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Da utopia à realidade: retrato do cooperativismo no Brasil - um estudo entre os anos de 2010 e 2018

From utopia to reality: portrait of cooperativism in Brazil - a study between the years of 2010 and 2018

De la utopía a la realidad: retrato del cooperativismo en Brasil - un estudio entre los años del 2010 y 2018

Resumo

O presente artigo tem como objetivo apresentar o retrato do cooperativismo no Brasil, realizando um recorte entre os anos de 2010 e 2018. Partindo de uma perspectiva histórica, descrevemos os diferentes ramos de atuação do cooperativismo para, em seguida, analisarmos o contexto do movimento cooperativista brasileiro, levando em conta algumas das principais características que possibilitam traçar um perfil do movimento, tais como: número de cooperativas, número de cooperados e total de empregos gerados. Os dados foram segmentados por ramos de atuação, de acordo com a classificação proposta pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Quanto aos procedimentos metodológicos, o estudo foi definido como bibliográfico-descritivo e qualitativo; bibliográfico-descritivo, uma vez que se baseou na organização e análise de materiais já existentes, descrevendo as propriedades do fenômeno cooperativista; e qualitativo, pois o intuito foi interpretar significados, não buscando regularidades, mas sim a compreensão do objeto estudado. Por fim, a partir da interpretação das informações levantadas, foi possível perceber a importância do cooperativismo no contexto brasileiro, não apenas no tocante ao enfrentamento de questões pontuais, como também em relação ao seu potencial de expansão e como alternativa viável para a inclusão social e econômica dos estratos mais vulneráveis, capaz de expandir as fronteiras democráticas para o campo organizacional.

Palavras-chave:
cooperativismo; perfil do cooperativismo; democracia organizacional

Abstract

This article aims to present a portrait of cooperativism in Brazil, from the years of 2010 to 2018. Starting from a historical perspective, we describe the different branches of cooperativism and then analyze the context of the Brazilian cooperative movement, taking into account some of the main characteristics that make it possible to draw a profile of the movement, such as: number of cooperatives, number of cooperative members and total jobs generated. The data were segmented by line of business, according to the classification proposed by the Organization of Brazilian Cooperatives (OCB). As for the methodological procedures, the study was defined as bibliographic-descriptive and qualitative; bibliographic-descriptive, since it was based on the organization and analysis of existing materials, describing the properties of the cooperative phenomenon; and qualitative, since the aim was to interpret meanings, not seeking regularities, but the understanding of the object studied. Finally, from the interpretation of the information gathered, it was possible to perceive the importance of cooperativism in the Brazilian context, not only in terms of facing specific issues, but also in relation to its potential for expansion and as a viable alternative for the social and economic inclusion of the most vulnerable strata, capable of expanding the democratic frontiers to the organizational field.

Keywords:
cooperativism; cooperativism profile; organizational democracy

Resumen

El presente artículo pretende presentar un retrato del cooperativismo en Brasil, desde 2010 hasta 2018. Partiendo de una perspectiva histórica, describimos las diferentes ramas del cooperativismo y luego analizamos el contexto del movimiento cooperativo brasileño, teniendo en cuenta algunas de las principales características que permiten dibujar un perfil del movimiento, tales como: número de cooperativas, número de cooperativistas y total de empleos generados. Los datos fueron segmentados por campos de actividad, según la clasificación propuesta por la Organización de Cooperativas Brasileñas (OCB). En cuanto a los procedimientos metodológicos, el estudio se definió como bibliográfico-descriptivo y cualitativo; bibliográfico-descriptivo, ya que se basó en la organización y el análisis de los materiales existentes, describiendo las propiedades del fenómeno cooperativo; y cualitativo, ya que el objetivo fue interpretar significados, no buscando regularidades, sino la comprensión del objeto estudiado. Finalmente, a partir de la interpretación de las informaciones recogidas, fue posible percibir la importancia del cooperativismo en el contexto brasileño, no sólo en cuanto al abordaje de cuestiones específicas, sino también en relación a su potencial de expansión y como alternativa viable para la inclusión social y económica de las capas más vulnerables, capaz de ampliar las fronteras democráticas al campo organizativo.

Palabras clave:
cooperativismo; perfil del cooperativismo; democracia organizativa

1 INTRODUÇÃO

Diante da polarização econômica vivida no mundo, em que a concentração de riqueza e de poder assumem dimensões ficcionais, a democracia, considerada como principal conquista da modernidade, é particularmente abalada. Empresas passam a ter força maior do que muitos estados-nação, sem qualquer compromisso com a democracia ou com a promoção do bem-comum, pois são fundamentadas em estruturas rígidas de poder e têm como principal propósito a maximização do lucro para seus acionistas. Diante desta realidade, é necessário repensar os modelos organizacionais, criando alternativas mais justas, democráticas e sustentáveis, sendo o cooperativismo um dos modelos mais bem colocados para servir de referência para o desenho de um futuro mais auspicioso (Luzio-dos-Santos, 2020LUZIO-DOS-SANTOS, Luís Miguel. Ética e Democracia Econômica: caminhos para a socialização da economia. São Paulo: Ideias e Letras, 2020.).

