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Produção de existências em ato na Amazônia, Brasil: “território líquido” que se mostra à pesquisa como travessia de fronteiras

Producing existences in action in the Amazon, Brazil: “liquid territory” that shows itself to research as a crossing of borders

Producción de existencias en acto en la Amazonia, Brasil: “territorio líquido” que se muestra a la investigación como travesía de fronteras

Resumos

O objetivo do artigo é compartilhar a aprendizagem em pesquisa, fruto da vivência das pesquisadoras e dos pesquisadores na rede de cuidado à saúde de urgência e emergência na Amazônia, Brasil. Propomos pensar no conceito de pesquisa como travessia de fronteiras para falar da interculturalidade, da singularidade do território, mas também do diálogo tenso entre racionalidades da Ciência e das práticas de saúde e de pensamento. O texto está constituído de três eixos: a apresentação da categoria “território líquido”, seguida da discussão epistemológica sobre o método e a apresentação dos recursos utilizados na pesquisa para propor uma episteme “emergente e insurgente”. Traçamos linhas decolonizadoras do pensamento por entendermos que a função da pesquisa é descrever e produzir visibilidades como existência e não apenas como representação do que está vigente.

Palavras-chave
Saúde ribeirinha; Cuidado; Cartografia; Epistemologias locais; Amazônia


The aim of this article is to share research lessons learnt from the experiences of researchers in the urgent and emergency care network in the Amazon, Brazil. We propose to think about the concept of research as a crossing of boundaries to talk about interculturality, the uniqueness of territories, as well as the tense dialogue between the rationality of science and health practices and thinking. This article is structured into three core sections: presentation of the category “fluid territory”, followed by an epistemological discussion of the method and presentation of the resources used in the study to propose an “emergent and insurgent” episteme. We outline decolonizing lines of thought based on the understanding that the function of research is to describe and produce visibility as existence and not just as a representation of what is current.

Keywords
Riverine people’s health; Care; Cartography; Local epistemologies; The Amazon


El objetivo del artículo es compartir el aprendizaje en investigación, fruto de la vivencia de las investigadoras e investigadores en la red de cuidados de la salud de Urgencias y Emergencias en la Amazonia, Brasil. Proponemos pensar en el concepto de investigación como travesía de fronteras, para hablar de la interculturalidad, de la singularidad del territorio, pero también del diálogo tenso entre racionalidades de la ciencia y de las prácticas de salud y de pensamiento. El texto está formado por tres ejes: la presentación de la categoría “territorio líquido”, seguida de la discusión epistemológica sobre el método y presentación de los recursos utilizados en la investigación para proponer una episteme “emergente e insurgente”. Trazamos líneas descolonizadoras del pensamiento por entender que la función de la investigación es describir y producir visibilidades como existencia y no solo como representación de lo vigente.

Palabras clave
Salud de los moradores de las orillas de los ríos; Cuidado; Cartografía; Epistemologías locales; Amazonia


Introdução

A temática da pesquisa e sua relação epistêmica com a vida cotidiana é objeto de debates na produção acadêmica há diversos anos e queremos resumi-la aqui por meio das produções de Luz11 Luz MT. Natural, racional, social: razão médica e racionalidade moderna. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019. e Kuhn22 Kuhn TS. A estrutura das revoluções científicas. 5a ed. São Paulo: Perspectiva; 1997., em solos epistêmicos distintos, mas que afirmam historicidade e conexões com o contexto social de dupla ordem: como efeito e como produção do social em cada tempo. Enquanto Luz analisa as conexões entre a razão científica moderna e a Biociência, Kuhn descreve ciclos evolutivos da Ciência ao longo da História. Assim, não é nosso objetivo expandir os argumentos das análises críticas da epistemologia da ciência moderna, que já são consolidados e suficientes para permitir outro platô na produção.

Trataremos do surgimento de epistemologias locais33 Santos BSS. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. 3a ed. São Paulo: Bomtempo; 2008. que rompem com colonialismos da Ciência e, como parte do contexto sócio-histórico em que ela se insere, visibilizam outras racionalidades e perspectivas. Essas emergências, que se expressam muitas vezes como tensões com a compreensão vigente, podem ser vitalizadoras dos campos de conhecimento, como já apontou Madel Luz em relação às tensões entre disciplinas e entre saberes e práticas, no caso das origens da Saúde Coletiva44 Luz MT. Complexidade do campo da Saúde Coletiva: multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, e transdisciplinaridade de saberes e práticas - análise sócio-histórica de uma trajetória paradigmática. Saude Soc. 2009; 18(2):304-11..

