos gêneros Namalycastis, Ceratocephale, Laeonereis e Rullierinereis no nordeste do Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS

Os espécimes provenientes da plataforma continental brasileira foram obtidos a partir do Projeto Geocosta/1994, no Ceará e Projeto Algas/1980, na Paraíba. Essas amostras e aquelas provenientes de região sublitoral estuarina foram obtidas com um pegador de fundo do tipo "Van Veen" (Holme & McIntyre, 1971). As coleções provenientes da região entre-marés, que inclui praias arenosas, areno-lodosas, rochosas, manguezais, costões e recifes, foram obtidas através de testemunhadores e por raspagem do material incrustado. Todo o material foi triado através de peneiras de 1,0 mm e 0,5 mm, fixado em formol 4% e conservado em álcool 70%. Algumas amostras foram anestesiadas com cloreto de magnésio a 8%. Os procedimentos taxonômicos seguiram a rotina descrita por Day (1967) e a nomenclatura utilizada para caracterização morfológica baseia-se em diversos autores (Day, 1967; Hutchings & Turvey, 1982; Glasby, 1999). Para as descrições e ilustrações foram tomadas medidas da largura do prostômio e da largura do anel proboscidial oral dos exemplares em melhor estado. A altura dos parapódios foi estimada com base na distância entre o ponto de inserção do cirro dorsal e do cirro ventral (nos parapódios onde o cirro dorsal se desloca, a medida foi tomada na base da lígula notopodial). A largura do corpo, com e sem parapódios, foi medida no setígero 5. O material examinado encontra-se depositado na coleção de poliquetas do Centro de Estudos do Mar, Universidade Federal do Paraná (MCEM) e na coleção do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFJR).

Namalycastis abiuma (Grube, 1872)

(Figs. 1-6)


Lycastis abiuma Grube, 1872:47, 48.

Namalycastis abiuma; Hartman, 1959:163-165, figs. 1- 4; Rebelo, 1988:5-9, figs. 1 a-f; Glasby, 1999:31, figs. 1c, 9 , 10 a-h .

Namalycastisaibiuma [sic]; Wu et al., 1985:45-46, fig.22, figs. a-i.



Comentários. A espécie foi originalmente descrita no gênero Lycastis, a partir de material proveniente de Florianópolis e subseqüentemente registrada em diversas partes do mundo, o que lhe conferiu o status de cosmopolita. Glasby (1999) não conseguiu determinar limites morfológicos e geográficos que permitissem o desdobramento do táxon, que caracteriza-se pelos cirros dorsais posteriores triangulares, expandidos e duas vezes mais longos que o lóbulo neuropodial. Preferiu adotar uma solução de compromisso, abrigando os espécimes sob o nome informal de grupo Namalycastis abiuma. Este grupo incluiria espécimes provenientes de diversas partes do mundo, inclusive aqueles da costa brasileira. Ainda segundo Glasby (1999), apesar da impossibilidade de identificar diferentes espécies, as variações registradas nos diferentes espécimes observados são maiores do que aquelas normalmente atribuídas aos gêneros próximos de Namalycastis. Considerando a decisão de Glasby (1999) optamos por identificar o material proveniente do nordeste brasileiro como N. abiuma (figs. 1-6).

Ocorrência. Comumente encontrada na região entre-marés de bancos lodosos, associada a troncos caídos de árvores de manguezais. Na região estudada foi encontrada em raízes de Rhizophora mangle Linnaeus.

Distribuição. Ampla distribuição mundial, típica de áreas estuarinas tropicais e subtropicais. A espécie é exclusiva de águas quentes e de acordo com Glasby (1999), o grupo N. abiuma, incluindo as sinonímias propostas, possui distribuição circumglobal entre 30º N e 30º S.

Material examinado. BRASIL, Sergipe: Estuário do rio Piauí (MCEM 876, 1 ex.).

Namalycastismacroplatis Glasby, 1999

(Figs. 7-14 )

Namalycastismacroplatis Glasby, 1999:61, figs. 1c, 24, 25 a-g.