Mesmo após sua difusão, ainda hoje, o cooperativismo é um fenômeno pouco compreendido. Há uma predisposição em concebê-lo apenas sob seus aspectos doutrinários e utópicos, marginalizando-se suas reais potencialidades (Costa, 2007COSTA, Luciano de Souza. O Cooperativismo: uma reflexão teórica. Revista Ciências Sociais em Perspectiva, Cascavel, v. 6, n. 11, p. 55-64. 2007. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/ccsaemperspectiva/article/view/1500. Acesso em: 5 jan. 2020.
http://e-revista.unioeste.br/index.php/c...
; Namorado, 2005NAMORADO, Rui. Cooperativismo - um horizonte possível. Coimbra: Centro de Estudos Sociais [CES] , 2005. Disponível em: https://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/229/229.pdf. Acesso em: 21 jan. 2020.
https://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficin...
, 2013NAMORADO, Rui. O mistério do Cooperativismo: da cooperação ao movimento cooperativo. Coimbra: Almedina, 2013., 2018). À vista disso, é importante resgatar que o modelo cooperativo nasce em reação aos efeitos nocivos do capitalismo, na busca de oportunidades para melhorar a vida da classe trabalhadora e para restaurar o bem viver coletivo. Seu desafio é propor alternativas que resgatem modos organizacionais mais justos, participativos e solidários, que, apesar de emergirem dentro do sistema capitalista, busquem outras formas de sociabilidade, baseadas em princípios não capitalísticos (Santos; Rodríguez, 2002SANTOS, Boaventura de Sousa; RODRÍGUEZ, César. Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Tradução de Vitor Ferreira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.).

Nesse contexto, o cooperativismo surge como proposta de organização alternativa à organização capitalista. Com um modelo organizacional mais democrático, seu intuito é de, a partir de experiências coletivistas, tentar corrigir as relações desiguais de nossa sociedade, promovendo a união entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento social (Nascimento, 2000NASCIMENTO, Fernando Rios. Cooperativismo como alternativa de mudança. Rio de Janeiro: Forense, 2000.). Assim, pode-se conceituar as cooperativas como organizações “cujos membros visam, por seu intermédio, à obtenção de objetivos comuns. Esses objetivos podem ser não só de natureza econômica, mas também social. A principal energia que anima essas organizações é a cooperação entre os seus membros. É por meio dela que atingem os seus objetivos” (Namorado, 2018NAMORADO, Rui. O Essencial sobre Cooperativas. 2. ed. Lisboa: Imprensa Nacional, 2018. [E-book]. [Não paginado]., s.p). Os princípios que fundamentam o cooperativismo são: adesão voluntária e livre; gestão democrática pelos membros; participação econômica dos membros; autonomia e independência; educação, formação e informação; intercooperação; e interesse pela comunidade.

Hoje, há, no mundo, cerca de 3 milhões de cooperativas, com 1,2 bilhão de cooperados, as quais geram 280 milhões de postos de trabalho direto (quase 10% do total dos postos de trabalho do planeta) e são responsáveis por parte significativa do PIB de diversas nações. Segundo dados da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), se somássemos o faturamento das 300 maiores cooperativas do mundo, chegaríamos ao faturamento de US$ 2 trilhões (cerca de R$ 8 trilhões) - valor superior à economia de países como a Itália, por exemplo, e que corresponde a 2,5% do PIB mundial (OCB, 2019aORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Cooperativismo em números. Somos Cooperativismo, Brasília, 2019a. Disponível em: https://www.somoscooperativismo.coop.br/noticia/21678/cooperativismo-em-numeros. Acesso em: 19 mar. 2020.
https://www.somoscooperativismo.coop.br/...
; 2021ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Maiores coops do mundo têm PIB maior que o da Itália. Somos Cooperativismo, Brasília, 2021. Disponível em: https://www.somoscooperativismo-ac.coop.br/noticia/177/somoscooperativismo.coop.br. Acesso em: 7 set. 2021.
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). Por sua vez, o Brasil conta com 6.828 cooperativas, com atuação em diversos setores de nossa economia e notável expressão econômica. As cooperativas brasileiras reúnem 14,6 milhões de cooperados e geram 425,3 mil empregos em todo o país. Só em 2018, tais organizações contabilizaram R$ 259,9 bilhões de receita bruta, o que corresponde a 3,82% do PIB do país no ano, número bem abaixo da média mundial (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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). Diante disso, considerando a importância socioeconômica e a necessidade de ampliação dos conhecimentos sobre o movimento cooperativista, este artigo tem por objetivo apresentar o retrato do cooperativismo brasileiro, realizando um recorte entre os anos de 2010 e 2018, o que contribui para perceber seus avanços, seus desafios e seu potencial de expansão.

Quanto aos procedimentos metodológicos, o estudo foi definido como bibliográfico-descritivo e qualitativo: bibliográfico-descritivo, uma vez que foi realizado com base em materiais já existentes, como artigos científicos, livros, revistas, anuários; descritivo, visto que descreveu propriedades de um determinado fenômeno, no caso, o cooperativismo; e qualitativo, pois o intuito foi interpretar significados, não buscando regularidades, mas sim a compreensão do objeto estudado (Sampieri; Collado; Lucio, 2013SAMPIERI, Roberto Hernández; COLLADO, Carlos Fernández; LUCIO, María del Pilar Baptista. Metodologia de Pesquisa. 5. ed. Tradução de Daisy Vaz de Moraes. Porto Alegre: Penso Editora, 2013.).

Para que o objetivo principal fosse atingido, o artigo compreendeu três momentos complementares: inicialmente, discorreu-se sobre as bases teóricas-conceituais que orientaram o estudo. Em seguida, foi traçado o retrato do cooperativismo no Brasil a partir da sistematização de dados oficiais e, por último, analisou-se o fenômeno dentro do contexto atual, considerando seus obstáculos e desafios.

