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A aprendizagem da leitura e suas implicações sobre a memória e a cognição

Learning to read and its implications on memory and cognition

Resumo

A aprendizagem da leitura altera o processamento da informação e possibilita a ampliação da capacidade de armazenamento do cérebro humano? O objetivo do presente artigo é retomar e discutir os modelos de memória (memória de trabalho, memória de curto e longo prazo) em sua relação com a linguagem, bem como as possíveis alterações cognitivas decorrentes da aprendizagem da leitura. São revisados modelos de memória e funções executivas, buscando identificar as questões que levaram à evolução teórica, bem como pontos de contato e de discordância nos conceitos presentes na área. Diferenças no processamento e armazenamento do conhecimento por leitores e não leitores são destacadas, considerando tanto dados comportamentais quanto estudos de neuroimagem. Os dados sugerem que a aprendizagem da leitura altera as formas de armazenamento e processamento da informação linguística ao fomentar o aprimoramento dos sistemas perceptuais da visão e audição, necessários à associação entre grafemas e fonemas.

Palavras-Chave:
Aprendizagem da Leitura; Modelos de Memória; Cognição; Representações Fonológicas e Ortográficas

Abstract

Can learning to read change the information process and expand the storage capacity of the human brain? The purpose of this article is to review and to discuss models of memory (working memory, short term and long term memory) in their relation to language, as well as the possible cognitive changes prompted by literacy. By reviewing models of memory and executive functions, we aim at identifying questions that have promoted theoretical evolution, as well as the matching and disagreement in the concepts available in the area. Differences in knowledge processing and storage in literates and illiterates are highlighted, taking into account behavioural and brain imaging data. The data suggest that literacy alters the way in which linguistic knowledge is stored and processed by bursting the refinement of the visual and auditory perceptual systems, necessary to the grapheme-phoneme association.

Keywords:
Literacy; Memory Models; Cognition; Phonological and Orthographic Representation

1. Introdução

A relação entre linguagem e leitura é óbvia e, ao mesmo tempo, "traiçoeira", pois pode nos levar a algumas confusões conceituais com consequências relevantes. Em sua página pessoal, Mark Seidenber explica que seus interesses em pesquisa estão focados em vários aspectos da linguagem, incluindo a leitura, que é uma forma particular de uso da linguagem. De fato, a leitura é uma forma particular de uso da linguagem, afinal, ela se desenvolve a partir da linguagem oral, um sistema de comunicação talvez tão antigo quanto a espécie humana, mas, ao mesmo tempo, ganha características que lhe são específicas, dentre elas a maior perenidade: ainda que Camões não esteja entre nós há 500 anos, continuamos podendo apreciar seus poemas. Assim, a leitura permite que "falemos" com os mortos, como no caso de Camões, mas também que "falemos" no momento presente com o nosso próprio pensamento em um tempo pretérito, como quando lemos a lista de compras do supermercado escrita há alguns dias ou algum texto escrito há vários anos.

O fato de os textos escritos poderem se emancipar de seus autores é uma das características que distinguem a linguagem oral da linguagem escrita: enquanto falante e ouvinte compartilham muitas informações contextuais, escritor e leitor podem ter muito pouco ou quase nada em comum, tanto em termos de espaço físico e cronológico, quanto de conhecimentos compartilhados. Entretanto, ainda assim, é possível que um tipo de conhecimento, de sentido e de comunicação se estabeleça, desde que alguns códigos básicos sejam compartilhados, dentre eles o conhecimento do código de escrita.

Os sistemas de escrita propiciam uma perenidade superior em relação ao conhecimento compartilhado pela linguagem oral e revolucionaram e continuam transformando a forma como vivemos em sociedade. Daí a preocupação de governos e da sociedade em geral com relação ao desenvolvimento das habilidades em leitura de seus jovens cidadãos, para que todos possam utilizar a leitura como ferramenta para novas aprendizagens, para o trabalho e para as práticas sociais, que se estendem ao longo da vida. Entretanto, a convicção de que a aprendizagem da leitura e da escrita e a habilidade de utilizar essas ferramentas de forma autônoma são imprescindíveis não é suficiente. Precisamos compreender as especificidades da linguagem escrita em relação à linguagem oral, a fim de evitar generalizações indevidas. Como afirma Morais (1996MORAIS, J. A arte de ler. São Paulo: Ed. UNESP, 1996., p. 111):

Para compreender o que é leitura, temos de evitar estender o campo de aplicação do nosso objeto de estudo. Aumentando a extensão do conceito, alguns pensam certamente em aumentar a sua importância. Dessa maneira, na verdade, não se saberia mais o que exatamente se estuda. O próprio objeto se diluiria, perderia o que tem de específico, de intrinsecamente interessante.

Podemos então formular algumas perguntas: O que há de específico na leitura? O que é leitura stricto sensu ? De início, cumpre refletir sobre alguns aspectos que são comuns à linguagem verbal oral e escrita, ainda que nem sempre a literatura na área deixe isso claro. Assim, partimos do pressuposto de que operações cognitivas complexas, como aprendizagem, compreensão, interpretação, estabelecimento de inferências, uso adequado de expressões mais ou menos literais ou metafóricas são comuns tanto à linguagem oral quanto à escrita. Por outro lado, as formas como se dá a interação falante-ouvinte e leitor-escritor são distintas, assim como são distintas a variação linguística usada, o tamanho do léxico, a complexidade sintática, a diversidade e quantidade de conhecimento prévio requisitado numa e noutra modalidade da linguagem.

Entretanto, antes de todos esses aspectos, a primeira distinção que precisa ser explicitada diz respeito à necessidade inescapável de transformar os sinais gráficos, as letras (ou, para utilizar o termo técnico apropriado, os grafemas ), em fonemas e, a partir deles, acessar os domínios compartilhados com a linguagem oral. Esse caminho da leitura no cérebro, que começa com a apreensão dos sinais gráficos pelo olho, segue para a região posterior do cérebro responsável pela visão, e depois, passando pela região occípito-temporal ventral do hemisfério esquerdo, chega às regiões consagradas à linguagem verbal do hemisfério esquerdo, foi documentado por Marinkovic et al. (2003MARINKOVIC, K.; DHOND, R.; DALE, A. M.; GLESSNER, M.; CARR, V.; HALGREN, E. Spatiotemporal Dynamics of Modality-Specific and Supramodal Word Processing. Neuron, Vol. 38, p. 487-497, May 8 2003.). Em um estudo utilizando magnetoencefalografia, os autores expuseram os participantes, adultos falantes nativos de inglês com idade média de 24 anos, a palavras ouvidas e lidas (estímulos auditivos e visuais), e em seguida, pediram que fizessem um julgamento semântico (se o referente da palavra, por exemplo, um tigre, tinha mais ou menos do que 30cm). Os resultados mostraram que, em um primeiro momento (em torno de 150-200ms após o início da exposição à palavra), as palavras eram processadas nas respectivas regiões sensoriais (auditiva ou visual), convergindo em seguida, em torno de 400ms após o início da exposição, para áreas supramodais responsáveis pelo processamento semântico e contextual, incluindo regiões anteriores do lobo temporal esquerdo, córtex pré-frontal inferior esquerdo e áreas bilateriais prefrontais ventromediais. A atividade cerebral mostrou-se fortemente lateralizada à esquerda durante a tarefa de apresentação visual, ao passo que a tarefa auditiva resultou em atividade perisilviana bilateral. As imagens da atividade cerebral em cada uma das situações experimentais foram combinadas, resultando em "filmes do cérebro", que ilustram o caminho de cada estímulo (auditivo ou visual), até as regiões supramodais de processamento linguístico (MARINKOVIC et al., 2003MARINKOVIC, K.; DHOND, R.; DALE, A. M.; GLESSNER, M.; CARR, V.; HALGREN, E. Spatiotemporal Dynamics of Modality-Specific and Supramodal Word Processing. Neuron, Vol. 38, p. 487-497, May 8 2003., filmes disponíveis na versão online do artigo). Assim, ainda que ambas as modalidades convirjam para áreas associativas de processamento semântico-sintático (ELMAN, 2009ELMAN, J. L. On the meaning of words and dinosaur bones: lexical knowledge without a lexicon. Cognitive Science , v. 33, p. 1-36, 2009.; SOUSA; GABRIEL, 2015SOUSA, L. B.; GABRIEL, R. Does the mental lexicon exist? Revista Estudos da Linguagem, v. 23, n. 2, 2015.), a linguagem oral e a linguagem escrita percorrem inicialmente caminhos sensoriais distintos, envolvendo estruturas cerebrais próprias e processamento e armazenamento específicos.

Por outro lado, é importante ressaltar que os participantes do estudo de Marinkovic et al. (2003MARINKOVIC, K.; DHOND, R.; DALE, A. M.; GLESSNER, M.; CARR, V.; HALGREN, E. Spatiotemporal Dynamics of Modality-Specific and Supramodal Word Processing. Neuron, Vol. 38, p. 487-497, May 8 2003.) eram adultos escolarizados, com muitos anos de experiência tanto com a linguagem oral quanto com a linguagem escrita. Entretanto, para que a linguagem escrita atingisse as áreas associativas de processamento semântico-sintático, um complexo tratamento dos sinais gráficos foi realizado em poucos milissegundos. Esse caminho das palavras escritas no cérebro inicia bilateralmente na área occipital e estende-se ao longo do curso ventral visual, passando pelo sulco occípito-temporal esquerdo, até chegar às áreas consagradas ao processamento linguístico (ver Fig. 4, na sequência), em leitores experientes. Mas será que o mesmo acontece em leitores aprendizes ou em não leitores? Nas seções seguintes voltaremos a essa questão.