O interesse aqui é relatar aprendizagens em ato de contexto local, traduzidas em conhecimento compartilhável. Ao fazê-lo, pretendemos que assumam a consistência de tecnologias leves55 Merhy EE. Saúde: cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec; 2002. para a configuração de modelagens para o trabalho de pesquisa e de Atenção à Saúde. A pesquisa em saúde na Amazônia envolve particularidades, que já foram apontadas em estudos anteriores, relativas às dimensões do tempo, dos encontros interculturais, das transformações dos territórios, das condições tecnológicas e do cadenciamento da vida66 Ferla AA, Trepte RF, Schweickardt JC, Lima RTS, Martino A. Os (des)encontros da pesquisa no tempo-espaço amazônico: um ensaio sobre produção de conhecimento como abertura à aprendizagem. Saude Redes. 2016; 2(3):241-61.

7 Schweickardt JC, Ferla AA, Lima RTS, Amorim JSC. O Programa Mais Médicos na saúde indígena: o caso do Alto Solimões, Amazonas, Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2020; 44:e24.

8 Schweickardt JC, Souza RTL, Simões AL, Freitas CM, Alves VP. Território na atenção básica: abordagem da Amazônia equidistante. In: Ceccim RB, Kreutz JA, Campos JDP, Culau FS, Wottrich LAF, Kessler LL, organizadores. In-formes da Atenção Básica: aprendizados de intensidade por círculos em rede. Porto Alegre: Rede Unida; 2016. p. 101-32.

9 Kadri MR, Schweickardt JC. O território que corta os rios: a atenção básica no município de Barreirinha, Estado do Amazonas. In: Ceccim RB, Kreutz JA, Campos JDP, Culau FS, Wottrich LAF, Kessler LL, organizadores. In-formes da Atenção Básica: aprendizados de intensidade por círculos em rede. Porto Alegre: Rede Unida; 2016. p. 195-225.

10 Kadri MR, Schweickardt JC, Farias LNG, Lima RTS, Wilson DR, Linn JG, et al. The Igaraçu fluvial mobile clinic: lessons learned while implementing an innovative primary care approach in Rural Amazonia, Brazil. Int J Nurs Midwifery. 2017; 9(4):41-5.

11 Lima RTS, Simões AL, Heufemann NE, Alves VP. Saúde sobre as águas: o caso da Unidade Básica de Saúde Fluvial. In: Ceccim RB, Kreutz JA, Campos JDP, Culau FS, Wottrich LAF, Kessler LL, organizadores. Intensidade na atenção básica: prospecção de experiências ‘informes’ e pesquisa-formação. Porto Alegre: Rede Unida; 2016. p. 269-93.

12 Heufemann NE, Lima RTS, Schweickardt JC. A produção do cuidado em saúde num território amazônico: o ‘longe muito longe’ transformado pelas Redes Vivas. In: Merhy EE, Baduy RS, Seixas CT, Almeida DES, Slomp H, organizadores. Avaliação compartilhada do cuidado em saúde: surpreendendo o instituído nas redes. Rio de Janeiro: Hexis; 2016. p. 332-5.
-1313 Kadri MRE, Santos BS, Lima RTS, Scwheickardt JC, Martins FM. Unidade Básica de Saúde Fluvial: um novo modelo da Atenção Básica para a Amazônia, Brasil. Interface (Botucatu). 2019; 23:e180613. Doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180613.
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As aprendizagens e a produção de conhecimento nessas iniciativas, sempre que tomam a pesquisa como acontecimento em vez de se dobrar às lógicas representacionais, produzem travessias de fronteiras no campo das intensidades. Com a descoberta de linhas de força que estão em ação nos territórios, reivindicam novos planos para ordenar o pensamento sobre as relações entre a saúde, o andar a vida e a produção dos territórios onde a pesquisa se desenvolve1414 Deleuze G, Guattari F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Oliveira AL, Aurélio GN, Célia PC, tradutores. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2011. v. 1.

15 Deleuze G, Guattari F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Oliveira AL, Aurélio GN, Célia PC, tradutores. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2011. v. 4.
-1616 Ceccim RB, Ferla AA. Educação e saúde: ensino e cidadania como travessia de fronteiras. Trab Educ Saude. 2008; 6(3):443-56..

A Amazônia não é o lugar “sólido” da desordem, como parecem indicar repetidamente os estudos sobre endemias e padrões de doenças. Apenas tem uma complexidade aguda nos acontecimentos, inclusive endemias e adoecimentos, e uma diversidade que é estruturante, o que gera tensões e movimentos contínuos. Para tornar visíveis os saberes e dinâmicas locais, requer olhares fluidos e também complexos com uma epistemologia aberta ao outro.