2 COOPERATIVISMO NO BRASIL

2.1 História

Antes da institucionalização do cooperativismo no Brasil, já existiam, no país, experiências baseadas em princípios de cooperação, contudo, estas careciam de fundamentos conceituais mais profundos e de uma ideia de movimento ampliado de mudança social. Podemos citar, como exemplo de experiências pré-cooperativistas: os movimentos messiânicos sebastianistas, de origem portuguesa (1530-1540), a República de Palmares (1600-1695), a Colônia Tereza Cristina (1847), Canudos (1874-1876), entre outras (Marra, 2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009.; OCB, 2017ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Fundamentos do Cooperativismo. Brasília: Sistema OCB, 2017. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/29/fundamentos-do-cooperativismo. Acesso em: 30 set. 2019.
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). O cooperativismo, como organização formal, compreende um movimento social que, por meio da associação e de princípios coletivistas definidos, buscou alternativas para escapar da opressão social vivida em decorrência do sistema econômico capitalista do século XIX (Costa, 2007COSTA, Luciano de Souza. O Cooperativismo: uma reflexão teórica. Revista Ciências Sociais em Perspectiva, Cascavel, v. 6, n. 11, p. 55-64. 2007. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/ccsaemperspectiva/article/view/1500. Acesso em: 5 jan. 2020.
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).

A história formal do cooperativismo brasileiro teve início em 1889, com a fundação da Sociedade Cooperativa Econômica dos Funcionários de Ouro Preto, uma cooperativa de consumo que oferecia produtos diversificados, desde gêneros alimentícios até residências e crédito. Também em 1889, empregados da Companhia Paulista de Ferro fundaram uma cooperativa de consumo (OCB, 2017ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Fundamentos do Cooperativismo. Brasília: Sistema OCB, 2017. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/29/fundamentos-do-cooperativismo. Acesso em: 30 set. 2019.
https://www.ocb.org.br/publicacao/29/fun...
). Em 1891, foi inaugurada uma cooperativa na cidade de Limeira, no estado de São Paulo, e, em 1895, nascia, no Estado de Pernambuco, a Cooperativa de Consumo de Caramagibe (Marra, 2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009.). Pinho (2004)PINHO, Diva Benevides. O Cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo: Saraiva, 2004. destaca que diversos fatores marcaram a implementação das primeiras cooperativas no país, dentre eles a abolição da escravatura e a legislação republicana (Constituição de 1891BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. [Constituição (1891)]. Rio de Janeiro, RJ, 24 fev. 1891. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm. Acesso em: 28 mar. de 2020.
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), que assegurou a liberdade de associação a todos, já que, antes, era proibida qualquer tentativa de associativismo no Brasil.

Aos poucos, as iniciativas cooperativistas começaram a se multiplicar, muito em função da participação de imigrantes europeus, sobretudo alemães e italianos, que já tinham uma forte tradição associativista em seus países de origem (Cançado; Souza; Pereira, 2014CANÇADO, Airton Cardoso; SOUZA, Maria de Fátima Arruda; PEREIRA, José Roberto. Os princípios cooperativistas e a identidade do movimento cooperativista em xeque. Revista de Gestão e Organizações Cooperativas, Santa Maria, v. 1, n. 2, p. 63-72, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/rgc/article/view/16279. Acesso em: 2 fev. 2020.
https://periodicos.ufsm.br/rgc/article/v...
). Logo no início do século XX, começaram a surgir cooperativas inspiradas em modelos europeus, como a Sociedade Cooperativa Caixa de Economia e Empréstimos de Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul, que se tornou a primeira cooperativa de crédito do Brasil, inaugurada em 1902, por colonos de origem alemã, liderados pelo padre jesuíta Theodor Amstad (Marra, 2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009.; OCB, 2017ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Fundamentos do Cooperativismo. Brasília: Sistema OCB, 2017. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/29/fundamentos-do-cooperativismo. Acesso em: 30 set. 2019.
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). Contudo, o marco decisivo para a consolidação do cooperativismo no Brasil foi a promulgação do Decreto n. 22.239/1932, a primeira Lei Orgânica do Cooperativismo Brasileiro (Brasil, 2006BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Evolução do Cooperativismo no Brasil: DENACOOP em ação. Brasília: Mapa, 2006. Disponível em: https://www.faneesp.edu.br/site/documentos/evolucao_cooperativismo_DENACOOP.pdf. Acesso em: 12 jan. 2020.
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; Reisdorfer, 2014REISDORFER, Vitor Kochhann. Introdução ao Cooperativismo. Santa Maria: UFSM, 2014.).

Entre 1930 e 1945, no governo de Getúlio Vargas, o cooperativismo recebeu um grande impulso. Foram estabelecidos inúmeros incentivos governamentais para a formação de cooperativas agrícolas de soja e de trigo, e, nesse período, foi formulada a Lei n. 5.764/71, que definiu a política nacional de cooperativismo, instituindo o regime jurídico das sociedades cooperativas no Brasil, vigente até hoje (Marra, 2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009.). Cabe ressaltar que boa parte da trajetória do cooperativismo no Brasil sofreu forte influência do Estado, conflitando-se com o princípio cooperativo da “autonomia e independência”.

Outro avanço importante para o movimento cooperativista brasileiro ocorreu em 1988, com a promulgação da nova Constituição Federal. A nova Carta Magna favoreceu a expansão das organizações cooperativas em todo país, garantindo liberdade de constituição e autonomia necessária para a prática da autogestão (OCB, 2017ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Fundamentos do Cooperativismo. Brasília: Sistema OCB, 2017. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/29/fundamentos-do-cooperativismo. Acesso em: 30 set. 2019.
https://www.ocb.org.br/publicacao/29/fun...
). O art. 5º, inciso XVIII, da Constituição Federal de 1988 assegura que “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. Para Marra (2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009., p. 37), esse fato “representou a completa autonomia e independência das cooperativas em relação ao Estado, que deixou de fiscalizar e intervir na administração das mesmas, sob todos os seus aspectos”. Assim, o avanço nos marcos legais e regulatórios do cooperativismo deram o suporte e a segurança jurídica necessários para o desenvolvimento e a expansão do movimento (OCB, 2017BRASIL. Ministério da Economia. Relação anual de informações sociais (RAIS). Brasília, 2019a. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2020/10/Sumario-Executivo_RAIS-2019.pdf. Acesso em: 7 set. 2021.
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).

