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A EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO A PARTIR DA RESSIGNIFICAÇÃO DA FIGURA DO CIBORGUE NA LITERATURA AFROFUTURISTA

THE EMANCIPATION OF THE SUBJECT FROM THE RESIGNIFICATION OF THE CYBORG FIGURE IN AFROFUTURIST LITERATURE

Resumo

O presente artigo tem como objetivo apresentar a discussão acerca da figura do ciborgue dentro da literatura afrofuturista, a partir dos romances do escritor Fábio Kabral. Em O Caçador Cibernético da Rua Treze e Cientista Guerreira do Facão Furioso, o ciborgue se materializa na figura dos protagonistas João Arolê e Jamila Olabamji, representando a ideia de fragmentação do sujeito. Desta forma, abordaremos as formas de ressignificação do sujeito a partir da religiosidade e do enfrentamento da lógica capitalista, esta que busca, no contexto das narrativas, corroer a identidade e subjetividade do sujeito.

Palavras-chave
Afrofuturismo; Ciborgue; Subjetividade; Fábio Kabral

Abstract

This article aims to present the discussion about the figure of the cyborg within Afrofuturist literature, based on the narrative of the writer Fábio Kabral. In O Caçador Cibernético da Rua Treze and A Cientista Guerreira do Facão Furioso, the cyborg materializes in the figure of the protagonists João Arolê and Jamila Olabamji, representing the idea of ??fragmentation of the subject. In this way, we will address the forms of re-signification of the subject based on religiosity and the confrontation of capitalist logic.

Keywords
Afrofuturism; Cyborg; Subjectivity; Fábio Kabral

Introdução

O afrofuturismo é um movimento literário, estético, artístico e cultural que nasce do encontro entre tecnologia e ficção especulativa – as quais se entrelaçam com a história do povo africano antes e depois da diáspora – podendo se enveredar pela ficção científica, fantasia, horror, realismo mágico, mitologia, ciberpunk, entre outros. Este movimento propõe redirecionar nosso olhar para a história numa perspectiva afrocêntrica, em que mulheres e homens negros são protagonistas de suas narrativas, expressões, manifestações.

O termo afrofuturismo surge a partir de uma entrevista do crítico cultural Mark DeryDERY, Mark. Black to the future: interviews with Samuel R. Delany, Greg Tate and Tricia Rose. In: DERY, Mark (Org.) Flame Wars: the discourse of cyberculture. Durham: Duke University Press, 1994, p. 179–222., em seu ensaio “Black to the future” (1994) – apesar de o movimento afrofuturista existir antes mesmo de receber esta terminologia – com pensadores negros americanos, como o escritor de ficção científica Samuel Delany, o crítico cultural Greg Tate e a professora de Estudos Africanos Tricia Rose. Nesta conversa, houve o questionamento sobre a escassez de escritores afro-americanos no campo da ficção científica, afinal, esse gênero literário permite o encontro com o desconhecido, (a escravidão fez com que os negros africanos fossem arrancados de sua terra e levados a terras estranhas, que até então lhes eram desconhecidos) algo que parecia ser interessante para tratar as questões que envolviam as experiências de escritores afro-americanos.

A literatura afrofuturista utilizará algumas categorias próprias da ficção científica, mas sob a perspectiva do protagonismo negro, como estranhamento, tecnologia, utopia, distopia, viagens no tempo, temporalidade, mente humana. Contudo, abordaremos somente a ideia de estranhamento, pois ela está inserida nos romances O Caçador Cibernético da Rua Treze (2017) e A Cientista Guerreira do Facão Furioso (2019) do escritor Fábio Kabral, obras que são objetos de reflexão deste artigo. Podemos entender como estranhamento o distanciamento do homem com uma realidade concreta; e na ficção, do personagem com a realidade ficcional. O estranhamento, então, é a tensão entre o conhecido e o desconhecido. No afrofuturismo este estranhamento, que se manifesta através de figuras como alienígenas, zumbis, robôs, ciborgues nos permite refletir sobre o estranhamento do sujeito negro com a realidade e a sociedade em que está inserido.

O rapto dos povos africanos para um mundo em que seriam escravizados e desumanizados traz em seu bojo esta ideia do estranhamento: o homem, que até então era livre, depara-se com em uma nova condição. Dentro desta ótica, temos o reforço deste estranhamento, pois esse homem agora escravizado é obrigado a ser rebatizado, é forçado a adquirir uma nova identidade, tem sua cultura atravessada, seus laços familiares desfeitos, ou seja, tudo o que o conectava a condição de liberdade que outrora tivera se dilui neste novo mundo. Assim, podemos dizer que temos uma potencialização do estranhamento, isto é, um duplo estranhamento, pois este homem escravizado se torna estranho ao ser retirado de sua terra e novamente estranho ao ser levado a adotar nova forma de ser existir.

Essas formas de estranhamento aparecerão na literatura afrofuturista. Fábio Kabral abarca esta ideia de estranhamento mostrando seu impacto na vida dos indivíduos negros, o que ocasionará na fragmentação do sujeito. Porém, o autor revela que é possível romper com esta lógica por meio do contato com a religiosidade e com uma ancestralidade africana.

Nas obras O Caçador Cibernético da Rua Treze e A Cientista Guerreira do Facão Furioso, Fábio Kabral utiliza a figura do ciborgue para criticar que uma sociedade pautada por valores eurocêntricos fragmenta a subjetividade e identidade do indivíduo negro, tornando-se necessário a conexão com tecnologias ancestrais para reconstruir essas formas de ser e de existir.

A escritora americana Octavia ButlerBUTLER, Octavia. Despertar. São Paulo: Editora Morro Branco, 2018., na obra Despertar (2018). contempla a noção de estranhamento a partir da figura do homem em contato com o alienígena. Nesta narrativa, a Terra foi devastada após uma guerra nuclear ficando a beira da extinção. Os poucos humanos que restaram foram abduzidos pelos aliens e passaram a viver em sua nave, porém, os humanos estão em hibernação por quase 250 anos, quando a personagem Lillith Iyapo, mulher negra, que é a primeira a ser despertada pelos alienígenas, tem como missão despertar os outros humanos. Eles precisam aprender a conviver com os aliens enquanto a Terra está sendo reconstruída por essas figuras, que têm intenções para além de ajudar os humanos. Esta relação entre os alienígenas e os humanos causa este estranhamento. Os primeiros detêm toda tecnologia e conhecimento, o segundo precisa entender que o mundo em que viviam antes não existe mais. Enquanto os aliens precisam dos humanos para criar novas espécies, os humanos precisam dos aliens para sobrevier. Mas para quê sobrevier em um mundo totalmente desconhecido? Qual a vantagem de retornar para uma Terra totalmente desconhecida? E porque uma mulher negra foi escolhida para despertar todos os outros indivíduos? Estas são premissas que servem para nortear esta ideia de estranhamento presente na narrativa de Butler.

Novamente no livro O Caçador Cibernético da Rua Treze, Kabral inicia mostrando que as naves alienígenas arrancaram os povos do Mundo Original levando-os para o Mundo Novo, contudo os alienígenas foram derrotados. Logo, ele mostra este estranhamento a partir da saída forçada do povo africano de seu continente para outras terras.

Se olharmos para a escritora Lu Ai-Zaila[1], esta noção de estranhamento, especificamente no conto Ode à Laudelina, será levada para o campo da relação da mulher negra com o seu corpo, suscitando a discussão sobre como o corpo desta mulher é visto em contraposição com a forma como ela vê e passa a ressignificar este corpo.

Desta forma, o presente artigo tem como objetivo apresentar a discussão acerca da figura do ciborgue dentro da literatura afrofuturista, a partir dos romances do escritor Fábio Kabral. Em O Caçador Cibernético da Rua Treze e Cientista Guerreira do Facão Furioso o ciborgue se materializa na figura dos protagonistas João Arolê e Jamila Olabamji, representando a ideia de fragmentação do sujeito. Desta forma, abordaremos as formas de ressignificação do sujeito a partir da religiosidade e do enfrentamento da lógica capitalista, esta que busca, no contexto das narrativas, corroer a identidade e subjetividade do sujeito.

