Acessibilidade / Reportar erro

O mosaico dos feminismos africanos: uma abordagem historiográfica de eras políticas

The mosaic of African feminisms: An historiographic approach of political eras

Resumo

A historiografia feminista tradicionalmente é narrada por meio de ondas, que demarcam momentos e agendas da mobilização das mulheres. Essa narrativa, porém, é centrada primariamente nas experiências euro-americanas. Alternativas a essa abordagem têm surgido recentemente como forma de conferir significado aos feminismos de outros lugares, em particular do Sul Global. Os feminismos africanos, mais especificamente, inovam sua historiografia ao chamar a atenção para o colonialismo como eixo analítico das experiências das mulheres do continente. Neste artigo, discuto a proposta de analisar os feminismos africanos a partir de eras políticas centradas no colonialismo. Discuto como as feministas africanas articulam suas interpretações acerca dos movimentos de mulheres no continente vis-à-vis esse eixo analítico e em cada uma das eras políticas. Com essa abordagem, argumento que os feminismos africanos são melhor compreendidos como feminismos em mosaico, dada sua diversidade e multiplicidade de agendas e demandas.

Palavras-chave:
feminismos africanos; mulheres africanas; historiografia feminista

Abstract

Feminist historiography is traditionally narrated through waves, which demarcate moments and agendas of women’s mobilisation. This narrative, however, is primarily centred on Euro-American experiences. Alternatives to this approach have recently emerged as a way of reframing feminist experiences elsewhere, in particular the Global South. African feminists, more specifically, innovate their historiography by drawing attention to colonialism as an analytical axis for women’s experiences on the continent. In this article, I discuss an approach that analyses African feminisms through political eras centred on colonialism. I discuss how African feminists articulate their interpretations of women’s movements on the continent in the face of this analytical axis and in each of the political eras. As a result, I argue that African feminisms are best understood as a mosaic of feminisms, given their diversity and multiplicity of agendas and demands.

Keywords:
African feminisms; African women; feminist historiography

“Até que encontremos uma à outra, estaremos sozinhas.” Hunger (for Audre Lorde), de Adrienne Rich1 1 Disponível integralmente em: https://women-loving-art.tumblr.com/post/613582028787613697/adrienne-rich-hunger-for-audre-lorde

Introdução

A pesquisa feminista recente caracteriza-se por uma pluralidade de perspectivas e abordagens. Uma dita “explosão feminista” (HOLLANDA, 2018HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Explosão Feminista: Arte, Cultura, Política e Diversidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. ) anima diferentes debates sobre temas que envolvem as mulheres em suas diversas experiências, vivências e identidades, ao passo que lança novos projetos feministas, problematiza projetos anteriores, interpela questões conceituais e epistemológicas e assume uma crítica cada vez mais contundente das várias hierarquias do gênero e suas interseccionalidades (COLLINS; BILGE, 2020COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. 2. ed. Cambridge: Polity Press, 2020.). Caracteriza esse momento, outrossim, a diversidade de vozes, o que permite ampliar as frentes analíticas para além das experiências de um único tipo de mulher, buscando incorporar os feminismos negros (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro. São Paulo: Boitempo, 2019.; DAVIS, 2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016. ), caribenhos e latino-americanos (GAGO, 2020GAGO, Verónica. A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo. São Paulo: Editora Elefante, 2020.; GONZÁLEZ, 2020GONZÁLEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020. ; LUGONES, 2010LUGONES, María. Toward a Decolonial Feminism. Hypatia, v. 25, n. 4, p. 742-759, 2010.; MENDOZA, 2018MENDOZA, Breny. Coloniality of Gender and Power: From Postcoloniality to Decoloniality. In: DISCH, Lisa.; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 100-121.; SEGATO, 2016SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Madri: Traficantes de Sueños, 2016.), trans (BETTCHER, 2018BETTCHER, Talia Mae. Intersexuality, Transgender, and Transsexuality. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 407-427.; CONNELL, 2012CONNELL, Raewyn. Transsexual Women and Feminist Thought: Toward New Understanding and New Politics. Signs, v. 37, n. 4, p. 857-881, 2012.), entre vários outros.

Como consequência dessa pluralidade de visões e vozes, é apenas natural que a própria narrativa histórica do feminismo seja questionada e revisada. Tradicionalmente narrada por meio de ondas, a história dos movimentos e teorias feministas seguiria uma trajetória determinada por momentos nos quais certas agendas teriam proeminência (GARCIA, 2011GARCIA, Carla Cristina. Breve História do Feminismo. São Paulo: Claridade, 2011.; HAWKESWORTH; DISCH, 2018HAWKESWORTH, Mary.; DISCH, Lisa. Introduction. Feminist Theory: Transforming the Known World. In: DISCH, L.; HAWKESWORTH, M. (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 1-15.; HAY, 2020HAY, Carol. Think like a feminist: the philosophy behind the revolution. Nova York: Norton & Company, 2020.; ZERILLI, 2006ZERILLI, Linda. Feminist Theory and the Canon of Political Though. In: DRYZEK, John S.; HONIG, Bonnie; PHILLIPS, Anne (org.). The Oxford Handbook of Political Theory. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 106-124.). A divisão mais conhecida subsume a história feminista em três ondas, mas mais contemporaneamente fala-se de uma quarta onda capaz de abraçar as novas vozes e agendas que com elas emergem (MATOS, 2010MATOS, Marlise. Movimento e teoria feminista: é possível reconstruir a teoria feminista a partir do Sul Global? Revista Sociologia e Política, v. 18, n. 36, p. 67-92, 2010.). Entretanto, essa narrativa mascara a complexidade dos movimentos feministas ao colocá-los sob o guarda-chuva de uma história pretensamente comum, como se as várias sociedades do mundo estabelecessem as mesmas agendas e lutas. Ao ressignificar essa narrativa, situando seu locus no eixo euro-americano, feministas contemporâneas têm-se preocupado em demonstrar como o mosaico de feminismos apresenta trajetórias plurais e variadas, que não se reduzem a um único modo de ver e agir no mundo (DELAP, 2022DELAP, Lucy. Feminismos: uma história global. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.).

Nesse contexto, a história dos feminismos africanos é marcadamente distinta daquela oferecida pelas três (ou quatro) ondas. A colonização e seus persistentes efeitos são centrais para a compreensão dos movimentos feministas dentro e fora da academia, no campo e nas cidades, em diferentes culturas, religiões e etnias (MAMA, 2004MAMA, Amina. Demythologising Gender in Development: Feminist Studies in African Contexts. IDS Bulletin, v. 35, n. 4, p. 121-124, 2004.; MEDIE, 2019aMEDIE, Peace A. Introduction: Women, Gender, and Change in Africa. African Affairs, v. 121, n. 485, p. 67-73, 2019a. ; MEKGWE, 2010MEKGWE, Pinkie. Post Africa(n) Feminism? Third Text, v. 24, n. 2, p. 189-194, 2010.; SADIQI, 2010SADIQI, Fatima. Domestic Violence in the African North. Feminist Africa, v. 14, p. 49-62, 2010.; OSSOME, 2020OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 159-170.; OYEWÚMÍ, 2003OYEWÙMÍ, Oyèrónké. Introduction: Feminism, Sisterhood and Other Foreign Relations. In: OYEWÙMÍ, Oyèrónké (ed.). African Women & Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood. Trenton: Africa World Press, 2003. p. 1-24.). Longe de serem um reflexo da narrativa tradicional, os feminismos africanos possuem uma trajetória própria que dialoga com os feminismos internacionais e reage a eles, nomeadamente aos de matriz euro-americana. Recuperar essa história, portanto, é um desiderato da reescrita do próprio feminismo como um conjunto de movimentos, projetos, teorias e perspectivas plurais no tempo e no espaço continental.

A própria terminologia no plural faz jus a tal diversidade de momentos e movimentos na África. Embora não exista um rótulo único de “feminismo africano” que reduza a complexidade das alianças e articulações das mulheres africanas (bem como dos demais sujeitos generificados), a utilização do termo no plural denota as particularidades dessas mulheres, que “têm buscado distinguir [suas] reivindicações como historicamente contingentes, situadas e estruturalmente definidas” (OSSOME, 2020OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 159-170., p. 159).

Portanto, nesse artigo, objetivo propor uma abordagem das histórias dos feminismos africanos a partir do conceito de eras proposto por Ruvimbo Goredema. Nessa concepção, as experiências feministas africanas estão associadas a eras pré, durante e pós-colonial, que, embora não se encerrem em si mesmas, definem questões e momentos característicos aliados às realidades particulares de cada região no continente (GOREDEMA, 2010GOREDEMA, Ruvimbo. African Feminism: The African Women’s Struggle for Identity. African Yearbook of Rhetoric, v. 1, n. 1, p. 33-41, 2010.). Os feminismos africanos, nesse contexto, inserem-se nas eras com questões e experiências particulares das mulheres africanas, inclusive subvertendo categorias de inspiração internacional (por exemplo, a de gênero) (AMADIUME, 2015AMADIUME, Ifi. Male Daughters, Female Husbands: Gender and Sex in an African Society. Londres: Zed Books, 2015.; OYEWÚMÍ, 2021OYEWÙMÍ, Oyèrónké. A Invenção das Mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.). A proposta que delineio visa a apontar rumos analíticos para uma ampla literatura que compreende teorias, movimentos urbanos e rurais, lutas anticoloniais e engajamentos com os feminismos internacionais, em vez de definir uma narrativa para os feminismos na África. Utilizo a ideia de “feminismos em mosaico” de Lucy Delap (2022DELAP, Lucy. Feminismos: uma história global. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.) para montar um quadro analítico que permita navegar problemáticas que a um só tempo caracterizam as múltiplas realidades africanas e suas interrelações com um mundo globalizado e interdependente (LEWIS, 2001LEWIS, Desiree. African feminisms. Agenda: Empowering women for gender equity, v. 16, n. 50, p. 4-10, 2001.; PETERSON; RUNYAN, 1999PETERSON, V. Spike; RUNYAN, Anne Sisson. Global Gender Issues. Boulder: Westview Press, 1999. ).

O artigo está estruturado em quatro seções. Na primeira, retomo a narrativa mainstream das ondas feministas, demarcando sua profunda inspiração nas realidades ocidentais. Em seguida, apresento alternativas a esse discurso que reconhecem a importância de se olhar para os feminismos em sua diversidade global. Na terceira seção, discuto os elementos epistemológicos e temáticos centrais às várias perspectivas feministas do continente africano, para, então, na quarta seção examiná-las à luz de um mosaico analítico de natureza histórico-teórica.

Ondas em praias americanas e européias

O desenvolvimento dos movimentos feministas e, paralelamente, das teorias feministas, é tradicionalmente narrado por meio de ondas, as quais estão vinculadas ao enquadramento do modelo de hifenização. Segundo esse modelo, a teorização feminista está associada às grandes tradições filosóficas do Ocidente, compartilhando afinidades e predicativos, como, por exemplo, feminismo liberal, feminismo socialista, entre outros (HAWKESWORTH; DISCH, 2018HAWKESWORTH, Mary.; DISCH, Lisa. Introduction. Feminist Theory: Transforming the Known World. In: DISCH, L.; HAWKESWORTH, M. (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 1-15.). Alicerçado sobre uma perspectiva cronológica, o modelo de hifenização permite verificar as continuidades e premissas das teorias feministas em suas relações filosóficas com a tradição Ocidental. O palco, portanto, da história da teorização e dos ativismos feministas, é, sobremaneira, a Europa e os Estados Unidos da América.

