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QUEBRANDO PARADIGMAS: A BUSCA EFETIVA DA PRÁXIS PEDAGÓGICA

Medrado, B. P.; Reichmann, C. L.. 2012. Projetos e práticas na formação de professores de língua inglesa. João Pessoa, PB: Editora da UFPB, 231

O livro Projetos e práticas na formação de professores de língua inglesa, organizado por Betânia Passos Medrado e Carla Lynn Reichmann, ambas professoras do programa de Pós-graduação em Linguística e do curso de Letras Estrangeiras Modernas da UFPB, constitui-se em uma coletânea de onze escritos ancorados a temas pertinentes à formação de professores de Língua Inglesa. Segundo as autoras, a ideia de organizar uma coletânea que catalisasse os novos rumos e projetos na área de formação de professores nasceu durante uma reunião do Grupo de Trabalho Formação de Educadores na Linguística Aplicada (ANPOLL), no III Congresso Latino-Americano de Formação de Professores de Línguas. Esses novos olhares para a formação de professores encontraram eco neste volume e através de múltiplas vozes com bases epistemológicas diversas, porém coerentes e convergentes, apontam não apenas as novas direções em relação à área de formação de professores, mas principalmente fornecem exemplos de projetos e pesquisas sobre uma formação acadêmica que olha as questões de ensino-aprendizagem de maneira holística e não compartimentalizada, que vê além dos limites da sala de aula e que principalmente enxerga de maneira indissociável o futuro professor, o aluno e a escola.

A apresentação do livro, de autoria de Angela B. Kleiman, possibilita que o leitor, além de ter uma ideia geral sobre os capítulos, conheça, antes de iniciar a leitura, os princípios que regem as múltiplas vozes que permeiam os textos e dão o tom às pesquisas e projetos apresentados. Segundo a autora, em meio a esta multiplicidade de vozes, há dois princípios básicos que são observados por todas elas - primeiro, a valorização de uma formação consistente, que prepara o profissional para mudanças e se fundamenta em uma aprendizagem contínua, e segundo, a certeza de que a diversidade compatível, em lugar da crença em um modelo metodológico único e prescritivo, é fundamental para o desenvolvimento de uma área de pesquisa.

Sendo assim, o primeiro artigo do livro, Para além das questões linguísticas: ampliando a base de conhecimentos de professores de línguas estrangeiras, de autoria de Telma Gimenez, discute as redefinições nos conhecimentos de base pelas quais os cursos de formação de professores de línguas estrangeiras vêm passando devido à constatação da necessidade de interligação entre os contextos onde se aprende a ser professor de línguas - cursos de licenciatura em letras - e onde se aplica este aprendizado - escola. Como enfatiza a autora, novas perspectivas - fundamentadas em referenciais teóricos que entendem o aprendizado como prática social - buscam espaço em uma grade curricular cuja base é formada por disciplinas advindas das ciências da linguagem. Para ela, é no componente prático do curso de letras, ou seja, na experiência de estágios, que se pode observar a reconceituação do que se entende por preparar professores capazes de exercer a profissão, uma vez que é na experiência prática da docência que as diferenças entre os conceitos limítrofes aprendizagem e conhecimentose tornam aparentes. Ao se considerar a atividade social requisito básico para a aprendizagem, conclui-se que professores constroem conhecimento nas inter-relações com outros profissionais e nas atividades próprias da profissão. Neste sentido, as comunidades de prática surgem como instrumentos úteis para a construção da práxis pedagógica, uma vez que permitem que as aprendizagens advindas da experiência acadêmica possam se tornar conhecimentos gerados e transformados por meio da participação ativa e da experiência. Como explica a autora, o conceito de comunidade de prática - desenvolvido a partir do trabalho sobre aprendizagem situada de Lave e Wenger (1991LAVE, Jean; WENGER, Etienne. Situated learning: legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.) - pode apresentar diferentes nuances de acordo com a área de conhecimento; porém, via de regra, uma comunidade de prática constitui-se de sujeitos atuantes, cujos entendimentos, práticas, crenças e objetivos são definidos em comum acordo, estabelecendo assim a conexão entre domínio (identidade), comunidade e prática. Estando em contato com o contexto real de atuação e com profissionais de vários graus de experiência, professores em processo de formação têm a oportunidade de construir identidades paralelamente ao seu processo educacional, participando em comunidades de aprendizagem, adotando ou transformando práticas já existentes por meio da imaginação, engajamento e alinhamento. Em suma, inserir o professor em formação em comunidades de prática possibilita que este reveja questões relevantes ao fazer pedagógico e busque uma maior adequação às necessidades daquele contexto, que, como bem enfatiza o título do artigo, ultrapassam questões puramente linguísticas.