O universo ficcional de Fábio Kabral

A obra O Caçador Cibernético da Rua Treze conta a saga de João Arolê em busca de remissão pelos atos assassinos que cometera ainda quando fazia parte do Esquadrão das Corporações Ibualama. O livro seguinte A Cientista Guerreira do Facão Furioso dá continuidade a saga de Arolê, mas tendo como protagonismo a figura de Jamile, uma menina que, no primeiro livro, ainda não sabe lidar com seus poderes, mas que agora passa pelo processo de aprendizagem sobre como dominar seus poderes para poder combater a vilania do personagem Pedro Olawuwo.

No decorrer da narrativa O Caçador Cibernético da Rua Treze, ficamos sabendo sobre os fantasmas que assombram Arolê, sua história intercala eventos do passado (por meio de flashbacks) com ações no presente, no qual acompanhamos a luta do protagonista por redenção. Ademais, somos apresentados às situações que levaram Arolê a integrar o grupo de agentes assassinos a serviço das Corporações, porém, percebemos que muitas mortes acabam sendo de pessoas como ele próprio, que tinham poderes, mas não conseguia controlar, o que faz com que Arolê se rebele contra a Corporação. Ainda criança, nosso herói é tirado de seus pais pela Corporação Ibualama, devido aos seus poderes sobrenaturais, o jovem herói tem a habilidade de se teleportar, de ouvir a longas distâncias, sendo por isso, considerado um emi-eji, “minoria dominante que possui dons especiais de sangue dos espíritos” (KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p. 9).

Ao longo da história vemos João Arolê sendo assombrado por pesadelos em decorrência das mortes que causara, por cumprimento de seus deveres enquanto assassino. Arolê traz em seu corpo a figura de um guerreiro, seus braços e pernas são tomados por tatuagens, que foram feitas para fortalecer seus poderes; seu braço esquerdo é de metal reluzente, que pode se transformar em uma lança; no lugar da orelha direita, ele tem um botão auditivo; metade do seu rosto é de metal e seu olho direito é um monóculo azul, tecnologia espiritual de ponta. Assim, temos em Arolê a figura de um ciborgue.

Na tentativa de se redimir dos seus erros do passado e se libertar desses pesadelos que o atormentam, Arolê se transforma em caçador de espíritos malignos. Paralelo a isso, uma série de assassinatos de pessoas famosas tem tirado a tranquilidade dos habitantes de Ketu-Três, o que fará com que Arolê inicie uma investigação sobre essa situação. Ficamos sabendo que esses assassinatos são de responsabilidade de um antigo colega de Arolê, Jorge Osongbo, que tenta chamar sua atenção para um confronto final, haja vista que Arolê matara seu companheiro.

A história se passa na cidade de Ketu-Três, a cidade das Alturas, às vésperas da comemoração da Libertação Áurea, ou seja, do aniversário de Fundação do Mundo Novo. Esta festividade era a celebração do triunfo dos povos melaninados sobre os alienígenas, estes que capturaram os povos do Continente levando-os para Ketu-Três para serem escravizados. Os habitantes do Mundo Novo, os alienígenas, sequestraram os povos melaninados de seu mundo original, contudo os malaninados se rebelaram contra os alienígenas tomando-lhes o poder e construindo um mundo baseado em sua própria cultura e sistema. Essa nova forma de governo pertence às Corporações Ibualana que é chefiada pelo conselho das 13 sacerdotisas-empresárias com poderes sobrenaturais. A mais velha sacerdotisa era “Babá Òsóòsi, a líder do conselho das treze Ceo anciãs; chefe e mãe de todas as pessoas da Cidade” (KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p.10).

A partir desta breve apresentação do romance O Caçador Cibernético da Rua Treze, podemos afirmar que o afrofuturismo visa revistar o passado recriando novas narrativas, uma vez que os discursos sobre a colonização venderam a ideia de que os africanos aceitaram sua condição de escravo. Fábio Kabral nos mostra que os africanos e seus descentes lutaram por sua liberdade alcançando-a. Desse modo, é necessário conhecer, compreender e se apropriar da História para poder começar a construir nossa identidade; a partir do conhecimento desse passado, é preciso transformar o presente que foi criado para, e não pelo, o sujeito negro e que ainda está pautado em perspectivas desiguais; projetar um futuro pautado na nossa ótica, crenças, culturas, ou seja, um futuro afrocentrado. Segundo o próprio Fábio Kabral (2018, np.)KABRAL, F. Afrofuturismo: Ensaios sobre narrativas, definições, mitologia e heroísmo. Disponível em: https://fabiokabral.wordpress.com/2018/07/12/afrofuturismo-ensaios-sobre-narrativas-definicoes-mitologia-e-heroismo/. Acesso em 26 abr. 2022.
https://fabiokabral.wordpress.com/2018/0...
“afrofuturismo é esse movimento de recriar o passado, transformar o presente e projetar um novo futuro através da nossa própria ótica”.

A narrativa de Kabral traz algumas abordagens interessantes sobre a utilização de alguns dos elementos da ficção científica associando-os a noção de identidade negra, como a figura do alienígena; o transcurso do tempo e o ciborgue. Nossa abordagem será feita sobre este último.

O ciborgue e a incompletude do sujeito

Ao passearmos pelas histórias de Fábio Kabral, dois personagens merecem a nossa atenção por demonstrarem uma incompletude que será importante para o transcorrer da narrativa: João Arolê, herói de O Caçador Cibernético da Rua Treze e Jamila Olabamji, heroína de A Cientista Guerreira do Facão Furioso. O que une esses personagens é a busca pela superação de seus traumas ou uma tentativa de aprender a conviver com eles, os quais foram causados, de alguma forma, pela intervenção da Corporação Ibualama e pela falta de entendimento de saberem quem são. É isso que esses personagens procuram: conhecer a si mesmos e mudar o rumo de suas vidas.

Ambos os protagonistas apresentam características de ciborgues. No caso de João Arolê, em que ele é metade homem, metade máquina; e no caso de Jamila Olabamiji, ficamos sabendo mais próximo do final da história que ela é o experimento 68, criada em laboratório. Até então, na narrativa sabíamos apenas que os poderes dela foram dados por deuses, o que a diferenciava de João Arolê, que tinha nascido com poderes. O poder de Jamila é dada por ogum como herança, o que lhe atribuirá humanidade e que acarretará na formação de sua subjetividade. Com estes corpos ciborgues e com os poderes que lhes são atribuídos, ambos os protagonistas serão incumbidos de proteger a população de Ketu Três dos espíritos maus, bem como dos feitos das Corporações Ibualama.

Donna Haraway (2009)HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue. Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: HARAWAY, D.; KUNZRU, H.; TADEU, T. (Org.) Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 33-118. no seu ensaio Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX traz uma abordagem do ciborgue a partir de uma perspectiva feminista, questionando esta condição em que a mulher foi exposta e os mecanismos políticos e sociais utilizados para se desvencilhar de uma abordagem do feminino a partir da premissa patriarcal.

Nesse sentido, se um ciborgue é uma criação possível, dentro do universo ficcional, então novas funções relacionadas às mulheres também podem ser desenvolvidas, como o papel político, por exemplo. A autora afirma que “o ciborgue é nossa antologia” (HARAWAY, 2009HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue. Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: HARAWAY, D.; KUNZRU, H.; TADEU, T. (Org.) Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 33-118., p. 37), ou seja, uma síntese de nossa existência. Assim, a partir da compreensão sobre quem é esta máquina, podemos compreender quem nós somos, sobre a nossa existência enquanto indivíduos e enquanto sujeitos políticos que estão entrelaçados nestas redes de conexões globais, que sofrem influências em suas práticas cotidianas e que também influenciam.

Um ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de máquina e organismo, uma criatura de realidade social e também uma criatura de ficção. Realidade social significa relações sociais vividas, significa nossa construção política mais importante, significa uma ficção capaz de mudar o mundo. Os movimentos internacionais de mulheres têm construído aquilo que se pode chamar de “experiência das mulheres”. Essa experiência é tanto uma ficção quanto um fato do tipo mais crucial, mais político. A libertação depende da construção da consciência da opressão, depende de sua imaginativa apreensão e, portanto, da consciência e da apreensão da possibilidade. O ciborgue é uma matéria de ficção e também de experiência vivida – uma experiência que muda aquilo que conta como experiência feminina no final do século XX. Trata-se de uma luta de vida e morte, mas a fronteira entre a ficção científica e a realidade social é uma ilusão ótica.