O objetivo desta produção é compartilhar a aprendizagem em pesquisa das autoras/autores que se colocam em processo de descoberta das potências da rede de cuidado à saúde no cenário amazônico. Esses encontros se dão por meio da produção da intensidade das afecções no corpo em contato com a realidade da Amazônia: o “território líquido” das populações ribeirinhas. A expressão “território líquido” tem aqui o status de uma categoria analítica e não mais apenas de uma metáfora, como inicialmente. Ela dá visibilidade à complexidade do território e oferece aberturas à aprendizagem de aspectos sociais, políticos, geográficos, sanitários e epistêmicos1010 Kadri MR, Schweickardt JC, Farias LNG, Lima RTS, Wilson DR, Linn JG, et al. The Igaraçu fluvial mobile clinic: lessons learned while implementing an innovative primary care approach in Rural Amazonia, Brazil. Int J Nurs Midwifery. 2017; 9(4):41-5.

11 Lima RTS, Simões AL, Heufemann NE, Alves VP. Saúde sobre as águas: o caso da Unidade Básica de Saúde Fluvial. In: Ceccim RB, Kreutz JA, Campos JDP, Culau FS, Wottrich LAF, Kessler LL, organizadores. Intensidade na atenção básica: prospecção de experiências ‘informes’ e pesquisa-formação. Porto Alegre: Rede Unida; 2016. p. 269-93.

12 Heufemann NE, Lima RTS, Schweickardt JC. A produção do cuidado em saúde num território amazônico: o ‘longe muito longe’ transformado pelas Redes Vivas. In: Merhy EE, Baduy RS, Seixas CT, Almeida DES, Slomp H, organizadores. Avaliação compartilhada do cuidado em saúde: surpreendendo o instituído nas redes. Rio de Janeiro: Hexis; 2016. p. 332-5.
-1313 Kadri MRE, Santos BS, Lima RTS, Scwheickardt JC, Martins FM. Unidade Básica de Saúde Fluvial: um novo modelo da Atenção Básica para a Amazônia, Brasil. Interface (Botucatu). 2019; 23:e180613. Doi: https://doi.org/10.1590/Interface.180613.
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Optamos pelo formato de um ensaio empírico dialógico para orientar a narrativa em conexão com conceitos e teorias, constituindo um diálogo epistemológico sobre os fazeres e saberes da pesquisa. Inicialmente a imagem que nos orienta é a que o campo empírico tem a potência do banzeiro, que é o movimento ondular das águas: visto na superfície, pode ser representado como um movimento harmônico e tranquilo. Entretanto, essa imagem não traduz a potência, a energia que movimenta, desde o leito do rio, todo o volume de águas, desloca suas margens e desfaz o percurso dos barcos conduzidos por marinheiros inexperientes.

O presente artigo compõe-se de três eixos: o primeiro tem a apresentação da categoria de análise “território líquido”, onde mapeamos na memória coletiva o processo de estudo e construção, suas nuances e aspirações implicadas na potência que afirma a vida na Amazônia. No segundo, uma discussão epistemológica do método e a apresentação dos recursos utilizados em um dos estudos do grupo de pesquisa(g (g) A pesquisa é coordenada pelo Laboratório de História e Políticas Públicas de Saúde da Amazônia (LAHPSA) e participam alunos de Mestrado, Doutorado, iniciação científica, usuários do SUS, parteiras, trabalhadores e gestores da saúde dos 11 municípios envolvidos. O grupo de pesquisa está localizado no território amazônico, em um lugar considerado periférico pelo ponto de vista da produção. ), como uma pesquisa que se faz no “entre” das margens, ou seja, na superfície dos encontros. O terceiro eixo tem a intenção de apontar uma “episteme emergente e insurgente”, com linhas descolonizadoras do pensamento sobre o exercício da pesquisa referente às saúdes. Consideramos necessária a transmutação das ausências sobre a Amazônia em emergências, abrindo espaço, assim, a uma episteme outra.

Apresentação do território líquido: banzeiros do conhecimento

Esta produção tem como base os registros de campo de uma pesquisa vivida como encontro no campo empírico da pesquisa denominada “O acesso da população ribeirinha à Rede de Urgência e Emergência (RUE) no Estado do Amazonas” do Programa de Pesquisa em Saúde para o SUS (PPSUS), realizada nas regiões de saúde do Baixo Rio Amazonas e Médio Rio Solimões, que teve como objetivo analisar o acesso da população ribeirinha à RUE no Estado do Amazonas. O interesse do estudo foi o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) pela ampliação do acesso, da qualidade e da continuidade do cuidado à população ribeirinha.

Como em pesquisas anteriores, buscamos pensar, associar e fomentar a construção de políticas públicas por meio das especificidades do território Amazônico, que revela mosaico entre terra, floresta, água e pessoas, e expressa modos próprios de fazer e de compreender a vida e a saúde. O conhecimento é produzido em ato sobre esse mosaico, nos encontros e na relação com os diferentes sujeitos e seus modos de vida, afirmando saberes das pessoas que agem nesses territórios.