Uma vez estabelecidas distinções e compartilhamentos entre linguagem oral e escrita, podemos avançar no estabelecimento do foco do presente artigo. Se, de um lado, consideramos que a linguagem escrita possui características específicas em relação à linguagem oral, permitindo a conservação de memórias em dispositivos externos ao indivíduo, na forma de livros e arquivos em computadores, por exemplo, podemos da mesma forma considerar que a linguagem escrita possibilita a constituição de memórias específicas internas ao indivíduo, na forma de "arquivos" ou de formas de processamento distintas na memória de trabalho ou na memória de curto ou longo prazo? Como esses sistemas de memória interagem durante o processamento linguístico? O processamento linguístico antes e após a aprendizagem da leitura, especialmente no que diz respeito à memória, mantém-se o mesmo ou é alterado? O objetivo do presente artigo é retomar e discutir os conceitos de memória, em especial memória de trabalho e memória de curto e longo prazo, em sua relação com a linguagem, com especial ênfase nas possíveis alterações cognitivas decorrentes da aprendizagem da leitura.

2. Evolução dos modelos de memória

A revisão da literatura sobre memória requer cautela com relação à terminologia empregada por diferentes pesquisadores quando se trata dos diferentes tipos de memória e das teorias sobre o tema. Baddeley (2011______. O que é memória? In: BADDELEY, A.; EYSENCK, M. W.; ANDERSON, M. C. Memória. Tradução de Cornélia Stolting. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 13-30., p. 15) afirma que "as teorias são como mapas. Elas resumem o nosso conhecimento de forma simples e estruturada, que nos ajuda a entender o que conhecemos". Mais adiante (p. 18), continua: "Nós usamos as distinções entre os tipos de memória como forma de organizar e estruturar o nosso conhecimento a respeito da memória". Como o conhecimento sobre a cognição em geral, e sobre as memórias mais especificamente, vem se transformando ao longo das décadas, pode-se prever que os mapas teóricos venham se transformando e exijam cuidado na sua manipulação. Nas próximas seções, procuraremos sistematizar brevemente os principais conceitos teóricos sobre a relação memória e linguagem.

2.1 Span da memória imediata e a formação de chunks a partir da memória de longo prazo

Miller (1956MILLER, G. A. The magical number seven, plus or minus two: some limits on our capacity for processing information. Psychology Review, 63, p. 81-97, 1956.) é o autor de um artigo clássico nos estudos sobre a limitação na capacidade de processamento da memória imediata. No artigo The magical number seven, plus or minus two: some limits on our capacity for processing information, Miller discute a limitação da capacidade (span ) da memória imediata a sete itens, mais ou menos dois, e propõe o conceito de chunk, que seria uma reorganização da informação destinada a ampliar a quantidade de informação recuperada ou mantida na memória imediata. Ainda que a capacidade da memória imediata seja limitada a sete chunks (mais ou menos dois), esses chunks poderiam conter um conjunto maior de unidades de informações, fruto da (re)organização ou (re)agrupamento de informações em novas unidades a partir de padrões familiares armazenados na memória de longo prazo. O agrupamento em chunks pode se dar em diferentes tipos de memória, desde a memória verbal, a memória de movimentos (pense nos movimentos das mãos de um pianista), ou memória espacial (as peças em um tabuleiro de xadrez, o caminho do trabalho para casa). Por exemplo, se quisermos lembrar da sequência S-T-J-S-T-F-C-N-J (9 letras), talvez seja mais fácil agrupar as letras de acordo com siglas conhecidas: STJ STF CNJ (respectivamente, Supremo Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal, Conselho Nacional de Justiça, três instâncias do Poder Judiciário Brasileiro), e assim teremos, ao invés de nove letras, três chunks, facilmente recuperáveis, desde que tenhamos alguma familiaridade com as siglas que compõem os chunks.

O conceito de chunk é precioso pois permite refletir sobre o poder da recodificação. Numa analogia a Miller (1956MILLER, G. A. The magical number seven, plus or minus two: some limits on our capacity for processing information. Psychology Review, 63, p. 81-97, 1956.), que traz o exemplo de um homem começando a aprender o código radiotelegráfico, podemos pensar em uma criança aprendendo a ler. Primeiro, ela precisa reconhecer as letras e associá-las aos sons que representam, e esse processo é lento, pois cada letra, e, mais tarde, cada sílaba ou cada morfema, constitui um chunk. A medida que vai ganhando familiaridade com a escrita, a criança armazena na memória de longo prazo padrões silábicos, padrões morfológicos e padrões ortográficos, que permitem recodificar as informações em chunks cada vez mais informativos (palavras, expressões, frases, paráfrases - MILLER, 1956MILLER, G. A. The magical number seven, plus or minus two: some limits on our capacity for processing information. Psychology Review, 63, p. 81-97, 1956.), permitindo que uma quantidade maior de informações esteja presente na memória imediata durante a leitura, como acontece no leitor adulto (MORAIS, 1996MORAIS, J. A arte de ler. São Paulo: Ed. UNESP, 1996.; DEHAENE, 2011DEHAENE, S. (Org.). Apprendre à lire: des sciences cognitives à la salle de classe. Paris: Odile Jacob, 2011.).

É importante frisar que a formação de chunks pode se dar de forma intencional, quando queremos decorar o número de nosso CPF, por exemplo, ou de forma espontânea, inconsciente, como no exemplo do leitor proficiente. O conceito de chunk é um excelente exemplo de integração da memória de longo prazo com a memória imediata (ANDERSON, 1995ANDERSON, J. R. Learning and memory: an integrated approach. New York: Wiley, 1995.; BADDELEY, 1997______. Human memory: theory and practice (revised edition). East Sussex: Psychology Press, 1997.).

2.2 As fronteiras imprecisas entre memória de trabalho, de curto e de longo prazo

O termo "memória de trabalho" ganhou especial relevância após a publicação do artigo de Baddeley e Hitch (1974BADDELEY, A.; HITCH, G. Working memory. In: BOWER, G. H. (Ed.). The psychology of learning and motivation, v. 8. New York: Academic Press, 1974, p. 47-90.) em que descrevem um conjunto de experimentos sobre raciocínio, compreensão da linguagem e aprendizagem, a fim de observar se há um mesmo sistema de memória de trabalho operando nas três instâncias. A partir dos dados analisados, os autores propõem um modelo de memória de trabalho para designar um sistema dinâmico que não só armazena informações de forma temporária, mas também manipula e processa essas informações, permitindo que as pessoas executem tarefas de raciocínio, aprendizagem e compreensão. Esse sistema seria composto por um executivo central e por dois sistemas subordinados, a alça fonológica (phonological loop) e o esboço visuoespacial (visuo-spatial sketchpad), sendo o primeiro responsável pelo armazenamento temporário de informação verbal e acústica, e o segundo responsável pelo armazenamento temporário de informação visuo-espacial.

Segundo Baddeley e Hitch (1974BADDELEY, A.; HITCH, G. Working memory. In: BOWER, G. H. (Ed.). The psychology of learning and motivation, v. 8. New York: Academic Press, 1974, p. 47-90.), o núcleo da memória de trabalho consistiria em um "espaço de trabalho" limitado, que pode ser dividido entre demandas de armazenamento e controle do processamento. Ainda que a capacidade da memória seja limitada, dentro dessa capacidade é possível realizar tarefas simultâneas ao custo de maior tempo ou talvez menor acurácia. Por outro lado, segundo os autores, não é adequado afirmar que processamento e armazenamento possam compartilhar livremente do espaço de trabalho: primeiro, porque processamento/armazenamento não são facilmente separados; segundo, porque a taxa de compartilhamento (ou seja, o que os sujeitos priorizam em uma determinada tarefa, se o armazenamento ou o processamento) pode depender da tarefa ou dos objetivos do próprio sujeito. Como veremos na sequência, esse modelo passou por várias reformulações, mas continua sendo um modelo influente e referido sistematicamente.

Em artigo intitulado Long-Term Working Memory (Memória de trabalho de longo prazo), Ericsson e Kintsch (1995ERICSSON, K. A.; KINTSCH, W. Long-term working memory. Psychological Review, vol. 102, n. 2, 211-245, 1995.) manifestam sua discordância com a definição de memória de trabalho proposta por Baddeley (1986BADDELEY, A. Working memory. New York: Oxford University Press, 1986.), baseados no argumento de que tarefas cognitivas complexas, como a leitura, exigem acesso a e manipulação de grandes quantidades de informações. Por exemplo, uma pessoa lendo uma frase em um texto precisa ter acesso às personagens e objetos previamente mencionados a fim de atribuir referentes aos pronomes; precisa ter informações contextuais a fim de integrar coerentemente informações apresentadas na sentença corrente com o texto previamente lido; precisa identificar os grafemas, transformá-los em fonemas e acessar as redes semânticas e sintáticas e tudo isso com grande fluência (KINTSCH, 1998KINTSCH, W. Comprehension: A paradigm for cognition. New York: Cambridge University Press, 1998.). A proposta dos autores é de que uma abordagem abrangente da memória de trabalho precisa incluir um mecanismo baseado no uso hábil do armazenamento de longo prazo (Memória de Longo Prazo - Long Term Memory), ao qual os autores se referem como memória de trabalho de longo prazo (MT-LP, em inglês LT-WM - Long Term Working Memory), que se soma ao armazenamento temporário da informação, ao qual se referem como memória de trabalho de curto prazo (MT-CP, em inglês ST-WM - Short Term Working Memory). A informação na MT-LP seria armazenada de forma estável, mas o acesso confiável a ela poderia ser mantido apenas temporariamente por meio de pistas de recuperação na MT-CP. Assim, a MT-LP distinguir-se-ia da MT-CP pela durabilidade do armazenamento que ela fornece e a necessidade de pistas de recuperação para acessar a informação na MLP.