(HARAWAY, 2009HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue. Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: HARAWAY, D.; KUNZRU, H.; TADEU, T. (Org.) Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 33-118., p. 36)

Os ciborgues representam este ser que está em constante transformação e que têm suas “identidades permanentemente parciais e posições contraditórias” (HARAWAY, 2009HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue. Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: HARAWAY, D.; KUNZRU, H.; TADEU, T. (Org.) Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 33-118., p. 46). No caso do feminismo, o ciborgue simboliza esta potente mudança – que se deu por meio de lutas e enfrentamentos ao modelo patriarcal, colonialista e imperialista que tem imperado até a modernidade ou pós-modernidade – que tem permitido as conquistas e direitos por meio das proposições feministas, que estão em constantes embates, pois se houver descanso por parte das mulheres, em especial das mulheres negras e indígenas, essas conquistas vão se esvaindo. Igualmente, Donna Haraway traz à luz a discussão da ideia de como a sociedade construiu e entende como sendo naturais os papéis sociais atribuídos as mulheres e quando isso acontece, a mensagem que se está passando é que “é assim que o mundo é, não podemos mudá-lo” (KUNZRU, 2009KUNZRU, Hari. “Você é um ciborgue”: Encontro com Donna Haraway. In: HARAWAY, D.; KUNZRU, H.; TADEU, T. (Org.) Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 17-32., p. 25). Nisso reside à importância do que o ciborgue representaria, pois se o ciborgue é algo que pode ser construído, novos papeis femininos também poderão ser.

Hari Kunzru (2009, p. 25)KUNZRU, Hari. “Você é um ciborgue”: Encontro com Donna Haraway. In: HARAWAY, D.; KUNZRU, H.; TADEU, T. (Org.) Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 17-32. em seu artigo Você é um ciborgue: um encontro com Donna Haraway reafirma esta naturalização de uma condição feminina que atenda a uma demanda patriarcal. A autora diz que durante um longo tempo foi estabelecida a ideia de que as mulheres eram frágeis, eram mais emocionais do que racionais, eram incapazes de elaborar pensamentos abstratos, estavam condicionadas à maternidade ao invés do estudo das ciências, física, tecnologias, engenharias, matemática (áreas do conhecimento majoritariamente masculinas). Desta forma, a ideia era que “se todas essas coisas são naturais significa que elas não podem ser mudadas. Fim da história. Volta à cozinha. Proibido ir adiante” (2009, p. 25).

Da mesma forma que Donna Haraway aborda o ciborgue sob a perspectiva política da categoria mulher, mostrando que não há identidades permanentes desses sujeitos, Fábio Kabral contemplará o ciborgue sob a ótica da fragmentação do sujeito contemporâneo, levantando questionamentos sobre a compreensão da construção subjetiva do indivíduo. Esse enfoque é relevante e importante, pois corrobora o debate sobre o papel do negro na sociedade e a formação de sua identidade.

Assim, os ciborgues de Fábio Kabral buscam entender quem são enquanto indivíduos que não se reconhecem nos seus pares, mas que ao descobrirem seus verdadeiros “eus” passam pelo processo de se aceitarem da forma fragmentada que estão sendo construídas suas identidades. Isso nos permite refletir e aceitar que existem várias formas de construir identidades negras.

As transformações pelas quais a sociedade tem passado sejam no aspecto cultural, social e econômica afetam o conhecimento que o indivíduo tem sobre si (a forma como os indivíduos passam a se enxergar), seja em relação às questões de gênero, de raça ou de sexualidade. Até então, tínhamos ideias fixas de quem éramos, ou do que gostaríamos de ser, porém com essas mudanças sociais, essas ideias incorrem de se transformarem em algo mutável. Desse modo, enquanto sujeitos pós-modernos há um questionamento sobre a unicidade e estabilidade da identidade do sujeito fortalecendo a lógica de que a formação da subjetividade se dá a partir de várias identidades “algumas vezes contraditórias e não resolvidas” (HALL, 2006HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006., p. 12). Stuart Hall (2006)HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006. advoga que a teoria social lançou o questionamento de que as velhas identidades, que por um longo tempo regularam o mundo social, estão em declínio e isso tem feito com que novas identidades tenham surgido, as quais têm trazido consigo a noção de um sujeito fragmentado, sobrepondo-se a ideia de unicidade de uma identidade e de um sujeito. “Esse conjunto de mudanças produzirá um deslocamento ou descentração do sujeito, ou seja, essa perda de um sentido de si”. (HALL, 2006HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006., p. 9). Assim, essa dissociação do indivíduo em relação a si mesmo, do seu espaço cultural e social culminará em uma “crise de identidade”. (HALL, 2006HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006., p.11)

Deste modo, podemos dizer que a identidade de um indivíduo não é algo nato, que nasce com ele e o acompanha em sua trajetória de vida, mas algo que está sempre acontecendo, “ela permanece sempre incompleta, está sempre em processo, sempre sendo formada”. (HALL, 2006HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006., p.38). Por isso, Stuart Hall propõe a ideia de identificação, isto é, esse processo da formação da identidade como algo constante.

A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. Psicanaliticamente, nós continuamos buscando a “identidade” e construindo biografias que tecem as diferentes partes de nossos eus divididos numa unidade porque procuramos recapturar esse prazer fantasiado da plenitude

(HALL, 2006HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006., p. 39)

A construção da identidade é um processo constante e complexo que cada indivíduo percorre ao longo da vida, faz com que busquemos compreender quem somos, através de mecanismos materiais e simbólicos, não apenas isso como também nos leva a procurar, a querer nos identificarmos com aquilo que os outros projetaram sobre nós.

Tendo, inicialmente, adotado uma identidade a partir do exterior do eu, continuamos a nos identificar com aquilo que queremos ser, mas aquilo que queremos ser está separado do eu, de forma que o eu está permanentemente dividido no seu próprio interior.

(WOODWARD, 2000WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p. 7-72., p. 51)

É importante compreendermos que subjetividade e identidade não podem ser vistos como sinônimos. Deste modo, a subjetividade está associada à compreensão sobre quem nós somos, enquanto indivíduos que pensam, que têm emoções, crenças, ideologias, valores etc. Além disso, é na relação do sujeito com o outro, nos processos (sejam sociais, históricos, linguísticos, psicológicos) que fazem com que o sujeito olhe ou se relacione consigo mesmo dentro de uma realidade que a subjetividade é construída, a qual se manifesta dentro de um contexto social, que tem na cultura, na linguagem e no discurso elementos importantes da construção da nossa identidade.

Para o sujeito, a identidade não é estática e nem única, uma vez que o indivíduo pode assumir várias identidades de acordo com o ambiente em que está inserido, com o momento pelo qual esteja passando, com algumas demandas, e assim por diante.

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais, poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.

(HALL, 2009HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Editora UFMG. Belo Horizonte: 2009., p.13).

Assim, podemos dizer que o sujeito não é um ser isolado da sociedade e da história, mas um ser social que se apropria dos sistemas simbólicos e de representações e ao mesmo tempo impacta essas mesmas representações e símbolos. Contudo, é necessário destacar que as instituições, que os nossos sistemas político e econômico, percebendo isto, tentam criar mecanismos de controle dessa subjetividade. Jodelet (2009)JODELET, Denise. O movimento de retorno ao sujeito e a abordagem das representações sociais. Sociedade e Estado, Brasília, v. 24, n. 3, p. 679-712, set./dez. 2009. afirma que

A subjetividade permanece hoje massivamente controlada por dispositivos de poder e de saber que colocam as inovações técnicas, científicas e artísticas a serviço das figuras mais retrógradas da sociabilidade. E, no entanto, outras modalidades de produção subjetiva – as processuais e singularizantes – são concebíveis.

(JODELET, 2009JODELET, Denise. O movimento de retorno ao sujeito e a abordagem das representações sociais. Sociedade e Estado, Brasília, v. 24, n. 3, p. 679-712, set./dez. 2009., p. 686)

Tanto as personagens Jamila Olabamji quanto João Arolê precisam superar suas agonias, são sujeitos incompletos que buscam aflorar ou até mesmo construir suas subjetividades, que se encontram em discordância com suas identidades, enquanto indivíduos negros, empoderados, com poderes para proteger as pessoas da cidade de Ketu Três, heróis que lutam contra uma Corporação que se utiliza da instituição para ampliar seus poderes.

