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A trajetória de um grupo de trabalho interinstitucional para a promoção da equidade em saúde na gestão municipal

The trajectory of an interinstitutional working group for the promotion of equity in health in municipal management

La trayectoria de un grupo de trabajo interinstitucional para promover la equidad en salud en la gestión municipal

Resumo:

O Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro tem como um dos princípios a equidade, sendo que, em 2013, a fim de promover ações em saúde para efetivá-lo, o Ministério da Saúde (MS) criou a Política de Promoção da Equidade em Saúde. Entretanto criar essa política pública não garante sua aplicabilidade no cotidiano da assistência à saúde, sendo necessário reorganizar os processos de trabalho por meio da educação permanente dos profissionais da saúde para o enfrentamento das discriminações em cada realidade e envolvendo os diversos atores sociais. O presente artigo busca retraçar a trajetória do Grupo de Trabalho Interinstitucional Municipal (GTI-M) para a promoção da equidade em saúde na gestão de Cachoeirinha, município localizado no Rio Grande do Sul (RS). Para tanto, um relato de experiência foi feito por meio da análise documental dessa trajetória, no período de 2015 a 2019. Obteve-se que o GTI-M de Cachoerinha, RS, proporcionou iniciativas estratégicas no processo de trabalho nos serviços de saúde, visando à promoção da equidade para a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), negros e imigrantes, contribuindo para a aplicabilidade da política proposta pelo MS

Palavras-chave:
Sistema Único de Saúde; equidade; política pública; discriminação social; educação permanente

Abstract:

The Brazilian National Health Service (SUS) has one of its principles the equity, and in 2013, aiming to promote health actions to make it effective, the Ministry of Health (MS) created the Policy for the Promotion of Equity in Health. However, creating this public policy does not guarantee its applicability in the daily life of health care, being necessary to reorganize the work processes through the permanent education of health professionals to face discrimination in each reality and involving the different social actors. This article aims to retrace the trajectory of the Municipal Interinstitutional Working Group (GTI-M) to promote equity in health in the management of Cachoerinha, a municipality located in Rio Grande do Sul. To this end, an experience report was made through the documentary analysis of this trajectory in the period from 2015 to 2019. It was obtained that the GTI-M of Cachoerinha, RS, provided strategic initiatives to promote equity for the lesbians, gays, bisexuals, transvestites and transsexuals (LGBT), black and immigrant population, contributing to the applicability of the policy proposed by the MS.

Keywords:
Brazilian National Health Service; equity; public policy; social discrimination; permanent education

Resumen:

El Sistema Único de Salud de Brasil (SUS) tiene la equidad como uno de sus principios y, em 2013, para promover acciones de salud para implementarlo, el Ministerio de Salud (MS) creó la Política de Promoción de Equidad em Salud. Sin embargo, la creación de esta política pública no garantiza su aplicabilidad en la rutina diaria del cuidado de la salud, siendo necesario reorganizar los procesos de trabajo a través de la educación permanente de los profesionales de la salud para enfrentar la discriminación en cada realidad e involucrar a los diferentes actores sociales. Este artículo busca rastrear la trayectoria del Grupo de Trabajo Interinstitucional Municipal (GTI-M) para la promoción de la equidad en salud en la gestión de Cachoeirinha, un municipio ubicado en Rio Grande do Sul (RS). Con este fin, se realizó un relato de experiencia mediante análisis documental de esta trayectoria en el período 2015-2019. Se descubrió que el GTI-M de Cachoeirinha, RS, proporcionó iniciativas estratégicas en el proceso de trabajo en los servicios de salud, con el objetivo de promover la equidad para la población de lesbianas, gays, bisexuales, travestis y transexuales (LGBT), negros e inmigrantes, contribuyendo a la aplicabilidad de la política propuesta por el MS.

Palabras clave:
Sistema Único de Salud; equidad; políticas públicas; discriminación social; educación permanente

1 INTRODUÇÃO

O Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro tem como um de seus princípios doutrinários a equidade. Na Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, encontra-se como “[...] igualdade de assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie” (BRASIL, 1990BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 19 set. 1990. p. 18055-9.).

Do ponto de vista conceitual, entende-se que não há igualdade de condições de vida e, portanto, é o reconhecimento da diferença pelo princípio da equidade que deve estar garantido nos serviços de assistência em saúde, por meio de mecanismos de discriminação positiva em favor de grupos menos privilegiados (DUARTE, 2000DUARTE, Cristina Maria Rabelais. Equidade na legislação: um princípio do sistema de saúde brasileiro? Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 443-63. 2000.). Sendo assim, pensar a equidade em saúde é compreender que se trata de um processo em permanente transformação, que se transfigura à medida que novos desafios se tornam visíveis (BARROS; SOUSA, 2016BARROS, Fernando Passos Cupertino; SOUSA, Maria Fátima. Equidade: seus conceitos, significações e implicações para o SUS. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 9-18, 2016.).