Seguindo o viés da aprendizagem como prática social, no segundo artigo, Aprendendo sobre a formação do futuro professor de inglês e espanhol com um projeto de aprendizagem de línguas e formação docente, Solange Teresinha Ricardo de Castro reporta as ações, impressões e resultados alcançados pelo projeto de extensão Aprendendo e Ensinando Línguas, desenvolvido entre 2007 e 2010, no qual professores em formação realizaram as atividades pedagógicas de maneira colaborativa com professores da própria instituição, coordenadores e orientadores do projeto, propiciando, assim, a interação entre universidade e escola. De acordo com a autora, tendo como base teórica os pressupostos vigotskianos em relação ao desenvolvimento e aprendizagem, e de linguagem enquanto prática discursiva (Magalhães, 2004MAGALHÃES, Maria Cecília Camargo (org.) A formação do professor como um profissional crítico. Campinas: Mercado das Letras, 2004., fundamentado nos trabalhos de Vigotsky, 2001VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. e de Bakhtin, 1992BAKHTIN, Mikhail. (Volochinov) Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.), o projeto, visou à construção do conhecimento possibilitando que os participantes expressassem suas opiniões, negociassem pontos de vista, compartilhassem e discutissem suas experiências, contribuindo para a formação identitária dos indivíduos envolvidos no processo. Como explica a autora, o projeto constituiu-se em uma pesquisa-ação envolvendo ciclos de planejamento-ação-observação-reflexão proceduralizados por meio de reuniões de trabalho semanais, elaboração de relatos reflexivos, produção de portfolios, e apresentação de trabalhos em congressos. Segundo a autora, os participantes puderam elaborar e reelaborar conhecimentos acadêmicos e refletir sobre seus planejamentos e práticas e, além disso, desenvolver propostas de ações adicionais voltadas para os contextos nos quais o projeto foi realizado.

No terceiro artigo, Judy Sharkey e Amparo Clavijo-Olarte, apesar de atuarem em contextos diferentes - Estados Unidos (University of New Hampshire) e na Colômbia (Universidad Distrital), puderam, por meio das experiências compartilhadas em seus países, promover a aprendizagem tanto individual quanto coletiva de seus alunos professores. Neste sentido, Promoting the value of local knowledge in ESL/EFL teacher education through community-based field assignments reporta a experiência dessas duas professoras formadoras, que, movidas pela necessidade de desenvolver currículos que refletissem a realidade das comunidades dos alunos das escolas e os inserissem de fato no processo de aprendizagem, desenvolveram um projeto cujas atividades propostas permitiram que seus alunos professores conhecessem as comunidades de seus alunos e, depois de refletirem sobre a importância da experiência, elaborassem suas próprias atividades pedagógicas. Segundo o relato da grande maioria dos alunos professores participantes do projeto, a experiência proporcionada pelas atividades de investigação na comunidade, que em um primeiro momento causou estranhamento e desconfiança em muitos desses alunos professores, possibilitou que estes entrassem em contato com a vida de seus alunos e familiares fora dos limites da sala de aula, instigou sua curiosidade para conhecer uma realidade diferente e vê-la como positiva, e desenvolveu neles a criatividade para elaborar atividades similares. Além disso, a experiência foi o início do preenchimento de uma lacuna que separava aluno e professor. Seguindo abordagens socioculturais no que concerne à linguagem e letramento (Gee, 2004GEE, J. Situated language and learning. New York: Routledge, 2004.), e com foco no conceito "professor de comunidade" desenvolvido a partir do pensamento de John Dewey (1933DEWEY, J. How we think: A restatement of the relation of reflective thinking to the educative process. New York: Houghton-Mifflin, [1933], 1998.) e Paulo Freire (1988FREIRE, P. Pedagogy of the oppressed. New York: Continuum, 1988.), esperou-se desenvolver no professor o interesse pela comunidade na qual atua, percebendo-a como fonte curricular valiosa e plural, e, assim, entrar em consonância com os interesses, vivências e necessidades de seus alunos.