As personagens Jamila Olabamji e João Arolê enfrentam desafios internos e externos em sua jornada para se tornarem heróis completos e autênticos na cidade de Ketu Três. Ambos lutam contra uma poderosa Corporação que abusa de sua influência para obter mais poder, enquanto buscam alinhar suas identidades como indivíduos negros empoderados. Jamila e João são seres incompletos, em constante busca pelo seu verdadeiro eu. Eles desejam não apenas aflorar, mas também construir suas subjetividades, que muitas vezes estão em conflito com as expectativas impostas pela sociedade. Como protetores da cidade, eles têm a responsabilidade de usar seus poderes para combater a injustiça e proteger os cidadãos. Consequentemente são indivíduos que têm uma relevância para a cidade, mas estão à procura de conhecer a si mesmo em profundidade. E esta falta de conexão com suas subjetividades advém das intervenções das Corporações Ibualama, que de alguma forma interviram na forma de ser e existir desses indivíduos.

Para João Arolê era necessário enfrentar um inimigo que cresceu e conviveu com ele dentro das Corporações. Enfrentar este inimigo e as Corporações era constatar no que o pequeno Arolê se transformou, mas que ao perceber as reais intenções dessa instituição, já adulto, resolve se transformar em outro individuo disposto a ajudar jovens que foram submetidos ao mesmo tratamento que ele, ou seja, João Arolê precisa ser diferente do que as Corporações Ibualama tinham planejado, projetado que ele fosse. Desse modo, se sabemos que nossa subjetividade também é construída na relação com o outro, dependendo do que nos transformamos será necessário recusar aquilo que somos.

Já Jamila Olabamji encontraria conexão com o seu eu a partir do momento que se conectasse com seus ancestrais por intermédio da religiosidade. Segundo Kathryn Woodward

O conceito de subjetividade permite uma exploração dos sentimentos que estão envolvidos no processo de produção da identidade e do investimento pessoal que fazemos em posições específicas de identidade. Ele nos permite explicar as razões pelas quais nós nos apegamos a identidades particulares. A subjetividade inclui as dimensões inconscientes do eu, o que implica a existência de contradições

(WOODWARD, 2000WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p. 7-72., p. 44)

Historicamente, a concepção de sujeito foi materializada na figura do homem branco, eurocentrado, racional e que foi alçado como modelo universal de sociedade, conduta, moral e ética. E que por ter essas características, detinha uma capacidade inerente para governar e dominar. Claro que, especialmente mulheres e homens negros, mulheres e homens nativos, não foram elevadas à categoria de sujeito.

Desse modo, podemos dizer que é impossível pensar a existência de um sujeito e consequentemente sua subjetividade fora da cultura, da religiosidade, da história, da linguagem e também das relações de poder. Esses olhares são importantes no processo de ruptura com os padrões de sujeito que até então foram universalizados.

É, entretanto, na teoria cultural que analisa as radicais transformações culturais pelas quais passamos que podemos ver o desenvolvimento de um pensamento que nos faz questionar radicalmente as concepções dominantes sobre a subjetividade humana. Ironicamente, são os processos que estão transformando, de forma radical, o corpo humano que nos obrigam a repensar a “alma” humana.

(TADEU, 2009TADEU, Tomaz. Nós, ciborgues: O corpo elétrico e a dissolução do humano. In: HARAWAY, D.; KUNZRU, H.; TADEU, T. (Org.) Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 4-17., p. 10).

Podemos dizer que a subjetividade, a constituição de noções de sujeitos (que dependendo do seu lugar social, suas influências culturais farão com que sejam indivíduos diferentes, mesmo tendo o mesmo referencial histórico, como por exemplo, a África) parte da espiritualidade e do corpo, do voltar ao passado para reconstituir quem somos. Por isso, a cosmologia africana constitui a narrativa das obras de Fábio Kabral, por ser um dos instrumentos de formação de uma possiblidade de ser homem e mulher negra em um mundo onde as narrativas sobre os indivíduos negros buscaram silenciar a nossa existência.

A reconstrução da subjetividade a partir do enfrentamento da lógica capitalista

João Arolê ainda era um menino quando foi retirado de sua família para servir as Corporações Ibualama como agente assassino: um jovem com implantes cibernéticos, braço e corpo esquerdo de metal reluzente maleável, metade direita do rosto também de metal, o olho direito era um monóculo azul de safira, no lugar da orelha do lado direito havia um botão auditivo, corpo feito de sistema cibernético, incorporado na mão havia uma lança de metal de um metro e meio de comprimento com penas azuis e ponta de cristal translúcido. Além disso, tinha o poder de teleporte e precisão dos antigos caçadores espirituais.

José e Marina Arolê, ao perceberem os poderes do pequeno João, buscaram uma forma de proteger seu filho da Corporação, essa organização retirava dos pais seus filhos ainda crianças para servirem aos interesses da instituição, que tinha como intuito eliminar monstros e pessoas corruptas.

Uma das tentativas de proteger João foi comprar escudos mentais para evitar que os agentes das Corporações lessem os pensamentos de José e Marina, para que não identificassem a existência de uma criança com superpoderes como João. Diz o pai: “Gastei uma fortuna com esses escudos mentais portáteis, pra não invadirem nossa cabeça e descobrirem nosso filho” (KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p. 53). Os guardas da Corporação tinham um dispositivo que além de conseguir ler os pensamentos dos cidadãos, conseguiam identificar seus sentimentos.

João Arolê cerrou o punho com tanta força que quase rasgou a própria mão.

O discurso terminou. Todos se levantaram, retornaram para seus afazeres. Foi então que Arolê sentiu um arrepio; se virou; viu uma oficial uniformizada, de azul e amarelo, diante de si; ela disse:

– Com licença. Acabamos de registrar no senhor uma concentração de sentimentos hostis; será que faria a gentileza de nos acompanhar? Diminua seus escudos mentais para que seja feita uma leitura mais precisa.

João Arolê não disse nada. Outros dois guardas apareceram; eram do Àkosíle Oju, empresa de segurança que funcionava como os “olhos do público” de Ketu Três.

– Senhor – disse um dos guardas –, por gentileza, pedimos que abaixe seus escudos mentais.

(KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p 10)

Outra forma de proteger João Arolê era deixar a criança aos cuidados dos Isote, um grupo revolucionário contrário as Corporações. Mais uma vez, o pai de Arolê apresenta uma solução, em uma conversa com Marina afirma:

- Eu sei um lugar. Sabe o Ricardo?

- Ah, não. Você está falando dos Isote? Eles são um bando de vagabundos! Não vou deixar o meu filho com essa gente metida a revolucionária...

- Mariana. Você prefere que nosso filho seja criado pelas Corporações para ser um espião, um assassino, ou coisa pior?

(KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p.54)

Entretanto, José e Marina Arolê não conseguem proteger o pequeno João, que acaba sendo capturado quando seu pai é preso pela Corporação:

O pequeno João Arolê estava sentado com a mãe no sofá da sala. Marina o abraçava. Assistiam à televisão;

- ...acaba de ser preso o operador de máquinas José Arolê, 48 anos, acusado de roubo, fraude de documentos, sabotagem de equipamentos e participação no grupo criminoso revolucionário que se intitula Isote. José Arolê foi condenado à reeducação total: trabalhará por toda a vida para...

(KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p. 59)

O pai de Arolê era um revolucionário que lutava contra a Corporação, sendo caçado e preso pela mesma quando Arolê ainda era criança. Nesta passagem, após a prisão do pai, membros da Corporação aparecem na casa de Marina para levarem a criança.

- Vamos, garoto.

A mulher de terno branco pegou no braço do pequeno João Arolê e o conduziu para fora de sua própria casa. Marina sua mãe, estava em pé na porta, enquanto outras pessoas de terno estavam revirando seu lar; quando terminaram, se olharam sem dizer nada, pelo menos não com a boca. Marina observava tudo com olheiras de ressaca fria. Uma a uma, aquelas pessoas de branco e óculos espelhados foram saindo, deixando tudo bagunçado; passaram pela Marina sem nem olhar; mas uma das mulheres parou e disse:

- Senhora Marina Arolê. Estamos levando seu filho, João Arolê, 8 anos, para estudar, em tempo integral, no Instituto Pá Oluko para jovens Superdotados, conforme manda a tradição constitucional das Corporações Ibualama. Devido à natureza extraordinária dos estudos a serem aplicados, e também às transgressões cometidas por seu marido, José Arolê, a senhora não terá permissão para visitar seu filho. Mas terá direito a uma ligação por mês.