A interação entre memória de trabalho e memória de curto e longo prazo é também uma preocupação de Cowan (1988COWAN, N. Evolving conceptions of memory storage, selective attention, and their mutual constraints within the human information processing system. Psychol. Bull, 104, p. 163-191, 1988.), que discute um modelo de processamento da informação que abranja informação sensorial (primeiras centenas de milissegundos após a exposição ao estímulo), e memória de curto e longo prazo. Para o autor, a memória de curto prazo pode ser vista como um subconjunto ativado da memória de longo prazo. Entretanto, nem toda a informação ativada é conscientemente ativada, ou seja, entra no sistema de processamento identificado com a consciência (o sistema de capacidade limitada ou executivo central). Ainda assim, esse sistema pode usar a informação ativada na memória de curto prazo como uma base de dados de fácil acesso. O autor destaca ainda o papel da atenção seletiva e da habituação. Ainda que parte do processamento perceptual ocorra independentemente da atenção, a atenção possibilita uma codificação mais elaborada do estímulo. Cowan (2008) apresenta uma versão refinada deste modelo, em que destaca o controle da atenção como um dos processos principais do executivo central e o seu papel no estabelecimento de chunks, dentro da capacidade limitada do foco da atenção, como pode ser observado na Fig. 1.

Fig. 1
Adaptação da representação do modelo teórico de Cowan (2008______. What is the differences between long-term, short-term, and working memory? Progress in Brain Research, 169, 2008, p. 323-338., p. 326), refinado a partir de Cowan (1998; 1995; 1999; 2005)

Unsworth e Engle (2007UNSWORTH, N.; ENGLE, R. W. On the division of short-term and working memory: an examination of simple and complex span and their relation to higher order abilities. Psychological Bulletin, 133, p. 1038-1066, 2007.) examinam uma série de estudos que distinguem memória de curto prazo e memória de trabalho, medidas respectivamente por tarefas de span simples ou complexo. Tarefas de span simples seriam aquelas que exigem apenas armazenamento e reprodução da informação na mesma ordem serial (por exemplo, lembrar a sequência "R, S, L, Q, T" e repeti-la na mesma ordem, sendo que a inversão de letras constituiria erro na execução da tarefa), enquanto tarefas de span complexo seriam aquelas que exigem armazenamento e processamento (por exemplo, realizar um cálculo mental enquanto lembra da sequência de letras). Os autores defendem a tese de que tanto a tarefa de span simples quanto a de span complexo medem um mesmo processo básico, e que as diferenças apresentadas nos resultados dos estudos analisados devem-se principalmente ao comprimento das listas a serem lembradas e ao processamento fonológico requerido. Os autores concluem que a distinção entre memória de curto prazo (responsável basicamente por armazenamento) e memória de trabalho (que combina armazenamento e processamento) como diferentes construtos não se sustenta, uma vez que, dada a devida complexidade, ambas as tarefas exigiriam tanto armazenamento quanto processamento.

A distinção entre memória de trabalho e memória de curto prazo também é endereçada por Cowan (2008______. What is the differences between long-term, short-term, and working memory? Progress in Brain Research, 169, 2008, p. 323-338., p. 335), que chega à seguinte conclusão:

Em síntese, a questão se memória de trabalho e memória de curto prazo são diferentes pode ser uma questão semântica. Existem diferenças claras entre tarefas de recordação de séries simples que não se correlacionam muito bem com testes de aptidão em adultos, e outras tarefas que requerem memória e processamento, ou memória sem a possibilidade de repetição, que se correlacionam melhor com aptidões. Usar o termo memória de trabalho para o último conjunto de tarefas, ou reservar esse termo para o sistema inteiro de preservação e manipulação de memória de curto prazo é uma questão de gosto. A questão mais importante e substantiva pode ser por que algumas tarefas correlacionam-se com aptidões muito melhor do que outras .

O controle da atenção, como destacado por Cowan (2008______. What is the differences between long-term, short-term, and working memory? Progress in Brain Research, 169, 2008, p. 323-338.), e sua relação com o processamento consciente na manutenção do foco sobre um estímulo ou informação, de modo a permitir que seja codificado e representado na memória de longo prazo, promovendo aprendizado, é enfatizado por Dehaene (2014______. Consciousness and the brain: deciphering how the brain codes our thoughts. New York: Viking, 2014.). De acordo com o autor, estímulos subliminares (que não atingem o limiar da consciência) têm influência de curta duração sobre nossos pensamentos, ao passo que uma memória de trabalho temporariamente estendida requer consciência e atenção.

Fig. 2
Adaptação da representação do modelo multicomponente da memória de trabalho de Baddeley (2000______. The episodic buffer: a new component of working memory? Trends in Cognitive Sciences, vol. 4, n. 11, p. 417-423, November 2000., p. 421)

A omissão com relação à interação entre memória de longo prazo e memória de trabalho levou Baddeley (2000______. The episodic buffer: a new component of working memory? Trends in Cognitive Sciences, vol. 4, n. 11, p. 417-423, November 2000.) a propor um novo modelo de memória de trabalho. Após destacar as contribuições do modelo de memória de trabalho de Baddeley e Hitch (1974), o autor aponta algumas de suas limitações, sendo uma delas a falta de uma explicação com relação à interação entre memória de trabalho e memória de longo prazo. Além disso, o papel da alça fonológica no aprendizado de longa duração, como na aquisição da linguagem por crianças, na aquisição de uma segunda língua ou na aprendizagem da leitura imporiam a necessidade de revisão do modelo. O efeito da similaridade fonológica, por exemplo, em palavras como 'veicular' e 'vincular', ou cadeau (presente) e gateau (bolo), em francês (pronunciadas respectivamente /ka'do/ e /ga'to/); o efeito do tamanho das palavras (palavras monossilábicas versus tri- ou quadrissilábicas); o efeito da supressão articulatória (se uma tarefa interposta impede a articulação da palavra/expressão que se quer lembrar) e a possibilidade de transferência entre códigos (por exemplo, a subvocalização de uma palavra lida) são alguns dos fenômenos que indicariam a interação entre a alça fonológica (phonological loop) e a memória de longo prazo.

Em virtude dessas limitações, Baddeley (2000______. The episodic buffer: a new component of working memory? Trends in Cognitive Sciences, vol. 4, n. 11, p. 417-423, November 2000.) propõe um novo componente para a memória de trabalho, o buffer episódico, um sistema de armazenamento temporário capaz de integrar informações de diferentes origens, subordinado ao executivo central, capaz de recuperar informações de forma consciente e manipulá-las, resgatando informações e alimentando a memória de longo prazo. O buffer episódico forneceria uma interface temporária entre a alça fonológica, o esboço visuoespacial e a memória de longo prazo.

O crescente volume de pesquisas sobre a memória vai colocando questões cada vez mais complexas para os modelos teóricos, que com isso vão sendo refinados e complexificados. Por exemplo, os testes de span da memória utilizando palavras e pseudopalavras mostram a dificuldade de retenção das últimas (o mesmo pode-se dizer de palavras em uma língua conhecida versus desconhecida). Essa diferença de desempenho é explicada pela interação da memória de trabalho/curto prazo com a de longo prazo, sendo padrões familiares, tanto no nível fonológico quanto fonotático, mais fáceis de serem mantidos na memória de curto prazo (em inglês, short term memory ou STM).

Fig. 3
Adaptação da representação do quadro teórico integrado da memória de curto prazo de ordem serial, conhecimento linguístico e atenção seletiva proposto por Majerus et al. (2009MAJERUS, S.; HEILIGENSTEIN, L.; GAUTHEROT, N.; PONCELET, M.; VAN DER LINDEN, M. Impact of auditory selective attention on verbal short-term memory and vocabulary development. Journal of Experimental Child Psychology, 103, p. 66-86, 2009., p. 82)

Majerus et al. (2009MAJERUS, S.; HEILIGENSTEIN, L.; GAUTHEROT, N.; PONCELET, M.; VAN DER LINDEN, M. Impact of auditory selective attention on verbal short-term memory and vocabulary development. Journal of Experimental Child Psychology, 103, p. 66-86, 2009.) afirmam que tarefas de memória de curto prazo verbal não refletem apenas a capacidade de um sistema especializado na STM, já que muitas pesquisas têm mostrado que a qualidade e o nível de segmentação das representações fonológicas no nível lexical e sublexical do sistema linguístico da memória de longo prazo desempenham papel fundamental nos resultados. Para esses autores, as tarefas tradicionais de memória de curto prazo são reveladoras tanto do desenvolvimento do sistema de memória quanto do sistema de linguagem, ou seja, o quanto o sistema de linguagem está desenvolvido em um determinado grupo de participantes e não apenas as competências mnemônicas. Os autores destacam ainda o papel do controle da atenção nas tarefas envolvendo memória de curto prazo. Majerus et al. (2009) aproximam-se da posição defendida por Cowan (1988COWAN, N. Evolving conceptions of memory storage, selective attention, and their mutual constraints within the human information processing system. Psychol. Bull, 104, p. 163-191, 1988.; 2008), com relação aos processos atencionais envolvidos na STM. Segundo os autores, um quadro teórico do processamento da atenção na STM deve considerar a interação entre capacidades de atenção seletiva, capacidades de processamento de ordem serial (MAJERUS et al., 2006MAJERUS, S.; PONCELET, M.; GREFFE, C.; VAN DER LINDEN, M. Relations between vocabulary development and verbal short-term memory: the relative importance of short-term memory for serial order and item information. Journal of Experimental Child Psychology, 93, p. 95-119, 2006.), ativação da linguagem e capacidade de aprendizagem lexical, conforme ilustrado na Fig. 3.