Os marcos iniciais dessa trajetória euro-americana desenvolvem-se no contexto da Revolução Francesa e seu transbordamento filosófico e intelectual para o resto do eixo transatlântico. Ao proclamarem os direitos dos homens, os revolucionários franceses “esqueceram-se” das mulheres, o que foi denunciado por Olympe de Gouges (2020GOUGES, Olympe de. Avante, mulheres! Declaração dos direitos da mulher e da cidadã e outros textos. São Paulo: Edipro, 2020. ), com sua declaração dos direitos da mulher e da cidadã. Essa revolução dentro da revolução inspirou Mary Wollstonecraft (2016WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos Direitos da Mulher. São Paulo: Boitempo, 2016.) a sistematizar um clamor semelhante em sua Reivindicação dos Direitos da Mulher, publicado na Inglaterra. Ao longo do século seguinte, a ideia de que os direitos e proteções liberais deveriam ser estendidos também às mulheres passou a ser advogado por mais membros da sociedade e da classe política. Filósofos como Charles Fourier e John Stuart Mill defenderam em seus textos e na sua atuação política o direito das mulheres à participação na esfera pública, ainda que limitada pelos arquétipos de feminilidade associados à domesticidade e ao cuidado (DELAP, 2022DELAP, Lucy. Feminismos: uma história global. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.; HAY, 2020HAY, Carol. Think like a feminist: the philosophy behind the revolution. Nova York: Norton & Company, 2020.; MILL, 2017MILL, John Stuart. Sobre a liberdade e a sujeição das mulheres. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. ). Em larga medida, os movimentos das sufragistas na Inglaterra e na França estão associados a essas perspectivas de acesso à esfera pública sob uma visão liberal e republicana, mais do que a uma problematização dos lugares da mulher. Nesse sentido, a primeira onda feminista ocidental inspira-se fundamentalmente nos ideais iluministas e liberais, sem engajar-se mais profundamente com os significados sociais das hierarquias entre homens e mulheres.

Esse questionamento torna-se central na segunda onda do feminismo ocidental, principalmente a partir das publicações das obras O segundo sexo, de Simone de Beauvoir (2019BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019. 904p.) e A mística feminina, de Betty Friedan (2020FRIEDAN, Betty. A mística feminina. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020. ). O marco temporal dessas obras orbita ao redor dos movimentos sociais de contracultura de meados do século XX, quando a efervescência intelectual nos EUA e na Europa aprofundou questionamentos sobre as diversas modalidades de opressão social pelas quais determinados grupos passam. As feministas dessa onda interrogam-se sobre as variadas hierarquias sociais enfrentadas pelas mulheres, investigando como elas são construídas e sustentadas para o benefício dos homens (ZERILLI, 2006ZERILLI, Linda. Feminist Theory and the Canon of Political Though. In: DRYZEK, John S.; HONIG, Bonnie; PHILLIPS, Anne (org.). The Oxford Handbook of Political Theory. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 106-124.). A distinção sexo/gênero - o primeiro, um fato biológico; o segundo, uma construção social - emerge como a principal chave analítica para compreender tais hierarquias, investigar as relações de subordinação entre homens e mulheres, bem como a própria constituição dos papéis sociais de cada gênero e a estruturação dos espaços público e privado nessa ordem social (BIROLI, 2018BIROLI, Flávia. Gênero e Desigualdades: Limites da Democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018.; OKIN, 2008OKIN, Susan Moller. Gênero, o público e o privado. Estudos Feministas, v. 16, n. 2, p. 305-332, 2008.; PATEMAN, 1993PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. São Paulo: Paz e Terra, 1993.; VIGOYA, 2018VIGOYA, Mara Viveros. Sex/Gender. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 852-873.).

A que pesem os avanços da segunda onda frente à primeira, o enfoque centrado nas categorias homem e mulher se mostrou insuficiente para interrogar a complexidade das hierarquias sociais entre indivíduos associadas ao gênero e ao poder (BUTLER, 2016BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. 12. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.), bem como a suas interações com outras clivagens sociais, nomeadamente a classe e a raça (COLLINS; BILGE, 2020COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. 2. ed. Cambridge: Polity Press, 2020.; DAVIS, 2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016. ; HARTSOCK, 1985HARTSOCK, Nancy C. M. Money, Sex, and Power: Towards a Feminist Historical Materialism. Boston: Northeastern University Press, 1985. ). Nos EUA, o feminismo desenvolvido por mulheres afro-americanas e migrantes (principalmente, as latinas) encontrava-se em um espaço marginalizado frente a discussões que tangiam tão somente as mulheres brancas, de classe média e heterossexuais (COOPER, 2018COOPER, Brittney. Intersectionality. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 385-406.; HAY, 2020HAY, Carol. Think like a feminist: the philosophy behind the revolution. Nova York: Norton & Company, 2020.). Ao mesmo tempo, a exclusão de indivíduos LGBTQIA+ dos debates feministas sinalizava a incompletude de um movimento e de um conjunto de teorias que pareciam ser cegos à diversidade de experiências daqueles que não se encaixavam na ordem heteronormativa (CAMERON, 2019CAMERON, Deborah. Feminismo. Madri: Alianza Editorial, 2019.; RUPP; THOMSEN, 2018RUPP, Leila J.; THOMSEN, Carly. Sexualities. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 894-914.). As feministas da terceira onda passam, então, a engajar-se com uma literatura que submete ao escrutínio as diversas manifestações do poder - destacando-se aqui Michel Foucault -, situando a masculinidade e a ordem de gênero como elementos estruturantes do poder e das hierarquias sociais e de gênero (CONNELL, 2005CONNELL, Raewyn W. Masculinities. 2. ed. Berkeley: University of California Press, 2005.; ZERILLI, 2006ZERILLI, Linda. Feminist Theory and the Canon of Political Though. In: DRYZEK, John S.; HONIG, Bonnie; PHILLIPS, Anne (org.). The Oxford Handbook of Political Theory. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 106-124.). Pari passu, uma parcela significativa dessas feministas questiona criticamente os pressupostos analíticos e teóricos da segunda onda, nomeadamente a distinção entre sexo e gênero, assim como a rigidez da definição de identidades (BUTLER, 2016BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. 12. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.; PHILLIPS, 1998PHILLIPS, Anne. The Politics of Presence. Oxford: Oxford University Press, 1998. ; YOUNG, 2000YOUNG, Iris Marion. Inclusion and Democracy. Oxford: Oxford University Press, 2000. ).

Essa breve narrativa das ondas aponta as próprias dificuldades que ela enseja. Primeiramente, mesmo circunscrevendo-se às realidades européia e americana, elas subsumem em ideias e ideais gerais a complexidade temporal e espacial dos movimentos e teorizações feministas. Isso é ainda mais evidente a partir da segunda onda, quando uma variedade de agendas em diversas disciplinas emerge, demonstrando que, por mais que compartilhem de certos princípios, estes estão longe de ser consensuais e definitivos. A terceira onda é mais categórica nesse aspecto: ao questionar os pressupostos das ondas anteriores e ao pluralizar as visões, experiências e vivências dos indivíduos, ela demonstrou que a ideia de uma história única ou quase única é ilusória.

Em segundo lugar, a problematização da categoria mulher, denunciando seu locus analítico dentro de um conjunto de experiências específicas, sinaliza o quanto dentro do Ocidente existem realidades não-ocidentais. Na verdade, um dos grandes avanços dos movimentos feministas marginalizados dentro dos EUA e da Europa acontece justamente quando eles demonstram haver um “Terceiro Mundo” ou “Sul Global” coexistindo com um grupo dominante (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro. São Paulo: Boitempo, 2019.; HAWKESWORTH; DISCH, 2018HAWKESWORTH, Mary.; DISCH, Lisa. Introduction. Feminist Theory: Transforming the Known World. In: DISCH, L.; HAWKESWORTH, M. (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 1-15.; HAY, 2020HAY, Carol. Think like a feminist: the philosophy behind the revolution. Nova York: Norton & Company, 2020.; HOOKS, 2019HOOKS, Bell. Olhares Negros: Raça e Representação. São Paulo: Elefante, 2019.). Isso chama a atenção para outras perspectivas que foram excluídas dos desdobramentos das ondas, apontando, mais uma vez, que elas são só uma parte da história feminista, parte essa que não abraça a variedade das experiências e resistências.

Completa essa crítica a exclusão dos movimentos feministas e anticoloniais do Sul Global. O provocativo ensaio de Gayatri Chakravorty Spivak (2010SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.), Pode o subalterno falar?, examina as formas como a gramática colonial condiciona o sujeito do Sul Global a um estado de permanente subalternidade, no qual ao subalterno é negada a possibilidade de articular sua fala e seu pensamento sobre si. Em linha semelhante, Mohanty (2003MOHANTY, Chandra Talpade. Feminism without Borders: Decolonizing theory, practiting solidarity. Durham: Duke University Press, 2003. ) aponta como o próprio feminismo ocidental assume uma postura de tutela neocolonial sobre os feminismos do Sul Global, evidenciando as inconsistências com o suposto lema de liberação feminista. Essas perspectivas críticas sinalizam a necessidade de se pluralizarem as narrativas sobre as diversas trajetórias feministas, buscando, simultaneamente, apontar e reconhecer as convergências e divergências entre diferentes movimentos e teorias.

Pluralizando a narrativa dos feminismos

Diante da insuficiência historiográfica, teórica e política da narrativa das ondas feministas, abordagens alternativas têm procurado recuperar a diversidade de movimentos, objetivando construir múltiplas narrativas, fundadas em agendas plurais, sobre os feminismos no mundo.2 2 Isso não significa que a narrativa de ondas esteja em desuso. Pinto (2003, 2010), por exemplo, adapta os momentos definidos pelas três ondas para explicar o desenvolvimento dos movimentos feministas no Brasil, especialmente à luz do momento ditatorial de meados do século XX. Matos (2010) apóia-se nessa narrativa e postula a existência de uma quarta onda no país e na América Latina. Esses exemplos demonstram que é possível utilizar a narrativa das ondas feministas para explicar os feminismos nacionais, porém a necessidade de ajustá-las às particularidades locais aponta como ela não é suficiente para fornecer uma história autóctone do feminismo. Nesta seção, discuto algumas dessas narrativas e movimentos importantes que ressignificam as trajetórias feministas.

De antemão, a internacionalização do feminismo adquire contornos mais concretos a partir das Conferências Mundiais da Mulher realizadas sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU). Entre 1975 e 1985, foi estabelecida a Década da Mulher, e uma das premissas fundamentais deste evento consistia em articular, em foros internacionais quinquenais, as feministas das diversas partes do mundo (BUNCH, 2012BUNCH, Charlotte. Opening Doors for Feminism: UN World Conferences on Women. Journal of Women’s History, v. 24, n. 4, p. 213-221, 2012.). A iniciativa colocou pela primeira vez mulheres de diferentes nacionalidades para tratarem de temas caros a elas, estabelecendo amplas agendas feministas internacionais. Da Cidade do México (1975), Copenhague (1980), Nairóbi (1985) e Pequim (1995, essa realizada 10 anos depois de finda a Década da Mulher), emergiram declarações e programas de ação que cristalizam as visões plurais acerca das lutas feministas.