Marina foi passando por aqueles estranhos; chegou até o filho, se agachou, olhou bem nos olhos; disse:

- João. Meu filho. Seja o homem que eu e seu pai criamos para que fosse. Seja forte.

(KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p.62)

A vida de João Arolê se configura a partir dessas experiências traumáticas pelas quais passou ainda na infância: a prisão do pai, uma vida longe de sua mãe e os treinamentos para se transformar em assassino. Atormentado por pesadelos todas as noites, Arolê buscava compensar as mortes que causou, quando ainda estava sobre o jugo da Corporação Ibualama, protegendo a população de Ketu Três dos espíritos destruidores (conhecidos como ajoguns) “antes que os ancestrais cobrem seu derradeiro preço” (KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p. 6)

Os pesadelos eram constantes e são eles que nos mostram a infância e os traumas vividos por Arolê, esses flashbacks nos levam ao passado do protagonista nos ajudando a entender os fatos que suscitaram nele traumas com os quais ele terá que aprender a conviver. “Ontem, João Arolê sonhava se tornar astronauta; hoje, acordou aos gritos de mais uma noite de pesadelo. Sentado em seu colchão flutuante, Arolê era só suor. Foi assim ontem, foi assim anteontem. De cara fechada, resmungando muito, Arolê tremia” (KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p.8).

Em outra passagem de O Caçador Cibernético da Rua Treze, vemos o personagem João Arolê distante de sua realidade, procurando sentido para as coisas.

No alto de uma árvore alta, tão alta quanto as maiores torres da Cidade, n’algum lugar do Setor 8, João Arolê estava acocorado, como se fosse um animal, em silêncio. Ficou ali parado quase a madrugada inteira.

Já era quase de manhã quando João Arolê apareceu no seu apartamento, tirou a roupa, tirou o colar de contas, se ajoelhou, realizou uma prece; terminou, se jogou na cama. Olhava pro teto. Nada aconteceu. Piscou o monóculo, as luzes se apagaram. Arolê continuou olhando pro teto, sem fechar os olhos por horas.

(KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p. 17).

Nisso temos um conflito, pois João Arolê matava pessoas, “aberrações” parecidas com ele, além de também matar crianças, pois segundo a Corporação Ibualama, elas se transformariam em monstros e isso traria problemas para a população de Ketu Três.

– Faça, Arolê! – exigiu Osongbo

– E Arolê não se mexia. Em pé em cima da cama, olhava pra criança que dormia...até o garoto abrir os olhos.

Foi então que Jorge Osongbo apareceu em cima de Arolê e lhe deu um soco na cara; Arolê foi parar no chão do quarto. Nina gritou sem voz; Jorge Osongbo enfiou sua lança no olho esquerdo da criança, o sangue jorrou farto; João Arolê ficou ali olhando a criança com uma lança trespassada no crânio.

– Eu não sabia... – disse Nina Onise – Eduardo Igbo, 9 anos, suprimido com sucesso. Eu não sabia...só 9 aos...O que nós fizem...

(KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p. 60)

A partir desse episódio João Arolê decide que não quer mais ser assassino, salvando Rafal Igbo, irmão do menino que morreu.

– Acho que estamos com problemas de comunicação aqui... – disse Jorge Osongbo para seus colegas. – A missão era bem simples: eliminar a anomalia. Nada mais, nada menos. Duas anomalias, na verdade, já que o irmão provavelmente também se tornará uma ameaça. Vocês entendem, não? Nossa tarefa é eliminar ameaças, certo?

– Uma criança é uma ameaça?! – Nina esbravejou.

– É. – disse Osongbo

(KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., pp. 63-64)

À medida que João Arolê mergulha nesse processo de conscientização crítica, refletindo e questionando em que tipo de pessoa se transformara sob a intervenção da Corporação Ibualama, ele decide abandonar a Instituição.

Ainda sentados de frente um para o outro, João Arolê disse:

– Sangue demais em nossas mãos, realmente...E é por isso que estou fora. Seguindo a minha vida.

[...] – João, nossos antigos patrões mentiram para nós! – Nina fez uma expressão de ódio –, tiramos a vida daquelas pessoas todas... e não adiantou e nada. Nada!

(KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p. 82)

Nestas passagens contidas na obra O Caçador Cibernético da Rua Treze temos a subjetividade do personagem João Arolê sendo forjada pela Corporação Ibualama. Isso nos permite inferir que o sistema capitalista, representado pela instituição, busca modificar o caráter, a subjetividade, a identidade dos indivíduos, neste caso especificamente do sujeito negro, representado pelo personagem principal. Nesta lógica o capital vislumbra o assujeitamento dos sujeitos.

Em uma passagem do livro A Cientista Guerreira do Facão Furioso, percebemos a ênfase neste mecanismo de dominação quando a personagem Jamila Olabamji descobre as reais intenções da Corporação.

– As empresas de segurança não existem para garantir o bem-estar da população – disse Joana com calma. – As empresas existem para eliminar ameaças aos interesses das Corporações...

– E que interesses seriam esses? – perguntei.

– Nós já falamos disso com você.

– Que perversão é essa? E os nossos valores tradicionais? A Mãe Presidente Ibualama sabe da existência desse órgão pavoroso? Como os ancestrais permitem uma coisa dessas?

Estou quase chorando, lendo esses arquivos, quase aos prantos.

Então é isso que fazem com os emi ejé “selvagens”... É assim que chamam os emi ejé que nascem ao acaso, fora das linhagens nobres...Selvagens...então, somos animais, é isso?

Para a elite de Ketu Três, nós não passamos de bichos, é isso? Pior que tem mais aqui, não consigo parar de ver ...outros “programas de incentivo” para determinadas categorias da população...Bateria de testes ...na população do Setor 4? Setores 3,2,1? Absurdo! O pessoal do subúrbio é descartável, é isso?

(KABRAL, 2019KABRAL, F. A Cientista Guerreira do Facão Furioso. Rio de Janeiro: Malê, 2019., pp. 129-130)

Diante disso, podemos afirmar que esta relação entre a Corporação Ibualama e João Arolê ecoa no que Richard Sennet (2015)SENNETT, Richard. A Corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 2015. traz em seu ensaio Como o novo capitalismo ataca o caráter pessoal, ao nos mostrar como o capitalismo utiliza-se de mecanismos corporativos para corroer o caráter[2] do indivíduo. Dessa forma, o sujeito deixa de ser quem ele é para se transformar no que o capital quer. João Arolê foi moldado para ser o que a Instituição queria que ele fosse treinando-o para exercer a função de assassino.

O que o atormentava João Arolê e que acabou culminado na fragmentação da sua subjetividade era a consciência de que precisou tirar a vida de outras pessoas, parecidas com ele, em prol do esquadrão secreto da supressão das Corporações. Nesta função de assassino, Arolê e sua equipe matavam os cidadãos corruptos como também aqueles que poderiam se transformar em monstros e trazer, no futuro, caos para a cidade de Ketu Três. Apesar de toda tecnologia, a Corporação não conseguia garantir que no futuro, as crianças, por exemplo, se transformariam em monstros, ainda assim, era dada ordem para que elas fossem eliminadas. Constantemente, o personagem é tomado por pensamentos que o acusavam: “Você acha que salva vidas. Você passou mais da metade da sua vida eliminando vidas” (KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., p. 46). Em uma conversa com sua companheira de equipe, Arolê traz novamente estes questionamentos.

– Nina...

– Agora não! Tô ocupada aqui!

– Quantas ...É... Quantas pessoas nós já...

– Quantas...?

– Cara... – Nina pausou jogo –, olha, eram coisas...não eram pessoas. Anomalias, aberrações, criminosos e corruptos engravatados...ameaças! Não eram pessoas, eram monstros! Somos caçadores de monstros e anomalias! É o nosso dever!!!

– Quantas pessoas nós... [...]

– Mais de cem seres humanos [...] (KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., pp. 56-57)

Outrossim, apesar de nas obras de Fábio Kabral haver um empoderamento do povo negro, uma vez que se tem uma identidade negra bem estruturada, uma sociedade em que os indivíduos negros estão no centro da discussão e das tomadas de decisões, ainda assim, figura o capitalismo com a tentativa de desmembrar a identidade da subjetividade do sujeito negro, com fins de intensificar seus mecanismos de exploração.