Em 2013, a fim de promover ações em saúde para efetivar o princípio da equidade, o Ministério da Saúde (MS) criou a Política de Promoção da Equidade em Saúde. A criação desta política pública, por si só, é um indicativo de que o princípio da equidade ainda encontra entraves para se inserir nos processos de trabalho em saúde.

Entretanto apenas a criação de mais esta política pública parece não garantir também a sua aplicabilidade no cotidiano da assistência em saúde, possivelmente porque a equidade deve se desenvolver localmente, de acordo com cada contexto, por meio de iniciativas na criação de espaços e estratégias de escuta qualificada das populações socialmente excluídas e no atendimento de suas necessidades. Desta forma, o presente artigo busca retraçar a trajetória do Grupo de Trabalho Interinstitucional Municipal (GTI-M) para a promoção da equidade em saúde na gestão do município de Cachoeirinha, Rio Grande do Sul (RS).

Trata-se de um grupo de trabalho formado por representantes da Secretaria Municipal de Saúde; representante do Comitê Interfederativo da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul; representantes docentes e acadêmicos do Centro Universitário Cesuca (RS) – do qual uma das autoras faz parte – e representantes da sociedade civil, que se reúnem, desde 2017, com o intuito de problematizar as questões ligadas ao cuidado integral e equânime da saúde de populações vulneráveis, como a de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), negras e de imigrantes.

O intuito do presente artigo é promover uma reflexão sobre um grupo de trabalho interinstitucional e a articulação de suas ações a partir dos eixos estruturantes constituídos pelo Ministério da Saúde, a fim de repensar o processo de trabalho nos serviços de saúde, visando à promoção da equidade para a população LGBT, negra e de imigrantes no município de Cachoeirinha, RS.

Em outras palavras, busca-se refletir sobre a dificuldade de se promover a equidade simplesmente a partir da implantação de políticas públicas, sem atentar para os processos mais amplos de desigualdade que colaboram para o não cumprimento da equidade na atenção em saúde e, especialmente, para o fato de que a solução buscada para este problema pode se encontrar, ao menos em parte, na reorganização dos processos de trabalho dos profissionais de saúde por meio da educação permanente.

1.1 Equidade, discriminação e saúde: contextualizando a partir das populações LGBT, negra e de imigrantes

A injustiça social e o desrespeito aos direitos humanos são evidenciados nas diferenças entre indivíduos e grupos. A percepção exclusivamente biológica para a abordagem dos processos de saúde e doença é insuficiente para analisar as desigualdades que permeiam a vida das populações. Compreender as diferenças que norteiam e limitam a vida dos indivíduos passa pela percepção de marcadores sociais como renda, educação, ocupação, raça, etnia, gênero, condições de moradia e trabalho, uma vez que estes podem implicar os sujeitos em situações de injustiça e aumentar o risco de adoecimento (BARATA, 2009BARATA, Rita Barradas. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2009.).

Apesar de a pauta das desigualdades constituir um debate público e político, em virtude da polissemia do conceito e da necessidade de articulação de áreas diversas da administração pública para o seu enfrentamento – tais como economia, justiça, desenvolvimento social, distribuição de renda, política habitacional, entre outras –, ainda são incipientes as pesquisas de associação do preconceito e da discriminação em relação à equidade na atenção em saúde.

Ou seja, temos em primeiro lugar as desigualdades que permitem a maior incidência de determinadas morbidades entre determinadas populações. Mas devemos atentar também para a falta de equidade na atenção em saúde, nos momentos em que a população procura a rede pública de saúde em busca de resoluções para seus problemas.

Embora possamos citar alguns esforços recentes, como estudos realizados por Souto et al. (2016)SOUTO, Kátia Maria Barreto; SENA, Ana Gabriela Nascimento; PEREIRA, Vinícius Oliveira de Moura; SANTOS, Lia Maria dos. Estado e políticas de equidade em saúde: democracia participativa? Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 40, n. especial, p. 49-62, 2016. e Massignam et al. (2015)MASSIGNAM, Fernando Mendes; BASTOS, João Luiz Dornelles; NEDEL, Fúlvio Borges. Discriminação e saúde: um problema de acesso. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 24, n. 3, p. 541-44, jul./set. 2015., a falta de mais estudos sobre o tema torna-se um impeditivo para a criação de medidas que possam confrontar de forma eficaz as consequências negativas das ações discriminatórias, a fim de se atingir na prática a equidade em saúde.