Inicialmente, a expressão “território líquido” funcionou como metáfora. Entretanto, o contato com o banzeiro, energia/força das águas, nos faz pensar na abertura ao diverso, à sensibilidade ética e estética do pesquisador, que suscita quebrar pensamentos e imagens prévias no contato com o campo empírico, construindo novas imagens, pensamentos e linguagem. O “território líquido” como categoria analítica surgiu em 2016. Uma roda de estudos foi anunciada como “A Amazônia encontrada nos imaginários de historiadores nos inspira para a reflexão sobre o território vivo e líquido e sua relação com a Atenção à Saúde prestada aos ribeirinhos em cenários específicos da Amazônia”88 Schweickardt JC, Souza RTL, Simões AL, Freitas CM, Alves VP. Território na atenção básica: abordagem da Amazônia equidistante. In: Ceccim RB, Kreutz JA, Campos JDP, Culau FS, Wottrich LAF, Kessler LL, organizadores. In-formes da Atenção Básica: aprendizados de intensidade por círculos em rede. Porto Alegre: Rede Unida; 2016. p. 101-32. (p. 116). Não se tratava da associação da Geografia com a presença forte das águas ou do fenômeno do “ciclo das águas”, que anualmente reveza enchentes, cheias, vazantes e secas.

O território é também um campo de intensidades, espaço micropolítico do cuidado. Portanto, além da inspiração no espaço amazônico, a motivação ética era de pensar modos de existir compreendendo o cuidado no território e seus sentidos. Dessa forma, o território líquido engloba os rios como fluxos de conexão das pessoas e lugares, impregnado de relações simbólicas das populações ribeirinhas e tradições culturais no lugar específico1111 Lima RTS, Simões AL, Heufemann NE, Alves VP. Saúde sobre as águas: o caso da Unidade Básica de Saúde Fluvial. In: Ceccim RB, Kreutz JA, Campos JDP, Culau FS, Wottrich LAF, Kessler LL, organizadores. Intensidade na atenção básica: prospecção de experiências ‘informes’ e pesquisa-formação. Porto Alegre: Rede Unida; 2016. p. 269-93.. A expressão “líquido” traduz algo paradoxalmente concreto, transmutando a idealização do amazônico selvagem.

A noção de território líquido, que inicialmente apenas dialogava com a realidade constituída pelo ciclo das águas e a acessibilidade das populações ribeirinhas, tornou-se categoria de análise. Absorveu sentidos conceituais como da conexão/integração de margens, superfície de contato, movimento. Diversamente à produção de Bauman1717 Bauman Z. Modernidade líquida. 2a ed. Rio de Janeiro: Zahar; 2001., em que o líquido traduz derretimento/fragmentação das instituições e das relações na modernidade.

Na Amazônia o líquido conecta, gera fluxos estruturais e constitui potências à vida, compõe as formas de vida e os saberes da população, sobretudo a população ribeirinha. O líquido, no contexto amazônico, traduz a produção do andar a vida dos sujeitos, produz “dobras” no pensamento hegemônico, nos faz olhar para as presenças do lugar. É muito comum olhar a Amazônia como lugar estrutural da falta: falta de assistência, falta de trabalhadores, falta de insumos, descontinuidade do cuidado, baixa eficácia e cobertura dos indicadores.

E se olharmos para as presenças? Como às produções dos ribeirinhos em meio a um território marcado pela dinâmica das águas, onde os rios são caminhos de acesso, de liberdade, de encontros, fonte de alimento, vida e saúde. Eles são fixos e fluxos, superfícies que conectam os seres vivos e os espaços. Na Ciência vigente, há visivelmente uma produção colonialista desse lugar, marcado pela distância do padrão urbano/metropolitano como normalidade no planejamento de políticas e modos de existência77 Schweickardt JC, Ferla AA, Lima RTS, Amorim JSC. O Programa Mais Médicos na saúde indígena: o caso do Alto Solimões, Amazonas, Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2020; 44:e24..

Porém, é nos encontros produtores de afecções, na vida e no trabalho, que se implica nosso modo de pesquisar. As marcas nos corpos em movimento produzem potências de ação, modificam modos de existir e pensar, diferentemente da normatização da vida pela ação biomédica. A abertura ao inusitado do acontecimento abre possibilidades ao imanente no pesquisador. Desse modo, o todo não é a soma das partes. Cada parte se produz e se modifica no encontro, como rizoma1414 Deleuze G, Guattari F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Oliveira AL, Aurélio GN, Célia PC, tradutores. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2011. v. 1.. O território líquido, nessa perspectiva, é um território vivo cuja dinâmica não se submete à representação tecnogeográfica.

É território de encontros do pesquisador, do trabalhador, do usuário, do gestor e de outras gentes amazônicas que se afetam e expandem sua potência. Uma afecção implica a presença do outro e seus efeitos, pois somos movidos pelos movimentos vividos com esse outro. Assim, não há representação ou decalque, mas criação e cartografia, corpos em devir atravessados por acontecimentos que a pesquisa proporciona (o devir como multiplicidade de passagens que modificam/diferenciam a si mesmo, pedindo passagem para outros encontros e produção de novas intensidades)1414 Deleuze G, Guattari F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Oliveira AL, Aurélio GN, Célia PC, tradutores. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2011. v. 1.,1515 Deleuze G, Guattari F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Oliveira AL, Aurélio GN, Célia PC, tradutores. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2011. v. 4..