2.2 Ramos de Atuação

O cooperativismo está relacionado a um grande número de segmentos de atividade, tanto no setor primário como secundário e terciário. De forma a sistematizar os diferentes campos de atuação dessas organizações, no Brasil, o movimento cooperativo foi estruturado e dividido em 13 grandes ramos: agropecuário, de consumo, de crédito, educacional, especial, habitacional, de infraestrutura, mineral, de produção, de saúde, de trabalho, de transporte e de turismo e lazer (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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). A seguir, apresenta-se uma breve descrição de cada um deles.

Ramo agropecuário - É formado por produtores agrícolas, pecuários, extrativistas e/ou pescadores. Cuidam de toda a cadeia produtiva, desde o fornecimento de insumos à comercialização dos produtos de seus associados, o que tende a gerar economia de escala e agregação de valor aos produtos primários. Tais organizações destacam-se também na prestação de serviços de assistência técnica, além de transferência e fomento de tecnologias para os cooperados (Marra, 2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009.; OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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).

Ramo de consumo - Engloba as cooperativas dedicadas à compra conjunta de artigos de consumo para seus membros. Tende-se a conseguir maior poder de barganha, o que se reflete em preços mais atrativos, fruto da economia de escala. As cooperativas do ramo de consumo são representadas por farmácias, supermercados, entre outros. Foi esse modelo que originou o cooperativismo mundial (Marra, 2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009.; OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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).

Ramo de crédito - Segundo o Art. 2º da Lei Complementar n. 130/2009, as cooperativas de créditos são aquelas que “destinam-se, precipuamente, a prover, por meio da mutualidade, a prestação de serviços financeiros a seus associados, sendo-lhes assegurado o acesso aos instrumentos do mercado financeiro” (Brasil, 2009BRASIL. Lei Complementar n. 130, de 17 de abril de 2009. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo e revoga dispositivos das Leis nos 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Brasília, DF, 17 abr. 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp130.htm. Acesso em: 20 jan. 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
, s.p). É, sem dúvida, um dos ramos do cooperativismo mais bem organizados, que conta com legislação específica e eficazes instrumentos de controle interno (Marra, 2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009.).

Ramo educacional - É possível definir as cooperativas do ramo educacional como “o conjunto de empreendimentos cooperativos que têm como objetivo promover a educação nas escolas, a fundação de estabelecimentos de ensino ou a manutenção desses empreendimentos com uma proposta de gestão democrática” (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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, p. 53). Esse ramo é formado por cooperativas de professores e outros profissionais de educação, com a finalidade da prestação de serviços educacionais. Essas organizações surgiram em busca de qualidade na educação a um preço justo (Marra, 2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009.).

Ramo especial - Engloba organizações cooperativas não plenamente autogestionárias, formadas por pessoas com necessidades especiais, que necessitam de um tutor para o seu funcionamento (Reisdorfer, 2014REISDORFER, Vitor Kochhann. Introdução ao Cooperativismo. Santa Maria: UFSM, 2014.). Essas organizações dedicam-se à inserção de pessoas no mundo do trabalho, à conquista da cidadania e à geração de renda para cidadãos com algum tipo de deficiência ou, ainda, em casos de cumprimento de penas alternativas, como: dependentes químicos, pacientes psiquiátricos e egressos do sistema prisional (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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). Em razão da promulgação da Lei das Cooperativas Sociais (Lei n. 9.867/1999), essas cooperativas têm ganhado um importante espaço na sociedade, pois buscam inserir pessoas em desvantagem no mercado econômico, por meio do trabalho, fundamentando-se na promoção da pessoa humana e sua integração social (Brasil, 1999BRASIL. Lei n. 9.867, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre a criação e o funcionamento de Cooperativas Sociais, visando à integração social dos cidadãos, conforme especifica. Brasília, DF, 10 nov. 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9867.htm. Acesso em: 12 fev. 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Lei...
).

Ramo habitacional - São cooperativas destinadas à construção, manutenção e administração de conjuntos habitacionais para seus cooperados. Surgiram com a finalidade de tentar minimizar o gargalo habitacional do país, por meio da auto-organização. Uma importante característica das organizações desse ramo é que, no geral, acabam funcionando como consórcios para a construção de imóveis, encerrando suas atividades após o término das construções (Marra, 2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009.; Reisdorfer, 2014REISDORFER, Vitor Kochhann. Introdução ao Cooperativismo. Santa Maria: UFSM, 2014.).

Ramo de infraestrutura - Composto por cooperativas que têm por finalidade promover serviços de infraestrutura básica ao seu quadro social, provendo recursos para a melhoria da qualidade de vida e o amplo desempenho das atividades produtivas, contribuindo para o desenvolvimento de várias regiões do país (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anu...
). Engloba organizações voltadas à eletrificação rural, limpeza pública, mecanização agrícola, telefonia rural e outros serviços comunitários (Reisdorfer, 2014REISDORFER, Vitor Kochhann. Introdução ao Cooperativismo. Santa Maria: UFSM, 2014.).

Ramo mineral - Constituído pelas cooperativas mineradoras de ouro, calcário, pedras preciosas, sal e outros minerais. As organizações desse ramo “têm como finalidade organizar a atuação dos seus cooperados na pesquisa de lavra, na extração, industrialização, comercialização e exportação dos produtos minerais” (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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, p. 77). Segundo Reisdorfer (2014)REISDORFER, Vitor Kochhann. Introdução ao Cooperativismo. Santa Maria: UFSM, 2014., esse tipo de cooperativa tem possibilitado uma redução na exploração dos garimpeiros por parte dos intermediários, propiciando a eles condições mais dignas de vida e perspectivas de avanços econômicos.