Segundo Turner (1986)TURNER, Bryan. Equality. London: New York; Ellis Horwood Limited: Tavistock Publications, 1986., existem quatro tipos diferentes de equidade: ontológica, de oportunidade, de condições e de resultados. A equidade ontológica é inerente aos seres humanos, constituinte de princípios religiosos e de correntes filosóficas; no aspecto das oportunidades, o acesso a posições sociais resulta da competição entre os indivíduos e que serão conquistadas conforme seus méritos; as condições equânimes são estabelecidas a partir de um mesmo nível de partida, isto é, nivelamento da satisfação de um mínimo de necessidades básicas substancialmente idênticas em todos; e o de resultados envolvem mudanças nas regras de distribuição para transformação das desigualdades de início em igualdade de conclusão.

No dicionário de verbetes da Fiocruz, Sarah Escorel (2008)ESCOREL, Sarah. Equidade em saúde. In: PEREIRA, I. B.; LIMA J. C. F. Dicionário da educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio, 2008. Disponível em: http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/equsau.html. Acesso em: 3 maio 2019.
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explica que é um conceito de uso relativamente recente, adotado pela Reforma Sanitária e, posteriormente, incorporado à Constituição de 1988, embora seu uso ainda seja confundido com igualdade. A autora propõe um questionamento sobre até que ponto a legislação e as normas que conformam o sistema de saúde propiciam melhorias nas condições de saúde da população.

Sendo assim, o conceito de equidade não se opera de forma simples, com a mera divulgação de políticas públicas ou de normativas institucionais. Equidade é algo que só se efetiva nas práticas. Em um país tão desigual quanto o Brasil, com ampla dimensão geográfica e cultural, deve-se levar em consideração demandas não só de saúde, mas também culturais, sociais, étnicas, raciais e de gênero, para que efetivamente se tenha equidade na atenção em saúde das populações.

Destaca-se no campo da equidade em saúde a ideia de não discriminação, que foi inicialmente pensada como forma de superar a discriminação por raça e etnia. Mas o pressuposto da não discriminação vem incorporando ao longo do tempo outras diferenças encontradas na vida social e que podem ser objeto de discriminação, estigma ou preconceito, como as de religião e as de gênero e sexualidade, gerando novas políticas de equidade (SIQUEIRA; HOLLANDA; MOTTA, 2017SIQUEIRA, Sandra Aparecida Venâncio; HOLLANDA, Eliane; MOTTA José Inácio Jardim. Políticas de promoção de equidade em saúde para grupos vulneráveis: o papel do Ministério da Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 5, p. 1397-406, 2017.).

Apesar de ter sido a área temática pioneira, a efetiva implementação da Política de Saúde da População Negra ainda encontra obstáculos, sendo necessário repensar radicalmente o modelo de organização da gestão do SUS, provocando a construção de novos modelos de atenção à saúde que considerem os efeitos do racismo na promoção, prevenção e tratamento da saúde (WERNECK, 2016WERNECK, Jurema. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-49, 2016).

Inúmeros desafios permeiam a equidade da população negra, sendo um deles o processo de trabalho em saúde que está impregnado de posturas racistas e, também, a dificuldade de avaliar os indicadores de saúde relativos à raça/cor que promovem a invisibilidade da população negra.

Sobre o acesso da população LGBT ao SUS e a qualidade da atenção prestada, ambas estão muitas vezes comprometidas por preconceitos e estigmas que mascaram as reais condições de vida dessa população.

Para que tenham acesso efetivo ao seu direito à saúde, as políticas de equidade são extremamente necessárias no enfrentamento das situações de desigualdade e de vulnerabilidades que afetam essa parcela da população, em especial os/as mais jovens, devendo garantir o acesso integral à informação, ao sistema público de saúde, às campanhas de saúde pública, sem censuras e de forma universal (GRUPO DE RESISTÊNCIA ASA BRANCA [GRAB], 2019GRUPO DE RESISTÊNCIA ASA BRANCA [GRAB]. Equidade e saúde da população LGBT: guia SUS. Fortaleza: GRAB, 2017. Disponível em: http://grab.org.br/new/index.php?option=com_content&view=article&id=258&catid=32&Itemid=44. Acesso em: 28 abr. 2019.
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).

Já as relações entre saúde e imigração não são temas novos no Brasil, entretanto o crescimento da imigração internacional tem acarretado políticas de controle migratório cada vez mais opressivas, com alto grau de seletividade, quase sempre baseadas em questões de segurança e em detrimento do aspecto humanitário (RAMOS, 2013RAMOS, Maria da Conceição Pereira. Globalização e multiculturalismo. Revista Eletrônica Inter-Legere, Natal, n. 13, p. 75-101, 2013.).