Comentários. Namalycastis macroplatis, com cirros dorsais posteriores delgados, 4 a 5 vezes mais longos que o lóbulo neuropodial e setas falcígeras restritas a alguns setígeros (figs. 7-14 ), difere de N. abiuma, que apresenta setas falcígeras heterogonfas supra- e subaciculares em todos os parapódios e cirros dorsais posteriores triangulares, robustos, duas vezes mais longos que o lóbulo neuropodial. N. brevicornis, registrada em região entre-marés areno-lodosa na França e na Ilha de Marajó, difere de N. macroplatis por apresentar setas falcígeras heterogonfas supra- e subaciculares em todos os parapódios, setas falcígeras heterogonfas lisas e cirro dorsal aproximadamente do mesmo comprimento do lóbulo neuropodial em parapódios anteriores. N. siolii, registrada em rios da Região Amazônica, apresenta cirros dorsais posteriores triangulares, robustos e até duas vezes mais longos que o lóbulo neuropodial, ao contrário dos cirros dorsais delgados e muito mais longos que os lóbulos neuropodiais encontrados na região posterior de N. macroplatis. Em N. senegalensis os cirros dorsais posteriores apresentam um estreitamento abrupto na região subterminal, e em N. macroplatis o estreitamento é progressivo e menos pronunciado.

Wu et al. (1985) referiram N. longicirris (Takahashi, 1933) para a Região Amazônica. Segundo Glasby (1999), esta é restrita à localidade-tipo, ocorrendo em lagos, banhados e arrozais da China. Os cirros dorsais de N. longicirris são similares àqueles encontrados em N. macroplatis. No entanto, diferem pela presença de setas falcígeras heterogonfas nos feixes supra- e subaciculares em todos os parapódios de N. longicirris.

Variação. Os espécimens examinados (figs. 7-14 ) variam em relação ao material descrito por Glasby (1999) como N. macroplatis, por apresentarem uma seta falcígera subacicular em parapódios posteriores e pela ausência de pigmentação dorsal. Entretanto, esta variação não é considerada suficiente para eleição de uma nova espécie e o material é referido a N. macroplatis.

Ocorrência. Em substrato arenoso de região sublitoral, em estuário mixo- a oligohalino.

Distribuição. Além da localidade-tipo, a Ilha de Marajó, Belém, Pará, Brasil, ocorre no Suriname, Panamá e ora registrado na região Nordeste do Brasil (estuário do rio Japaratuba, em Sergipe e no Maranhão) ampliando a distribuição do táxon para o sul. Existe ainda um registro duvidoso para o Golfo de St. Lawrence, onde a espécie teria sido introduzida, fornecendo mais um exemplo de distribuição disjunta entre os Namanereidinae (Glasby, 1999).

Material examinado. BRASIL, Maranhão: São Luís, Manguezal Parnauaçu-P8 (MCEM 877, 1 ex.); Sergipe: Estuário do rio Japaratuba (MCEM 878, 1 ex.; 878a 1 ex.; 879- 880, 2 exs cada).

Ceratocephale oculata Banse, 1977

(Figs. 15-18)

Ceratocephale loveni; Day, 1973:38 [non Malmgren, 1867].

Ceratocephale oculata Banse, 1977:620, fig. 3; Taylor, 1984:9, figs. 6- 9 ; Paiva, 1993:73.

Ceratocephale crosslandi; Santos et al., 1994:544.

Comentários. Ceratocephale oculata caracteriza-se pela presença de olhos, cirros ventrais duplos a partir do setígero 1 e setas exclusivamente espinígeras homogonfas (figs. 15-18). A espécie foi descrita a partir de material erroneamente referido a C. loveni Malmgren, 1867 por Day (1973). Santos et al. (1994) registraram-na em estuários de Sergipe, referindo-a equivocadamente a C. crosslandi (Monro, 1933). O material identificado por Lana (1987) na costa do Paraná como C. oculata foi reexaminado e identificado como Gymnonereis Horst, 1918, que difere de Ceratocephale pela presença de projeções laterais nos cirróforos.

Ocorrência. Em substrato síltico-argiloso com areia biodetrítica e salinidade entre 20 e 30, em região sublitoral estuarina.

Distribuição. Ilha Gorgona, Panamá; costa leste norte-americana (Carolina do Norte) até o Golfo do México; costa oeste do México; costa sudeste do Brasil. Na costa nordeste do Brasil foi registrada no sul de Sergipe, nos estuários dos rios Japaratuba, Piauí e Real e no recife de Timbabas na Bahia

Material examinado. BRASIL, Sergipe: estuário do rio Japaratuba ( MCEM 985, 6 exs; 1005, 1 ex.); estuário do rio Piauí (MCEM 963-984, 64 exs; 987, 1 ex.; 990-999, 35 exs); estuário do rio Real (MCEM 989-1004, 43 exs); Bahia: recife de Timbabas (UFRJ 95, 21 exs).

Ceratocephalerocaensis sp. nov.