Ramo de produção - Engloba iniciativas de pessoas que decidiram, de maneira autônoma e organizada, levar, juntas, seus produtos aos consumidores. Nesse ramo, “os cooperados organizam o trabalho e participam de todo o processo administrativo, técnico e operacional da cooperativa, utilizando meios de produção que são de propriedade coletiva” (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anu...
). Essas organizações são destinadas à produção de bens e mercadorias como eletrodomésticos, tecidos, móveis, entre outros (Reisdorfer, 2014REISDORFER, Vitor Kochhann. Introdução ao Cooperativismo. Santa Maria: UFSM, 2014.).

Ramo de saúde - Composto por cooperativas “voltadas para os cuidados preventivos e de recuperação da saúde das pessoas. Recentemente, surgiram várias novas cooperativas do ramo no Brasil, que incluem médicos, dentistas, psicólogos, entre outros profissionais de saúde” (Marra, 2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009., p. 128). Segundo Reisdorfer (2014REISDORFER, Vitor Kochhann. Introdução ao Cooperativismo. Santa Maria: UFSM, 2014., p. 55), “basicamente, as cooperativas de saúde dedicam-se à prestação e promoção da saúde humana”.

Ramo de trabalho - De acordo com o Art. 2º da Lei n.º 12.690/2012, que rege sobre a organização e o funcionamento das cooperativas de trabalho, consideram-se como tal as organizações constituídas “por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho” (Brasil, 2012BRASIL. Lei n. 12.690, de 19 de julho de 2012. Dispõe sobre a organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho; institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho - PRONACOOP; e revoga o parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Brasília, DF, 19 jul. 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12690.htm. Acesso em: 20 jan. de 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
, n.p). São vistas como alternativas para os trabalhadores desempregados, organizando-os para que possam desenvolver atividades econômicas coletivas, a fim de garantir renda e dignidade para seus cooperados (Marra, 2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009.; OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anu...
). Importante destacar que a Lei n.º 12.690/2012 representou um importante avanço para a legislação cooperativista do ramo de trabalho no país, pois permitiu a constituição de cooperativas com um número mínimo de 7 (sete) pessoas (Brasil, 2012BRASIL. Lei n. 12.690, de 19 de julho de 2012. Dispõe sobre a organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho; institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho - PRONACOOP; e revoga o parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Brasília, DF, 19 jul. 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12690.htm. Acesso em: 20 jan. de 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), diferentemente do número mínimo de 20 (vinte) pessoas exigidas pela Lei n.º 5.764/71, que norteia os demais ramos do cooperativismo brasileiro (Brasil, 1971BRASIL. Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Brasília, DF, 16 dez. 1971. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5764.htm. Acesso em: 27 mar. de 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
).

Ramo de transporte - Compreende as cooperativas que atuam na prestação de serviços de transporte de cargas e passageiros. Embora pudessem ser enquadradas no ramo de trabalho, em razão de suas particularidades, apresentam denominação própria (Reisdorfer, 2014REISDORFER, Vitor Kochhann. Introdução ao Cooperativismo. Santa Maria: UFSM, 2014.). Segundo Marra (2009MARRA, Adriana Ventola. Associativismo e Cooperativismo. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009., p. 129), as cooperativas de transporte podem ser divididas em: “transporte individual de passageiros (táxi e mototáxi), transporte coletivo de passageiros (vans e ônibus), transporte de cargas (caminhões e furgões) e transporte escolar”. É importante destacar que tais cooperativas surgiram como meio de organização, profissionalização e liberdade para pequenos e médios transportadores, que buscaram, no modelo cooperativo, condições para desempenhar suas funções de forma mais humana e economicamente viável (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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).

Ramo de turismo e lazer - Integra as cooperativas que prestam serviços turísticos, artísticos, de lazer, de entretenimento, de esportes, de eventos, de hotelaria, entre outros (Reisdorfer, 2014REISDORFER, Vitor Kochhann. Introdução ao Cooperativismo. Santa Maria: UFSM, 2014.), possibilitando “a organização de trabalhadores para prestar atendimento a turistas, por exemplo, mantendo, em seus quadros de associados, proprietários de hotéis ou pousadas, agentes de turismo, guias e demais profissionais que se integram de forma organizada, padronizada e planejada” (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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, p. 111).

3 PERFIL DO COOPERATIVISMO NO BRASIL

A presente seção tem por objetivo retratar e analisar o perfil do movimento cooperativista no Brasil ao longo dos anos de 2010 e 2018. Compreendendo informações relativas ao número de cooperativas em atividade, número de cooperados e o total de empregos gerados por esses empreendimentos. Os dados foram segmentados por ramos de atuação, de acordo com a classificação proposta pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