Entre os problemas relacionados com a imigração que tornam esta população mais vulnerável que as populações locais (BACKSTROM; CARVALHO; INGLÊS, 2009BACKSTROM, Bárbara; CARVALHO, Amélia; INGLÊS, Urbana. Imigração e saúde: o gabinete de saúde do CNAI enquanto observatório para o estudo das condições de acesso dos imigrantes aos serviços de saúde. Revista Migrações, Lisboa, n. 4, p. 161-89, 2009.), estão: a exposição ao isolamento social; os processos de aculturação e sofrimento psicológico e doença decorrente deste processo; habitação precária e insalubre em regiões desfavorecidas e sujeitas a catástrofes naturais e violência; deficiência alimentar; uso de drogas e álcool; incidência de certas condições de trabalho.

Desse modo, pensar a imigração e suas relações com os determinantes sociais de saúde nos levaria a interrogar sobre as condições sociais nas quais o imigrante é assimilado (ou não) na sociedade brasileira.

Independentemente do foco discriminatório, é preciso o reconhecimento de que todas as formas de discriminação devem ser consideradas na determinação social do sofrimento e da doença, e compreender que essas formas de preconceito não ocorrem de maneira isolada das outras formas de discriminação social. Ao contrário, elas caminham ao lado e se reforçam pelos preconceitos do machismo, do racismo e da misoginia (BRASIL, 2013aBRASIL. Ministério da Saúde. Política nacional de saúde integral da população negra: uma política para o SUS. Brasília-DF: Ministério da Saúde, 2013a.).

As questões relativas ao estigma, preconceito e discriminação relacionadas aos processos de saúde e doença são condicionadas por estruturas mais amplas de poder e dominação, que fazem com que determinados grupos sejam desvalorizados perante outros nos diversos contextos e excluídos socialmente. Essa violência estrutural é identificada como um dos principais determinantes sociais da saúde e da doença, e por isso devem estar associadas aos aspectos dos direitos humanos e da justiça social (PARKER; AGGLETON, 2001PARKER, Reginald; AGGLETON, Peter. Estigma, discriminação e aids. Rio de Janeiro: ABIA, 2001. (Coleção ABIA: cidadania e direitos, n. 1).).

Nesse contexto, o Ministério da Saúde (MS) e as demais esferas do SUS vêm implementando as políticas de promoção da equidade, com o objetivo de diminuir as vulnerabilidades a que certos grupos populacionais estão mais expostos e que resultam de determinantes sociais da saúde, como os níveis de escolaridade e de renda; as condições de habitação; acesso à água e ao saneamento; a segurança alimentar e nutricional; a participação da política local; os conflitos interculturais e preconceitos como o racismo, as homofobias e o machismo, entre outros (BRASIL, 2013bBRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Políticas de promoção da equidade em saúde. Brasília-DF: Ministério da Saúde, 2013b.).

Sendo assim, a Educação Permanente em Saúde (EPS) deve ser uma aliada na construção de ações contra qualquer forma de discriminação e no enfrentamento às injustiças, orientando respostas ao sofrimento humano e aos desafios provocados pela discriminação, adequando-se ao contexto local dos cotidianos de saúde e proporcionando práticas colaborativas de aprendizagem e de entrelaçamento de saberes dentro dos processos de trabalho em saúde (BRASIL, 2004BRASIL. Portaria n. 198/GM/MS, de 13 de fevereiro de 2004. Institui a política nacional de educação permanente em saúde como estratégia do sistema único de saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor e dá outras providências. Diário Oficial da União, 13 fev. 2004.; 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS. Brasília-DF: Ministério da Saúde, 2017.).

Nesse sentido é que foram instituídos nas instâncias do SUS os Grupos de Trabalho (GT), com o intuito de unir interessados em discutir os serviços prestados, a dinâmica das equipes de trabalho e as relações estabelecidas entre trabalhadores de saúde e usuários, como um dispositivo capaz de intervir na melhoria dos processos de trabalho e na qualidade da produção de saúde (BRASIL, 2008BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Grupo de trabalho de Humanização. Brasília-DF: Ministério da Saúde, 2008.).

O conceito de multiplicadores vem sendo fortalecido também no campo da educação popular, pois se refere a sujeitos ativos, participantes e problematizadores de novas situações, capazes de formar grupos para a discussão e construção do conhecimento (BRASIL, 2013cBRASIL. Portaria n. 2.761, de 19 de novembro de 2013. Institui a política nacional de educação popular em saúde no âmbito do sistema único de saúde (PNEPSSUS). Brasília-DF: Ministério da Saúde, 2013c.; CENTRO DE EDUCAÇÃO E ASSESSORAMENTO POPULAR [CEAP], 2017CENTRO DE EDUCAÇÃO E ASSESSORAMENTO POPULAR [CEAP]. O SUS e a efetivação do direto humano à saúde. Passo Fundo: Saluz, 2017. 127 p.).