Mediante isso, é fundamental trazer a reflexão da discussão de classe social a partir de sua intersecção com raça. Se entendemos que as práticas sociais produzem nossas subjetividades, sendo essas práticas moldadas, elaboradas e impactadas pelo capitalismo (ou seja, o capitalismo organiza a sociedade, consequentemente a sociedade produz subjetividades), concluímos que o capitalismo projeta nossas subjetividades para atender as suas próprias demandas. Assim, o capitalismo provoca as crises que marcam a essência de quem somos.

Igualmente, se entendemos que o racismo também é estruturado por uma lógica política e econômica, vamos chegar à conclusão de que ele se enraíza dentro de uma lógica capitalista de produção, a qual se apropria de demandas raciais para perpetuar sua forma de exploração se utilizando, desta vez, das vozes negras. A Corporação Ibualama, apesar de ser composta por indivíduos negros, impunha sobre as pessoas um jugo de sofrimento e morte pelo receio de se rebelarem contra os interesses da Instituição.

No final do capítulo do livro O Caçador Cibernético da Rua Treze, quando João Arolê abandona a Corporação Ibualama, há uma demonstração de que, apesar de o sistema capitalista se reorganizar para atender novas demandas que ele mesmo produz na sociedade, há formas de causar fissuras neste sistema, o que acontecerá a partir da consciência crítica, esta que é trazida por Molefi Kete Asante (2009)ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora. Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, n. 4. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 93-110. Disponível em: https://psicologiaeafricanidades.files.wordpress.com/2012/09/nobles-portugues.pdf. Acesso em 2 dez. 2021.
https://psicologiaeafricanidades.files.w...
como um dos princípios norteadores da afrocentricidade. No fragmento abaixo, vemos as transformações que ocorrem com o personagem João Arolê, o qual passa a ter sua subjetividade restaurada a partir do enfrentamento a este modelo de Instituição.

João Arolê saiu gotejando do banho. Os dreads recém cortados jaziam no chão do banheiro. Chegou ao espelho. Olhou pro seu rosto, cuja metade direita não era mais titânio reluzente – era pele sintética, escarificada com circuitos discretos, só dava para ver se chegasse bem perto. Olhou pro novo botão auditivo, que ocupava o lugar onde deveria estar sua orelha, agora no formato real de uma orelha. Olhou para o seu olho direito, que não era mais um monóculo azul, com pálpebra e tudo. Olhou para seu novo rosto, novamente inteiro. Um bonito rosto.

Olhou para seus traços naturais. Seus lábios grossos. Nariz redondo. Pele marrom, escura. Olhou para seus traços de homem descendente do Mundo Original, descendente dos grandes espíritos ancestrais que governam o universo. Sorriu. Olhou para os seus cabelos, agora curtinhos. Cabelos crespos, enroladinhos. Que cresciam para cima daqui por diante. Para formar uma coroa natural. Cabelos crespinhos. Bonitos e cheirosos.

Fechou os olhos, respirou fundo. Apertou seu novo botão auditivo, ou seja, sua nova orelha. Ligou.

A pessoa do outro lado da linha atendeu à ligação. Arolê falou:

– Olá. Oi, senhora minha mãe. Como está? Primeiramente, perdoe a minha ausência, o meu descaso. Vou explicar tudo pra senhora. Hoje. Agora. Antes de tudo, quero comunicar que, nesta manhã de hoje, eu me inscrevi pra compor a reserva do programa Astronauta Azul...

Ontem, João Arolê sofria com pesadelos; hoje, voltava a sonhar rumo às estrelas.

(KABRAL, 2017KABRAL, F. O Caçador Cibernético da Rua 13. Rio de Janeiro: Malê, 2017., pp. 127-128)

Nisto podemos dialogar com que Clóvis Moura (1968)MOURA. Clovis. Sociologia no negro brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1968. explica como sendo a rebeldia do trabalho, em que as revoltas encabeçadas pelos africanos e seus descendentes não eram apenas “revoltas pontuais”, mas indicavam uma probabilidade da instauração de um projeto político diferente[3] do que estava vigente no Brasil da época. Assim, enfrentar o capitalismo coorporativo, como João Arolê fez, seria uma possibilidade de elaborar novos projetos políticos sem o jugo que o capital proporciona aos sujeitos, o que muitas vezes nos leva a corromper quem de fato somos.

A reconstrução da subjetividade a partir da cosmologia africana

Outra personagem que também precisa aprender a lidar com experiências traumáticas é a jovem Jamila Olawuwo, que no livro O caçador Cibernético da Rua Treze é a causadora da grande destruição da cidade, mas que em A Cientista Guerreira do Facão Furioso está em processo de saber quem é, uma vez que sempre teve a sensação de não pertencer àquele universo onde estava inserida. Diferentemente de Arolê, Jamila não é retirada de sua família, porém ainda criança sua mãe morre, ficando ela sob a responsabilidade de seu pai. Contudo, no decorrer da narrativa ficamos sabendo que a história contada sobre Jamila é uma invenção.

A personagem também precisa enfrentar algumas questões que afetam sua vida, como saber lidar com seus poderes, que se manifestavam estrondosamente quando a menina fica sob a pressão de forte estresse, de buscar respostas para suas inquietações, assim como saber lidar com o olhar dos outros.

Jamila Olabamiji passou a acreditar que de fato seria um monstro porque era dessa forma que fora vista pelos colegas de classe. Essa posição de se enxergar a partir da perspectiva do outro fez com que sua subjetividade fosse impactada. Na fala descrita abaixo, Jamila estava na escola, quando, mais uma vez, foi atacada pelo seu inimigo Pedro Olawuwo.

Alunos e alunas, com seus blacks vistosos e tranças coloridas, suas roupas de marca, tecidos caros de padrões geométricos, alguns da pele muito preta da alta estirpe de Ketu Três, me olhando assustados, como se eu fosse alguma espécie de bicho selvagem.

Inclusive, acho que estava rosnando para eles...

Dei meia volta e saí correndo. Dane-se, fui faltar aula de novo. Dane-se essa escola imunda com essa gente perversa. Saí correndo feito uma louca, deixando meu boné para trás, quase largando a minha mochila, desviando dos professores, que só ficaram olhando. Ninguém faz nada, ninguém tentou me ajudar, detesto todo este lugar, detesto.

(KABRAL, 2019KABRAL, F. Afrofuturismo. Youtube, 13 ago. 2019. Disponível em https://www.youtube.com/c/F%C3%A1bioKabral Acesso em 3 maio 2022.
https://www.youtube.com/c/F%C3%A1bioKabr...
, p. 46).

Observa-se que esta lógica do olhar do outro sobre os corpos negros, acaba se refletindo na forma como o negro olha para o outro negro. Ou seja, a branquitude mantendo esta lógica de tentar falar e agir através das bocas e dos corpos negros, perpetua sua lógica de dominação. Assim, podemos inferir que não importa quem está no controle, desde que a lógica da branquitude seja mantida.

Ademais, percebemos que as construções de nossas subjetividades, as quais podem impactar na elaboração de nossas identidades, perpassam pelo olhar dos outros sobre nós, mesmos que esses outros sejam nossos pares. Observa-se que esta lógica do olhar do outro sobre os corpos negros, acaba se refletindo na forma como o negro olha para o outro negro. Isso desfocou a forma como Jamila Olabamiji passa a se enxergar, o que faz com que a adolescente se apresente da seguinte forma:

Nunca fui grande coisa nem acredito que um dia eu consiga ser algo, mas mesmo assim, tenho esse sonho de ser a maior engenheira do mundo. Sou uma nulidade na escola, um ninguém, não sou vista, não sou percebida.

(KABRAL, 2019KABRAL, F. A Cientista Guerreira do Facão Furioso. Rio de Janeiro: Malê, 2019., p. 109)

A jovem foi criada em laboratório por Mãe Yolanda Oiá, uma renomada geneticista da farmacêutica Olasunmbo, sendo a mãe Diretora desta empresa. Esta senhora vivia na cobertura de uma torre alta do Setor 10 com seu marido Onofre Olasunmbo e seu filho Pedro Olasunmbo, principal inimigo da Jamila. Além de Yolanda matar as pessoas que atravessassem seu caminho, ela foi acusada de criar abominações biológicas em seu laboratório particular. No livro O Caçador Cibernético da Rua Treze, esta personagem é assassinada.