3.1 Número de Cooperativas

Segundo a OCB (2019b)ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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, há, no Brasil, hoje, 6.828 cooperativas. O número é ligeiramente superior ao dos anos de 2010 e 2014, quando se contabilizam 6.652 e 6.582 cooperativas, respectivamente. Essas informações apontam para um tímido avanço do setor no país - já que, em relação a 2010, a quantidade de cooperativas cresceu apenas 2,65%. Contudo, ao ampliar-se a análise para o ano de 2001, nota-se um encolhimento bastante significativo, considerando, particularmente, o pico estabelecido no ano de 2006, quando tais organizações somavam 7.603. Dessa forma, a atualidade contabiliza uma retração de 11,35% do setor, conforme demonstrado na Figura 1. Uma análise mais aprimorada identifica, como possíveis causas, o crescimento das fusões e incorporações entre cooperativas, e não um encolhimento do setor. São um exemplo as cooperativas de crédito, que, segundo o Observatório de Cooperativas (2017OBSERVATÓRIO DE COOPERATIVAS [OBSCOOP]. Cooperativismo de crédito brasileiro apresenta aumento no valor total de ativos, apesar de queda na quantidade de cooperativas. OBSCOOP, Ribeirão Preto, 2017. Disponível em: http://obscoop.fearp.usp.br/dp7/blog/cooperativismo-de-cr%C3%A9dito-brasileiro-apresenta-aumento-no-valor-total-de-ativos-apesar-de-queda. Acesso em: 8 jan. 2021.
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), vêm optando por fusões para aumentar a competividade. Assim, apesar da queda em quantidade, essas cooperativas têm registrado aumentos importantes, tanto no número de cooperados, como no de empregados.

Figura 1
Número de cooperativas no Brasil

Das atuais 6.828 cooperativas em atividade, destacam-se as cooperativas do ramo agropecuário, que somam 1.613 organizações e representam 23,6% do total de cooperativas do país. Em seguida, o ramo de transporte, com 1.351 cooperativas, e o de trabalho, com 925 empreendimentos. Os três ramos juntos representam 57% do total de cooperativas de todo o Brasil (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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). Ao se analisar a variação no número de cooperativas entre os anos 2010 e 2018, percebe-se que os ramos que apresentaram maior crescimento foram os de consumo, com aumento de 66,67%, de mineral (50,79%) e de transporte (33,10%), respectivamente. Contudo, dos treze ramos cooperativos analisados, apenas cinco apresentaram crescimento; os oito restantes sofreram retrações, particularmente o ramo de turismo e lazer, que encolheu 29,03%.

Quadro 1
Número de cooperativas por ramo de atividade no Brasil

Considerando a concentração de cooperativas por Estado, o maior número de organizações encontra-se em São Paulo (1.025), seguido por Minas Gerais (771), Pará (541) e Rio de Janeiro (493). O Estado com menor número de cooperativas é o Tocantins, com apenas 31 organizações (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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). O Paraná, apesar de não figurar no topo do ranking em número de cooperativas, com um total de 215 organizações, destaca-se por ser o Estado com maior representatividade do cooperativismo em relação ao seu PIB (cerca de 18% do total da riqueza produzida pelo Estado provém do setor cooperativista) (Bortolin, 2019BORTOLIN, Nelson. Fonte de riqueza para o Brasil e o Paraná: Cooperativismo ganha importância na economia [...]. Folha de Londrina, Londrina, 24 jul. 2019. Folha Cadernos Especiais. Disponível em: https://www.folhadelondrina.com.br/cadernos-especiais/fonte-de-riqueza-para-o-brasil-e-o-parana-2953387e.html. Acesso em: 2 jun. 2020.
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).

Ao se comparar os números atuais com os de 2010, percebe-se que, apesar do cooperativismo ter crescido 2,65% entre os anos de 2010 e 2018, esse avanço não ocorreu de forma linear. Enquanto alguns Estados impulsionaram tal crescimento (Acre, Distrito Federal, Amapá, Pará e Piauí, Roraima), outros apresentaram resultados negativos. Na Bahia, por exemplo, houve uma retração de 69% no número de cooperativas. Sobre isso, é preciso considerar que tal fenômeno não está, de forma intrínseca, relacionado ao fechamento de unidades cooperativas, mas, mais provavelmente, relacionado ao crescimento no número de fusões e incorporações no setor. O Quadro 2 ilustra melhor a questão.

Quadro 2
Número de cooperativas por Estado
Quadro 3
Número de cooperativas por região

Ao se agrupar as cooperativas por região, percebe-se que, apesar do baixo crescimento nos últimos oito anos (6,70%), a região Sudeste ainda concentra o maior número de cooperativas do país, com 35,7% do total, seguida pela região Nordeste, com 20%, Norte, com 18,3%, Sul, com 13,3% e o Centro-Oeste, que representa 12,7%. A região com maior destaque no período analisado foi a do Norte, contabilizando um crescimento de 62% no número de empreendimentos cooperativos (SESCOOP, 2011SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM DO COOPERATIVISMO [SESCOOP]. Panorama do Cooperativismo Brasileiro. Gerência de Monitoramento e Desenvolvimento de Cooperativas, Curitiba, 2011. Disponível em: http://www.paranacooperativo.coop.br/ppc/attachments/article/40529/PANORAMA%20DO%20COOPERATIVISMO%20BRASILEIRO%20-%202011.pdf. Acesso em: 27 mar. 2020.
http://www.paranacooperativo.coop.br/ppc...
; OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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).

4.1.2 Número de Cooperados

Nos últimos anos, diferentemente do número de cooperativas, que diminuiu em números absolutos, a quantidade de associados a esse modelo organizacional apresentou um importante crescimento. Em 2010, somavam pouco mais de 9 milhões de associados, enquanto, em 2018, totalizavam 14,6 milhões de membros, o que representa um salto de aproximadamente 62%. Entre os ramos com o maior número de cooperados, estão o de crédito, com 9,8 milhões de associados, seguido pelo ramo de consumo, com 1,9 milhões (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anu...
). Esses dados demonstram que, apesar do crescimento tímido do setor entre os anos de 2010 e 2018, bem como da queda no número de cooperativas em relação a períodos anteriores, o aumento no número de cooperados é sintomático do vigor do setor e desconstrói a possível ideia de recuo do movimento cooperativista nacional. No Quadro 4, apresenta-se a quantidade de cooperados por ramo de atividade.