Entende-se que proporcionar canais de participação e qualificação dos processos de trabalho é permitir que os atores envolvidos se tornem protagonistas no desenvolvimento das ações para o enfrentamento das discriminações existentes nos serviços em saúde, pois só com a criação de espaços participativos para uma leitura crítica dessas situações é que as iniquidades podem ser superadas.

2 METODOLOGIA

Trata-se de um relato de experiência, baseado em análise documental, a partir de abordagem qualitativa descritiva exploratória. Entende-se a abordagem qualitativa adequada para responder questões muito particulares, preocupando-se com as ciências sociais no nível da realidade e focando sua atenção no específico, no peculiar, no individual, buscando a compreensão, e não a explicação do fenômeno estudado (MINAYO, 2004MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 2004.; TURATO, 2003TURATO, Egberto Ribeiro. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.).

A pesquisa exploratória e descritiva busca observar, descrever e documentar aspectos de uma situação que ocorreu ou está ocorrendo, tendo como base que o conhecimento sobre os indivíduos só é possível na descrição da experiência humana, tal como ela é vivida. É também na fase de exploração que o pesquisador optará pelos métodos de coleta de dados e por qual meio vai explorar seu campo de pesquisa (POLIT; HUNGLER, 1996POLIT, Denise F.; HUNGLER, Bernadette P. Fundamentos de pesquisa em enfermagem. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.); na presente pesquisa, optou-se por analisar os documentos que foram criados ao longo dessa experiência.

Para Gil (2009)GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projeto de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009., a análise documental baseia-se no conteúdo de diversos formatos de documentos ou de um determinado tipo específico, tais como fichas, formulários, cartas, bilhetes, fotografias, entre outros. Neste trabalho, as fontes documentais foram artigos, resumos, notas de imprensa, fotos e legislações.

Por meio desses documentos, gerados na construção do Grupo de Trabalho Interinstitucional para a promoção da equidade no município de Cachoeirinha, RS, e do qual uma das autoras faz parte, foi possível realizar a descrição da trajetória no período de 2015 a 2019, que tem agregado experiências, atividades e pesquisas relacionadas à promoção da equidade no âmbito municipal.

O referido estudo contou com a confecção de fichas para a categorização dos documentos utilizados, com o objetivo de consultar os documentos, registrar e ordenar as ideias relevantes para a produção do artigo. A apresentação e a discussão dos resultados se deram por meio da construção de uma linha do tempo que ilustra os achados da pesquisa documental.

3 RESULTADOS

3.1 O Grupo de Trabalho Interinstitucional Municipal (GTI-M) de Cachoeirinha, RS

A ideia de criar uma linha do tempo (Figura 1) aparece como forma de compartilhar a trajetória de construção do GTI-M de Cachoeirinha, RS, desde as inspirações pertinentes para sua fecundação até, posteriormente, o nascimento das relações interinstitucionais, necessárias para a concretização de ações práticas no fortalecimento da Política de Promoção da Equidade em Saúde dentro dos serviços de saúde do município.

Figura 1
Linha do tempo: a trajetória do GTI-M de Cachoeirinha, RS

Salientando que essas ações geradas estão em contínuo processo de construção, pois se atentam aos novos enfrentamentos que surgem diante das iniquidades em saúde, sendo que o GTI-M de Cachoeirinha, RS, vem incorporando-as em seus processos de trabalho.

A criação do grupo teve como premissa a Agenda para Zero Discriminação em Serviços de Saúde, que é um dispositivo criado pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) para promover a discussão e as mudanças no processo de trabalho dos trabalhadores e profissionais de saúde, visando aumentar o compromisso, a colaboração e a responsabilidade entre os entes federativos para um trabalho de sensibilização na remoção de barreiras e atitudes menos cordiais e que afastam os usuários dos serviços de saúde (JOINT UNITED NATIONS PROGRAMME ON HIV/AIDS [UNAIDS], 2017JOINT UNITED NATIONS PROGRAMME ON HIV/AIDS [UNAIDS]. Zero discriminação. Brasília-DF: UNAIDS, 2017. Disponível em: https://unaids.org.br/2017/03/conheca_zerodiscriminacao/. Acesso em: 3 maio 2018.
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).

Sendo assim, em consonância com a agenda supracitada, o objetivo da presente experiência na construção de um grupo de trabalho está em promover espaços de discussão e fortalecimento do controle social, empoderando seus pares para a exigência de ambientes livres de processos discriminatórios.

Portanto políticas públicas devem inovar sua práxis, por meio das ações solidárias geradas horizontalmente entre indivíduos e grupos sociais no interior da sociedade civil, nas instâncias de poder dos governos, contribuindo para a compreensão do determinismo social em saúde. Desta forma, é importante conhecer a rede de apoio existente por meio das fragilidades instituídas nesses locais, que em muitas situações são alheios ao determinismo e não estão diretamente relacionados às causas sociais e econômicas.