(Figs. 19-25)

Etimologia. O adjetivo específico faz referência à localidade-tipo, o Atol das Rocas, ao largo do Rio Grande do Norte.

Descrição. Entre os 6 espécimes examinados, apenas três estão completos apresentando entre 90 e 107 setígeros e medindo entre 12 e 17 mm. O holótipo é um exemplar completo com 107 setígeros e 12 mm de comprimento, medindo 700 µm de largura sem os parapódios e 1250 µm com os parapódios, na altura do setígero 5. Coloração amarelo-esbranquiçada em álcool 70 %. Prostômio anteriormente fendido; um par de antenas cirriformes atingindo metade do comprimento dos palpos; um par de palpos delicados, com palpóforos cilíndricos e longos e palpóstilos cônicos; dois pares de olhos conspícuos, dispostos em trapézio na metade posterior do prostômio; primeiro par em forma de meia-lua, segundo par circular; quatro pares de cirros tentaculares curtos, com o mais longo atingindo o setígero 2. Probóscide parcialmente evertida; o estado de conservação do espécime não permitiu a visualização das áreas em separado. Região dorsal lisa, sem elevações ou lamelas. Dois primeiros parapódios unirremes (fig. 19) e todos os demais birremes. Notopódios representados por cirro dorsal e lóbulo, sem lígulas. Cirro dorsal cilíndrico e longo, com o cirróforo expandido do setígero 10 ao 18 (fig. 20). Lóbulo notopodial cilíndrico aproximadamente do mesmo tamanho do cirro em parapódios anteriores, mais curto que este em parapódios medianos e posteriores (figs. 20, 21). Neuropódio com lóbulo pós-setal arredondado, achatado mais curto que o lóbulo notopodial e que a lígula neuropodial inferior (fig. 21). A partir dos setígeros 17-18 lóbulo neuropodial passa a acicular (fig. 22). Lígula neuropodial arredondada em parapódios anteriores e afilada em parapódios medianos e posteriores. Cirro ventral duplo a partir do setígero 1, onde o ramo inferior é extremamente delicado e de difícil visualização. A partir do 3º,4º setígero apresenta-se com 1/3 do comprimento do ramo superior, aumenta gradativamente nos parapódios anteriores e medianos, até atingir aproximadamente o mesmo tamanho do superior em parapódios posteriores. Notosetas supra-aciculares homogonfas espinígeras e notosetas subaciculares homo- e sesquigonfas espinígeras (figs. 23-25). Neurosetas supra- e subaciculares homo- e sesquigonfas espinígeras e sesquigonfas falcígeras. As neurosetas falcígeras estão presentes do 1 ao 6º-9º setígeros. Os cinco primeiros parapódios apresentam neuroacículas extremamente robustas e escuras.

Diagnose. Quatro pares de cirros tentaculares, probóscide lisa e mandíbulas denteadas. Prostômio mais longo do que largo com um par de olhos. Lígula notopodial ausente. Cirro ventral duplo a partir do setígero1, com o ramo ventral apresentando ¼ do comprimento do ramo ventral. Cirróforos expandidos dos setígeros 10-18. Notosetas supra-aciculares homogonfas espinígeras e subaciculares homogonfas e sesquigonfas espinígeras. Região dorsal lisa. Neurosetas supra-aciculares espinígeras homogonfas; neurosetas subaciculares homo- e sesquigonfas espinígeras e falcígeras. As falcígeras aparecem nos primeiros setígeros e estão restritas à região anterior.

Comentários. A espécie semelhante, em termos de morfologia parapodial, tipo e distribuição de setas, é C. setosa Hutchings & Reid, 1990, que apresenta cirro ventral bífido a partir do setígero 3, setas neuropodiais falcígeras e uma papila neuropodial. C. setosa foi descrita a partir de único exemplar, que se encontra em mau estado de conservação, o que impede exames morfológicos mais detalhados ou maiores discussões. A presença de cirro ventral duplo a partir do setígero 1, a presença de setas falcígeras nos 6-9 primeiros setígeros e a região dorsal lisa são tão distintivas em C. rocaensis, quando comparadas com as espécies congêneres, que justificam a eleição de uma nova espécie.

Ocorrência. Em poças de maré com substrato calcário.

Material-tipo. BRASIL, holótipo, Rio Grande do Norte: Atol das Rocas, (MCEM 1006); parátipos (MCEM 1006a, 5 exs).

Laeonereis acuta (Treadwell, 1923)

(Figs. 26-32)


Nereis (Leptonereis) acuta Treadwell, 1923:1237, figs. 1-5.