Quadro 4
Número de cooperados por ramo de atividade

Na relação entre o número de cooperados por Estado, São Paulo figura em primeiro lugar (3.093.354), seguido pelo Rio Grande do Sul (2.848.481), Santa Catarina (2.460.456), Paraná (1.768.253) e Minas Gerais (1.738.917). Somados, esses cinco Estados têm 81% do total de cooperados de todo o Brasil (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anu...
). Já no que tange à quantidade por região, evidenciam-se como protagonistas as regiões Sul e Sudeste, com 85,7% do total (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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). Destaca-se que, por região, a variação no número de cooperados cresceu de forma considerável, com exceção da região Nordeste, que teve uma redução de 24,59%.

A partir dos dados dispostos no Quadro 5 , nasceu o questionamento quanto a se esses números sofrem ou não influência da quantidade de pessoas residentes por região. Em 2018, a região Sudeste era a região com o maior número de residentes no Brasil, com 207,9 milhões de pessoas (42,2% do total), seguida pela região Nordeste (27,2%), Sul (14,3%), Norte (8,6%) e Centro-Oeste (7,7%) (Brasil, 2019bBRASIL, Cristina Índio. Estudo diz que Sudeste reúne maior número de residentes: 42,2%. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 16 out. 2019b. Economia. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-10/estudo-diz-que-sudeste-reune-maior-numero-de-residentes-422. Acesso em: 22 dez. 2020.
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). Ao confrontar essas informações com os dados da pesquisa, não se observou nenhuma relação direta entre o número de cooperados e o total de pessoas residentes por região. Por exemplo, a região Sudeste, apesar de concentrar 42,2% do total de residentes no país, detém 37,3% do total de cooperados. Outro exemplo é a região Nordeste, que concentra 27,2% da população nacional, mas soma apenas 4% dos cooperados do país. O destaque fica por conta da região Sul, que aparece em terceiro lugar no número de residentes (14,3%), mas ocupa a primeira colocação em número total de cooperados (48,4%). Assim, outros fatores precisam ser evidenciados para justificar o destaque das regiões Sul e Sudeste sobre as demais. Como possível justificativa para esse resultado, destaca-se a forte influência da imigração europeia, principalmente de alemães e italianos, que têm uma tradição importante no movimento cooperativista e associativo, algo fundamental para impulsionar o setor nestas regiões especificas.

Quadro 5
Número de cooperados por região

4.1.3 Número de Empregados

Em 2018, as cooperativas brasileiras empregaram 425,3 mil pessoas em todo o Brasil - número 56% maior se comparado ao que o setor empregava em 2010: 271 mil pessoas. Apesar do aumento significante no número de empregos em relação a 2010, em 2018, o cooperativismo brasileiro representou apenas 0,91% das ocupações formais no país (Brasil, 2019aBRASIL. Ministério da Economia. Relação anual de informações sociais (RAIS). Brasília, 2019a. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2020/10/Sumario-Executivo_RAIS-2019.pdf. Acesso em: 7 set. 2021.
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), o que demonstra baixo resultado, dado o potencial latente. Retomando, de acordo com o Quadro 6, em 2018, o ramo cooperativo que mais empregou foi o agropecuário, gerando, no total, 209.778 empregos diretos, seguido pelo setor da saúde, com 107.794 empregos, e o de crédito, com 67.267 (SESCOOP, 2011SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM DO COOPERATIVISMO [SESCOOP]. Panorama do Cooperativismo Brasileiro. Gerência de Monitoramento e Desenvolvimento de Cooperativas, Curitiba, 2011. Disponível em: http://www.paranacooperativo.coop.br/ppc/attachments/article/40529/PANORAMA%20DO%20COOPERATIVISMO%20BRASILEIRO%20-%202011.pdf. Acesso em: 27 mar. 2020.
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; OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anu...
).

Quadro 6
Número de empregados por ramo de atuação
Quadro 7
Número de empregos por Estado

Já entre os Estados que mais geraram empregos, estão o Paraná, com 101.228 empregados, o que representa 3,30% dos vínculos formais do Estado em 2018; São Paulo, com 70.344 empregos e 0,53% dos vínculos formais; Santa Catarina, com 63.361 empregos e 2,81% dos vínculos formais; e Rio Grande do Sul, com 61.825 e 2,13% dos vínculos formais (Brasil, 2019aBRASIL. Ministério da Economia. Relação anual de informações sociais (RAIS). Brasília, 2019a. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2020/10/Sumario-Executivo_RAIS-2019.pdf. Acesso em: 7 set. 2021.
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). Tais dados reafirmam a importância do modelo cooperativista para a economia brasileira, uma vez que, de modo crescente, o cooperativismo tem se mostrado capaz de estimular a geração de novos postos de trabalho, com emprego formal e geração de renda. Em um contexto global de desemprego, subemprego e perda de direitos trabalhistas, entre outros prejuízos para a classe trabalhadora, as cooperativas apresentam-se como uma resposta às contingências adversas.

4.1.4 Indicadores de Desempenho

Um importante indicativo para estudar se o cooperativismo no país vai bem ou não são os indicadores de desempenho do setor. Diferentemente das organizações tradicionais, as cooperativas dispõem de um modelo de gestão democrática. A participação por meio da pluralidade de ideias, visões e opiniões, fortalecem sobremaneira o movimento, auxiliando as organizações a antever crises e ajustar os seus processos com maior riqueza de entendimento da realidade.