A evolução dos modelos de memória aponta em duas direções: de um lado, a tentativa de compreender as especificidades de cada um dos mecanismos envolvidos e, se possível, discriminá-los dos demais, e ao mesmo tempo, a busca por uma visão abrangente, que apreenda todos esses mecanismos e as formas como interagem. Pode-se pensar no ajuste do zoom de uma câmera fotográfica: ainda que num momento o zoom permita focar em um recorte muito específico do processamento cognitivo, noutro momento é necessário ter uma ideia do conjunto. Na próxima seção aproximaremos o zoom, a fim de abordar mais especificamente as funções do executivo central.

2.3 Executivo central e funções executivas

De acordo com o modelo de memória de trabalho de Baddeley e Hitch (1974BADDELEY, A.; HITCH, G. Working memory. In: BOWER, G. H. (Ed.). The psychology of learning and motivation, v. 8. New York: Academic Press, 1974, p. 47-90.), o executivo central é um dos componentes da memória de trabalho, como pode ser observado na Fig. 2. O executivo central é considerado por Baddeley (1996) o componente mais importante da memória de trabalho em termos de seu impacto geral na cognição. Uma das questões discutidas pelo autor é se as funções do executivo central podem ser fracionadas ou se uma abordagem unitária seria mais adequada. Qual seria a metáfora mais adequada para pensar no executivo central: a metáfora do "humunculus", um pequenino e poderoso chefão infiltrado em nosso cérebro que toma as decisões que determinam nossos comportamentos, ou a metáfora de um comitê executivo com administradores independentes mas que interagem continuamente?

Segundo Baddeley (1996______. Exploring the central executive. The Quarterly Journal of Experimental Psychology, 49A (1), p. 5-28, 1996.), algumas das potenciais funções do executivo central seriam a coordenação dos sistemas subordinados (alça fonológica e esboço visuo-espacial), o controle da atenção e a habilidade de selecionar e manipular informações da memória de longo prazo. Ainda que se possa pensar nas várias funções do executivo central, o autor considera mais apropriado manter o modelo de um sistema único, responsável tanto pelo controle atencional quanto pela ligação com a memória de curto prazo visual e verbal. Uma ressalva é feita por Baddeley (1996): ainda que a metáfora do homunculus não seja uma explicação adequada, ela é útil para nomear o problema e continuar investigando, já que não há evidências suficientes com relação a um único sistema executivo ou a um comitê executivo.

Miyake et al. (2000MIYAKE, A.; FRIEDMAN, N. P.; EMERSON, M. J.; WITZKI, A. H.; HOWERTER, A.; WAGER, T. D. The unity and diversity of executive functions and their contributions to complex "frontal lobe" tasks: a latent variable analysis. Cognitive Psychology, 41, p. 49-100, 2000.) propõem investigar três importantes tarefas atribuídas ao executivo central, considerado o mecanismo que modula as operações de vários subprocessos cognitivos e portanto responsável por regular a dinâmica da cognição humana. Segundo os autores, as funções executivas são consideradas um processo cognitivo top-down exigido quando não é suficiente contar apenas com comportamentos automatizados. Pelo menos três processos cognitivos constituem o núcleo das funções executivas: inibição de respostas preponderantes (supressão controlada das respostas automatizadas e de distratores); monitoramento e atualização das representações na memória de trabalho (armazenamento de curto prazo e ativa manipulação da informação) e flexibilidade mental (na literatura em língua inglesa: shifting ou switching) ou mudança de controles (ou critérios) estabelecidos para adaptação a diferentes demandas (MIYAKE et al., 2000MIYAKE, A.; FRIEDMAN, N. P.; EMERSON, M. J.; WITZKI, A. H.; HOWERTER, A.; WAGER, T. D. The unity and diversity of executive functions and their contributions to complex "frontal lobe" tasks: a latent variable analysis. Cognitive Psychology, 41, p. 49-100, 2000.; MARY et al., 2015MARY, A.; SLAMA, H.; MOUSTY, P.; MASSAT, I.; CAPIAU, T.; DRABS, V.; PEIGNEUX, P. Executive and attentional contributions to Theory of Mind deficit in attention deficit/hyperactivity disorder (ADHD). Child Neuropsychology: a journal on normal and abnormal development in childhood and adolescence, p. 1-21, 2015.). Cada um desses processos é investigado por meio de tarefas específicas. Entretanto, ainda que cada uma das tarefas enfoque uma das funções executivas, os autores alertam para a dificuldade de propor tarefas "puras", que meçam uma função executiva de forma isolada, já que as funções estão interligadas. Segundo os autores, ainda que haja diversidade nas funções executivas, essas compartilham exigências em comum, entre elas a necessidade de manutenção do foco ou do objetivo, ou seja, o controle da atenção, e a manutenção de informações contextuais na memória de trabalho.

Dehaene (2014______. Consciousness and the brain: deciphering how the brain codes our thoughts. New York: Viking, 2014.), em seu livro Consciousness and the brain: Deciphering how the brain codes our thoughts, não trata exatamente de funções executivas, mas é evidente a sobreposição de algumas das funções atribuídas à consciência e às funções executivas, sendo uma delas o controle da atenção. Dehaene sugere que a consciência seja uma estação de trabalho neuronal global que possibilita o compartilhamento de informações através das redes neuronais. A estação de trabalho seria composta de uma densa rede de neurônios interconectando regiões cerebrais, uma organização descentralizada que não possui uma única sede para se encontrar. No topo da hierarquia cortical, executivos de elite distribuídos em territórios distantes mantêm-se em sintonia pela troca de mensagens. A estação de trabalho neuronal global receberia informações dos sistemas de controle atencional (foco), dos sistemas avaliativos, da memória de longo prazo, dos sistemas perceptuais e controlaria o sistema motor (ver Fig. 24 em DEHAENE, 2014______. Consciousness and the brain: deciphering how the brain codes our thoughts. New York: Viking, 2014., p. 164; DEHAENE et al; 1998DEHAENE, S.; KERSZBERG, M.; CHANGEUX, J.-P. A neuronal model of a global workspace in effortful cognitive tasks. Proc. Natl. Acad. Sci., USA, Vol. 95, p. 14529-14534, November 1998., p. 14530). Assim, poder-se-ia supor que a estação de trabalho global, com sua rede distribuída de neurônios conectados em diferentes regiões do cérebro, seria responsável pelas funções executivas.

Se, de um lado, Baddeley (1996______. Exploring the central executive. The Quarterly Journal of Experimental Psychology, 49A (1), p. 5-28, 1996.; 2000) considera o executivo central um dos componentes, talvez o mais importante, da memória de trabalho, Izquierdo (2002IZQUIERDO, I. Memória. Porto Alegre: Artmed, 2002.), a partir de uma perspectiva neurobiológica, reserva o termo memória de trabalho ou memória imediata para o que outros autores chamam de funções executivas ou executivo central, considerando essa memória essencial para a aquisição e subsequente formação das memórias de longo prazo. A memória de trabalho, no conceito usado pelo autor, tem duração de apenas alguns segundos ou minutos e não deixa traços ou registros, não gerando "arquivos", sendo processada especialmente no córtex pré-frontal e estruturas relacionadas. WM, STM e LTM são considerados processos em essência separados e paralelos, mas ligados em alguns níveis (IZQUIERDO et al., 1998IZQUIERDO, I. et al. Mechanisms for memory types differ. Nature, vol. 393, p. 635-636, 18 June 1998.; BIANCHIN et al.,1999BIANCHIN, M.; SOUZA, T. M.; MEDINA, J.; IZQUIERDO, I. The Amygdala Is Involved in the Modulation of Long-Term Memory, but Not in Working or Short-Term Memory. Neurobiology of Learning and Memory, 71, 127-131, 1999.; BARROS et al., 2005BARROS, D. M.; RAMIREZ, M. R.; IZQUIERDO, I. Modulation of working, short- and long-term memory by nicotinic receptors in the basolateral amygdala in rats. Neurobiology of Learning and Memory, 83, p.113-118, 2005.). Portanto, para Izquierdo, as funções de inibição, aquisição e recuperação de informações da LTM e processamento seriam funções executivas desempenhadas pela memória de trabalho, em sintonia com as memórias de curto e longo prazo.

Como vemos, ainda que as terminologias sejam imprescindíveis para fazer avançar nosso conhecimento sobre determinado tema, possibilitando inclusive que nominemos nosso objeto de estudo e compartilhemos nossas reflexões, também impõem cautela e precisam ser continuamente revistas. O tema da memória é complexo e diferentes autores estabelecem recortes teóricos e categorias distintas, de acordo com o aspecto da memória em que estão interessados e o nível explicativo adotado. Por exemplo, alguns autores tomam as expressões "funções executivas" e "funções do lóbulo frontal" como sinônimas. Entretanto, como apontado por Baddeley (1996______. Exploring the central executive. The Quarterly Journal of Experimental Psychology, 49A (1), p. 5-28, 1996.), as expressões referem-se a aspectos distintos, já que a primeira considera os aspectos funcionais do executivo central, enquanto a segunda expressão considera sua possível localização anatômica. Ainda segundo Baddeley, a expressão "funções do lóbulo frontal" parece pouco útil, já que o lóbulo frontal é uma área cerebral muito grande, provavelmente responsável por outras funções além daquelas atribuídas ao executivo central. Miyake et al. (2000MIYAKE, A.; FRIEDMAN, N. P.; EMERSON, M. J.; WITZKI, A. H.; HOWERTER, A.; WAGER, T. D. The unity and diversity of executive functions and their contributions to complex "frontal lobe" tasks: a latent variable analysis. Cognitive Psychology, 41, p. 49-100, 2000., p. 51), na mesma linha de Baddeley (1996), lembram ainda que há divergências de localização anatômica das funções executivas, apontadas em pacientes com lesões no lóbulo frontal, e que portanto a nomenclatura mais adequada seria "funções executivas".