Um escrutínio desses documentos evidencia as diferenças marcantes entre feministas do primeiro, segundo e terceiro mundo nos anos da Década da Mulher: se de um lado as americanas e européias ocidentais advogavam por agendas informadas pelos resultados da primeira e segunda ondas feministas, do outro lado as feministas do bloco socialista e dos países não-alinhados na América Latina, África e Ásia tinham preocupações absolutamente distintas (BONFIGLIOLI, 2016BONFIGLIOLI, Chiara. The First Un World Conference on Women (1975) as a Cold War Encounter: Recovering Anti-Imperialist, Non-Aligned and Socialist Genealogies. Filozofija i Društvo, v. XXVII, n. 3, p. 521-541, 2016.; GHODSEE, 2010GHODSEE, Kristen. Revisting the United Nations Decade for Women: Brief reflections on feminism, capitalism and Cold War politics in the early years of the international women’s movement. Women’s Studies International Forum, v. 33, p. 3-12, 2010.; LENINE; ONCAMPO, 2020LENINE, Enzo; ONCAMPO, Locarine. Recuperando a justiça de gênero e a África nas Conferências Mundiais da Mulher. Meridiano 47, v. 21, n. 47, e21009, 2020.). Essas diferenças denotavam as várias trajetórias, vez que no segundo e terceiro mundos as preocupações se centravam em questões de desenvolvimento, violência contra a mulher, saúde, Apartheid, entre outros. Bunch (2012BUNCH, Charlotte. Opening Doors for Feminism: UN World Conferences on Women. Journal of Women’s History, v. 24, n. 4, p. 213-221, 2012.) relata que, para as feministas dos países em desenvolvimento, “falar de feminismo com uma mulher que não tem água, comida e casa é falar bobagem” (BUNCH, 2012BUNCH, Charlotte. Opening Doors for Feminism: UN World Conferences on Women. Journal of Women’s History, v. 24, n. 4, p. 213-221, 2012., p. 216), o que demonstra a incompatibilidade de agendas e a impossibilidade de uma agenda única. Não por acaso, os documentos que emergem dessas conferências são plurais em suas agendas e prioridades, com um especial foco em questões materiais que afligiam as mulheres do segundo e terceiro mundos - algo que começa a se modificar a partir da quarta conferência, já realizada em um contexto de pós Guerra Fria e na qual passam a prevalecer os interesses das agendas feministas ocidentais (GHODSEE, 2010GHODSEE, Kristen. Revisting the United Nations Decade for Women: Brief reflections on feminism, capitalism and Cold War politics in the early years of the international women’s movement. Women’s Studies International Forum, v. 33, p. 3-12, 2010.).

As Conferências Mundiais, com seus choques de agendas, demonstram a existência de muitas outras questões de interesses das feministas do que aquelas sintetizadas pela narrativa das três ondas. Esse cenário não é diferente na produção acadêmica e teorização feminista: se desde as feministas socialistas as preocupações envolviam questões de igualdade material e simbólica entre homens e mulheres, principalmente sob a chave da classe trabalhadora (PARADIS, 2018PARADIS, Clarisse Goulart. A prostituição no marxismo clássico: crítica ao capitalismo e à dupla moral burguesa. Estudos Feministas, v. 26, n. 3, e44805, 2018.; URSO, 2017URSO, Graziela Schneider (org.). A Revolução das Mulheres: Emancipação feminina na Rússia soviética. São Paulo: Boitempo, 2017. ), no Terceiro Mundo da Guerra Fria - e, hoje, no Sul Global - outras perspectivas se desenvolveram como reflexo das realidades locais de sociedades multiétnicas, plurinacionais, coloniais e pós-coloniais, imersas em profundos problemas de subdesenvolvimento e conflitos civis e internacionais (BALLESTRIN, 2017BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragaão. Feminismos Subalternos. Estudos Feministas, v. 25, n. 3, p. 1035-1054, 2017. ; GAGO, 2020GAGO, Verónica. A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo. São Paulo: Editora Elefante, 2020.; GONZÁLEZ, 2020GONZÁLEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020. ; LUGONES, 2010LUGONES, María. Toward a Decolonial Feminism. Hypatia, v. 25, n. 4, p. 742-759, 2010.; MENDOZA, 2018MENDOZA, Breny. Coloniality of Gender and Power: From Postcoloniality to Decoloniality. In: DISCH, Lisa.; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 100-121.; MOHANTY, 2003MOHANTY, Chandra Talpade. Feminism without Borders: Decolonizing theory, practiting solidarity. Durham: Duke University Press, 2003. ; PINTO, 2010PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, História e Poder. Revista Sociologia e Política, v. 18, n. 36, p. 15-23, 2010.; SEGATO, 2016SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Madri: Traficantes de Sueños, 2016.; OYEWÚMÍ, 2003OYEWÙMÍ, Oyèrónké. Introduction: Feminism, Sisterhood and Other Foreign Relations. In: OYEWÙMÍ, Oyèrónké (ed.). African Women & Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood. Trenton: Africa World Press, 2003. p. 1-24.). Tantas são as abordagens, teorias e práticas feministas quantos são os problemas de suas sociedades, não se reduzindo a uma única agenda internacional.

Nesse contexto, as alternativas para narrar esses feminismos que são, a um só tempo, locais e globais, adotam diferentes estratégias. Hawkesworth e Disch (2018HAWKESWORTH, Mary.; DISCH, Lisa. Introduction. Feminist Theory: Transforming the Known World. In: DISCH, L.; HAWKESWORTH, M. (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 1-15.), por exemplo, rechaçam modelos taxonômicos que mascaram agendas ideológicas sobre os múltiplos desenvolvimentos do feminismo. Mesmo sem apresentarem uma proposta esquemática definitiva, por julgar que “qualquer esforço dessa natureza está fadado a ser incompleto, ou, pior, pernicioso ao privilegiar determinadas abordagens feministas como mais sofisticadas teoricamente, mais radicais ou mais críticas do que outras” (HAWKESWORTH; DISCH, 2018HAWKESWORTH, Mary.; DISCH, Lisa. Introduction. Feminist Theory: Transforming the Known World. In: DISCH, L.; HAWKESWORTH, M. (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 1-15., p. 4), as autoras identificam:

[T]rês características comuns à teoria feminista no final do século XX e no século XXI: (1) esforços para desnaturalizar aquilo que se passa por diferença, (2) esforços para desafiar a aspiração de se produzir conhecimento universal e imparcial, e (3) esforços para engajar a complexidade das relações de poder por meio da análise interseccional. (HAWKESWORTH; DISCH, 2018HAWKESWORTH, Mary.; DISCH, Lisa. Introduction. Feminist Theory: Transforming the Known World. In: DISCH, L.; HAWKESWORTH, M. (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 1-15., p. 4).

Com essa abordagem, as autoras conseguem não só elencar diferentes temas como também mobilizar as perspectivas de autoras feministas de diferentes matrizes intelectuais, locais geográficos e momentos históricos. Essa abordagem cria um “feminismo de mosaico”, definido por Delap como:

construído a partir de fragmentos herdados, mas oferecendo imagens e padrões distintos. Tal como os mosaicos, a visão de longe e a leitura atenta dos feminismos podem fornecer uma perspectiva muito diferente. E, do mesmo modo, as coalizões feministas foram construídas a partir dos elementos disponíveis - outros movimentos, indivíduos comprometidos, ações e ideias. (DELAP, 2022DELAP, Lucy. Feminismos: uma história global. São Paulo: Companhia das Letras, 2022., p. 24).

A visão em mosaico permite interrogar-se acerca da estabilidade do próprio mosaico e como esse é desestabilizado ou corroído. Como os movimentos feministas não ocorrem em um vazio, entrelaçando-se em seus contatos e atritos, a ideia de compreendê-los em sua complexidade temática, epistemológica, metodológica e prática requer examiná-los a partir das suas interações materiais e simbólicas. No contexto de feminismos marginalizados, especialmente dos que emergem das lutas de mulheres latino-americanas, africanas, indígenas, asiáticas, migrantes no Norte Global etc., reconhecer a sua existência como parte das trajetórias feministas é parte essencial na construção do mosaico e no processo de entrelaçamento de suas histórias.

Precisamente diante de tal possibilidade, reconstruir os feminismos africanos perpassa interrogar-se criticamente sobre a narrativa das ondas feministas e procurar alternativas para escrever e entrelaçar suas histórias (GOREDEMA, 2010GOREDEMA, Ruvimbo. African Feminism: The African Women’s Struggle for Identity. African Yearbook of Rhetoric, v. 1, n. 1, p. 33-41, 2010.; MEDIE, 2019aMEDIE, Peace A. Introduction: Women, Gender, and Change in Africa. African Affairs, v. 121, n. 485, p. 67-73, 2019a. ; MEKGWE, 2010MEKGWE, Pinkie. Post Africa(n) Feminism? Third Text, v. 24, n. 2, p. 189-194, 2010.). Nesse processo, múltiplos caminhos analíticos são necessários para enfatizar as complexas relações sociais dos diferentes povos africanos, bem como das próprias feministas africanas e suas interpretações sobre o continente.

Feminismos na África: um mosaico dentro do mosaico feminista

A diversidade social, religiosa, cultural, geográfica e geopolítica da África produz um caleidoscópio de movimentos e alianças entre mulheres africanas. Nesse mosaico contextual, é apenas natural que os feminismos africanos constituam um mosaico próprio, repleto de interações por vezes cooperativas, por vezes tensas (OSSOME, 2020OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 159-170.). Acrescente-se a isso o fato de que os olhares das mulheres africanas são influenciados não só por suas perspectivas autóctones, como também por seu entrelaçamento com os feminismos internacionais (MEDIE, 2019aMEDIE, Peace A. Introduction: Women, Gender, and Change in Africa. African Affairs, v. 121, n. 485, p. 67-73, 2019a. ), o pan-africanismo (RABAKA, 2020RABAKA, Reiland. Introduction: On the intellectual elasticity and political plurality of Pan-Africanism. In: RABAKA, Reiland (ed.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 1-32.), o Islã (BADRAN, 2001BADRAN, Margot. Locating feminisms: The collapse of secular and religious discourses in Mashriq. Agenda: Empowering women for gender equity, v. 16, n. 5, p. 41-57, 2001.), o pós-colonialismo e a decolonialidade (LEWIS, 2001LEWIS, Desiree. African feminisms. Agenda: Empowering women for gender equity, v. 16, n. 50, p. 4-10, 2001.).