É nesse cenário que o trabalho vivo em ato55 Merhy EE. Saúde: cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec; 2002. pode ser pensado como um processo agenciado por sujeitos em relação. Como o processo produtivo da saúde é contraditório, o trabalho vivo pode ser capturado pela lógica instrumental de produção do cuidado, o trabalho morto. Mas esse conceito revela a possibilidade que têm os trabalhadores para operar seu trabalho em alto grau de liberdade, exercendo um razoável autogoverno sobre sua atividade produtiva1818 Franco TB. As redes na micropolítica do processo de trabalho em saúde. In: Pinheiro R, Mattos RAD, organizadores. Gestão em redes: práticas de avaliação, formação e participação na saúde. Rio de Janeiro: CEPESC; 2006. p. 459-73..

A captura pelo trabalho morto55 Merhy EE. Saúde: cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec; 2002., no cuidado ou na pesquisa, tem consequências em termos de abrangência e eficácia do que se faz e em termos de realização do trabalhador. O predomínio do trabalho morto, usando a imagem de Ceccim e Ferla1616 Ceccim RB, Ferla AA. Educação e saúde: ensino e cidadania como travessia de fronteiras. Trab Educ Saude. 2008; 6(3):443-56., retira do trabalho a capacidade de travessia de fronteiras, gerando produção identitária e medicalização da vida.

Diferentemente dessa dinâmica, os encontros em Tefé/AM foram trabalho vivo, onde a pesquisa foi dispositivo de cartografar o cuidado e a gestão como desenho de um mapa aberto55 Merhy EE. Saúde: cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec; 2002., o que viabiliza múltiplas conexões nos territórios, um espaço de inventividade, criatividade, sem barrar o desejo (a potência de existir). Esse movimento tem uma capacidade rizomática de reconhecer forças em movimento, abrir linhas de fuga e trabalhar com outras lógicas que não as hegemônicas. São outras produções que podem se conectar com outros territórios de significações dando novos sentidos à produção do cuidado e à pesquisa77 Schweickardt JC, Ferla AA, Lima RTS, Amorim JSC. O Programa Mais Médicos na saúde indígena: o caso do Alto Solimões, Amazonas, Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2020; 44:e24.,1818 Franco TB. As redes na micropolítica do processo de trabalho em saúde. In: Pinheiro R, Mattos RAD, organizadores. Gestão em redes: práticas de avaliação, formação e participação na saúde. Rio de Janeiro: CEPESC; 2006. p. 459-73..

O método é o encontro, o resto são ferramentas1919 Merhy EE, Baduy RS, Seixas CT, Almeida DES, Slomp Junior H. Avaliação compartilhada do cuidado em saúde: surpreendendo o instituído nas redes. Rio de Janeiro: Hexis; 2016. v. 1. - caminhos navegados que atravessam fronteiras

Construir um método é sempre uma etapa relevante da pesquisa. Escolhemos o “encontro”, entendido como uso de tecnologia relacional/leve na produção de conhecimentos, como opção metodológica, de tal forma que, ao mesmo tempo, tivéssemos o desafio de colocar nossos corpos como pontos de registro das descobertas e conectar cada ponto de conexão com o olhar panorâmico dos fenômenos da cena. As escolhas do “caso” em estudo, dos procedimentos de produção e análise dos aspectos oportunos no campo, dos modos de articular a diversidade de olhares e de estruturar o registro cartográfico são parte do caminho metodológico da pesquisa e requerem explicitação e justificativa.

Os encontros dos pesquisadores e autores deste texto aconteceram “em ato”, com gestores e trabalhadores da Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA), no município de Tefé/Amazonas. Compreendemos e reconhecemos, com base em nossas vivências nos territórios amazônicos, que, para pesquisar o acesso da população ribeirinha e aprender com ele, se fez necessário combinar diversas estratégias de investigação que possibilitassem o emergir do cuidado em saúde no cotidiano dos trabalhadores de saúde. O estudo foi aprovado em seus aspectos éticos por meio do parecer número CAEE 99460918.3.0000.5020.

A construção deste artigo foi norteada pela abordagem qualitativa, que nos permitiu experienciar encontros com os trabalhadores de saúde, usuários e gestores com diversas fontes de informações. Entretanto, foram apenas ferramentas, pois elas levavam ao encontro de corpos, de potências, de aprendizados, de cuidado, de existências, como traduzimos a seguir:

Figura 1
Sistematizado pelas autoras e autores - ferramentas utilizadas na pesquisa que viabilizam o encontro (método).