Como se pôde observar no projeto de Judy Sharkey e Amparo Clavijo-Olarte, e apontado por Telma Gimenez no primeiro artigo do livro, comunidade de prática é um conceito amplo e não se restringe a um grupo de pessoas que atuam em um mesmo contexto, nem depende de que estas pessoas se encontrem presencialmente. Diante das várias possibilidades de estreitamento de fronteiras, tanto culturais quanto físicas, que os avanços das ferramentas da internet oferecem, uma comunidade de prática pode ser estabelecida virtualmente, desde que seus integrantes compartilhem interesses e objetivos em comum. No artigo Building international professional partnerships for ESL/EFL teacher development, Phil Quirke relata sua trajetória com a escrita reflexiva até iniciar uma comunidade de prática que envolve trinta e um profissionais do ensino de língua inglesa de diferentes países e dos mais variados níveis e experiência. Esta trajetória, como explica o autor, iniciou com certo ceticismo quando foi requisitado a produzir relatos reflexivos sobre sua prática docente durante o curso preparatório de Cambridge - ESOL CELTA. Após esta primeira experiência, passou a usar a escrita reflexiva também com seus alunos e posteriormente com seus alunos professores, quando iniciou na formação de professores. Ao longo de sua trajetória profissional experimentou e adaptou diferentes formas de escrita reflexiva de acordo com os objetivos pretendidos, possibilitando que estas diferentes formas servissem de instrumentos mediadores da aprendizagem. A ideia de formar uma comunidade de prática em que professores pudessem compartilhar entendimentos, impressões, e experiências sobre atividades pedagógicas de cunho reflexivo surgiu durante TESOL convention, quando profissionais de várias partes do mundo interessados em escrita reflexiva externaram o desejo de continuar a trabalhar juntos. Segundo o autor, a longevidade da comunidade formada por ele e seus colegas de profissão se dá, em parte, pela flexibilidade da escrita como mediadora da aprendizagem. Além disso, ao escrever com e para os outros, os participantes da comunidade de prática têm a possibilidade de serem mediados entre si, alargando seus horizontes e promovendo o desenvolvimento de todos os envolvidos.