Os números atestam a força do cooperativismo no país. Em 2018, as cooperativas brasileiras geraram R$ 259,9 bilhões em receitas brutas, recolheram R$ 7 bilhões em impostos e tributos, chegando as sobras do exercício ao montante de R$ 7,6 bilhões e o patrimônio líquido à marca de R$ 100,3 bilhões (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
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). Porém, na comparação desses dados com os referentes ao ano de 2014, percebeu-se uma queda de 6,36% para 3,82% na participação das cooperativas no PIB, algo preocupante, ainda mais quando se compara com a média internacional, em que a participação das cooperativas no PIB de seus países é de, aproximadamente, 10% (Souza; Luzio-dos-Santos; Rocha, 2020SOUZA, Lucas Henrique; LUZIO-DO-SANTOS, Luís Miguel; ROCHA, Jean Carlos Mendes da. O Caso da Cooperativa de Trabalho de Costureiras Unidas Venceremos: Relatos de uma experiência de Economia Solidária. Desenvolvimento Regional em Debate, Canoinhas, v. 10, p. 76-97. 2020. Disponível em: http://www.periodicos.unc.br/index.php/drd/article/view/2543. Acesso em: 1º abr. 2020.
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). Esse recuo considerável pode estar relacionado ao período de recessão que atravessou a economia brasileira, haja vista que os anos de 2015 e 2016 somados foram responsáveis por uma queda no PIB de quase 7%.

Em números totais, esse declínio representou R$ 91,1 bilhões em receitas brutas, conforme apresentado no Quadro 8 . Essa situação demonstra que, apesar de o setor cooperativista brasileiro ser consideravelmente representativo, ele ainda está muito aquém de suas reais potencialidades.

Quadro 8
Participação do cooperativismo no PIB brasileiro

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se analisar a realidade socioeconômica atual, salta aos olhos as iniquidades de um modelo de desenvolvimento que se demonstra incapaz de acolher a todos, o quase monopólio de uma cultura individualista, hierárquica, que exclui e explora, de forma naturalizada, a despeito de todos as consequências deletérias que impactam milhões de seres humanos. A democracia é erudida pelo poder concentrado das empresas heterogestionárias que não têm qualquer compromisso com a participação democrática, ou mesmo com a promoção do bem comum. Repensar os modelos organizacionais é um dos principais desafios contemporâneos, para que sejam mais democráticos, capazes de promover a justiça social, a inclusão e a sustentabilidade. Nesse sentido, o cooperativismo apresenta-se como um dos modelos mais promissores, pelo seu lastro histórico e suas experiências exitosas em todo o mundo (Luzio-dos-Santos, 2020LUZIO-DOS-SANTOS, Luís Miguel. Ética e Democracia Econômica: caminhos para a socialização da economia. São Paulo: Ideias e Letras, 2020.).

À vista disso, este estudo teve por objetivo apresentar o retrato do cooperativismo brasileiro, realizando um recorte entre os anos de 2010 e 2018. Foram levantados e analisados dados referentes ao número de cooperativas em atividade no país, sua distribuição espacial no território nacional, ramos de atuação, de acordo com a classificação proposta pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), número de cooperados e total de empregos gerados por essas organizações nos anos de 2010 e 2018. Foram utilizados esses dois períodos, para que se pudesse realizar comparações temporais, além de possibilitar o cruzamento de informações entre diferentes momentos.

Constatou-se que há, hoje, no Brasil, 6.828 cooperativas, número timidamente superior ao de 2010, que era de 6.652. Em relação ao número de cooperados, diferentemente do número de cooperativas, este apresentou um importante crescimento. Em 2010, essa quantidade totalizava pouco mais de 9 milhões; já em 2018, passou para 14,6 milhões - um aumento de mais de 62%. Quanto ao número de empregados, em 2018, as cooperativas brasileiras empregavam 425,3 mil pessoas, total 56% superior em relação a 2010, quando se computavam 271.134 empregos (OCB, 2019bORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS [OCB]. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília: Sistema OCB, 2019b. Disponível em: https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anuario-do-cooperativismo-brasileiro-2019. Acesso em: 30 nov. 2019.
https://www.ocb.org.br/publicacao/53/anu...
). Outras correlações também foram realizadas, considerando, por exemplo, o ramo de atividade, o Estado e a região de atuação.

A partir dos resultados, é possível reafirmar a importância do cooperativismo no contexto brasileiro, não apenas em relação ao enfrentamento de questões pontuais, mas como alternativa viável de reinserção social e econômica das camadas mais prejudicadas pelos efeitos de um modelo individualista e excludente, com potencialidade de viabilizar soluções coletivas, fundamentadas em princípios democráticos e de justiça social. Não se pode apontar que o cooperativismo seja a solução definitiva ou mágica para todos os problemas; entretanto, diante do cenário desalentador, com desemprego e exclusão crescente e sustentabilidade socioambiental ameaçada, iniciativas que ousam propor formas de produção e sociabilidade humanizadas podem indicar a possibilidade de se trilharem outros caminhos (Rossi, 2011ROSSI, Amélia do Carmo Sampaio. Cooperativismo à luz dos Princípios Constitucionais. Curitiba: Juruá Editora, 2011.).

Por último, salienta-se que este estudo traz importantes análises sobre a realidade do cooperativismo no país e abre novas indagações, as quais merecem ser aprofundadas em trabalhos futuros, tais como: quais as principais limitações ao desenvolvimento do cooperativismo no Brasil? Quais fatores afetam a baixa representatividade do cooperativismo brasileiro no PIB nacional? É pertinente comparar o nosso modelo de cooperativismo com o existente em outras economias (países)? Esses são alguns espaços que merecem ser aprofundados para se entender melhor essa realidade específica e que poderão indicar novos campos de investigação, importantes tanto para o fortalecimento deste campo de pesquisa, como para a dinamização do setor.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2022
  • Aceito
    27 Abr 2023
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