Nenhuma fonte de informação foi definida previamente como a mais importante. Consideramos a potência delas interagindo entre si, na intersecção com nossas vidas e potencializando os encontros, transmutando outros/novos pensamentos. Esses encontros eram atravessados pelo cotidiano dos trabalhadores, as potências dos encontros e do território (usuário-guia e suas redes), as tensões, as vivências, as afecções marcadas nos corpos das pesquisadoras e eram registrados nos diários de campo.

Nossa principal aposta era de produção compartilhada, como aprendizes em um território desconhecido do ponto de vista das produções de existência. E os estranhamentos e atravessamentos de nossas implicações foram reveladores do conhecimento, que toma como elemento principal a experimentação no território. Os mapas de fluxos, rodas de conversas, oficinas, narrativas, diário de campo, entre outros, revelaram-se como pesquisa cartográfica. Fomos mapeando devires: uma criação contínua, um movimento que não existia ainda. O devir jamais será reprodução, imitação, decalque ou interpretação. Os devires mapeados eram os coletivos não por compartilhamento mecânico, mas por efeito de penetrações cruzadas e múltiplas entre os participantes.

Para mapear os devires, nos apossamos da noção do pesquisador in-mundo2020 Gomes MPC, Merhy EE, organizadores. Pesquisadores in-mundo: um estudo da produção de acesso e barreira em saúde mental. Porto Alegre: Rede Unida; 2014. p. 7-23., que implica um mergulho na realidade da vida. In-mundizar-se é uma condição indispensável na produção do conhecimento. O pesquisador in-mundo pressupõe o convite para o outro com todas as implicações epistêmicas que isso significa. A metáfora aqui é que a pesquisa sobre a Amazônia requer um mergulho que desloque as camadas naturalizadas do conhecimento prévio, para que o corpo tenha abertura a novas descobertas.

Outra dimensão na prática de pesquisa é que a observação ou qualquer outra ferramenta não tem somente um caminho. Não estamos em busca de uma verdade absoluta, mas de múltiplos olhares que coexistem. O encontro dos saberes33 Santos BSS. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. 3a ed. São Paulo: Bomtempo; 2008. faz-se na troca e no convívio, considerando o outro como efetivamente sabedor das coisas e não simplesmente como um informante de coisas para um “eu que sabe”.

Desse modo, esse texto foi forjado em inúmeros encontros entre a pesquisa e o cotidiano da vida, do trabalho, da gestão, das aprendizagens no território líquido. Iniciamos o artigo em uma das viagens realizadas no período da seca dos rios. A inspiração veio da viagem de barco recreio (40 horas da capital Manaus até o município de Tefé/AM(h (h) No ano de 2019 foram realizadas cinco viagens até o município. Entretanto as ações desenvolvidas em Tefé/AM ocorrem desde 2017 com o Núcleo de EPS e posteriormente com o PPSUS. Ao todo foram mais de dez viagens. )). Tivemos bastante tempo (cronológico) para pensar as categorias a serem abordadas, além de experimentarmos “em” ato o cotidiano da vida das pessoas que coexistem e produzem o território líquido. Experimento que provocou em nós uma aprendizagem no corpo. Os diversos encontros no território construíram as seguintes categorias empíricas: Gestão e seu processo de trabalho; Profissionais e seus processos de trabalho; Trabalho vivo em ato; Acontecimento em ato; Pesquisadores in-mundos; Fluxos dos pesquisadores; conforme Quadro 1.

Quadro 1
Síntese dos experimentos de pesquisadoras e pesquisadores in-mundos2020 Gomes MPC, Merhy EE, organizadores. Pesquisadores in-mundo: um estudo da produção de acesso e barreira em saúde mental. Porto Alegre: Rede Unida; 2014. p. 7-23..

Entre as atividades realizadas, citamos: oficina de produção de artigos e produção dos mapas, entrevistas, busca de informações dos atendimentos da população ribeirinha nos sistemas de informação local, identificação e visita ao usuário-guia, entrevistas com familiares do usuário-guia e da rede viva2020 Gomes MPC, Merhy EE, organizadores. Pesquisadores in-mundo: um estudo da produção de acesso e barreira em saúde mental. Porto Alegre: Rede Unida; 2014. p. 7-23.. Compartilhamos das vivências na área ribeirinha, as singularidades, as potências e as presenças do cuidado à saúde no território líquido e sistematizamos em produção de textos/narrativas para ser compartilhado no 14º Congresso Internacional da Rede Unida, que ativaram fortemente a vontade dos nossos parceiros de percurso de compartilhar seus fazeres cotidianos.

Os momentos de Educação Permanente em Saúde (EPS) e oficina de escrita funcionaram como catalisadores de autorreconhecimento das potências do cuidado, produzindo registros inusitados. Pensar e escrever sobre o trabalho e se enxergar nele foi a nossa aposta na oficina, permitindo trocas sobre os sentidos do trabalho para os participantes. O escrever para um congresso mobilizou o desejo, foi um dispositivo de impulsionar a criação de si entre os trabalhadores. Ato esse que se rizomatizou em 54 trabalhos aprovados e apresentados.