Laeonereis culveri; Hartman, 1945: 21; Pettibone, 1971:14-19, figs. 5-7 [em parte].


Laeonereispandoensis; Orensanz & Estivariz, 1971:99, figs. 10 -22.

Laeonereis acuta; Orensanz & Gianuca, 1974:9.

Comentários. Nereis (Leptonereis) acuta, coletada em Santos e descrita por Treadwell (1923), foi transferida para o gênero Laeonereis por Hartman (1945) e considerada um sinônimo júnior de Laeonereis culveri (Webster, 1880) por Hartman (1945) e Pettibone (1971). Esta última autora revisou o gênero e descreveu diferenças acentuadas na proporção entre as lígulas e os lóbulos notopodiais posteriores em espécimes provenientes da Flórida e da Geórgia. Os primeiros apresentam lígulas e lóbulos notopodiais aproximadamente do mesmo tamanho, com as lígulas maiores que os lóbulos, ambos triangulares. Os espécimes provenientes da Geórgia apresentam a lígula notopodial duas a três vezes mais longa que o lóbulo, ambos com formato mais delgado e acuminado. Apesar das variações, o gênero foi considerado monoespecífico, constituído por Laeonereis culveri, cuja distribuição iria da Flórida até o Uruguai. Orensanz & Gianuca (1974) registraram diferenças na proporção entre os lóbulos notopodiais posteriores entre os espécimes subtropicais da América do Norte e da América do Sul. Nos exemplares sul-americanos identificados, os lóbulos notopodiais posteriores são aproximadamente do mesmo tamanho e nos espécimes norte-americanos o lóbulo notopodial superior é sempre mais longo. Consideraram também que existem diferenças quanto à biologia reprodutiva e a partir dessas constatações removeram N. (L). acuta da sinonímia de L. culveri reconhecendo duas espécies para o gênero: L. culveri, com distribuição de New Jersey ao Golfo do México e L. acuta de Santos a Península Valdés, na Argentina. L. pandoensis (Monro, 1937) foi considerada sinônimo júnior de L. acuta por Orensanz & Gianuca (1974).

Em alguns indivíduos adultos coletados na Bahia, a região anterior do corpo é uniformemente cilíndrica, diferente do que ocorre em L. acuta, que tem o peristômio marcadamente estreito em relação à região anterior do corpo (fig. 26). Os exemplares provenientes do nordeste do Brasil apresentam a distribuição das papilas (figs. 27, 28), lígulas notopodiais posteriores aproximadamente do mesmo tamanho dos lóbulos, ligeiramente mais curtas nos últimos setígeros (figs. 29-31), e setas falcígeras homogonfas (fig. 32) com padrão semelhante ao dos exemplares das costas sudeste e sul do Brasil, referidos a L. acuta, o que amplia a distribuição da espécie para o norte.

Ocorrência. Em substrato arenoso na região oligohalina de estuários.

Distribuição. Atlântico Ocidental, de Sergipe, Brasil, ao Uruguai.

Material examinado. BRASIL, Sergipe: Estuário do rio Real (MCEM 1155-1208, 1047 exs); Bahia: baía de Todos os Santos (MCEM 1209, 6 exs).

Rullierinereisauxiliadorae sp. nov.

(Figs. 33-40)


Etimologia. A espécie foi nomeada em homenagem à Dra. Maria Auxiliadora Santos, que por muitos anos emprestou o seu entusiasmo, na Universidade Federal de Sergipe, àqueles dispostos a entrarem no mundo dos poliquetas.