As particularidades das realidades africanas levaram as estudiosas dos movimentos de mulheres a preocuparem-se em reconstruir as bases epistemológicas e empíricas com vistas a reescrever a própria África (DOVE, 1998DOVE, Nah. African Womanism: An Afrocentric Theory. Journal of Black Studies, v. 28, n. 5, p. 515-539, 1998.; NNAEMEKA, 2003NNAEMEKA, Obioma. Nego-Feminism: Theorizing, Practicing, and Pruning Africa’s Way. Signs, Chicago, v. 29, n. 2, p. 357-385, 2003.; OYEWÙMÍ, 2003OYEWÙMÍ, Oyèrónké. Introduction: Feminism, Sisterhood and Other Foreign Relations. In: OYEWÙMÍ, Oyèrónké (ed.). African Women & Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood. Trenton: Africa World Press, 2003. p. 1-24.). Essa preocupação se mostrou necessária para confrontar as impressões ocidentais e de cunho neocolonial sobre os povos africanos, de modo mais geral, e sobre as mulheres africanas, mais especificamente, resultando em dois movimentos simultâneos: (1) a reescrita das histórias das mulheres nas várias sociedades africanas; e (2) a subversão dos conceitos feministas, destacando-se o gênero.

Reescrever a história pode, a princípio, parecer um esforço hercúleo e fadado a recair no reducionismo. Porém, Dove (1998DOVE, Nah. African Womanism: An Afrocentric Theory. Journal of Black Studies, v. 28, n. 5, p. 515-539, 1998.) e Nnameka (2003NNAEMEKA, Obioma. Nego-Feminism: Theorizing, Practicing, and Pruning Africa’s Way. Signs, Chicago, v. 29, n. 2, p. 357-385, 2003.) apontam que, apesar da diversidade étnica e cultural do continente, pode-se assumir que “existe uma base de valores, atitudes e instituições compartilhadas que une as nações ao sul do Saara e, em muitos aspectos, as do norte também” (ETOUNGA-MANGUELLE, 2000ETOUNGA-MANGUELLE, Daniel. Does Africa Need a Cultural Adjustment Program? In: HARRISON, Lawrence E.; HUNTINGTON, Samuel P. (org.). Culture Matters: How Values Shape Human Progress. Nova York: Basic Books, 2000. p. 65-77., p. 67). Com base nessa premissa, a construção de uma historiografia das mulheres africanas envolve uma espécie de arqueologia das relações políticas e sociais no continente em diversos momentos no tempo. Nesse processo, as relações entre África e Europa assumem destaque, especialmente como forma de contrastar as realidades daquela em relação a esta e explicar o presente africano como consequência da dominação europeia.

A reconstituição arqueológica das relações sociais e políticas frequentemente aponta que as sociedades africanas pré-colonização caracterizavam-se por estruturas matriarcais e matrilineares, nas quais determinados direitos (como, por exemplo, de herança) eram passados pelas mães (AMADIUME, 1997AMADIUME, Ifi. Re-inventing Africa: Matriarchy, religion and culture. Londres: Zed Books, 1997.; DOVE, 1998DOVE, Nah. African Womanism: An Afrocentric Theory. Journal of Black Studies, v. 28, n. 5, p. 515-539, 1998.; OYEWÙMÍ, 2021OYEWÙMÍ, Oyèrónké. A Invenção das Mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.). Citando o Kemet (antigo Egito) como exemplo de tal sociedade matriarcal em um passado distante, Dove (1998DOVE, Nah. African Womanism: An Afrocentric Theory. Journal of Black Studies, v. 28, n. 5, p. 515-539, 1998.) chama a atenção para as diferentes estruturas sociais africanas que tenderiam a ser mais igualitárias nas relações entre homens e mulheres. Com a colonização, as modalidades de discriminação contra as mulheres características da Europa teriam sido impostas sobre os povos africanos, e o ingrediente racial, adicionado como parte desse processo, acabaria por prejudicar ainda mais a situação das africanas. Dove percebe esse fenômeno como:

conquistas do matriarcado pelo patriarcado. A dominação de mulheres, homens e crianças africanas por mulheres, homens e crianças europeus leva à potencial subjugação das mulheres africanas por homens e mulheres brancos, bem como por homens africanos. Sob esse prisma, é possível entender como a imposição de valores ocidentais às relações mais igualitárias mulher-homem do povo africano é tão insidiosa, especialmente quando a humanidade é obrigada a ver essa condição como progressiva, universal e natural. (DOVE, 1998DOVE, Nah. African Womanism: An Afrocentric Theory. Journal of Black Studies, v. 28, n. 5, p. 515-539, 1998., p. 523).

Esse argumento é desenvolvido em mais profundidade no estudo da sociedade iorubá de Oyèrónké Oyewùmí (2021OYEWÙMÍ, Oyèrónké. A Invenção das Mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.). Oyewùmí desfere uma crítica profunda aos modelos ocidentais de estudos africanos, nos quais permeiam conceitos importados das teorias de matriz euro-americana. No caso dos estudos de gênero, a importação desse conceito para compreender as sociedades africanas acaba por importar, outrossim, “a centralidade do corpo na construção da diferença” (OYEWÙMÍ, 2021OYEWÙMÍ, Oyèrónké. A Invenção das Mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021., p. 30), uma abordagem flagrantemente ocidental. Essa centralidade confere proeminência à biologia como marcador da diferença e unidade analítica, perante a qual o social se constrói, agindo e reagindo aos fatos biológicos. As categorias homem e mulher emanam dessa biologização do social, e, ao elidirem outras possibilidades interpretativas, propagam uma versão universal e universalizante da realidade: “devido ao imperialismo, esse debate foi universalizado para outras culturas; e seu efeito imediato é introduzir problemas ocidentais onde tais questões originalmente não existiam” (OYEWÙMÍ, 2021OYEWÙMÍ, Oyèrónké. A Invenção das Mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021., p. 37). A argumentação, por conseguinte, consiste em demonstrar que o gênero como conceito foi importado como parte do processo de colonização, não existindo anteriormente na sociedade iorubá, na qual outros marcadores sociais (como a idade, por exemplo) adquiriam mais relevância. Em linha semelhante, Amadiume (2015AMADIUME, Ifi. Male Daughters, Female Husbands: Gender and Sex in an African Society. Londres: Zed Books, 2015.) desconstrói as leituras ocidentais acerca das sociedades africanas para demonstrar como outras clivagens sociais (nomeadamente, a idade) assumiam maior importância dentro das estruturas sociais, a ponto de o gênero poder ser transgredido, como na figura da mulher-marido. Na verdade, um dos principais achados do estudo antropológico de Amadiume - contestado por Anne McClintock (1993MCCLINTOCK, Anne. The Angel of Progress: Pitfalls of the Term ‘Post-Colonialism’. In: WILLIAMS, Patrick; CHRISMAN, Laura (org.). Colonial Discourse and Postcolonial Theory. Nova York: Harvester Wheatsheaf, 1993. p. 291-304. ) - é de que o gênero era suficientemente flexível para permitir que homens e mulheres tivessem iguais oportunidades de acesso às estruturas de poder.

Essas perspectivas são delineadas em contornos afrocentrados, dos quais emerge a crítica aos feminismos ocidentais. Outros desenvolvimentos seguiram essa mesma matriz, repercutindo em críticas mais contundentes contra as feministas euro-americanas e suas campanhas internacionais, rejeitando, inclusive, o termo feminismo para definir seu pensamento teórico e sua ação política. African Womanism (OGUNYEMI, 1985OGUNYEMI, Chikwenye Okonjo. Womanism: The Dynamics of the Contemporary Black Female Novel in English. Signs, v. 11, n. 1, p. 63-80, 1985.), mulherismo africana (HUDSON-WEEMS, 2021HUDSON-WEEMS, Cleonora. Mulherismo Africana: Recuperando a nós mesmos. São Paulo: Editora Ananse, 2021.), stiwanism3 3 Sigla para Social Transformation Including Women in Africa (Transformação Social Incluindo Mulheres na África, tradução livre). (OGUNDIPE-LESLIE, 1994OGUNDIPE-LESLIE, Molara. Re-Creating Ourselves: African Women & Critical Transformations. Trenton: Africa World Press, 1994. ) e motherism (ACHOLONU, 1995ACHOLONU, Chaterine Obianuju. Motherism: The Afrocentric Alternative to Feminism. Owerri: Afa Publications, 1995.) são algumas das abordagens afro-centradas que visam priorizar o olhar para a África a partir da África, recuperando as histórias das mulheres do continente nos diferentes momentos do tempo, sem perder de vista os efeitos que a interação com a Europa, principalmente a partir da colonização, produziu nas sociedades locais.

O afro-centrismo foi responsável por situar temas importantes para os povos africanos, mas que encontravam resistência e/ou condenação nos feminismos ocidentais. O tema da maternidade, por exemplo, é marcante nas perspectivas africanas (principalmente no motherism), sendo evocado constantemente como um elemento constituinte fundamental das sociedades locais (AMADIUME, 1997AMADIUME, Ifi. Re-inventing Africa: Matriarchy, religion and culture. Londres: Zed Books, 1997.; OGUNDIPE-LESLIE, 1994OGUNDIPE-LESLIE, Molara. Re-Creating Ourselves: African Women & Critical Transformations. Trenton: Africa World Press, 1994. ). Da mesma maneira, a relação com os homens - profundamente complexa nos feminismos ocidentais (DELAP, 2022DELAP, Lucy. Feminismos: uma história global. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.) - é vista como essencial para transformar o continente africano, não os encarando como antagonistas dos movimentos de mulheres africanas, mas, sobretudo, como parceiros na construção da África pelas africanas e pelos africanos (MEKGWE, 2006MEKGWE, Pinkie. Theorizing African Feminism(s): The Colonial ‘Question’. Quest: An African Journal of Philosophy, v. XX, n. 1-2, p. 11-22, 2006.).

Essas abordagens enfrentaram duras críticas por parte das teóricas feministas africanas que se vinculavam a agendas mais dialógicas com os arcabouços epistemológicos dos feminismos desenvolvidos no eixo euro-americano (MEDIE, 2019aMEDIE, Peace A. Introduction: Women, Gender, and Change in Africa. African Affairs, v. 121, n. 485, p. 67-73, 2019a. ; OSSOME, 2020OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 159-170.). Se, de um lado, há um reconhecimento de que a retomada de uma arqueologia pré-colonial é passo fundamental na reconstrução das leituras autóctones sobre as sociedades africanas, de outro há suspeitas sobre a idealização das realidades sociais professadas pela visão afro-centrada (EZE, 2006EZE, Chielozona. African Feminism: Resistance or Resentment. Quest: An African Journal of Philosophy, v. XX, n. 1-2, p. 97-118, 2006.). Ademais, a própria redução de diferentes perspectivas feministas (liberal, socialista, radical entre outras) sob o rótulo de “ocidentais”, mascara a complexidade das várias contribuições feministas e como estas podem ser apropriadas pelos contextos africanos e reajustadas a eles (MEKGWE, 2006MEKGWE, Pinkie. Theorizing African Feminism(s): The Colonial ‘Question’. Quest: An African Journal of Philosophy, v. XX, n. 1-2, p. 11-22, 2006.). Nesse sentido, embora necessárias em suas críticas, as alternativas afro-centradas alicerçam-se em uma caricatura dos feminismos ocidentais, com efeitos deletérios para a própria construção teórica e epistemológica dos feminismos africanos. Como sugere Mekgwe:

O ponto crucial que isso levanta para teorizar o feminismo africano é a necessidade de adotar um modelo teórico capaz de conter as diversas posições; um modelo que seja fluido sem ser tão pluralista a ponto de desafiar a sua definição. Na minha opinião, enquanto as teorias do feminismo africano permanecerem ‘reacionárias’ e definidas ‘contra’ o feminismo ocidental, elas provavelmente não irão além de ‘sugerir a visão de um futuro mais livre’, porque elas estão principalmente ligadas a uma noção elusiva de uma história comum do colonialismo para sua própria definição. Além disso, o que muitas teóricas do feminismo africano falharam em identificar como paradoxalmente definidor e obstáculo é o próprio termo ‘África(no)’. Um questionamento deste termo como tem sido usado no discurso feminista e no ativismo da mulher africana é necessário para o desenvolvimento de uma teoria feminista que não seja estagnada nem paroquial, mas crucialmente relevante, não para uma África denotada por tempo preposicional (pós-colonial), mas para a África atual. Enquanto a África ainda se define contra o Ocidente da mesma forma que o Ocidente, desde a era colonial, construiu a África como um ‘outro’, a África ainda está enredada em uma ‘armadilha colonial’ e ainda não alcançou a autodefinição e, por conseguinte, total independência. (MEKGWE, 2006MEKGWE, Pinkie. Theorizing African Feminism(s): The Colonial ‘Question’. Quest: An African Journal of Philosophy, v. XX, n. 1-2, p. 11-22, 2006., p. 21-22)

A superação da armadilha colonial tem-se dado, em larga medida, pelo reconhecimento das limitações das abordagens afro-centradas, buscando incorporar o contencioso e criticado conceito de gênero (APUSIGAH, 2006APUSIGAH, Agnes Atia. Is Gender Yet Another Colonial Project? A critique of Oyeronke Oyewumi’s proposal. Quest: An African Journal of Philosophy, v. XX, n. 1-2, p. 23-44, 2006.; MEDIE, 2019aMEDIE, Peace A. Introduction: Women, Gender, and Change in Africa. African Affairs, v. 121, n. 485, p. 67-73, 2019a. ) e uma ampla agenda de direitos das mulheres, democracia, desenvolvimento e justiça (FIGUEIREDO; GOMES, 2016FIGUEIREDO, Angela; GOMES, Patrícia Godinho. Para Além dos Feminismos: Uma experiência comparada entre Guiné-Bissau e Brasil. Estudos Feministas, v. 24, n. 3, p. 909-927, 2016.; LEWIS, 2006LEWIS, Desiree. Discursive Challenges for African Feminisms. Quest: An African Journal of Philosophy, v. XX, n. 1-2, p. 77-96, 2006.; MAMA, 2004MAMA, Amina. Demythologising Gender in Development: Feminist Studies in African Contexts. IDS Bulletin, v. 35, n. 4, p. 121-124, 2004.; OSSOME, 2020OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 159-170.; TRIPP, 2015TRIPP, Aili Mari. Women and Power in Postconflict Africa. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. ). Isso não significa a rejeição dos temas caros à África, nomeadamente o (neo)colonialismo e seus persistentes efeitos: ao contrário, as feministas africanas associadas a essas abordagens utilizam a chave conceitual do colonialismo para interpretar a África e superar a condição de “outro”. Nesse processo, elas partem da premissa de que “evocações essencialistas de critérios geográficos, nacionais ou raciais como fundamentos decisivos para definir o feminismo africano são especialmente indefensáveis no nosso contexto atual de globalização intensificada” (LEWIS, 2001LEWIS, Desiree. African feminisms. Agenda: Empowering women for gender equity, v. 16, n. 50, p. 4-10, 2001., p. 4), optando por dialogar com a multiplicidade de feminismos internacionais, imbuindo-os das preocupações centrais das mulheres africanas.

Não surpreende, portanto, que a crítica do conceito de gênero avançada por Amadiume, Oyewùmí e outras pensadoras afro-centradas não seja compartilhada pela maioria das feministas africanas. Ao contrário, essa chave conceitual tem sido amplamente mobilizada para situar os desenvolvimentos teóricos e empíricos feministas no continente, vez que esta oferece um arcabouço analítico útil para compreender temas como violência, conflitos, representação política, migrações entre diversos outros (MEDIE, 2019aMEDIE, Peace A. Introduction: Women, Gender, and Change in Africa. African Affairs, v. 121, n. 485, p. 67-73, 2019a. ). Isso não significa, porém, que o conceito não deva ser interrogado para que se compreendam suas operações dentro das particularidades africanas, principalmente no que tange aos papéis e status das mulheres: na verdade, esse é um passo fundamental para examinar as relações do gênero com os fenômenos sociais e políticos na África (APUSIGAH, 2006APUSIGAH, Agnes Atia. Is Gender Yet Another Colonial Project? A critique of Oyeronke Oyewumi’s proposal. Quest: An African Journal of Philosophy, v. XX, n. 1-2, p. 23-44, 2006.; BAKARE-YUSUF, 2004BAKARE-YUSUF, Bibi. ‘Yoruba’s Don’t Do Gender’: A Critical Review of Oyeronke Oyewumi’s ‘The Invention of Women: Making an African Sense of Western Gender Discourses’. In: ARNFRED, Signe; BAKARE-YUSUF, Bibi; KISIANG’ANI, Edward Waswa; LEWIS, Desiree; OYEWÙMÍ, Oyèrónké; STEADY, Filomina Chioma (org.). African Gender Scholarship: Concepts, Methodologies and Paradigms. Dakar: CODESRIA, 2004. p. 61-81.).

É nesse sentido que a análise interseccional complementa o olhar de gênero nos estudos contemporâneos dos feminismos africanos, permitindo que os conceitos associados à colonização e colonialidade sejam incorporados de maneiras inovadoras para entender as realidades africanas. Yacob-Haliso (2019YACOB-HALISO, Olajumoke. Intersectionalities and access in fieldwork in post-conflict Liberia: Motherland, motherhood, and minefields. African Affairs, v. 118, n. 470, p. 168-181, 2019.), por exemplo, contextualiza a interseccionalidade de acordo com as injunções particulares da África, salientando como a maternidade, as etnias, a nacionalidade, a classe e marcadores identitários pessoais (idade, profissão, estado civil) desempenham um papel fundamental na posicionalidade das mulheres africanas. Não se trata, aqui, de reproduzir o argumento da inexistência do gênero, mas sim de integrar o gênero às demais clivagens sociais dentro de uma perspectiva interseccional.

Tal estratégia é ainda mais recorrente no contexto dos feminismos islâmicos do Maghreb. Assim como existem imagens ocidentais caricaturais e discriminatórias com relação às mulheres africanas ao sul do Saara, o mesmo é observado no norte da África, onde a prevalência do Islã tem fornecido à imaginação euro-americana visões perturbadoras, seja por seu reducionismo, seja por seu caráter discriminatório acerca das mulheres muçulmanas (LARZEG, 2005LARZEG, Marnia. Decolonizing Feminism. In: OYEWÙMÍ, O. (org.). African Gender Studies: A Reader. Nova York: Palgrave Macmillan, 2005. p. 67-80.). O caso mais emblemático é o do uso do véu, estereotipado como um símbolo de opressão islâmica sobre as mulheres (FARRIS, 2017FARRIS, Sara R. In the Name of Women’s Rights: The Rise of Femonationalism. Durham: Duke University Press, 2017. ). As feministas islâmicas reagem a essa visão neocolonial recuperando as lutas das mulheres muçulmanas por sua agência e autonomia, tanto dentro quanto fora da religião (BADRAN, 2001BADRAN, Margot. Locating feminisms: The collapse of secular and religious discourses in Mashriq. Agenda: Empowering women for gender equity, v. 16, n. 5, p. 41-57, 2001.; LAHTA, 2001LAHTA, Rizwana Habib. Feminisms in an African context: Mariama Bâ’s So Long a Letter. Agenda: Empowering women for gender equity, v. 16, n. 50, p. 23-40, 2001.), ao passo que põem ênfase nas questões contemporâneas que as afligem, como violência doméstica, direitos sociais, políticos e econômicos (SADIQI, 2010SADIQI, Fatima. Domestic Violence in the African North. Feminist Africa, v. 14, p. 49-62, 2010., 2014SADIQI, Fatima. Moroccan Feminist Discourses. New York: Palgrave Macmillan, 2014. ).

Nesse mosaico de abordagens feministas, os diversos ladrilhos dos feminismos africanos compõem uma imagem repleta de nuances, que, se não se subsumem em uma única forma ou tonalidade, ao menos são orientadas pelo desiderato de situar a colonização como marco histórico, epistemológico e metodológico nos movimentos e estudos feministas do continente. Perspectivas afro-centradas e abordagens mais dialógicas compartilham do entendimento de que interpretar as realidades das mulheres africanas perpassa invariavelmente pelo reconhecimento da colonização e seus efeitos sobre as sociedades, mesmo no contexto contemporâneo da globalização. Destarte, a historiografia feminista africana, composta por suas múltiplas histórias entrelaçadas, orbita ao redor da colonização e a colonialidade, confrontando-as, seja no momento anterior a elas, seja durante o período colonial e no atual momento de Estados independentes e pós-coloniais.

O mosaico analítico das eras feministas africanas

A exposição da seção anterior visou situar as principais questões e perspectivas teóricas dos diversos feminismos africanos desenvolvidos no continente e na diáspora. Irredutíveis a uma narrativa de ondas, elas sinalizam que a compreensão dos movimentos feministas na África requer olhares capazes de recuperar histórias perdidas, resgatar a agência das mulheres africanas e situar suas particularidades dentro das suas múltiplas lutas (OSSOME, 2020OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 159-170.). Na verdade, essa pluralidade de abordagens temáticas e analíticas demonstra “a mutabilidade das relações de gênero”, teorizando-as ao estabelecer elos “com os principais fenômenos políticos e sociais, incluindo a colonização, a migração e o conflito armado” (MEDIE, 2019aMEDIE, Peace A. Introduction: Women, Gender, and Change in Africa. African Affairs, v. 121, n. 485, p. 67-73, 2019a. , p. 1).

Esses elos se entrelaçam, como venho salientando, através do fenômeno da colonização e sua reestruturação das sociedades africanas. Parte significativa da organização das mulheres africanas e, consequentemente, dos movimentos feministas africanos deu-se como reação aos impérios coloniais, o que foi de fundamental importância para desenvolver sua agência política e confrontar o controle de seus corpos e sexualidade, a divisão sexual do trabalho e o controle do trabalho feminino (OSSOME, 2020OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 159-170.). Como o colonialismo alterou as posições políticas e econômicas das africanas em suas sociedades, afetando seus papéis sociais, o enfrentamento aos impérios era uma agenda necessária e urgente. Como sintetiza Ossome:

[O] que se perdeu na longue durée da reconstituição colonial e patriarcal da agência feminista e do poder das mulheres foram os recursos sociais, culturais e políticos, que mudaram constantemente para excluir as mulheres e, na independência, consolidaram-se em torno de políticas nacionalistas masculinistas estreitas que, embora desracializadas, não conseguiram destribalizar - preparando assim o cenário para formas identitárias de violência que marcam o terreno das lutas feministas africanas na atualidade. O anacronismo dos Estados africanos pós-independência carregados de identitarismo étnico estava profundamente entrelaçado com o imperativo colonial do domínio indireto. (OSSOME, 2020OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 159-170., p. 163).