Para nossa “modelagem” no pesquisar, compartilhada com trabalhadores e usuários, a opção ética, estética e política se expressa no exercício cartográfico das afecções, ou seja, do registro das marcas nos corpos das experimentações. Essas marcas produzem dobras e emergimos em um novo cenário de produção de existência2020 Gomes MPC, Merhy EE, organizadores. Pesquisadores in-mundo: um estudo da produção de acesso e barreira em saúde mental. Porto Alegre: Rede Unida; 2014. p. 7-23.. Essa “dobra do pensamento” se abre para outras linhas, produz outras noções, pensamentos/conhecimentos, criações no campo da existência que se reflete na pesquisa, atravessando as fronteiras entre o ser pesquisador, o ser gestor, o ser usuário e o ser trabalhador, como seres de passagem, de potência de criar.

Considerações finais sobre a pesquisa como descoberta na Amazônia – pistas de uma episteme emergente e insurgente

Figura 2
A potência de criação de pontes outras, que não as convencionais, é matéria que ultrapassa a imagem, são forças de tempo e movimento, são forças de um desejo que potencializam o próprio existir.

Era um sábado qualquer de outubro, mês da vazante, os rios estavam ficando rasos, “não sei se dá para entrar na comunidade”, diz a enfermeira planejando nosso roteiro de viagem a uma comunidade ribeirinha para a eleição do agente comunitário de saúde. Mas “se não der a gente desce da lancha, põe o pé no lodo e vai mesmo assim”. O motor começou a engasgar de tanto capim, alguém lá de cima do barranco acena para pararmos, o motorista encosta a lancha na comunidade vizinha para seguirmos o percurso a pé pela mata (15 minutos de caminhada). De longe avistamos alguém correndo, era o presidente da comunidade que gentilmente ia colocando tábuas de madeira à nossa frente para que não afundássemos na lama. Poderia continuar a narrativa, mas o que esse homem nos ensinou naquele dia (além de uma aula de cidadania, participação social e acolhimento) foi que é possível criar pontes outras que não as convencionais. Pontes que sustentam, que conectam, especialmente carregadas de afectos(i (i) “Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída” (Espinosa, Ética III, Def 3). ) e de invenção, produzindo diferenciação. A travessia de fronteiras jamais é uma jornada solo, é permeada de multidões de nós mesmos compondo com o outro (também multidão) e de inusitados.

Navegar nesse território líquido pode levar o pesquisador à construção de um conhecimento que transforma, compõe, agrega, implica, produz coletividades. Seja esse “outro” um conceito, um autor, uma ponte, uma pessoa, um modo de existência, seja os encantados da Amazônia... aprendemos nessa navegação teórico-metodológica que compor com outros nos faz criar, diferenciar, existir efetuando-se.

O primeiro descortinar na aprendizagem é que a pesquisa é criação implicada nas forças de tempo e de movimento, ou seja, é um banzeiro que modifica as estratificações existentes no pensamento já constituído para se compor na superfície lisa dos encontros. Aprendizagem que produz marcas de alteridade no corpo.

O tempo e as distâncias na Amazônia são plurais. Não se definem pela lógica cronológica ou pela quilometragem. O tempo é medido em dias de viagem. Há um intenso dinamismo e se movimentam o tempo todo, assumindo outros sentidos e significados que não apenas o cronológico2121 Medeiros JS. Caminhos da população ribeirinha: produção de Redes Vivas no acesso aos serviços de urgência e emergência em um município do Estado do Amazonas [dissertação]. Manaus: Instituto Leônidas e Maria Deane; 2020., mas de experimento, de duração, de invenção. Isso nos fez compreender que o cuidado com saúde nesse território ribeirinho incorpora singularidades que não envolvem apenas os aspectos clínicos, coincidentes com a gramática biomédica do usuário.

Nesse sentido, o fazer da pesquisa no território líquido implica uma abertura para as aprendizagens outras que só são possíveis se a pesquisa for implicada com as gentes da Amazônia. A pesquisa é o olhar sensível e de intensidade que sistematiza, que faz descobertas, que dá nome ao que produz ou não as conexões necessárias à integralidade do cuidado, nas práticas da gestão, na formação e na participação em saúde. O conhecimento emerge e transforma, informa e produz novas ondas de cultura e existencialidade.

A segunda aprendizagem é sobre a pesquisa como travessia de fronteiras. Deveríamos experimentar com um tensionamento de nós mesmos, ou seja, com um movimento que nos abra para outras formas de nós mesmos, para que possamos ser capazes de nos produzir, sempre nos diferenciando, nos desterritorializando no campo da vida, em especial da pesquisa1414 Deleuze G, Guattari F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Oliveira AL, Aurélio GN, Célia PC, tradutores. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 2011. v. 1.. Não se vê, com a função fisiológica, a intensidade no território; ela é sentida pelo corpo, inicialmente.