Descrição. O holótipo é um espécime completo com 50 setígeros e 10 mm de comprimento total, medindo 450 µm de largura sem os parapódios e 750 µm com os parapódios. Coloração amarelo-claro em álcool 70%. O setígero 2 apresenta uma banda dorsal marrom, larga no centro e estreita lateralmente, em direção aos parapódios. Prostômio triangular, duas vezes mais longo do que largo; um par de antenas frontais, cirriformes, ligeiramente mais longas do que os palpos; dois pares de olhos marrons, redondos, do mesmo tamanho e dispostos em retângulo na metade posterior do prostômio; linha vertical de pigmentação entre os olhos e palpos com palpóforos e palpóstilos cilíndricos; peristômio duas vezes mais longo que o setígero 1; quatro pares de cirros tentaculares, finos e curtos, o mais longo atinge o setígero 2 e o mais curto não chega ao setígero 1 (fig. 33). Probóscide lisa. Cirro dorsal inserido na base do lóbulo notopodial triangular, aproximadamente do mesmo tamanho deste em parapódios anteriores e mais longo que este em parapódios medianos e posteriores; lígula notopodial ausente ao longo de todo o corpo (figs. 34, 36). Lóbulo notopodial triangular e aproximadamente do mesmo tamanho do lóbulo neuropodial em parapódios anteriores, mais curto em parapódios medianos e posteriores (figs. 35, 36). Lóbulo neuropodial triangular aproximadamente do mesmo tamanho da lígula neuropodial cônica (figs. 35, 37). Cirro ventral cônico, aproximadamente do mesmo tamanho da lígula neuropodial nos setígeros anteriores (fig. 34) e mais curto que esta em setígeros medianos e posteriores. Notosetas espinígeras homogonfas (fig. 37) até o setígero 15; a partir do setígero 16 são substituídas por uma seta falcígera homogonfa robusta, bi- ou tridentada (figs. 38, 39). Neurosetas supra-aciculares espinígeras homogonfas e falcígeras heterogonfas; neurosetas subaciculares espinígeras e falcígeras heterogonfas (fig. 40). Pigídio com um par de uritos finos, que atingem o comprimento dos dois últimos setígeros.

Diagnose. Quatro pares de cirros tentaculares, probóscide lisa e mandíbulas denteadas. Margem anterior do peristômio cobrindo o primeiro par de olhos, que permanece visível por transparência. Lígula notopodial ausente. Região dorsal com faixa de pigmentação transversal no segundo setígero (fig. 33). Cirro dorsal cilíndrico, aproximadamente do mesmo tamanho ao longo do corpo, cirro ventral cônico similar à lígula neuropodial em comprimento nos primeiros setígeros e diminuindo gradativamente (figs. 34, 36). Notosetas homogonfas espinígeras e homogonfas falcígeras, bi- e tridentadas (figs. 38, 39). Neurosetas supra-aciculares espinígeras homogonfas e falcígeras heterogonfas; neurosetas subaciculares espinígeras e falcígeras heterogonfas.

Comentários. Rullierinereis misakiensis (Imajima & Hayashi, 1969) difere de R. auxiliadorae, por apresentar seta notopodial falcígera homogonfa exclusivamente tridentada, cirro dorsal duas vezes mais longo que a lígula notopodial em parapódios posteriores, lóbulo notopodial posterior maior do que o lóbulo neuropodial e cirros tentaculares longos alcançando o setígero 4. R. bahamensis (Hartmann-Schröder, 1958) apresenta papilas proboscidiais e setas tridentadas em parapódios anteriores. Liñero-Araña & Vásquez (1979) descreveram os parapódios posteriores de R. bahamensis com quatro projeções, considerando três delas bem-desenvolvidas e uma quarta, a notopodial superior, como incipiente. Entretanto, as figuras (L.-Araña & Vásquez, 1979:5, figs. 1.5 e 1.6) mostram a mesma projeção um pouco mais curta que o lóbulo notopodial, o que permitiria descrevê-la como uma lígula notopodial com cirro dorsal inserido na região terminal.

Ocorrência. Em fundos de plataforma, entre 18 e 21 m, em substrato calcário.

Material-tipo. BRASIL, holótipo, Ceará: Projeto GEOCOSTA I (MCEM 1213); parátipos: Projeto GEOCOSTA (MCEM 1211-1214, 6 exs).

Agradecimentos. A todos aqueles que gentilmente cederam nereidídeos para este estudo: Verônica Oliveira (Universidade Federal do Maranhão), Wilson Franklin (Universidade Federal do Ceará), Rosângela Gondim (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), Martin Christoffersen e Elineí Araújo (Universidade Federal da Paraíba), Bety Rose (Universidade Federal Rural de Pernambuco), Tereza Callado (Universidade Federal de Alagoas), Maria Auxiliadora Santos, Erminda Couto, Wellington Sousa e Denise Santos (Universidade Federal de Sergipe), Lêda Santa-Isabel (Universidade Federal da Bahia), Paulo César de Paiva (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e Sérgio Netto (UNISUL, Santa Catarina).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em 05.09.2000; aceito em 13.07.2001

2. Pós-Graduação em Zoologia, Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná. (Bolsista CNPq, Doutorado).

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    . Centro de Estudos do Mar, Universidade Federal do Paraná, CP 002, 83 255 000, Pontal do Paraná, PR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jul 2003
    • Data do Fascículo
      Nov 2001

    Histórico

    • Aceito
      13 Jul 2001
    • Recebido
      05 Set 2000
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