Se, de um lado, o terreno teórico dos tipos de memória e das funções executivas e executivo central lembra "areia movediça", de outro esse é um terreno fértil para o avanço da investigação. Na próxima seção, nosso foco será a relação entre memórias e leitura, a partir de estudos que investigaram cognição e linguagem antes e depois da aprendizagem da leitura.

3. As implicações cognitivas da aprendizagem da leitura

Se a memória de trabalho e a memória de curto prazo interagem com as representações disponíveis na memória de longo prazo, como vimos nas seções precedentes, podemos imaginar que aquilo que foi aprendido ao longo da vida e, portanto, engramado nas redes neuroniais de longo prazo, modifica a forma como armazenamos e processamos informações. O que em dado momento pode parecer sem sentido ou estranho, por meio da aprendizagem, acaba se tornando familiar, pleno de sentido e, por meio do treino e da prática, automatizado. Neste artigo, tratamos especificamente de uma aprendizagem cultural, a leitura, mas poderíamos pensar em processos semelhantes em outros domínios, como a música ou o cálculo. A pergunta que nos guiará nesta seção é: Podem ser verificadas diferenças no processamento e armazenamento da informação por alguém que tenha aprendido a ler em oposição a alguém que não tenha aprendido a ler? Se a leitura modifica a memória, em que aspectos podem ser percebidas diferenças?

Uma primeira resposta a essa questão vem de um estudo desenvolvido por Morais et al. (1979MORAIS, J.; CARY, L.; ALEGRIA, J.; BERTELSON, P. Does awareness of speech as a sequence of phones arise spontaneously? Cognition, 7, p. 323-331, 1979.), com adultos analfabetos e ex-analfabetos, pessoas de nível sócio-econômico semelhante, mas que aprenderam a ler na idade adulta. Ler e escrever em um sistema alfabético implica a habilidade de perceber distinções fonéticas mínimas e um conhecimento explícito da estrutura fonética/fonológica da fala. Ainda que o falante/ouvinte perceba as distinções entre palavras como 'gato/rato', ele pode não ter consciência dessas distinções, não ser capaz de reportá-las, pode não ser capaz de refletir e dizer em que aspectos essas palavras se distinguem. Já o leitor/escritor precisa não apenas ser capaz de perceber as distinções entre as palavras gato/rato, mas também saber que ambas as palavras são compostas por quatro unidades (fonemas) e diferenciam-se apenas na primeira unidade. Estaria esse conhecimento explícito da estrutura fonética e fonológica da fala presente em todos os falantes ou apenas naqueles que, além de falar, sabem ler? O estudo de Morais et al. (1979) mostrou que a habilidade de manipular explicitamente as unidades fonológicas da fala não é adquirida espontaneamente, uma vez que os adultos iletrados mostraram-se incapazes de deletar ou adicionar fonemas no início de pseudopalavras, por exemplo puada - muada - uada, ao passo que os adultos que aprenderam a ler, ainda que na idade adulta, demonstraram desempenho superior, semelhante ao de crianças belgas de 7 anos frequentando a segunda série do ensino primário.

Castro-Caldas et al. (1998CASTRO-CALDAS, A.; PETERSON, K. M.; REIS, A.; STONE-ELANDER, S.; INGVAT, M. The illiterate brain: learning to read and write during childhood influences the functional organization of the adult brain. Brain, 121, issue 6, p.1053-1063, 1998.) compararam a repetição de palavras e pseudopalavras em participantes analfabetos e alfabetizados, de nível socioeconômico semelhante, usando dados comportamentais e dados obtidos por meio de tomografia por emissão de pósitrons (Positron emission tomography - PET scanning). Os autores observaram que durante a repetição de palavras, ambos os grupos apresentaram desempenho similar e ativaram as mesmas regiões cerebrais. Já na repetição de pseudopalavras, os não-alfabetizados mostraram maior dificuldade e não ativaram as mesmas estruturas cerebrais que os alfabetizados. Esses resultados sugerem que a aprendizagem da leitura influencia a organização do cérebro adulto, e favorece a memória verbal de curto prazo. Uma possibilidade é que o desenvolvimento da consciência fonológica que acompanha a aprendizagem da leitura em um sistema alfabético cria um sistema de representações mais refinadas e detalhadas (MORAIS et al., 1979MORAIS, J.; CARY, L.; ALEGRIA, J.; BERTELSON, P. Does awareness of speech as a sequence of phones arise spontaneously? Cognition, 7, p. 323-331, 1979.), alterando a forma de representar e/ou armazenar a informação, recurso não disponível àqueles que não aprenderam a ler.

Na tarefa de repetição de palavras de Castro-Caldas et al. (1998CASTRO-CALDAS, A.; PETERSON, K. M.; REIS, A.; STONE-ELANDER, S.; INGVAT, M. The illiterate brain: learning to read and write during childhood influences the functional organization of the adult brain. Brain, 121, issue 6, p.1053-1063, 1998.), tanto os participantes alfabetizados quanto os não-alfabetizados puderam amparar-se no conhecimento da linguagem oral, uma vez que as palavras usadas no estudo eram de alta frequência de uso (por exemplo, GRAVATA, CASACO, CABEÇA). Já a tarefa de repetição de pseudopalavras exigia dos participantes uma percepção mais refinada dos sons da língua e maior capacidade de análise fonológica, já que as pseudopalavras foram criadas a partir da alteração de palavras existentes na língua (por exemplo, TRAVATA, TASAPO). A aprendizagem da leitura implica construir na memória representações dos fonemas como unidades discretas, a fim de associar fonemas e grafemas, e não mais unidades contínuas, como na fala, em que se articulam sílabas e padrões fonotáticos. Assim, na tarefa de repetição de palavras, a memória de longo prazo parece interagir com a memória verbal de curto prazo, favorecendo o desempenho tanto de alfabetizados quanto de analfabetos. Já na repetição de pseudopalavras, a consciência fonológica dos alfabetizados parece amparar a memória verbal de curto prazo, o que explicaria o desempenho superior desse grupo em relação aos analfabetos.

O conjunto de evidências com relação ao impacto das aprendizagens culturais sobre a organização do cérebro só tem crescido nas últimas décadas, em especial no que concerne à leitura. Dehaene e Cohen (2007DEHAENE, S.; COHEN, L. Cultural recycling of cortical maps. Neuron, 56, p. 384-398, 2007.) propõem a hipótese da reciclagem neuronal, que parte do pressuposto de que elementos fundamentais da cultura humana, como a leitura e a aritmética, são mapeados a nível cortical. Os autores defendem que a variabilidade desses domínios culturais é restringida pela evolução prévia da espécie humana e pela organização cerebral. Os autores distinguem três níveis organizacionais de mapeamento (macro, meso e micromaps), cujo acesso depende das técnicas de pesquisa existentes, num nível crescente de precisão. Por meio de técnicas de neuroimagem, os autores identificaram uma região localizada no giro fusiforme esquerdo, uma região do córtex occípito-temporal que é ativada em todos os leitores fluentes, independentemente do sistema de escrita usado. Essa área foi batizada de Visual Word Form Area (VWFA) - área da forma visual da palavra, o que não significa que todo esse setor seja inteiramente dedicado à leitura, mas sim que essa região é ativada durante a leitura. É interessante observar que a VWFA está localizada anatomicamente entre duas regiões fundamentais para a leitura: de um lado, a região responsável pelo processamento visual, fundamental para o reconhecimento da linguagem escrita, e de outro, pelas regiões ativadas no processamento da linguagem oral, na qual a linguagem escrita está amparada. A Fig. 4 apresenta a localização anatômica aproximada dessas regiões. O planum temporale, destacado em roxo, é a área cortical apenas posterior ao córtex auditivo (giro de Heschl) dentro da fissura de Sylvius, uma região triangular que forma o coração da área de Wernicke, uma das áreas funcionais mais importantes para a linguagem.

Segundo Dehaene e Cohen (2007DEHAENE, S.; COHEN, L. Cultural recycling of cortical maps. Neuron, 56, p. 384-398, 2007.), a região cerebral denominada VWFA desenvolve uma elaborada especialização para dar conta de especificidades da linguagem escrita, como por exemplo, a invariância e a orientação. Ainda que perceptualmente, caracteres (por exemplo, letras maiúsculas e minúsculas - casa vs. CASA) ou diferentes tipos de fonte, incluindo o manuscrito, sejam bastante distintos, o leitor proficiente não considera essas diferenças durante a leitura, pois a associação entre grafemas e fonemas requer um nível de abstração em relação a ambos os elementos, gráficos e sonoros, fenômeno denominado de invariância. Assim a fonte (forma da letra) em que o texto está escrito ou a voz ou idioleto do falante, dentro de certos limites, não altera a relação entre as representações dos fonemas e grafemas na mente do leitor proficiente.

Por outro lado, a orientação é uma característica fundamental na identificação das letras (por exemplo, as letras 'p q d b', que apresentam traçado idêntico, mas que se diferenciam quanto à orientação e quanto aos fonemas que representam), mas a orientação não é uma característica fundamental na identificação de faces ou de grande parte dos objetos. Por exemplo, uma xícara continua sendo uma xícara, independentemente de a alça estar à direita ou à esquerda a partir da perspectiva de quem a vê. Da mesma forma, se vejo Brad Pitt de frente ou de perfil, ainda assim, identifico o mesmo ator. Portanto, aprender a ler implica, entre outras coisas, aprender quais diferenças são relevantes e quais não são, tanto do ponto de vista da representação escrita das palavras, quanto do ponto de vista da percepção auditiva (consciência fonológica, distinções fonéticas e fonológicas).