Outro exemplo de como narrativas reflexivas podem servir como instrumento de mediação é descrito no artigo English teacher education, curriculum and narrative inquiry, onde a autora Dilma Maria de Mello procura, por meio dos relatos escritos por seus alunos-professores, fazer com que estes reflitam sobre suas impressões e resistências, e revejam suas próprias crenças em relação a ensino de línguas ao serem expostos a uma nova proposta pedagógica resultante da reformulação do currículo do curso de Língua Inglesa, implantado em 2008 na Universidade Federal de Uberlândia. A necessidade de reformulação surgiu a partir da observação de que o currículo de Letras vigente não supria as demandas de conhecimentos pedagógicos necessários para o exercício docente. Além disso, as disciplinas de cunho pedagógico, que, aliás, definem a profissão, além de serem oferecidas nos semestres finais do curso, não apresentavam entrelaçamento com as disciplinas de língua e linguística, fator fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem. Ao se graduarem, os novos professores não dominavam a língua nem estavam preparados para lidar com aspectos didático-pedagógicos inerentes à profissão. Essa realidade, observada e debatida nos cursos de formação de professores de línguas estrangeiras em geral, foi o ponto de partida para a construção meticulosa de um currículo congruente com a profissão, que pudesse preencher o vácuo existente entre conhecimentos didáticos e linguísticos e, ao mesmo tempo, capaz de instigar discussões sobre a relevância educacional, política e sociocultural de aprender/ensinar inglês. Os dados para a pesquisa foram coletados por meio de observações de campo, diários e postagens nos fóruns de discussão da plataforma MOODLE. As narrativas foram analisadas com base nos fundamentos teóricos dos estudos da narrativa, principalmente nos trabalhos de Clandinin e Connelly (1995______. Teachers' professional knowledge landscapes. Toronto: OISE Press, 1995. , 2000CLANDININ, D. Jean; CONNELLY, F. Michael. Narrative Inquiry: Experience and Story in Qualitative Research. San Francisco: Jossey-Bass, 2000.), Connelly e Clandinin (1999CONNELLY, F. Michael; CLANDININ, D. Jean. Shaping a professional identity. New York: Teachers College Press, 1999.), Telles (2004TELLES, João A. Reflexão e Identidade Profissional do professor de LE: que histórias contam os futuros professores. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v.4, n.2, p.57-83, 2004.), Bateson (1989BATESON, Mary Catherine. Composing a Life. New York: Penguin, 1989.) e Coles (1989COLES, Robert. The Call Of Stories: teaching and the moral imagination. Boston: A Peter Davidson Book, 1989.). Segundo a autora, apesar do estranhamento e resistência externados em muitas das narrativas sobre as impressões dos alunos professores ao participarem das aulas na nova proposta curricular, os alunos professores foram capazes de reconhecer suas próprias crenças, dificuldades, expectativas e reconhecer a relevância da reestruturação curricular. Além disso, a análise das narrativas, elaboradas na língua alvo, evidenciou que é possível ensinar/aprender inglês da maneira proposta pela nova grade curricular.

O artigo O blog reflexivo no processo de letramento e formação de professores de língua inglesa, que também salienta o papel da escrita reflexiva como ferramenta de aprendizagem para professores em formação, revela como o uso de novas tecnologias, no caso o blog, pode auxiliar no estágio supervisionado. Neste artigo, Sandra Maria Araújo Dias descreve sua pesquisa desenvolvida com alunos de Letras na disciplina de Estágio Supervisionado em uma instituição pública no nordeste brasileiro, na qual o blog reflexivo, enquanto prática de letramento digital, foi instrumento fundamental. Como pontua a autora, pesquisas sobre as práticas de letramento têm focado a complexidade das práticas sociais dos usos da linguagem em geral nos mais variados contextos, atestando sua natureza social e contextualizada. Para a autora, o blog dinamiza a interação entre professor formador e alunos professores, e, pela informalidade que é própria neste tipo de letramento digital, desobriga esta interação da formalidade protocolar que o ambiente acadêmico inspira. As postagens no blog foram analisadas sob a ótica bakhtiniana em relação à linguagem dialógica a fim de identificar as vozes sociais que emergem na interação e assim melhor entender e detectar o processo de formação de identidade profissional que começa a se estabelecer. Além disso, a pesquisa aponta que as interações estabelecidas neste espaço virtual e o conhecimento que é ali construído e compartilhado, têm o poder de potencializar a criticidade do aluno em relação às abordagens e metodologias de ensino de língua, além de descortinar e desmistificar os dilemas vividos pelos participantes, revelando ser este um instrumento valioso na formação inicial e continuada.