O anacronismo de que trata Ossome, herdado das divisões coloniais, resulta da conceituação da África realizada pelo Ocidente. Essa demarcação conceitual foi emblematicamente cristalizada na Conferência de Berlim (1884-1885), que definiu no mapa geográfico os significados do continente africano, mas o histórico de relações deste com a Europa é cronologicamente anterior a esse momento. Por tal razão, Mekgwe (2010MEKGWE, Pinkie. Post Africa(n) Feminism? Third Text, v. 24, n. 2, p. 189-194, 2010.) aponta três períodos no processo de “criação da África”: na era pré-colonial, o continente é marcado pelo comércio de escravizados, o primeiro passo para retirar da África sua autonomia e fazê-la servir aos interesses externos, repercutindo negativamente nas estruturas tradicionais de organização social; o colonialismo corresponde à segunda era, que envolve processos complexos de negociação e renegociação de estruturas de poder; e, finalmente, o momento das independências constitui a terceira era, na qual o significado da África acumula um legado histórico e está em constante problematização em face da globalização, do pan-africanismo, do pan-arabismo e, evidentemente, dos feminismos, caracterizando-se, antes de tudo, por um caldo de culturas e sociedades que envolvem elementos tradicionais, ocidentais e islâmicos (MAMA, 2011MAMA, Amina. What does it mean to do feminist research in African contexts? Feminist Review, v. 98, n. 1, p. e-04-e20, 2011.).

No contexto específico dos feminismos africanos, o modelo de eras proposto por Goredema (2010GOREDEMA, Ruvimbo. African Feminism: The African Women’s Struggle for Identity. African Yearbook of Rhetoric, v. 1, n. 1, p. 33-41, 2010.) dialoga diretamente com a historiografia de Mekgwe. Partindo de uma crítica à proposta de incluir os feminismos africanos dentro da terceira onda feminista (principalmente dentro dos debates sobre cultura e raça), Goredema sugere que

[o] feminismo africano não pode ser definido por um ou vários movimentos tão perceptíveis como no feminismo ocidental onde a distinção entre os movimentos de primeira, segunda e terceira onda é clara. Para as mulheres africanas, o feminismo é muito dependente de uma escala temporal moldada pelas eras políticas. Essas eras são a África pré-colonial, colonial e pós-colonial. Essas eras são diferentes entre os países africanos porque as histórias das lutas de libertação são diferentes para cada país. O resultado disso é que as definições e experiências do feminismo são diferentes de região para região dentro da África. (GOREDEMA, 2010GOREDEMA, Ruvimbo. African Feminism: The African Women’s Struggle for Identity. African Yearbook of Rhetoric, v. 1, n. 1, p. 33-41, 2010., p. 35).

Embora a interpretação da autora sobre os movimentos ocidentais possa ser contestada por seu reducionismo de diferentes tradições intelectuais e movimentos a uma única narrativa (MEKGWE, 2006MEKGWE, Pinkie. Theorizing African Feminism(s): The Colonial ‘Question’. Quest: An African Journal of Philosophy, v. XX, n. 1-2, p. 11-22, 2006.), o seu enfoque no colonialismo como eixo central para compreender os movimentos e organizações de mulheres africanas dialoga diretamente não só com o conjunto de perspectivas teóricas discutidas anteriormente, como também com as interpretações historiográficas de outras pensadoras africanas, como Mama (2011MAMA, Amina. What does it mean to do feminist research in African contexts? Feminist Review, v. 98, n. 1, p. e-04-e20, 2011.), Medie (2019aMEDIE, Peace A. Introduction: Women, Gender, and Change in Africa. African Affairs, v. 121, n. 485, p. 67-73, 2019a. ), Mekgwe (2010MEKGWE, Pinkie. Post Africa(n) Feminism? Third Text, v. 24, n. 2, p. 189-194, 2010.), Mikell (1995MIKELL, Gwendolyn. African Feminism: Toward a New Politics of Representation. Feminist Studies, v. 21, n. 2, p. 405-424, 1995.), Ossome (2020OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 159-170.), apenas para citar algumas. A centralidade do colonialismo denota a relevância desse fenômeno na constituição, desestabilização e reconstrução das sociedades africanas, fornecendo uma chave conceitual que permite a um só tempo situar as organizações e os ativismos de mulheres africanas no tempo e, sobremaneira, na política - especialmente a agência dessas mulheres. Porém, a que pese o caráter inovador de Goredema em articular a ideia de eras, seu desenvolvimento como chave analítica para a historiografia dos feminismos africanos foi parcamente explorado.

A ideia de eras articula o mosaico dos múltiplos feminismos africanos de uma maneira que, a um só tempo, respeita sua pluralidade e confere significado aos estudos produzidos acerca de cada um desses momentos históricos e políticos. Se o colonialismo e a colonização são peças fundamentais para interpretar os desenvolvimentos das mobilizações de mulheres no continente, então é possível usar esses marcos teóricos e históricos para situar as questões debatidas pelas africanas em cada uma das eras. Ao mesmo tempo que elas servem como marcos temporais, ainda que fluidos, as eras também permitem identificar os entrelaçamentos epistemológicos e metodológicos que caracterizam os estudos em cada uma delas. Dessa forma, o mosaico de feminismos africanos adquire significados que dialogam entre si, por vezes de forma cooperativa, por vezes sob fortes tensões.

A era da África pré-colonial é caracterizada pelas arqueologias feministas que buscam recuperar as estruturas sociais tradicionais do continente antes da empreitada colonial. Nesse contexto, o afrocentrismo e as críticas aos feminismos ocidentais e ao gênero (AMADIUME, 1997AMADIUME, Ifi. Re-inventing Africa: Matriarchy, religion and culture. Londres: Zed Books, 1997., 2015AMADIUME, Ifi. Re-inventing Africa: Matriarchy, religion and culture. Londres: Zed Books, 1997.; DOVE, 1998DOVE, Nah. African Womanism: An Afrocentric Theory. Journal of Black Studies, v. 28, n. 5, p. 515-539, 1998.; HUDSON-WEEMS, 2021HUDSON-WEEMS, Cleonora. Mulherismo Africana: Recuperando a nós mesmos. São Paulo: Editora Ananse, 2021.; NZEGWU, 2003NZEGWU, Nkiru. O Africa: Gender Imperialism in Academia. In: OYEWÙMÍ, Oyèrónké (org.). African Women & Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood. Trenton: Africa World Press, 2003. p. 99-157.; OGUNDIPE-LESLIE, 1994OGUNDIPE-LESLIE, Molara. Re-Creating Ourselves: African Women & Critical Transformations. Trenton: Africa World Press, 1994. ; OYEWÙMÍ, 2021OYEWÙMÍ, Oyèrónké. A Invenção das Mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.) afirmam-se por meio de sua tentativa de recuperar um passado perdido e demonstrar que nele os papéis das mulheres africanas não estavam sujeitos a uma hierarquização social determinada pelo sexo ou gênero. Por tal razão, estudos etnográficos têm-se destacado nesse processo de resgate histórico e cultural, problematizando as perspectivas feministas importadas de modo a demonstrar sua insuficiência para compreender as realidades africanas.

A era colonial, por sua vez, caracteriza-se pelas resistências feministas anti-coloniais. As perspectivas adotadas são variadas, perpassando desde aquelas que buscam, sob uma óptica afrocentrada, recuperar a agência das mulheres africanas (OYEWÙMÍ, 2003OYEWÙMÍ, Oyèrónké. Introduction: Feminism, Sisterhood and Other Foreign Relations. In: OYEWÙMÍ, Oyèrónké (ed.). African Women & Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood. Trenton: Africa World Press, 2003. p. 1-24.; TAIWO, 2003TAIWO, Olufemi. Feminism and Africa: Reflections on the Poverty of Theory. In: OYEWÙMÍ, Oyèrónké (org.). African Women & Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood. Trenton: Africa World Press, 2003. p. 45-66.), até aquelas que reconhecem que o processo de colonização criou novas sociedades, que misturam elementos externos à África com elementos locais, sejam eles tradicionais, sejam eles religiosos (GOREDEMA, 2010GOREDEMA, Ruvimbo. African Feminism: The African Women’s Struggle for Identity. African Yearbook of Rhetoric, v. 1, n. 1, p. 33-41, 2010.; MAMA, 2011MAMA, Amina. What does it mean to do feminist research in African contexts? Feminist Review, v. 98, n. 1, p. e-04-e20, 2011.). O gênero como conceito é utilizado para compreender as intricadas estruturas sociais que posicionaram as mulheres africanas em lugares desfavoráveis na empreitada colonial (OSSOME, 2020OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 159-170.), mas uma das principais questões sobre seu uso como ferramenta analítica recai sobre a necessidade de se questionarem os discursos ocidentais sobre as múltiplas realidades africanas, nomeadamente os discursos estereotipados e discriminatórios de matriz colonial (TAIWO, 2003TAIWO, Olufemi. Feminism and Africa: Reflections on the Poverty of Theory. In: OYEWÙMÍ, Oyèrónké (org.). African Women & Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood. Trenton: Africa World Press, 2003. p. 45-66.). Ao mesmo tempo, como tal era se estende, na cronologia dos eventos históricos, até as lutas pela independência, a interação dos feminismos africanos com outros feminismos (os de matriz euro-americana, mas também os do segundo e terceiro mundos durante a Guerra Fria) tornou-se inevitável (BONFIGLIOLI, 2016BONFIGLIOLI, Chiara. The First Un World Conference on Women (1975) as a Cold War Encounter: Recovering Anti-Imperialist, Non-Aligned and Socialist Genealogies. Filozofija i Društvo, v. XXVII, n. 3, p. 521-541, 2016.; GHODSEE, 2010GHODSEE, Kristen. Revisting the United Nations Decade for Women: Brief reflections on feminism, capitalism and Cold War politics in the early years of the international women’s movement. Women’s Studies International Forum, v. 33, p. 3-12, 2010.; LENINE; ONCAMPO, 2020LENINE, Enzo; ONCAMPO, Locarine. Recuperando a justiça de gênero e a África nas Conferências Mundiais da Mulher. Meridiano 47, v. 21, n. 47, e21009, 2020.). Resulta dessas interações a pluralidade de demandas das mulheres africanas, que envolvem desde questões materiais socioeconômicas, até a resistência anticolonial e a recuperação da agência política.