Fig. 4
Representação esquemática das maiores mudanças cerebrais induzidas pela aprendizagem da leitura. As áreas em azul são ativadas pela linguagem oral antes e após a aprendizagem da leitura. A ativação do córtex visual primário, da área da forma visual das palavras - VWFA, e do planum temporale é reforçada pela aprendizagem da leitura, assim como são aprimoradas as conexões entre a VWFA e as áreas da linguagem falada. Imagem adaptada a partir de Kolinsky et al. (2014KOLINSKY, R.; MORAIS, J.; COHEN, L.; DEHAENE-LAMBERTZ, G.; DEHAENE, S. L'influence de l'apprentissage du langage écrit sur les aires du langage. Rev Neuropsychol, 6 (3), p.173-81, 2014., p. 175).

A hipótese da reciclagem neuronal foi investigada também por Dehaene et al. (2010DEHAENE, S.; PEGADO, F.; BRAGA, L. W.; VENTURA, P.; NUNES FILHO, G.; JOBERT, A.; DEHAENE-LAMBERTZ, G.; KOLINSKY, R.; MORAIS, J.; COHEN, L. How Learning to Read Changes the Cortical Networks for Vision and Language. Science, 330, p. 1359-1364, 2010.), que desenvolveram um estudo utilizando imagens obtidas por meio de ressonância magnética funcional - IRMf (functional magnetic resonance imaging - fMRI), a fim de verificar como a aprendizagem da leitura modifica as redes neurais da visão e da linguagem, tendo como participantes 63 adultos portugueses e brasileiros (32 não-escolarizados [10 analfabetos e 22 ex-analfabetos com diferentes níveis de proficiência em leitura] e 31 adultos escolarizados / letrados [desses, 11 eram provenientes de SES baixo, como os analfabetos]). Os autores observaram que o fato de haver uma demanda por especialização de uma região cerebral para o tratamento do material de leitura faz com que outras regiões tenham que se reorganizar e concentrar sua atividade em uma região mais circunscrita do córtex, ganhando com isso eficiência. A dispersão de informação no cérebro não é sinônimo de eficiência; ao contrário, há um princípio de economia: mais desempenho com menos esforço, parecendo haver uma especialização por categoria de objetos no córtex ventral visual em letrados, constituindo um mosaico que se complementa. Parece haver ainda aumento e melhora em eficiência das respostas na região occipital devido à literacia, verificada pela melhora nas respostas a essencialmente todos os estímulos visuais que contrastam em preto e branco usados no estudo. Aprender a ler resulta em uma forma de aprendizagem perceptual que refina os estágios anteriores do processamento no córtex visual. A leitura "treina" o córtex visual para uma percepção horizontal mais acurada e rápida, ao passo que a percepção vertical não passa por esse treinamento e uso intensivo.

Dehaene et al. (2010DEHAENE, S.; PEGADO, F.; BRAGA, L. W.; VENTURA, P.; NUNES FILHO, G.; JOBERT, A.; DEHAENE-LAMBERTZ, G.; KOLINSKY, R.; MORAIS, J.; COHEN, L. How Learning to Read Changes the Cortical Networks for Vision and Language. Science, 330, p. 1359-1364, 2010.) concluíram que a leitura, seja ela aprendida na idade adulta ou na infância, incrementa as respostas cerebrais em pelo menos três maneiras: 1. impulsiona a reorganização do córtex visual, particularmente por induzir um aumento nas respostas dos padrões (scripts) conhecidos na VWFA e por aumentar as respostas visuais iniciais no córtex occipital; 2. permite que praticamente toda a rede da linguagem falada localizada no hemisfério esquerdo seja ativada por sentenças escritas. Portanto, a leitura, uma invenção cultural recente, alcança a eficiência do canal de comunicação mais desenvolvido da espécie humana, ou seja, a linguagem oral; e 3. refina o processamento da linguagem oral pelo incremento de uma região fonológica, o planum temporale, e por permitir que as representações ortográficas estejam disponíveis de modo top-down.

Tendo por objetivo examinar o impacto da aprendizagem da leitura no desenvolvimento das redes neuroniais da linguagem falada, Monzalvo e Dehaene-Lambertz (2013MONZALVO, K.; DEHAENE-LAMBERTZ, G. How reading acquisition changes children's spoken language network. Brain & Language, 127, p. 356-365, 2013.) desenvolveram um estudo com crianças de 6 e 9 anos de idade ouvindo frases em sua língua nativa (francês) e em uma língua estrangeira (japonês), por meio de IRMf. Segundo as autoras, ainda que as crianças apresentem um grande desenvolvimento na linguagem oral nos primeiros anos de vida, esse desenvolvimento se estende até a vida adulta, com um aumento gradual do vocabulário e das construções sintáticas. Nesse processo, além de fatores biológicos, como a mielinização e a sinaptogênesis das redes da área perisilviana, a aprendizagem da leitura, um fator cultural, poderia influenciar o processamento da linguagem oral, por meio do aumento das capacidades metafonológicas e da memória de curto prazo verbal, percepção do discurso influenciada pela ortografia, maior capacidade de aprendizagem de novas palavras quando da exposição à forma ortográfica, aumento do vocabulário e das estruturas sintáticas características da linguagem escrita, dentre outro.

No estudo de Monzalvo e Dehaene-Lampertz (2013MONZALVO, K.; DEHAENE-LAMBERTZ, G. How reading acquisition changes children's spoken language network. Brain & Language, 127, p. 356-365, 2013.), as crianças de 6 anos estavam separadas em dois grupos: um grupo mais jovem, frequentando a pré-escola, sem instrução específica com relação à aprendizagem da leitura, e outro grupo frequentando a primeira série, com instrução específica para a aprendizagem da leitura. Esses grupos foram comparados entre si e ao grupo de leitores mais avançados, de 9 anos, que haviam passado por três anos de instrução e experiência em leitura. Os resultados apontam para um efeito contínuo da prática da leitura nas redes da linguagem oral, e não para mudanças repentinas. Outro aspecto observado é que a VWFA (DEHAENE; COHEN, 2007DEHAENE, S.; COHEN, L. Cultural recycling of cortical maps. Neuron, 56, p. 384-398, 2007.), que conecta as regiões da linguagem oral às regiões responsáveis pela visão, é ativada pela fala da língua nativa, mas apenas para os leitores mais experientes (9 anos). Quando o leitor se torna fluente, a região VWFA passa a ser ativada também quando o estímulo é oral, isto é, a rede neuronal da linguagem se expande e integra também as representações ortográficas, ainda que grande parte desse processo seja inconsciente (DEHAENE, 2014).

Kolinsky (2015KOLINSKY, R. How learning to read influences language and cognition. In: POLLATSEK, A.; TREIMAN, R. The Oxford Handbook of Reading. Oxford: Oxford University Press, 2015. p. 377-393.) apresenta uma abrangente revisão dos estudos sobre as influências da leitura na linguagem e cognição, e divide essa revisão em três blocos: os efeitos da aprendizagem da leitura sobre a linguagem oral, sobre o processamento visual e sobre as funções de nível superior. Com relação à linguagem oral, podemos citar aspectos relevantes como a direção do processamento auditivo, que em letrados segue a direção espacial da língua escrita (ou seja, da direita para a esquerda em línguas como o hebreu, e da esquerda para a direita em línguas como o francês - ver BERTELSON, 1972BERTELSON, P. Listening from left to right versus right to left. Perception, vol. 1, p. 161-165, 1972.); a consciência fonêmica, presente apenas em alfabetizados (MORAIS et al., 1979MORAIS, J.; CARY, L.; ALEGRIA, J.; BERTELSON, P. Does awareness of speech as a sequence of phones arise spontaneously? Cognition, 7, p. 323-331, 1979.), o conhecimento ortográfico, que influencia o reconhecimento e a codificação de palavras faladas (SEIDENBERG et al., 1984SEIDENBERG, M. S.; WATERS, G. S.; BARNES, M. A.; TANENHAUS, M. K. When Does Irregular Spelling or Pronunciation Influence Word Recognition? Journal of Verbal Learning & Verbal Behaviour, 23, p. 383-404, 1984.; ZIEGLER; FERRAND, 1998ZIEGLER, J. C.; FERRAND, L. Orthography shapes the perception of speech: The consistency effect in auditory word recognition. Psychonomic Bulletin and Review, 5, p. 683-689, 1998.) além de mudanças anatômicas no processamento cerebral (KOLINSKY et al., 2014KOLINSKY, R.; MORAIS, J.; COHEN, L.; DEHAENE-LAMBERTZ, G.; DEHAENE, S. L'influence de l'apprentissage du langage écrit sur les aires du langage. Rev Neuropsychol, 6 (3), p.173-81, 2014.). Com relação ao processamento visual, a aprendizagem da leitura reorganiza as rotas de processamento visual ventral devido a um processo de competição neuronal com outras categorias, como objetos e faces, e refina o processamento visual para discriminações sutis, tais como as imagens espelho (por exemplo, 'q p'). Com relação às funções de nível superior, os efeitos da aprendizagem da leitura muitas vezes se confundem com o processo de escolarização, como por exemplo na organização do conhecimento semântico (KOLINSKY et al., 2014KOLINSKY, R.; MONTEIRO-PLANTIN, R. S.; MENGARDA, E. J.; GRIMM-CABRAL, L.; SCLIAR-CABRAL, L.; MORAIS, J. How formal education and literacy impact on the content and structure of semantic categories. Trends in Neuroscience and Education, 3, p. 106-121, 2014.), no desempenho da memória de trabalho e funções executivas (GATHERCOLE, 1999GATHERCOLE, S. E. Cognitive approaches to the development of short-term memory. Trends in Cognitive Sciences, vol. 3, n. 11, 1999, p. 410-418.; GATHERCOLE et al., 2004GATHERCOLE, S. E.; PICKERING, S. J.; AMBRIDGE, B.; WEARING, H. The structure of working memory from 4 to 15 years of age. Developmental Psychology, vol. 40, n. 2, 2004, p. 177-190.; 2008GATHERCOLE, S. E.; ALLOWAY, T. P.; KIRKWOOD, H. J.; ELLIOTT, J. G.; HOLMES, J.; HILTON, K. A. Attentional and executive function behaviours in children with poor working memory. Learning and individual diferences, n. 18, 2008, p. 214-223.; ALLOWAY; ALLOWAY, 2010ALLOWAY, T. P.; ALLOWAY, R. G. Investigating the predictive roles of working memory and IQ in academic attainment. Journal of Experimental Child Psychology, n. 106, 2010, p. 20-29.; KOSMIDIS et al., 2011KOSMIDIS, M.; ZAFIRI, M.; POLITIMOU, N. Literacy Versus Formal Schooling: Influence on Working Memory. Archives of Clinical Neuropsychology, 26, p. 575-582, 2011.; DEMOULIN; KOLINSKY, 2015DEMOULIN, C.; KOLINSKY, R. Does learning to read shape verbal working memory? Psychonomic Bulletin & Review, 2015. [published online 05 October 2015]) ou nas capacidades de raciocínio e estilo cognitivo (VENTURA et al., 2008VENTURA, P.; PATTAMADILOK, C.; FERNANDES, T.; KLEIN, O.; MORAIS, J.; KOLINSKY, R. Schooling in western culture promotes context-free processing. Journal of Experimental Child Psychology, 100(2), p. 79-88, 2008. doi:10.1016/j.jecp.2008.02.001). Kolinsky (2015) chama a atenção para a sólida base de dados referentes aos efeitos da aprendizagem da leitura sobre a linguagem e cognição, ao mesmo tempo em que destaca a necessidade de estudos futuros que integrem dados com populações distintas: ao lado dos dados oriundos de WEIRD people (num tom irônico, pessoas de países ocidentais - Western, escolarizados - Educated, industrializados - Industrialized, ricos - Rich, e democráticos - Democratic; HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010HENRICH, J.; HEINE, S. J.; NORENZAYAN, A. The weirdest people in the world? Behavioral and brain sciences, 33, p. 61-135, 2010.), são necessários dados com analfabetos e ex-analfabetos e outras populações ainda pouco investigadas.