Nos sétimos e oitavos capítulos do livro, o foco está no estágio obrigatório curricular, profissional. No capítulo Tecendo o gênero profissional: o estágio como prática de letramento docente e formação identitária, Carla Lynn Reichmann apresenta um estudo sobre vozes enunciativas, formação identitária e gênero profissional a partir da análise da seção Análise da Prática de Ensino dos Relatórios de Estágios produzidos pelos futuros professores ao final do seu período de estágio profissional. A escolha da seção surgiu da necessidade de mudança no foco que os estágios deveriam dar ao relatório perpassando o nível descritivo dos eventos e assumindo-se como agentes, a fim de apropriarem-se de fato das propriedades da atividade social mediada pela linguagem (Lopes, 2007LOPES, Maria Angela Paulino Teixeira. Relatórios de estágio: opacidade e vaguidão na análise do agir do professor. In: GUIMARÃES, Ana Maria de Mattos; Machado, Anna Rachel; COUTINHO, Antónia (orgs). O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007., p.235, conforme p.107). O embasamento teórico do estudo está nos Estudos de Letramento (Barton et al., 2000BARTON, David; HAMILTON, Mary; IVANIC, Roz. (Orgs.) Situated literacies: reading and writing in context. London and New York: Routledge, 2000.; Kleiman e Matêncio, 2005KLEIMAN, Angela B; MATÊNCIO, Maria de Lourdes M. (orgs.). Letramento e formação de professores: práticas discursivas, representações e construção do saber. São Paulo: Mercado de Letras, 2005.; Kleiman, 2006 e outras publicações; Oliveira e Kleiman, 2008OLIVEIRA, Maria do Socorro; KLEINMAN, Angela B. Letramentos múltiplos: agentes agentes, práticas, representações. Natal/RN: EDUFRN, 2008.; e outros) e no Interacionismo Sociodiscusivo (Bronckart, 1999, 2006, 2008). A identificação e análise das categorias de vozes enunciativas identificadas - de outros (professora regente, professora supervisora, alunos), de si (futuros professores) e as vozes de autor empírico (de si, professores e professora estagiária e professora) - corroboram a importância dos três elementos para a construção identitária, representação do professor como agente de letramento - agência humana, agência institucional e prática situada na escrita (Kleiman, 2006) e sugere que "reposicionamentos docentes constituem e são constituídos pela língua(gem), catalisados pelo/no uso da palavra escrita e sinalizados pela distribuição de vozes enunciativas" (p.120). Além disso, a análise aponta para a necessidade do fortalecimento de parcerias colaborativas entre as universidades e as escolas conforme evidenciado na análise pelo papel desempenhado pela professora regente nas atitudes das futuras professoras e pela relação de cumplicidade construída entre elas.

No capítulo Gêneros profissionais e formação inicial: possibilidades e contradições na análise da atividade docente, Francieli Freudenbberger Martiny investiga que elementos do gênero profissional são representados por estagiários após a observação do trabalho do professor regente da turma e também após a realização da sua própria regência. Para isso, ela contextualiza e traz definições sobre o gênero profissional, (Clot, 2007CLOT, Yves. A função psicológica do trabalho. 2 ed. Petrópolis: vozes, 2007.; Faïta, 2004FAÏTA, D. Gêneros do discurso, gêneros da atividade, análise da atividade do professor. In: Machado, Anna Rachel. O Ensino como trabalho. Uma abordagem discursiva. Londrina: EDUEL, 2004. e outros) e argumenta que esse conceito assim como seus elementos constitutivos permitem sua observação e o reconhecimento de suas características. Além disso, a análise privilegia o reconhecimento, por parte dos estagiários, da dimensão genérica no trabalho docente (p.126). As participantes da pesquisa, duas futuras professoras matriculadas na disciplina de Estágio Supervisionado, concluintes do curso de Letras de uma universidade federal, participaram de reuniões com a professora supervisora (e pesquisadora) nas quais discutiram sobre as aulas observadas e sobre os aspectos que elas consideraram como sendo positivos e negativos na prática do professor, além de refletir sobre possíveis mudanças caso tivessem de ministrar as mesmas aulas posteriormente. Procedimento semelhante foi adotado nas discussões após a regência supervisionada de uma delas. A análise que buscou identificar se na conversa após a observação e regência seriam encontradas: i) no plano motivacional, a explicitação de motivos para o agir ou de determinações externas idealizadas por um coletivo; ii) no plano de intencionalidade, a explicitação de intenções e objetivos individuais ou finalidades coletivamente avaliadas para o agir; iii) no plano dos recursos, a explicitação de artefatos, instrumentos ou capacidades (recursos mentais) para o agir (p.134), e justifica a escolha dessas categorias por se assemelharem à caracterização proposta por Clot (2007) da atividade humana. A análise revela que há momentos em que o trabalho das duas professoras em formação é representado como convergente ao trabalho do professor observado e há momentos em que eles são representados como divergentes e até mesmo contraditórios. O fator principal revelado nas contestações é o engajamento dos alunos na realização das atividades. Além disso, a autora também discute o papel da supervisora e da colega de estágio na ampliação da percepção sobre o trabalho docente.