Já a era pós-colonial caracteriza-se pela emergência dos Estados independentes pós-coloniais. Inseridos num mundo globalizado, esses Estados são ao mesmo tempo resultado de resistências internas e articulações com as elites globais (LEWIS, 2001LEWIS, Desiree. African feminisms. Agenda: Empowering women for gender equity, v. 16, n. 50, p. 4-10, 2001.; MAMA, 2004MAMA, Amina. Demythologising Gender in Development: Feminist Studies in African Contexts. IDS Bulletin, v. 35, n. 4, p. 121-124, 2004.). Outrossim, com o fim da Guerra Fria e a expansão do modelo liberal de mercado e democracia, as agendas das feministas africanas passam a se preocupar em combater os efeitos deletérios das políticas de ajuste estrutural promulgadas por seus Estados sob a supervisão das instituições financeiras internacionais (Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, especificamente), bem como questões de justiça, direitos das mulheres, violência de gênero e igualdade entre os gêneros (FIGUEIREDO; GOMES, 2016FIGUEIREDO, Angela; GOMES, Patrícia Godinho. Para Além dos Feminismos: Uma experiência comparada entre Guiné-Bissau e Brasil. Estudos Feministas, v. 24, n. 3, p. 909-927, 2016.; OSSOME, 2020OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 159-170.). O resultado dessa nova realidade é o surgimento de modalidades inovadoras de luta política e rebelião, assim como de uma crítica ao modelo liberal de justiça que se preocupa tão somente com a inclusão de mulheres. A prevalência da violência de gênero, por exemplo, é um tema caro às feministas africanas, vez que ela não só assume o corpo das mulheres como objetos violáveis, como também é fruto da neoliberalização das políticas dos Estados pós-coloniais (MEDIE, 2019bMEDIE, Peace A. Women and Violence in Africa. In: The Oxford Research Encyclopedia of African History. New York: Oxford University Press, New York, 2019b. p. 1-21.; OSSOME, 2015OSSOME, Lyn. In Search of the State? Neoliberalism and the labour question for pan-African feminism. Feminist Africa, v. 20, p. 6-22, 2015., 2020OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism. Londres: Routledge, 2020. p. 159-170.). Como resultado de desafios comuns, as articulações entre mulheres africanas de diferentes origens têm produzido uma ampla rede de colaboração e luta conjunta no continente (MAMA, 2011MAMA, Amina. What does it mean to do feminist research in African contexts? Feminist Review, v. 98, n. 1, p. e-04-e20, 2011.).

O Quadro 1 sintetiza o mosaico analítico das ideias centrais das eras dos feminismos africanos. É interessante notar que as eras e seus marcos não significam que elas se encerrem completamente em um determinado momento no tempo. Como os estudos feministas africanos são relativamente recentes, é natural que, mesmo sinalizando os objetivos como pertencentes a uma determinada era, haja interpenetração das agendas de pesquisa. Mais importante, uma mesma pesquisadora não se restringe tão somente a analisar uma era: na verdade, é mais comum que seus trabalhos remontem a diferentes temáticas e perspectivas teóricas entre as eras. O caso de Oyewùmí é emblemático: embora seu trabalho mais conhecido (principalmente no Brasil) seja o estudo da sociedade iorubá, sua produção é muito mais ampla, versando sobre temas caros às demais eras (OYEWÙMÍ, 2003OYEWÙMÍ, Oyèrónké. Introduction: Feminism, Sisterhood and Other Foreign Relations. In: OYEWÙMÍ, Oyèrónké (ed.). African Women & Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood. Trenton: Africa World Press, 2003. p. 1-24.). Essa plasticidade é um desiderato teórico e político dado que uma parcela significativa da literatura sobre África ainda é produzida fora do continente, frequentemente sob os “olhares ocidentais”. Oferecer interpretações autóctones sobre o desenvolvimento dos feminismos em diversos momentos históricos e políticos é, portanto, uma tarefa que exige a colaboração entre pesquisadoras africanas. Muito dessa colaboração tem ocorrido nos fóruns acadêmicos,4 4 Mama (2011) reconstrói a história das colaborações acadêmicas a partir do African Gender Institute da Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul, que foi baseado em iniciativas anteriores, como a Association of African Women for Research and Development, de 1982. Embora a África do Sul seja até hoje uma referência nos estudos feministas africanos, outros espaços têm assumido destaque nessa produção acadêmica, como Gana e Nigéria. A revista feminista Feminist Africa, editada atualmente pela Universidade de Gana, é um exemplo desses espaços de colaboração acadêmica fora do eixo sul-africano. como também nos ativismos e mobilizações das mulheres africanas.

Quadro 1.
Mosaico analítico dos feminismos africanos

A perspectiva de analisar os feminismos africanos em mosaico oferece a vantagem não só de ser uma narrativa própria do desenvolvimento das várias lutas e ativismos das mulheres africanas, como também situa as colaborações e tensões de suas agendas políticas e teóricas. Uma potencial ressalva a essa abordagem é sua parcialidade na composição do mosaico, mas essa é uma limitação de qualquer historiografia feminista. Como salienta Delap (2022DELAP, Lucy. Feminismos: uma história global. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.): “peças de mosaico podem ser perdidas, destruídas ou enterradas, e sua sobrevivência não é apenas questão de sorte - depende de acesso a poder e recursos” (DELAP, 2022DELAP, Lucy. Feminismos: uma história global. São Paulo: Companhia das Letras, 2022., p. 272). Reconhecer esse fato acende o alerta para sermos sensíveis aos elementos e às histórias que incorporamos ao mosaico, para que possamos construir uma história conscientemente crítica para “contemplar e preservar o que sobreviveu e chamar a atenção para ladrilhos que faltam no mosaico” (DELAP, 2022DELAP, Lucy. Feminismos: uma história global. São Paulo: Companhia das Letras, 2022., p. 273).

Conclusão

A epígrafe que abriu este artigo conclamava o encontro de mulheres. Por muito tempo, a historiografia feminista centrou-se em uma narrativa que promovia encontros delimitados entre grupos de mulheres muito específicos. As ondas tinham rosto, cor, sexualidade e endereço definidos, excluindo as histórias, experiências e vivências daquelas que não se enquadravam em seus estreitos limites. Hoje, essa narrativa tem apresentado cada vez mais problemas para situar, compreender e interpretar os vários feminismos, movimentos e ativismos de mulheres, questões de gênero e interseccionalidade, o que tem resultado em novas historiografias mais abrangentes e sensíveis às demandas e particularidades de sociedades diversas. Os encontros atuais dão-se em espaços mais plurais, colocando mulheres de diferentes origens uma de frente com a outra. Um mosaico de feminismos se constrói a partir desses encontros, reconhecendo as possibilidades de colaboração, bem como os elementos de tensão.

Esses feminismos em mosaico são ainda mais palpáveis na África, onde a multiplicidade de sociedades, etnias, religiões e culturas cria demandas próprias e, por conseguinte, respostas particulares e inovadoras. A colonização deixou uma marca indelével nas comunidades africanas, de modo que as mobilizações de mulheres no continente confrontam diretamente esse legado persistente. A produção feminista africana age e reage em face do colonialismo, seja recuperando um passado - por vezes imaginado - esquecido das tradições e estruturas sociais autóctones, seja enfrentando os impérios coloniais em lutas pela independência ou até mesmo os Estados pós-coloniais fundados no século XX.

Ao longo deste artigo, tracei uma leitura da historiografia feminista africana a partir dos entendimentos das próprias feministas do continente. A ideia de feminismos em mosaico que alicerça essa proposta é, antes de tudo, um instrumento analítico que não se esgota em uma única forma de olhar para as mulheres africanas e suas mobilizações. Longe de ser uma nova narrativa de ondas, o mosaico, com seus diversos ladrilhos unidos para construir um todo, fornece diversas imagens acerca das trajetórias feministas na África, retratando seus cruzamentos de tonalidades, objetivos e mobilizações. A imagem completa resultante é a um só tempo um caleidoscópio feminista e um conjunto de peças que dialogam entre si, entrelaçando-se em histórias de lutas particulares e movimentos continentais e globais. É nos encontros dessas imagens que talvez seja possível para as feministas africanas e ocidentais encontrarem-se uma às outras.