4. Discussão

As implicações da aprendizagem da leitura sobre a memória e a cognição estão longe de ser plenamente compreendidas, mas muito se tem avançado graças ao desenvolvimento de teorias articuladas a evidências advindas de estudos comportamentais e de neuroimagem. Se a linguagem verbal oral é uma chave de acesso às memórias de longo prazo (IZQUIERDO, 2002IZQUIERDO, I. Memória. Porto Alegre: Artmed, 2002.), a aprendizagem da leitura parece criar uma nova chave de acesso, de natureza visual, por meio da qual a linguagem oral pode ser recuperada através da visão, e convergir para as áreas associativas de processamento sintático-semântico.

Os estudos sobre a relação entre leitura e memória têm demonstrado a necessidade de uma visão dinâmica de memória, que considere tanto demandas de armazenamento quanto de processamento da informação. Durante o processamento textual em leitores experientes, interagem processos top-down e bottom-up, imprescindíveis para a leitura fluente e consequente compreensão leitora. As informações disponíveis na memória de longo prazo, desde a associação entre grafemas e fonemas, o reconhecimento de padrões ortográficos, a frequência de uso e rapidez de ativação dos itens, a previsibilidade de ocorrência dos itens em determinados contextos, o conhecimento pragmático-semântico-sintático associado a padrões fonológicos, a possibilidade de síntese por meio da recodificação em chunks mais informativos, são exemplos de processos top-down durante a leitura. Por outro lado, se o processamento top-down 'prediz' com base no conhecimento acumulado por meio da experiência, o processamento bottom-up 'diz' que letras e combinações estão de fato presentes na informação visual disponível, ou seja, no texto lido. Já os leitores aprendizes necessitam de tempo e experiência para construir na memória de longo prazo as estruturas que possibilitarão o processamento preditivo, top-down. Durante a aprendizagem da leitura, predomina o processamento caracterizado como bottom-up, num processo hierárquico de construção do conhecimento de grafemas, morfemas, padrões ortográficos, palavras e expressões em sua versão escrita, visual, que por meio da experiência acarreta na discriminação rápida, característica dos leitores fluentes (DEHAENE et al., 2015DEHAENE, S.; COHEN, L.; MORAIS, J.; KOLINSKY, R. Illiterate to literate: behavioral and cerebral changes induced by reading acquisition. Nature Reviews Neuroscience, 16, p. 234-244, 2015.).

O fato de a aprendizagem da leitura fornecer novas formas de adquirir, estruturar e recuperar o conhecimento parece ter impacto em muitos aspectos da cognição, alguns dos quais ainda não completamente compreendidos. Por exemplo, ainda que a habilidade de manipular os fonemas não seja aprendida espontaneamente e que adultos analfabetos mostrem-se incapazes de deletar ou adicionar fonemas em pseudopalavras, como demonstrado por Morais et al. (1979MORAIS, J.; CARY, L.; ALEGRIA, J.; BERTELSON, P. Does awareness of speech as a sequence of phones arise spontaneously? Cognition, 7, p. 323-331, 1979.), por outro lado isso não significa que não sejam sensíveis à codificação fonológica, como por exemplo à rima, em tarefas orais. Morais et al. (1986) testaram participantes adultos não-alfabetizados e alfabetizados na idade adulta (divididos em dois grupos, leitores mais e menos proficientes), em uma bateria de testes desenvolvida para acessar os efeitos da alfabetização na segmentação do discurso. Em uma das tarefas foi pedido que lembrassem de imagens apresentadas visualmente em determinada ordem. Em uma série, as imagens apresentavam objetos cujos nomes rimavam (por exemplo, JANELA-CAPELA-VITELA), ao passo que outra série de imagens não apresentava nomes que rimavam. O efeito das sequências com rimas foi observado tanto em analfabetos quanto em alfabetizados na idade adulta, demonstrando que ambos os grupos foram sensíveis à similaridade fonológica em tarefas que não requeiram análise fonêmica. Entretanto, de forma geral o desempenho dos leitores menos proficientes foi inferior ao dos mais proficientes, levando a crer que a aprendizagem da leitura favorece a retenção verbal a curto prazo.

O impacto da aprendizagem da leitura sobre a memória e a cognição muitas vezes se confunde com o impacto da escolarização, já que a maioria dos alfabetizados na infância passou por anos de escolarização, com muitas experiências de leitura e escritura nas várias matérias escolares, além de demandas relativas às funções executivas (controle da atenção, inibição, monitoramento e atualização de representações na memória de trabalho, flexibilidade mental, etc, inerentes às práticas escolares). A fim de evitar a sobreposição de fatores como aprendizagem da leitura e escolarização, uma das estratégias utilizadas é estudar adultos alfabetizados na idade adulta e adultos analfabetos, já que nenhum desses grupos pode beneficiar-se dos efeitos da escolarização, como no caso dos participantes do estudo supramencionado de Morais et al. (1986MORAIS, J.; BERTELSON, P.; CARY, L.; ALEGRIA, J. Literacy training and speech segmentation. Cognition, 24, p. 45-64, 1986.). Kosmidis et al. (2011KOSMIDIS, M.; ZAFIRI, M.; POLITIMOU, N. Literacy Versus Formal Schooling: Influence on Working Memory. Archives of Clinical Neuropsychology, 26, p. 575-582, 2011.) exploraram os diferentes efeitos da alfabetização em oposição à escolarização sobre as capacidades da memória de trabalho em adultos que aprenderam a ler em casa, com a ajuda de familiares, em adultos analfabetos e funcionalmente analfabetos, e em adultos que aprenderam a ler na infância. Os resultados mostraram que os adultos que aprenderam a ler apresentaram desempenho superior em medidas de memória de trabalho, independentemente da escolarização formal, ainda que a escolarização aprimore os efeitos da aprendizagem da leitura. Os autores chamam a atenção para as implicações práticas desses resultados em termos de diagnóstico de patologias da memória: uma vez que adultos não-alfabetizados possuem menor capacidade de armazenamento na memória verbal de curto prazo, testes de span verbal podem levar a diagnósticos falsos, sendo mais adequado testar esses grupos com ferramentas de span espacial, a fim de verificar a memória de trabalho desses grupos.

Queremos destacar ainda um último aspecto relativo às modificações em termos de processamento e armazenamento decorrentes da aprendizagem da leitura. Se de um lado, os "filmes do cérebro" de Marinkovic et al. (2003MARINKOVIC, K.; DHOND, R.; DALE, A. M.; GLESSNER, M.; CARR, V.; HALGREN, E. Spatiotemporal Dynamics of Modality-Specific and Supramodal Word Processing. Neuron, Vol. 38, p. 487-497, May 8 2003.), citados no início deste artigo, ilustram o caminho do processamento da linguagem escrita, da região de processamento visual primária (ver Fig. 4), passando pela VWFA, e atingindo as áreas da linguagem falada, a aprendizagem da leitura também cria um caminho inverso, que leva à ativação das representações ortográficas das palavras quando de sua apresentação na forma sonora. A interferência das representações ortográficas sobre as fonológicas pode ser observada em tarefas de julgamento de rimas puramente auditivas, como em "pint-mint" (pronunciados em inglês /paint - mint/) ou "bola-tola" (pronunciados em português como 'ó' na primeira, e 'ô' na segunda palavra da dupla), cujo tempo de reação necessário para o julgamento é superior do que para palavras "vela-bela", por exemplo (SEIDENBERG; TANENHAUS, 1979SEIDENBERG, M. S.; TANENHAUS, M. K. Orthographic effects on rhyme monitoring. Journal of Experimental Psychology: human, learning and memory, vol. 5, n. 6, 546-554, 1979.).