No nono capítulo, Tornando-se professor: a compreensão de graduandos em letras sobre a atividade educacional escrito por Betânia Passos Medrado, são abordadas as mudanças epistemológicas que vêm acontecendo na área de formação de professores e chama a atenção para o fato de que essas mudanças também trouxeram à tona a necessidade de o professor estar mais próximo do seu contato real de atuação (Medrado, 2009MEDRADO, Betânia Passos. Imagens no espelho: reflexões sobre a prática docente. In: PEREIRA, Regina Celi e ROCA, Pilar (Orgs.). Linguística Aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto, 2009, p.91-111.; Reichmann, 2009; Romero, 2010ROMERO, Tania Regia de Souza (Org.). Autobiografias na (re)constituição de identifdades de professores de línguas: o olhar crítico-reflexivo. Campinas: Pontes Editores, 2010.; Medrado e Pérez, 2011MEDRADO, Betânia Passos e PÉREZ, Mariana (Orgs.) Leituras do Agir Docente: a atividade educacional à luz da perspectiva interacionista sociodiscursiva. Campinas: Pontes Editora, 2011. e outros). Para isso, também partindo da noção de gênero profissional (Clot e Faïta, 2000CLOT, Yvese FAÏTA, Daniel. Genres et styles em analyse du travail. In: TRAVAILLER, N.4, 2000.; Clot, [1999, 2007]) e da base teórica do Interacionismo Sociodiscursivo (Bronckart [1999] 2003, 2006, 2008e outros), a autora propõe a análise de relatos de experiência produzidos por bolsistas de um projeto de licenciatura intitulado Projeto política educacional e ação em sala de aula: percursos de professores de língua inglesa que foi desenvolvido em uma escola públicaO objetivo da análise não está apenas no nível de compreensão da atividade docente, mas sim no intuito de fomentar uma discussão sobre conteúdos disciplinares e os saberes que estão sendo construídos na formação inicial (p.153). A discussão está estruturada em três subseções; a primeira discute o conceito de gênero profissional ou gênero da atividade, o segundo contextualiza o projeto de formação em discussão e o terceiro traz a reflexão acerca dos textos produzidos pelos alunos envolvidos no projeto. A análise revela que os participantes tiveram a oportunidade de não só acompanhar a composição de um trabalho científico, mas de principalmente ressignificar saberes teóricos que foram testados durante a realização do projeto, além de ajudar na compreensão de como os futuros professores vão atribuindo sentidos à atividade de ensino e se apropriando do gênero profissional.

No décimo capítulo do livro Gêneros textuais e educação inicial do professor de língua inglesa: um levantamento bibliográfico, Vera Lúcia Lopes Cristovão e Rayana Isadora Lenharo apresentam um levantamento bibliográfico de pesquisa. O objetivo desse levantamento é o de investigar a relação entre gêneros e formação inicial do professor de inglês em pesquisas realizadas no Brasil até 2011. O capítulo apresenta a conceituação dos termos que são as palavras-chave do estudo, gêneros textuais e gêneros e formação, a metodologia da pesquisa, resultados, discussão e conclusão. A análise dos dados coletados por meio de busca de trabalhos no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, em 10 periódicos nacionais especializados, e em uma publicação de um periódico temático, todos classificados com qualis A1 e A2, revelou que ainda há a necessidade do desenvolvimento de pesquisas que abordem gêneros e formação. Os resultados também revelam que as pesquisas utilizam distintos referenciais teórico-metodológicos, natureza e estrutura nos estudos. Além disso, as pesquisadoras identificaram problemas na estrutura dos resumos publicados, como ausência de dados claros ou informações importantes, e também relatam a dificuldade na própria coleta de dados devido à forma como os portais online organizam as pesquisas publicadas. As autoras apontam ainda para a necessidade de ampliação das pesquisas na área, pois as que foram identificadas apenas relatam/avaliam/descrevem o uso de gêneros na educação inicial ou focam na contribuição do uso de gêneros para os futuros professores (p.187).