Neste diálogo entre Pedro Olawuwo e Jamila Olabamiji ficamos sabendo do experimento ao qual a adolescente fora submetida.

– A sua idade verdadeira...Você deve ter uns 5, no máximo, uns 6 anos de existência...e não 15, como fica falando por aí...

O quê?

– Ainda lembro... – ele continuou dizendo.

– Você crescendo...Naquele tubo enorme de vidro, lá no laboratório da minha mãe...você era uma coisa feia e esquisita...foi crescendo, crescendo...naquela meleca verde...

O quê?

– Eu chamo você de aberração porque é isso que você é...- ele continuou dizendo, tranquilamente. – Você é uma coisa, criada pela minha mãe, uma imitação de pessoa; não nasceu do ventre de uma mulher, não teve infância...

– Você é propriedade da família Olawuwo – disse ele. ...”

(KABRAL, 2019KABRAL, F. Afrofuturismo. Youtube, 13 ago. 2019. Disponível em https://www.youtube.com/c/F%C3%A1bioKabral Acesso em 3 maio 2022.
https://www.youtube.com/c/F%C3%A1bioKabr...
, p. 177).

Em outra passagem esse diálogo é retomado:

– Ainda não se tocou? Chamo você de aberração porque é isso que você é: um ser artificial. Uma criatura patética e sem alma, criada em laboratório. Você não é gente de verdade, é só um experimento mal feito... (KABRAL, 2019KABRAL, F. A Cientista Guerreira do Facão Furioso. Rio de Janeiro: Malê, 2019., posição 181).

– Não...Eu sou gente...eu...

– Não sou um experimento sou uma não sou um experimento sou uma pessoa não sou um experimento sou uma pessoa não sou um experimento sou uma pessoa não sou um experimento sou uma pessoa não sou um experimento sou uma pessoa não sou um experimento sou uma pessoa não sou um experimento sou uma pessoa não sou...

(KABRAL, 2019KABRAL, F. A Cientista Guerreira do Facão Furioso. Rio de Janeiro: Malê, 2019., p. 188)

Em outra passagem, Jamila Olabamiji tem um embate com Pedro Olawuwo, na qual, em um primeiro momento ela é abatida pelo seu opositor. Anteriormente a isso, Jamila com a ajuda de Nina esculpe um facão, que denominará como Facão de Ogum, este artefato só poderia ser empunhado após ser apresentado aos deuses e depois que Jamila passasse por um ritual de iniciação, algo que ela nunca demonstrou interesse em realizar.

–...Muito bem – ela começou a dizer –, aqui confirmamos que Ogum deseja sua cabeça...ele exige iniciação imediata. E aí?

– Hã? – engasguei – Ué...Se ele quer...quem sou eu para...

– Você é uma pessoa – disse ela, de pronto. – Pessoas têm direito de escolha. Obviamente você terá que lidar com a consequência de sua escolha, mas entenda de uma vez, Orixá não mata ninguém, viu?

(KABRAL, 2019KABRAL, F. Afrofuturismo. Youtube, 13 ago. 2019. Disponível em https://www.youtube.com/c/F%C3%A1bioKabral Acesso em 3 maio 2022.
https://www.youtube.com/c/F%C3%A1bioKabr...
, p. 212)

Contudo, ela passa por esse rito e a partir disso Jamila Olabamiji se reconecta com aquele ‘eu’ que tanto buscava, o que fará com que tenha controle sobre seus poderes e com isso, em uma nova batalha, destruirá seu inimigo Pedro Olawuwo.

– Então... – disse Mãe Maria, descruzando as pernas – o que você decidiu...?

– Sim! – exclamei, chorando de novo, mas, desta vez, de alegria. – Sim, quero ser iniciada! Quero renascer pela vontade de meu pai Ogum!

– Muito bem... – disse Mãe Maria, sorrindo pela primeira vez. – Então...vamos começar. [...]

– A iniciação, dizem os mais velhos, destina-se a consertar nossa cabeça...disse Mãe Maria. – Destina-se a estimular o Orixá dentro da nossa ori, o centro da consciência.

– Nunca senti tanta paz e tranquilidade em toda a minha vida.

– Reconexão. Religando com a divindade ancestral da qual descendo. O fragmento da divindade agora existe dentro de mim, no centro da minha consciência. Minha alma agora é capaz de manifestar a minha divindade, o melhor aspecto de mim mesma. ...”

(KABRAL, 2019KABRAL, F. A Cientista Guerreira do Facão Furioso. Rio de Janeiro: Malê, 2019., pp. 215-216)

Desse modo, percebemos que a personagem Jamila Olabamiji só consegue se reconectar com o seu eu, dominar o seu poder, que era uma extensão de quem ela era e se aceitar após passar pelo ritual de iniciação, quando se efetivaria sua conexão com a divindade.

Wade Nobles (2009)NOBLES, Wade W. Sakhu Sheti – retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora. Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, n. 4. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 277-297. Disponível em: https://psicologiaeafricanidades.files.wordpress.com/2012/09/nobles-portugues.pdf. Acesso em 2 dez. 2021.
https://psicologiaeafricanidades.files.w...
aborda essa dimensão do que é ser humano, ser sujeito, a partir de uma lógica da filosofia africana iorubá que trará meandros da cosmologia africana, na qual o humano é constituído a partir de um espírito (ou espiritualidade) e um corpo, sendo este constituído por Orisa-nla e através do qual o indivíduo interage com a natureza.

O espírito é o componente essencial do indivíduo, “a força espiritual ou a espiritualidade (emi)”. (NOBLES, 2009NOBLES, Wade W. Sakhu Sheti – retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora. Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, n. 4. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 277-297. Disponível em: https://psicologiaeafricanidades.files.wordpress.com/2012/09/nobles-portugues.pdf. Acesso em 2 dez. 2021.
https://psicologiaeafricanidades.files.w...
, p. 281). O emi (a essência divina) está vinculado ao Ser Superior, ao divino, é ele que dá a vida a pessoa, sendo que ele volta para o divino após a morte do indivíduo. Nesta constituição subjetiva, tem-se a ideia do Ori (essência pessoal), que representa a cabeça, estando dividido em Ori ode, a parte física, a qual contém nossos órgãos dos sentidos e o cérebro; Ori inu, que é o guardião do eu, o que dá a identidade subjetiva do sujeito e “carrega o nosso destino e influencia a personalidade” (NOBLES, 2009NOBLES, Wade W. Sakhu Sheti – retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora. Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, n. 4. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 277-297. Disponível em: https://psicologiaeafricanidades.files.wordpress.com/2012/09/nobles-portugues.pdf. Acesso em 2 dez. 2021.
https://psicologiaeafricanidades.files.w...
, p. 282); Além de Ori, tem-se a ideia de Okan, que seria o lugar do pensamento, onde está sediada o nosso intelecto, nossa inteligência e nossas ações. “Essa palavra significa coração, mas como aspecto constituinte da pessoa, representa o elemento imaterial (essência).” (NOBLES, 2009NOBLES, Wade W. Sakhu Sheti – retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora. Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, n. 4. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 277-297. Disponível em: https://psicologiaeafricanidades.files.wordpress.com/2012/09/nobles-portugues.pdf. Acesso em 2 dez. 2021.
https://psicologiaeafricanidades.files.w...
, p. 282); também se tem a ideia do eje, que seria o sangue, que dá força ao indivíduo; e o Iye, referido como a mente. Desta forma, para se tornar um ser humano, para que o sujeito construa sua subjetividade, segundo a crença iorubá, o indivíduo deve ter todos esses elementos convergindo.

Uma segunda abordagem dessa concepção de humanidade, de ser humano, é a compreensão segundo o povo banto-congo, que traz como premissa a noção de que o indivíduo é como um sol vivo, enquanto energia vital que pulsa constantemente em relação com a energia cósmica, sendo assim, “a pessoa é ao mesmo tempo o recipiente e o instrumento da energia e dos relacionamentos divinos. É a essência espiritual da pessoa que a torna humana”. (NOBLES, 2009NOBLES, Wade W. Sakhu Sheti – retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora. Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, n. 4. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 277-297. Disponível em: https://psicologiaeafricanidades.files.wordpress.com/2012/09/nobles-portugues.pdf. Acesso em 2 dez. 2021.
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, p. 282).