Fala-se de um novo significado para a saúde, em que há a aproximação da sociologia da saúde e das ciências da saúde, entretanto sabe-se que, em grandes metrópoles, onde as disparidades sociais são imensas, o poder público, se não estiver aliado à sociedade civil, não produzirá o resultado desejado nas suas ações de enfrentamento dos inúmeros problemas que atingem principalmente as populações com maior vulnerabilidade social.

A construção do GTI-M para a promoção da equidade em saúde surgiu após a experiência de articulação entre a Atenção Básica (AB) e o Serviço de Atendimento Especializado (SAE) do município de Cachoerinha, RS, em 2016. Mas foi em 2017, após a participação de membros da equipe do SAE do município no Seminário Zero Discriminação, realizado pela Secretária Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (SES-RS), que se concretizou a construção do GTI-M, pois o evento proporcionou ferramentas para implantar na esfera municipal ações de zero discriminação e equidade nos serviços de saúde.

Neste mesmo ano, foi instituída uma parceria acadêmica com o Centro Universitário Cesuca, que é um apoiador das ações e que coordena, juntamente do grupo de trabalho, dois projetos de pesquisa: um sobre a avaliação do acesso da população LGBT aos serviços de saúde; e o outro com as rodas de conversa que dialogaram com a população LGBT e demais membros da sociedade, acerca dos temas do mercado de trabalho, saúde, educação e cultura.

No ano de 2018, o grupo realizou o 1° Seminário Municipal Zero Discriminação, projeto criado pela UNAIDS que celebra o direito de todos a uma vida plena, digna e produtiva – não importando sua origem, orientação sexual, identidade de gênero, sorologia para o HIV, raça, etnia, religião, deficiência e tantos outros motivos de discriminação. A iniciativa busca demonstrar que todos podem se informar para acabar com seus preconceitos e ajudar na promoção da tolerância, do respeito, da compaixão e da paz.

O intuito dessas iniciativas é instituir no município de Cachoeirinha, RS, um ambiente propício para que os cidadãos desfrutem plenamente de seus direitos e que os serviços de saúde prestados ocorram de forma não discriminatória e com respeito à dignidade e à autonomia dos usuários. Também, devem se certificar de que os usuários dos serviços de saúde conheçam seus direitos e possam exigir o pleno usufruto deles, e que, inclusive, busquem reparação caso seus direitos sejam violados.

A agenda Zero Discriminação está no centro da visão do UNAIDS e de uma das metas da Aceleração da Resposta (conhecida em inglês como Fast-Track), a qual se concentra em abordar a discriminação nos serviços de saúde, nos locais de trabalho e na educação (UNAIDS, 2017JOINT UNITED NATIONS PROGRAMME ON HIV/AIDS [UNAIDS]. Zero discriminação. Brasília-DF: UNAIDS, 2017. Disponível em: https://unaids.org.br/2017/03/conheca_zerodiscriminacao/. Acesso em: 3 maio 2018.
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).

Em julho de 2018, o Grupo Temático Ampliado das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (GT UNAIDS) escolheu o Seminário Zero Discriminação do município de Cachoeirinha como uma das experiências exitosas e inovadoras no estado do Rio Grande do Sul, juntamente dos projetos: Tô Dentro (Viamão), Transdiálogos (Porto Alegre) e Cascata de Cuidados (Canoas).

O referido seminário fundamentou a discussão sobre a iniciativa Zero Discriminação, segundo a UNAIDS (2017JOINT UNITED NATIONS PROGRAMME ON HIV/AIDS [UNAIDS]. Zero discriminação. Brasília-DF: UNAIDS, 2017. Disponível em: https://unaids.org.br/2017/03/conheca_zerodiscriminacao/. Acesso em: 3 maio 2018.
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, n.p.):

A iniciativa Zero Discriminação celebra o direito de todos a uma vida plena, digna e produtiva – não importando sua origem, orientação sexual, identidade de gênero, sorologia para o HIV, raça, etnia, religião, deficiência e tantos outros motivos de discriminação. Unindo vozes, comunidades, indivíduos e sociedades, podemos transformar o mundo, todos os dias e em todos os lugares, para alcançarmos uma sociedade com zero discriminação. A iniciativa busca demonstrar que todos podem se informar para acabar com seus preconceitos e ajudar na promoção da tolerância, do respeito, da compaixão e da paz.