Ao construir pontes que fazem transpor novos limiares de intensidade de nossas forças, como passagens de si mesmo para uma capacidade maior de agir, de uma potência tal que cresce em nós por amor à diferença, como uma produção ética, estética e política acerca do território líquido. O que emerge intensivamente no contato com o outro não é falta da cultura urbana/metropolitana, mas a presença das formas amazônicas de andar a vida. Muitas delas que podem assumir platôs mais intensos de saúde e felicidade com as saúdes das políticas oficiais, por certo.

Para levantar um platô de pensamento da pesquisa (e não definir o conceito) como travessia de fronteiras, há que se considerar a interculturalidade, a singularidade do território, o tempo amazônico, além do diálogo tenso entre racionalidades da Ciência e das práticas de saúde e de pensamento. Arriscamos algumas linhas, um conceito como uma ideia-força de criar em nós memória de futuro, ou seja, daquilo que queremos transmutar na realidade.

Uma produção compartilhada permite atravessar fronteiras entre os diferentes processos identitários estabelecidos na Ciência: entre as profissões, entre setores de políticas públicas, entre diferentes grupos populacionais e os serviços de saúde, as fronteiras movediças entre o rio e a terra firme. Mas, e sobretudo, permite atravessar a fronteira entre o pensamento e a ação1616 Ceccim RB, Ferla AA. Educação e saúde: ensino e cidadania como travessia de fronteiras. Trab Educ Saude. 2008; 6(3):443-56.,2222 Moreira MA, Figueiró R, Ferla AA, Schweickardt JC. Educação permanente em saúde em Tefé/AM: qualificação do trabalho no balanço do banzeiro. Porto Alegre: Rede Unida; 2019. p. 20-30. que pretendem ampliar as saúdes possíveis de viver.

No terceiro movimento de aprendizagem é uma dobra dos anteriores. A necessidade por uma episteme insurgente local que componha com o território líquido, que flua do devir das gentes da Amazônia que constroem cotidianamente os modos de existir no território. Para isso há que se considerar que há epistemologias locais que rompem com os diferentes colonialismos e que dão visibilidade a outras racionalidades e perspectivas. Essas emergências podem ser vitalizadoras dos campos de conhecimento.

Trabalhamos, assim, com territórios entre-espistêmicos: entre a fluidez se produzem nos encontros as intensidades do cuidado, as gentilezas e o andar a vida ribeirinho; entre a produção do acesso à saúde, à integralidade, à participação social, na busca pela qualidade e por políticas de saúde locais. Aprendemos no campo teórico e metodológico que o líquido como metáfora foi o começo: um signo que disparou a reflexão. E que, para a produção científica, ela pedia de nós mais densidade, um conceito, transmutar-se em uma categoria teórica; que ajudasse o pensamento a constituir outro platô. O líquido é sempre uma suspensão, com arranjos sólidos e líquidos, matéria e energia.

Evidentemente que nesse platô epistêmico é fundamental que a pesquisa e seus resultados sejam colocados em diálogo, para que atravessem intensamente as práticas de cuidado, gestão, formação, participação e pesquisa em saúde, quebrando uma certa tendência contemporânea de torná-los monumentos. O diálogo tem sido a base da validação da Ciência pelo menos desde a invenção da escrita. Então, convidamos ao diálogo sobre essas ideias e aventuras. Afinal, no diálogo está uma potência, como no banzeiro, de irrupção de existências que estão ali, mas que frequentemente ficam soterradas pela naturalização do vigente. Mas estão ali e pedem passagem, tornando mais veloz a navegação dos marinheiros que respeitam o rio.

  • (g)
    A pesquisa é coordenada pelo Laboratório de História e Políticas Públicas de Saúde da Amazônia (LAHPSA) e participam alunos de Mestrado, Doutorado, iniciação científica, usuários do SUS, parteiras, trabalhadores e gestores da saúde dos 11 municípios envolvidos. O grupo de pesquisa está localizado no território amazônico, em um lugar considerado periférico pelo ponto de vista da produção.
  • (h)
    No ano de 2019 foram realizadas cinco viagens até o município. Entretanto as ações desenvolvidas em Tefé/AM ocorrem desde 2017 com o Núcleo de EPS e posteriormente com o PPSUS. Ao todo foram mais de dez viagens.
  • (i)
    “Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída” (Espinosa, Ética III, Def 3).

Agradecimentos

À gestão, aos trabalhadores e usuários do SUS do município de Tefé/AM.

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  • Financiamento

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).

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Editado por

Editora
Denise Martin
Editora associada
Aylene Emilia Moraes Bousquat

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2021
  • Aceito
    15 Dez 2021
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