A fim de investigar as mudanças de processamento da linguagem oral decorrentes da aprendizagem da leitura, Dehaene et al. (2010DEHAENE, S.; PEGADO, F.; BRAGA, L. W.; VENTURA, P.; NUNES FILHO, G.; JOBERT, A.; DEHAENE-LAMBERTZ, G.; KOLINSKY, R.; MORAIS, J.; COHEN, L. How Learning to Read Changes the Cortical Networks for Vision and Language. Science, 330, p. 1359-1364, 2010.) testaram pessoas que aprenderam a ler na infância, pessoas que aprenderam a ler na idade adulta e não-alfabetizados, com diferentes níveis de desempenho em leitura, e descobriram que a amplitude da ativação do planum temporale, região bilateral superior do cérebro, imediatamente posterior ao giro de Heschl, mais desenvolvida no hemisfério esquerdo na maioria das pessoas, é aproximadamente duas vezes superior em pessoas que aprenderam a ler na infância do que em adultos não-alfabetizados. Também o giro fusiforme esquerdo, incluindo a VWFA, é altamente ativado em letrados durante tarefas puramente auditivas, como na decisão se uma sequência sonora é ou não uma palavra, ou se duas sentenças são iguais ou diferentes. Segundo os autores, esse último resultado sugere que letrados ativam as representações ortográficas da VWFA a partir das palavras faladas de forma top-down. Portanto, letrados possuem uma chave adicional de acesso (ortográfica, ao lado da auditiva) ao conteúdo linguístico e aos conhecimentos acessados por meio das representações linguísticas, o que constitui um alargador da memória verbal, da sua capacidade de armazenamento e processamento.

O adensamento das redes da linguagem, com suas representações fonológicas e ortográficas, fornece novos códigos de acesso à informação, mas também novas formas de codificação de informações novas, com palavras e significados sendo aprendidos por meio da palavra escrita, como acontece com grande parte do vocabulário aprendido por leitores proficientes. É importante observar, ainda com base e Dehaene et al. (2010DEHAENE, S.; PEGADO, F.; BRAGA, L. W.; VENTURA, P.; NUNES FILHO, G.; JOBERT, A.; DEHAENE-LAMBERTZ, G.; KOLINSKY, R.; MORAIS, J.; COHEN, L. How Learning to Read Changes the Cortical Networks for Vision and Language. Science, 330, p. 1359-1364, 2010.), que a maior ativação do planum temporale e da VWFA está relacionada com a fluência em leitura: quanto maior o número de palavras lidas por minuto, maior a ativação da VWFA e do planum temporale (ver DEHAENE et al., 2015DEHAENE, S.; COHEN, L.; MORAIS, J.; KOLINSKY, R. Illiterate to literate: behavioral and cerebral changes induced by reading acquisition. Nature Reviews Neuroscience, 16, p. 234-244, 2015., figuras 1b e 2a, p. 237 e 240, respectivamente).

De acordo com os autores, até o momento, a maior diferença encontrada entre alfabetizados e não-alfabetizados diz respeito à construção de uma rede de conversão de grafemas em fonemas, por meio da alfabetização e da prática da leitura ao longo da vida. Essa constatação possui importantes consequências pedagógicas, já que, além do mapeamento da relação grafema-fonema, essa relação precisa ser automatizada, possibilitando a leitura fluente, processada de forma inconsciente. Assim, a atenção consciente (DEHAENE, 2014______. Consciousness and the brain: deciphering how the brain codes our thoughts. New York: Viking, 2014.), que integra as funções executivas e a memória de trabalho, pode ser alocada nos significados sugeridos pelo texto por meio das palavras, frases e parágrafos (SOUSA; GABRIEL, 2011SOUSA, L. B.; GABRIEL, R. Aprendendo palavras através da leitura. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2011.), a fim de construir sínteses provisórias e informativas (chunks), que permitem que o leitor avance na leitura e na produção de sentidos, gerando aprendizagem ou memórias de longo prazo. É desse processo de produção de sentido que os leitores fluentes têm consciência, uma vez que os processos automatizados são inconscientes e realizados, aparentemente, sem esforço (em leitores fluentes!). Segundo Dehaene (2014______. Consciousness and the brain: deciphering how the brain codes our thoughts. New York: Viking, 2014., p. 105), a "maior função da consciência é coletar as informações de vários processadores, sintetizá-las, e então transmitir o resultado - um símbolo consciente - a outros processadores arbitrariamente selecionados". Portanto, para que o leitor possa dedicar sua atenção consciente à compreensão leitora, é imprescindível que os esforços pedagógicos convirjam para a construção de uma rede de mapeamento da relação grafema-fonema e para a prática da leitura fluente, visando à sua automatização e processamento inconsciente (MORAIS, 2013a______. Criar leitores: para professores e educadores. São Paulo: Manole, 2013a.; MORAIS, 2013b______. Alfabetizar em democracia. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2013b.; MORAIS et al., 2013MORAIS, J.; LEITE, I.; KOLINSKY, R. Entre a pré-leitura e a leitura hábil: condições e patamares da aprendizagem. In: MALUF, M. R.; CARDOSO-MARTINS, C. (org.) Alfabetização no século XXI: como se aprende a ler e a escrever. Porto Alegre: Penso, 2013.).

5. Conclusão

O estado atual dos estudos sobre os impactos da aprendizagem da leitura sobre a memória e a cognição sugerem três destaques importantes:

A aprendizagem da leitura aprimora a percepção visual e auditiva, levando à construção de novas representações e categorias na memória de longo prazo, necessárias para armazenar diferenças sutis percebidas graças à análise fonológica provocada pela associação entre fonemas a grafemas. Da mesma forma, a percepção visual é modelada, já que aspectos como a orientação tornam-se determinantes na identificação das letras, ao passo que aspectos como tipo/tamanho de fonte são desconsiderados ou relegados a um segundo plano.

A aprendizagem da leitura cria uma nova forma de aquisição, recuperação e armazenamento de informações na memória, por meio da representação ortográfica das palavras que se conecta às redes da linguagem oral, permitindo que o leitor possa contar com duas chaves de acesso ao conhecimento recuperável por meio da linguagem.

A memória de trabalho, em especial a memória verbal de curto prazo, parece ser ampliada pelas representações linguísticas (fonológicas e ortográficas) existentes na memória de longo prazo, levando ao desempenho superior em tarefas facilitadas pela capacidade de análise fonológica e conhecimento lexical.

Agradecimentos

Rosângela Gabriel agradece à equipe da Unité de Recherche en Neurosciences Cognitives (UNESCOG), Center for Research in Cognition & Neurosciences (CRCN), Université Libre de Bruxelles (ULB), Bélgica, pelo acolhimento e pela infraestrutura disponibilizada durante o estágio de pesquisa. A preparação deste artigo contou com o apoio da Capes (Processo BEX 5192/14-5), da Fapergs (Edital Pesquisador Gaúcho 02/2014) e da Universidade de Santa Cruz do Sul (Res. 083/2013).

Régine Kolinsky é Diretora de Pesquisa da FNRS - Fonds de la Recherche Scientifique, Belgium. Seu trabalho conta com o apoio FRS-FNRS por meio da concessão FRFC 2.4515.12 e pelo Interuniversity Attraction Poles (IAP) - concessão 7/33, Belspo.

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  • 1
    Disponível em http://lcnl.wisc.edu/people/marks/. Acesso em 9/julho/2015.
  • 2
    Usamos a expressão stricto sensu em oposição a um sentido ampliado da palavra "leitura", como o proposto, por exemplo, por Freire (1989), e a tantas outras acepções em que a palavra é empregada.
  • 3
    Cada um desses conceitos mereceria o devido aprofundamento, mas isso não será possível dados os limites e objetivos do presente artigo.
  • 4
    Grafemas são letras ou combinações de letras que representam um fonema. Por exemplo, o fonema /p/ é representado pelo grafema (ou letra) "p", ao passo que o fonema /s/ pode ser representado pelos grafemas "s", como em sapo, "xc" ou "ss", como em excesso, "ç", como em maçã.
  • 5
    O termo span refere-se à forma como a capacidade da memória de trabalho é estimada, ou seja, o número de itens que os participantes conseguem repetir (lembrar) após a apresentação de uma sequência de itens.
  • 6
    In sum, the question of whether short-term memory and working memory are different may be a matter of semantics. There are clearly differences between simple serial recall tasks that do not correlate very well with aptitude tests in adults, and other tasks requiring memory and processing, or memory without the possibility of rehearsal, that correlate much better with aptitudes. Whether to use the term working memory for the latter set of tasks, or whether to reserve that term for the entire system of short-term memory preservation and manipulation, is a matter of taste. The more important, substantive question may be why some tasks correlate with aptitude much better than others (COWAN, 2008, p. 335). (Tradução nossa).
  • 7
    A distinção entre consciência fonêmica (ou consciência dos fonemas) e consciência fonológica é bastante sutil, sendo que a primeira refere-se ao conhecimento consciente, explícito, das menores unidades fonológicas da fala, ao passo que a segunda refere-se ao conhecimento consciente, explícito, das unidades e das propriedades fonológicas da língua (cf. Morais, 2013, p. 138).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2016

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2015
  • Aceito
    25 Nov 2015
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