Dando continuidade às ações de equidade no município, em 2018 ocorreu também o 1° Curso de Multiplicadores de Promoção da Equidade na Assistência e Saúde − População Negra, que teve como objetivos:

  • a promoção de espaços nos serviços públicos para o desenvolvimento de ações articuladas e integradas para a melhoria da qualidade de vida dos grupos vulneráveis;

  • a instrumentalização dos multiplicadores sobre a temática da equidade em saúde e assistência, visando a proposta de Educação Permanente pactuada entre governo estadual e municipal;

  • a criação de espaços democráticos com a participação das redes sociais em saúde e assistência para o diagnóstico das potencialidades e fragilidades em saúde e assistência;

  • a criação de mecanismos para potencializar a rede intersetorial para o conceito da pluralidade em saúde e assistência;

  • e resgatar o sentido da integralidade dos sujeitos e a corresponsabilização de gestores, profissionais e usuários no cuidado em saúde e na assistência.

O curso proporcionou momentos de debate em que foram abordados os seguintes temas nas mesas de discussão: Multiplicadores em Saúde - fortalecendo a equidade em saúde; Promoção da Equidade: conceitos, desafios e possibilidades em construção; A invisibilidade da população negra através dos registros de saúde; Criminalização dos corpos negros e suas ressonâncias; Saúde da População Negra e os valores civilizatórios de Matriz Africana - Enfrentamento ao racismo na saúde: uma questão de equidade.

No mês de abril de 2019, foi realizado o II Seminário Zero Discriminação balizados nos pressupostos da UNAIDS, o qual enfatizou que nenhuma pessoa deve ser discriminada por causa de sua idade, sexo, identidade de gênero, orientação sexual, deficiência, raça, etnia, idioma, saúde − incluindo estado sorológico positivo para o HIV −, localização geográfica, situação econômica ou de migração, ou por qualquer outro motivo.

Esse evento foi alusivo ao Dia Mundial de Zero Discriminação, celebrado globalmente no dia 1º de março. É uma oportunidade para destacar como todas as pessoas podem fazer parte da transformação e se posicionar em favor de uma sociedade mais justa e equânime. O seminário apresentou a experiência do Grupo de Trabalho Interinstitucional de Cachoeirinha, RS, contextualizou o processo de migração no município e no Rio Grande do Sul e suas implicações para a saúde.

O curso de Multiplicadores de Promoção da Equidade na Assistência e Saúde − População Negra foi selecionado como experiência em serviço na Feira de Soluções para a Saúde, organizada pela Fiocruz/Brasília. Tal evento possui um formato inovador de apresentar soluções industriais, sociais e de serviços para a saúde, em que pesquisadores, movimentos sociais e instituições públicas e privadas se unem para mostrar suas iniciativas nos mais diversos formatos.

A experiência foi apresentada na cidade de Bento Gonçalves, RS, no evento com o tema Saúde única para territórios saudáveis e sustentáveis, que teve o intuito de oferecer espaços para a discussão, propostas e soluções relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e ao conceito de One-Health (que articula a saúde humana, animal e o meio ambiente).

Portanto o GTI-M para a promoção da equidade em saúde de Cachoeirinha, RS, segue em constante processo de construção da sua identidade, através do acolhimento de novos participantes, cada qual com sua própria formação e experiência, de vínculos afetivos que se criam e se fortalecem a cada encontro, do trabalho coletivo, do diálogo e de uma atitude de interrogação diante da realidade que invisibiliza grupos vulneráveis.

4 DISCUSSÃO

Os serviços de assistência em saúde devem orientar respostas ao sofrimento humano, atentando-se às relações de exclusão social e violência estrutural que negam o acesso à saúde e, por vezes, atuam como determinantes sociais de algumas morbidades.

Destaca-se, assim, a necessidade de articulação dos diferentes atores sociais envolvidos na criação de inciativas dentro dos processos de trabalho em saúde, capazes de agir no reconhecimento da diferença e da não discriminação, e implementando em sua prática cotidiana a Política de Promoção da Equidade em Saúde (BARATA, 2009BARATA, Rita Barradas. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2009.; SOUTO et al., 2016SOUTO, Kátia Maria Barreto; SENA, Ana Gabriela Nascimento; PEREIRA, Vinícius Oliveira de Moura; SANTOS, Lia Maria dos. Estado e políticas de equidade em saúde: democracia participativa? Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 40, n. especial, p. 49-62, 2016.; MASSIGNAM; BASTOS; NEDEL, 2015MASSIGNAM, Fernando Mendes; BASTOS, João Luiz Dornelles; NEDEL, Fúlvio Borges. Discriminação e saúde: um problema de acesso. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 24, n. 3, p. 541-44, jul./set. 2015.; PARKER; AGGLETON, 2001PARKER, Reginald; AGGLETON, Peter. Estigma, discriminação e aids. Rio de Janeiro: ABIA, 2001. (Coleção ABIA: cidadania e direitos, n. 1).; BRASIL, 2013bBRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Políticas de promoção da equidade em saúde. Brasília-DF: Ministério da Saúde, 2013b.).