Para ambas as formas de compreender como se constitui o ser humano, tanto dentro de uma visão iorubá quanto banto-congo, o sujeito é formado por espírito que está em contato com as divindades e poderes espirituais que habitam o campo do invisível, esses indivíduos são dotados de uma energia que é vital para sua existência. “Essa energia, cuja totalidade constitui o Ser Supremo, exige que os seres humanos, como espíritos, sejam capazes de conhecer a si mesmos (intra), a outros espíritos (inter) e por fim ao Divivo (supra)”. (NOBLES, 2009NOBLES, Wade W. Sakhu Sheti – retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora. Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, n. 4. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 277-297. Disponível em: https://psicologiaeafricanidades.files.wordpress.com/2012/09/nobles-portugues.pdf. Acesso em 2 dez. 2021.
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, p. 283).

Wade Nobles (2009)NOBLES, Wade W. Sakhu Sheti – retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora. Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, n. 4. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 277-297. Disponível em: https://psicologiaeafricanidades.files.wordpress.com/2012/09/nobles-portugues.pdf. Acesso em 2 dez. 2021.
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acrescenta que houve a tentativa de esvaziar nossa consciência do que significa ser africano, por isso, a importância de olhar para o passado ancestral para podermos restaurar quem somos. Apesar de termos sidos constantemente atacados por narrativas discursivas, simbólicas, cosmológicas negativas de uma africanidade, ou seja, “de um senso de ser dos africanos” (NOBLES, 2009NOBLES, Wade W. Sakhu Sheti – retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora. Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, n. 4. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 277-297. Disponível em: https://psicologiaeafricanidades.files.wordpress.com/2012/09/nobles-portugues.pdf. Acesso em 2 dez. 2021.
https://psicologiaeafricanidades.files.w...
, p. 285) isso não foi capaz de destruir a nossa essência africana. Contudo, a concepção de que tínhamos sobre nossa africanidade transfigurou a forma como encaramos nossa africanidade “e esse senso alterado de consciência é o problema fundamental dos africanos e afro-americanos e diaspóricos” (NOBLES, 2009NOBLES, Wade W. Sakhu Sheti – retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora. Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, n. 4. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 277-297. Disponível em: https://psicologiaeafricanidades.files.wordpress.com/2012/09/nobles-portugues.pdf. Acesso em 2 dez. 2021.
https://psicologiaeafricanidades.files.w...
, p. 277). Além disso, não é somente compreender essa essência e experiência africana, mas também, pertencer e tornar-se africano, é isso que Nobles denomina como Sakhu Sheti[4].

Ademais, compreender a dimensão do que significava ser africano foi um aliado na resistência dos africanos e seus descendentes à escravidão e a imposição colonialista, uma vez que “a concepção do significado da pessoa como recipiente e instrumento da energia e relação divina tornava o africano, creio eu, inadaptado à escravidão, a menos que desafricanizado”. (NOBLES, 2009NOBLES, Wade W. Sakhu Sheti – retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora. Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, n. 4. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 277-297. Disponível em: https://psicologiaeafricanidades.files.wordpress.com/2012/09/nobles-portugues.pdf. Acesso em 2 dez. 2021.
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, p. 284).

Entendemos que a personagem Jamila Olabamiji ao passar pelo ritual de iniciação rompe simbolicamente com o mundo exterior, que está organizado dentro de uma estrutura que foi elaborada com fins de explorar e expropriar especialmente o homem negro, passando a olhar para si, a buscar uma aproximação com os deuses e uma conexão com sua ancestralidade, só assim, a personagem pode reelaborar quem ela era.

Considerações Finais

Kabengele Munanga (1988)MUNANGA, Kabengele. Negritude: Usos e Sentidos. 2. ed. São Paulo: Ática, 1988. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/70034/72674. Acesso em 2 ago. 2022.
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ao discorrer sobre a noção de negritude e identidade negra ressalta que nossa identidade subjetiva é afetada quando nos colocam na posição de subalternizado, sendo que esta construção identitária está relacionada com a maneira como somos vistos pelos outros e como nos vemos. Como nosso olhar para nós mesmos passa pela percepção das imagens que criaram sobre nós, precisamos descolonizar também nosso olhar sobre quem somos de fato. A partir disso, começamos a buscar por outras possibilidades, referências, não mais aquelas veiculadas por uma elite cultural branca.

Podemos afirmar que algumas demandas do movimento afrofuturista, especificamente no Brasil, criaram e ainda criam instrumentos para pensar as relações sociais, a relação do homem com o meio ambiente, a produção de conhecimento, ciência, tecnologia entre outros, a partir de uma visão afrocentrada. Desse modo, o “Outro”, que foi subjugado, explorado e expropriado sai dessa posição periférica na qual foi lançado e passa a ser o centro das discussões; deixa de ser objeto de conhecimento do outro para ser sujeito do conhecimento. Vale ressaltar que o afrofuturismo, no Brasil, volta seu olhar para a afrocentricidade, o que nos permite ter acesso a essas informações e todos os mecanismos de conhecimento produzido em África e pelos africanos; e nós, seus descendentes, ao lançarmos nosso olhar para o passado como forma de compreendermos as contribuições materiais e imateriais dos africanos, conseguimos ressignificar e reelaborar um futuro em que somos agentes, sujeitos de mudanças e não mais objeto a ser observados e analisados.

Nisso reside a relevância do movimento afrofuturista, pois evidencia que a cultura e a identidade coletiva e individual são construídas historicamente, estando associadas à ideia de pertencimento e de identificação. Esse sentimento de pertencimento a uma determinada cultura depende da representação que se tem de um determinado contexto. Tal mecanismo se reflete e refrata da história, mitologia, memória, imagens, e tudo aquilo que faça o sujeito se identificar, com ênfase na continuidade desse processo. A representação é uma forma de reivindicar a diferença e o pertencimento dentro de um universo de identificações. Logo, a identidade é uma construção atrelada à ideia de pertencimento social e cultural de um povo.

Ademais Fábio Kabral destaca a importância da cosmologia africana na configuração da identidade dos indivíduos negros. Já que a religiosidade africana recebeu uma conotação negativa e demonizada que esteve a serviço de um projeto político de apagamento com vistas à escravização, existe uma tentativa de retirar esta carga negativa dessa religiosidade mostrando-a como mecanismo de resistência e de manutenção de uma cultura e memória de um povo. Ao trazer esses elementos para o corpo da narrativa, Fábio Kabral recupera esses valores culturais.

Notas

  • 1
    A escritora Luciene Marcelino Ernesto mais conhecida como Lu Ain-Zaila é, juntamente com Fábio Kabral, precursora da literatura afrofuturista no Brasil. Suas obras versam pela ficção científica e fantasia mesclando com a vida da população preta no contexto urbano brasileiro. Lu Ain-Zaila é autora dos livros (In) Verdades, (R) Evolução (2017); Sankofia: breves histórias afrofuturistas (2018) e Ìségún (2019)
  • 2
    Caráter são os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem. Além disso, o termo caráter concentra-se sobretudo no aspecto a longo prazo da nossa experiência emocional. É expresso pela lealdade e compromisso mútuo, pela busca de meta a longo prazo, ou pela prática de adiar a satisfação em troca de um fim futuro (SENNET, 2015SENNETT, Richard. A Corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 2015., p. 18)
  • 3
    Para isso, o autor utiliza como exemplo deste novo projeto político a República dos Palmares que era “surpreendentemente progressista para a época, uma vez que se organizava com base na propriedade coletiva da terra. O resultado disso era que enquanto a fome grassava na colônia havia fartura em Palmares”. (MOURA, 2014MOURA. Clovis. Sociologia no negro brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1968., p. 18)
  • 4
    Sakhu significa a compreensão, o iluminador, o olho e a alma ser, aquilo que inspira. E sheti quer dizer entrar profundamente num assunto, estudar a fundo; pesquisar nos livros mágicos; penetrar profundamente. (NOBLES, 2009NOBLES, Wade W. Sakhu Sheti – retomando e reapropriando um foco psicológico afrocentrado. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora. Coleção Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, n. 4. São Paulo: Selo Negro, 2009, p. 277-297. Disponível em: https://psicologiaeafricanidades.files.wordpress.com/2012/09/nobles-portugues.pdf. Acesso em 2 dez. 2021.
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    , p. 279).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2022
  • Aceito
    24 Jul 2023
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