No último capítulo Argumentation: tool and object in teacher education, Fernanda Liberali discute o papel da argumentação enquanto elemento mediador (ferramenta e objeto) na formação crítica de professores. A partir da teoria da atividade sócio-histórica-cultural (Vygotsky, 1934______. A formação social da mente. 6 ed./5 tiragem. São Paulo: Martins Fontes, 1934/2002./2002, 1930/2009, 1987 and Leontiev, 1977LEONTIEV, A. N. Activity and Consciousness. Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1977. Disponível online.) a pesquisadora apresenta a perspectiva teórica que embasa o estudo, define como o conceito de atividade é visto no estudo, contextualiza e conceitualiza objeto (object), ferramentas (tool) e signos no contexto de formação crítica de professores e traz o papel da argumentação como elemento mediador. Ela discute o papel da argumentação em dois projetos na área de formação de professores. Ambos os projetos fazem parte de um grupo de pesquisa maior, Linguagem em Atividades no Contexto Escolar - LACE, desenvolvidos em São Paulo. O primeiro projeto, de 18 meses, envolveu três instituições e tinha por objetivo desenvolver estratégias para que os professores de escola pública estadual entendessem e avaliassem suas aulas sob a perspectiva da educação crítica e depois se tornassem multiplicadores nos seus locais de trabalho. A argumentação nos dados reportados desse projeto se dá enquanto objeto da atividade (tool-for-result). A pesquisadora relata que os professores não tiveram a chance de participar ativamente da reorganização das suas atividades escolares, mas trabalharam na construção de um instrumento para esta atividade. Ela ressalta que apenas o desenvolvimento de ferramentas para a sala de aula não é suficiente para promover mudança no sistema, mas somente o uso efetivo dessas ferramentas. As atividades reportadas no segundo projeto apresentam a argumentação tanto como tool-for-result quantotool-and-result. A argumentação foi utilizada com o objetivo de atingir o alvo de construção do conhecimento de como avaliar os episódios da sala de aula com base nos princípios de cidadania determinados pelos professores. Ao final, os participantes foram capazes de contra argumentar e tornar-se parte do objeto em construção com base nos questionamentos feitos pela professora formadora ultrapassando o nível de argumentação enquanto objeto da atividade, conforme identificado no primeiro momento. A pesquisadora aponta que estudos envolvendo argumentação na área de formação de professores são importantes para a construção de poder e voz para os participantes em diferentes sistemas de atividades. Segundo ela, a argumentação pode promover mudanças nas possibilidades de participação, da construção/negociação de regras, na divisão do trabalho e principalmente na possibilidade de construção de objetos idealizados coletivamente.

Acreditamos que a coletânea organizada por Betânia Passos Medrado e Carla Lynn Reichmann se destaca por apresentar um novo fazer formativo ao trazer projetos que estão sendo desenvolvidos na área. E ao fazê-lo revela que é possível pensar e agir diferente, fazendo com que os profissionais ligados à área de formação de professores realmente creiam que a práxis pedagógica não seja algo distante e utópico, transformado em verbalismo acadêmico vazio, mas um objetivo viável, perene e completamente tangível desde que ancorado em pesquisa, comprometimento e principalmente, vontade de se construir coletivamente, para assim, fazer mais e melhor. Por fim, a reflexão proporcionada pela leitura dos capítulos do livro inspira e desafia professores formadores, alunos-professores e professores em exercício a unirem suas vozes, que apesar de diferentes, uníssonas, e assim, avancem as fronteiras dos muros acadêmicos e escolares rumo a uma formação e atuação mais orgânica e construtiva.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2015
  • Aceito
    28 Fev 2015
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