É nesse contexto que o GTI-M de Cachoerinha, RS, surgiu, atento ao processo de invisibilidade das populações excluídas decorrente de atitudes discriminatórias presentes na sociedade, e que tais atitudes preconceituosas e outras violações de direitos ocorrem também nos serviços de saúde, atitudes essas que acabam por impedir o acesso dessas populações aos serviços e os expondo a situações de iniquidades e vulneração.

A linha do tempo apresentada mostra que, inspirado nas ações propostas pela UNAIDS, o GTI-M de Cachoerinha, RS, passa a firmar relações interinstitucionais visando superar as discriminações existentes dentro dos serviços de saúde do município, desenvolvendo ações voltadas àquelas populações identificadas como vulneráveis naquele cotidiano de assistência em saúde, como a população LGBT, negra e de imigrantes. Assim, por meio de dispositivos como seminários, cursos de multiplicadores, rodas de conversa, entre outros, o GTI-M de Cachoerinha, RS, segue atuando na articulação entre profissionais de saúde, gestores e usuários do SUS.

A experiência narrada no presente artigo reforça a ideia de que os processos de educação permanente em saúde podem ser uma útil ferramenta no sentido de instrumentalizar a implementação de fato da equidade na atenção em saúde. De acordo com Ceccim (2005, p. 161)CECCIM, Ricardo Burg. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface, Botucatu, v. 9, n. 16, p. 161-68, 2005., a Educação Permanente em Saúde se define como:

[...] processo educativo que coloca o cotidiano do trabalho – ou da formação – em saúde em análise, que se permeabiliza pelas relações concretas que operam realidades e que possibilita construir espaços coletivos para a reflexão e avaliação de sentido dos atos produzidos no cotidiano. A Educação Permanente em Saúde, ao mesmo tempo em que disputa pela atualização cotidiana das práticas segundo os mais recentes aportes teóricos, metodológicos, científicos e tecnológicos disponíveis, insere-se em uma necessária construção de relações e processos que vão do interior das equipes em atuação conjunta, – implicando seus agentes –, às práticas organizacionais, – implicando a instituição e/ou o setor da saúde –, e às práticas interinstitucionais e/ou intersetoriais, – implicando as políticas nas quais se inscrevem os atos de saúde.

O desafio de superar os processos discriminatórios se inicia com a criação de espaços e estratégias de educação para os profissionais de saúde, e de escuta qualificada das populações socialmente excluídas, de forma permanente e com diferentes dispositivos práticos, com o intuito de construir um conhecimento crítico coletivo, que garanta a reflexão sobre a realidade e suas contínuas transformações, atuando, assim, como um canal de participação e qualificação dos processos de trabalho e contribuindo com a melhoria da qualidade do acesso aos serviços de saúde (BRASIL, 2004BRASIL. Portaria n. 198/GM/MS, de 13 de fevereiro de 2004. Institui a política nacional de educação permanente em saúde como estratégia do sistema único de saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor e dá outras providências. Diário Oficial da União, 13 fev. 2004.; 2008BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Grupo de trabalho de Humanização. Brasília-DF: Ministério da Saúde, 2008.; 2013cBRASIL. Portaria n. 2.761, de 19 de novembro de 2013. Institui a política nacional de educação popular em saúde no âmbito do sistema único de saúde (PNEPSSUS). Brasília-DF: Ministério da Saúde, 2013c.; CECCIM, 2005CECCIM, Ricardo Burg. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface, Botucatu, v. 9, n. 16, p. 161-68, 2005.).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No cotidiano da atenção em saúde na rede pública, nem sempre o profissional que lida com a população, seja no primeiro contato das pessoas nos serviços da atenção primária, seja nos atendimentos de diversas naturezas (consultas, exames, cirurgias etc.), pode fazer algo concreto e momentâneo para mudar a disparidade das condições de saúde, que são reflexo de fatores estruturais de desigualdade do mundo social – a desigualdade pensada em termos econômicos, raciais, de gênero e sexualidade, dentro outros marcadores sociais.

Entretanto processos mais pontuais de estigma, preconceito e discriminação, quando ocorrem dentro dos próprios serviços de saúde, transformam estes em locais de vulneração da saúde daqueles que deveriam estar sendo acolhidos a partir do princípio da equidade. Desta forma, se o profissional da rede pública não pode mudar a realidade material imediata da população que ele atende, ele pode, sim, transformar o cotidiano do seu trabalho e as práticas de acolhimento da população, buscando oferecer uma atenção sem preconceitos ou discriminação, respeitando o princípio da equidade.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2020
  • Revisado
    03 Nov 2020
  • Aceito
    28 Dez 2020
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