Referências

  • ACHOLONU, Chaterine Obianuju. Motherism: The Afrocentric Alternative to Feminism. Owerri: Afa Publications, 1995.
  • AMADIUME, Ifi. Re-inventing Africa: Matriarchy, religion and culture. Londres: Zed Books, 1997.
  • AMADIUME, Ifi. Male Daughters, Female Husbands: Gender and Sex in an African Society. Londres: Zed Books, 2015.
  • APUSIGAH, Agnes Atia. Is Gender Yet Another Colonial Project? A critique of Oyeronke Oyewumi’s proposal. Quest: An African Journal of Philosophy, v. XX, n. 1-2, p. 23-44, 2006.
  • BADRAN, Margot. Locating feminisms: The collapse of secular and religious discourses in Mashriq. Agenda: Empowering women for gender equity, v. 16, n. 5, p. 41-57, 2001.
  • BAKARE-YUSUF, Bibi. ‘Yoruba’s Don’t Do Gender’: A Critical Review of Oyeronke Oyewumi’s ‘The Invention of Women: Making an African Sense of Western Gender Discourses’. In: ARNFRED, Signe; BAKARE-YUSUF, Bibi; KISIANG’ANI, Edward Waswa; LEWIS, Desiree; OYEWÙMÍ, Oyèrónké; STEADY, Filomina Chioma (org.). African Gender Scholarship: Concepts, Methodologies and Paradigms. Dakar: CODESRIA, 2004. p. 61-81.
  • BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragaão. Feminismos Subalternos. Estudos Feministas, v. 25, n. 3, p. 1035-1054, 2017.
  • BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019. 904p.
  • BETTCHER, Talia Mae. Intersexuality, Transgender, and Transsexuality. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 407-427.
  • BIROLI, Flávia. Gênero e Desigualdades: Limites da Democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018.
  • BONFIGLIOLI, Chiara. The First Un World Conference on Women (1975) as a Cold War Encounter: Recovering Anti-Imperialist, Non-Aligned and Socialist Genealogies. Filozofija i Društvo, v. XXVII, n. 3, p. 521-541, 2016.
  • BUNCH, Charlotte. Opening Doors for Feminism: UN World Conferences on Women. Journal of Women’s History, v. 24, n. 4, p. 213-221, 2012.
  • BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. 12. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
  • CAMERON, Deborah. Feminismo Madri: Alianza Editorial, 2019.
  • COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro São Paulo: Boitempo, 2019.
  • COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality 2. ed. Cambridge: Polity Press, 2020.
  • CONNELL, Raewyn W. Masculinities 2. ed. Berkeley: University of California Press, 2005.
  • CONNELL, Raewyn. Transsexual Women and Feminist Thought: Toward New Understanding and New Politics. Signs, v. 37, n. 4, p. 857-881, 2012.
  • COOPER, Brittney. Intersectionality. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 385-406.
  • DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe São Paulo: Boitempo, 2016.
  • DELAP, Lucy. Feminismos: uma história global. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
  • DOVE, Nah. African Womanism: An Afrocentric Theory. Journal of Black Studies, v. 28, n. 5, p. 515-539, 1998.
  • ETOUNGA-MANGUELLE, Daniel. Does Africa Need a Cultural Adjustment Program? In: HARRISON, Lawrence E.; HUNTINGTON, Samuel P. (org.). Culture Matters: How Values Shape Human Progress. Nova York: Basic Books, 2000. p. 65-77.
  • EZE, Chielozona. African Feminism: Resistance or Resentment. Quest: An African Journal of Philosophy, v. XX, n. 1-2, p. 97-118, 2006.
  • FARRIS, Sara R. In the Name of Women’s Rights: The Rise of Femonationalism. Durham: Duke University Press, 2017.
  • FIGUEIREDO, Angela; GOMES, Patrícia Godinho. Para Além dos Feminismos: Uma experiência comparada entre Guiné-Bissau e Brasil. Estudos Feministas, v. 24, n. 3, p. 909-927, 2016.
  • FRIEDAN, Betty. A mística feminina Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.
  • GAGO, Verónica. A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo São Paulo: Editora Elefante, 2020.
  • GARCIA, Carla Cristina. Breve História do Feminismo São Paulo: Claridade, 2011.
  • GHODSEE, Kristen. Revisting the United Nations Decade for Women: Brief reflections on feminism, capitalism and Cold War politics in the early years of the international women’s movement. Women’s Studies International Forum, v. 33, p. 3-12, 2010.
  • GONZÁLEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-latino-americano Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
  • GOREDEMA, Ruvimbo. African Feminism: The African Women’s Struggle for Identity. African Yearbook of Rhetoric, v. 1, n. 1, p. 33-41, 2010.
  • GOUGES, Olympe de. Avante, mulheres! Declaração dos direitos da mulher e da cidadã e outros textos. São Paulo: Edipro, 2020.
  • HARTSOCK, Nancy C. M. Money, Sex, and Power: Towards a Feminist Historical Materialism. Boston: Northeastern University Press, 1985.
  • HAWKESWORTH, Mary.; DISCH, Lisa. Introduction. Feminist Theory: Transforming the Known World. In: DISCH, L.; HAWKESWORTH, M. (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 1-15.
  • HAY, Carol. Think like a feminist: the philosophy behind the revolution. Nova York: Norton & Company, 2020.
  • HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Explosão Feminista: Arte, Cultura, Política e Diversidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
  • HOOKS, Bell. Olhares Negros: Raça e Representação. São Paulo: Elefante, 2019.
  • HUDSON-WEEMS, Cleonora. Mulherismo Africana: Recuperando a nós mesmos. São Paulo: Editora Ananse, 2021.
  • LAHTA, Rizwana Habib. Feminisms in an African context: Mariama Bâ’s So Long a Letter. Agenda: Empowering women for gender equity, v. 16, n. 50, p. 23-40, 2001.
  • LARZEG, Marnia. Decolonizing Feminism. In: OYEWÙMÍ, O. (org.). African Gender Studies: A Reader. Nova York: Palgrave Macmillan, 2005. p. 67-80.
  • LENINE, Enzo; ONCAMPO, Locarine. Recuperando a justiça de gênero e a África nas Conferências Mundiais da Mulher. Meridiano 47, v. 21, n. 47, e21009, 2020.
  • LEWIS, Desiree. African feminisms. Agenda: Empowering women for gender equity, v. 16, n. 50, p. 4-10, 2001.
  • LEWIS, Desiree. Discursive Challenges for African Feminisms. Quest: An African Journal of Philosophy, v. XX, n. 1-2, p. 77-96, 2006.
  • LUGONES, María. Toward a Decolonial Feminism. Hypatia, v. 25, n. 4, p. 742-759, 2010.
  • MAMA, Amina. Demythologising Gender in Development: Feminist Studies in African Contexts. IDS Bulletin, v. 35, n. 4, p. 121-124, 2004.
  • MAMA, Amina. What does it mean to do feminist research in African contexts? Feminist Review, v. 98, n. 1, p. e-04-e20, 2011.
  • MATOS, Marlise. Movimento e teoria feminista: é possível reconstruir a teoria feminista a partir do Sul Global? Revista Sociologia e Política, v. 18, n. 36, p. 67-92, 2010.
  • MCCLINTOCK, Anne. The Angel of Progress: Pitfalls of the Term ‘Post-Colonialism’. In: WILLIAMS, Patrick; CHRISMAN, Laura (org.). Colonial Discourse and Postcolonial Theory Nova York: Harvester Wheatsheaf, 1993. p. 291-304.
  • MEDIE, Peace A. Introduction: Women, Gender, and Change in Africa. African Affairs, v. 121, n. 485, p. 67-73, 2019a.
  • MEDIE, Peace A. Women and Violence in Africa. In: The Oxford Research Encyclopedia of African History New York: Oxford University Press, New York, 2019b. p. 1-21.
  • MEKGWE, Pinkie. Theorizing African Feminism(s): The Colonial ‘Question’. Quest: An African Journal of Philosophy, v. XX, n. 1-2, p. 11-22, 2006.
  • MEKGWE, Pinkie. Post Africa(n) Feminism? Third Text, v. 24, n. 2, p. 189-194, 2010.
  • MENDOZA, Breny. Coloniality of Gender and Power: From Postcoloniality to Decoloniality. In: DISCH, Lisa.; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 100-121.
  • MIKELL, Gwendolyn. African Feminism: Toward a New Politics of Representation. Feminist Studies, v. 21, n. 2, p. 405-424, 1995.
  • MILL, John Stuart. Sobre a liberdade e a sujeição das mulheres São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
  • MOHANTY, Chandra Talpade. Feminism without Borders: Decolonizing theory, practiting solidarity. Durham: Duke University Press, 2003.
  • NNAEMEKA, Obioma. Nego-Feminism: Theorizing, Practicing, and Pruning Africa’s Way. Signs, Chicago, v. 29, n. 2, p. 357-385, 2003.
  • NZEGWU, Nkiru. O Africa: Gender Imperialism in Academia. In: OYEWÙMÍ, Oyèrónké (org.). African Women & Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood. Trenton: Africa World Press, 2003. p. 99-157.
  • OGUNDIPE-LESLIE, Molara. Re-Creating Ourselves: African Women & Critical Transformations. Trenton: Africa World Press, 1994.
  • OGUNYEMI, Chikwenye Okonjo. Womanism: The Dynamics of the Contemporary Black Female Novel in English. Signs, v. 11, n. 1, p. 63-80, 1985.
  • OKIN, Susan Moller. Gênero, o público e o privado. Estudos Feministas, v. 16, n. 2, p. 305-332, 2008.
  • OSSOME, Lyn. In Search of the State? Neoliberalism and the labour question for pan-African feminism. Feminist Africa, v. 20, p. 6-22, 2015.
  • OSSOME, Lyn. African feminism. In: RABAKA, Reiland (org.). Routledge Handbook of Pan-Africanism Londres: Routledge, 2020. p. 159-170.
  • OYEWÙMÍ, Oyèrónké. Introduction: Feminism, Sisterhood and Other Foreign Relations. In: OYEWÙMÍ, Oyèrónké (ed.). African Women & Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood. Trenton: Africa World Press, 2003. p. 1-24.
  • OYEWÙMÍ, Oyèrónké. A Invenção das Mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
  • PARADIS, Clarisse Goulart. A prostituição no marxismo clássico: crítica ao capitalismo e à dupla moral burguesa. Estudos Feministas, v. 26, n. 3, e44805, 2018.
  • PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual São Paulo: Paz e Terra, 1993.
  • PETERSON, V. Spike; RUNYAN, Anne Sisson. Global Gender Issues Boulder: Westview Press, 1999.
  • PHILLIPS, Anne. The Politics of Presence Oxford: Oxford University Press, 1998.
  • PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.
  • PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, História e Poder. Revista Sociologia e Política, v. 18, n. 36, p. 15-23, 2010.
  • RABAKA, Reiland. Introduction: On the intellectual elasticity and political plurality of Pan-Africanism. In: RABAKA, Reiland (ed.). Routledge Handbook of Pan-Africanism Londres: Routledge, 2020. p. 1-32.
  • RUPP, Leila J.; THOMSEN, Carly. Sexualities. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 894-914.
  • SADIQI, Fatima. Domestic Violence in the African North. Feminist Africa, v. 14, p. 49-62, 2010.
  • SADIQI, Fatima. Moroccan Feminist Discourses New York: Palgrave Macmillan, 2014.
  • SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres Madri: Traficantes de Sueños, 2016.
  • SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
  • TAIWO, Olufemi. Feminism and Africa: Reflections on the Poverty of Theory. In: OYEWÙMÍ, Oyèrónké (org.). African Women & Feminism: Reflecting on the Politics of Sisterhood. Trenton: Africa World Press, 2003. p. 45-66.
  • TRIPP, Aili Mari. Women and Power in Postconflict Africa Cambridge: Cambridge University Press, 2015.
  • URSO, Graziela Schneider (org.). A Revolução das Mulheres: Emancipação feminina na Rússia soviética. São Paulo: Boitempo, 2017.
  • VIGOYA, Mara Viveros. Sex/Gender. In: DISCH, Lisa; HAWKESWORTH, Mary (org.). The Oxford Handbook of Feminist Theory Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 852-873.
  • WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos Direitos da Mulher São Paulo: Boitempo, 2016.
  • YACOB-HALISO, Olajumoke. Intersectionalities and access in fieldwork in post-conflict Liberia: Motherland, motherhood, and minefields. African Affairs, v. 118, n. 470, p. 168-181, 2019.
  • YOUNG, Iris Marion. Inclusion and Democracy Oxford: Oxford University Press, 2000.
  • ZERILLI, Linda. Feminist Theory and the Canon of Political Though. In: DRYZEK, John S.; HONIG, Bonnie; PHILLIPS, Anne (org.). The Oxford Handbook of Political Theory Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 106-124.
  • 1
    Disponível integralmente em: https://women-loving-art.tumblr.com/post/613582028787613697/adrienne-rich-hunger-for-audre-lorde
  • 2
    Isso não significa que a narrativa de ondas esteja em desuso. Pinto (2003PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003., 2010PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, História e Poder. Revista Sociologia e Política, v. 18, n. 36, p. 15-23, 2010.), por exemplo, adapta os momentos definidos pelas três ondas para explicar o desenvolvimento dos movimentos feministas no Brasil, especialmente à luz do momento ditatorial de meados do século XX. Matos (2010MATOS, Marlise. Movimento e teoria feminista: é possível reconstruir a teoria feminista a partir do Sul Global? Revista Sociologia e Política, v. 18, n. 36, p. 67-92, 2010.) apóia-se nessa narrativa e postula a existência de uma quarta onda no país e na América Latina. Esses exemplos demonstram que é possível utilizar a narrativa das ondas feministas para explicar os feminismos nacionais, porém a necessidade de ajustá-las às particularidades locais aponta como ela não é suficiente para fornecer uma história autóctone do feminismo.
  • 3
    Sigla para Social Transformation Including Women in Africa (Transformação Social Incluindo Mulheres na África, tradução livre).
  • 4
    Mama (2011MAMA, Amina. What does it mean to do feminist research in African contexts? Feminist Review, v. 98, n. 1, p. e-04-e20, 2011.) reconstrói a história das colaborações acadêmicas a partir do African Gender Institute da Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul, que foi baseado em iniciativas anteriores, como a Association of African Women for Research and Development, de 1982. Embora a África do Sul seja até hoje uma referência nos estudos feministas africanos, outros espaços têm assumido destaque nessa produção acadêmica, como Gana e Nigéria. A revista feminista Feminist Africa, editada atualmente pela Universidade de Gana, é um exemplo desses espaços de colaboração acadêmica fora do eixo sul-africano.

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e Eduardo Romero de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2022
  • Aceito
    29 Jun 2022
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Campus de Assis, 19 806-900 - Assis - São Paulo - Brasil, Tel: (55 18) 3302-5861, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Campus de Franca, 14409-160 - Franca - São Paulo - Brasil, Tel: (55 16) 3706-8700 - Assis/Franca - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@unesp.br