Acessibilidade / Reportar erro

A questão armênia na imprensa: narrativas sobre os massacres hamidianos no Fanfulla (1894-1897)

The armenian question in the press: narratives on the hamidian massacres in Fanfulla (1894-1897)

RESUMO

Pretende-se neste artigo analisar a produção discursiva do jornal Fanfulla sobre os massacres de armênios ocorridos no Império Otomano durante o sultanato de Abdul Hamid II. Nosso objetivo é aqui verificar os interesses do jornal na construção dessas narrativas divulgadas no período de 1894-1897, bem como suas relações com a política da Itália e da Inglaterra. A troca internacional de informações entre o Fanfulla e outros jornais, constitui um eixo articulador deste artigo.

PALAVRAS-CHAVE:
história dos armênios; massacres hamidianos; Questão Armênia; Questão do Oriente; imprensa italiana

ABSTRACT

The purpose of this article is to analyse the discursive production of the journal Fanfulla about the massacres of Armenians in the Ottoman Empire during the sultanate of Abdul Hamid II. The intention here is to verify the interests of the journal in the construction of these narratives in the news coverage in the period of 1894-1897, as well as its relation to Italian and English politics. The international trade of information between the Fanfulla and other journals established an articulating axis of this article.1 1 Tradução do texto para o inglês por Luiza Roy.

KEYWORDS:
Armenian history; Hamidian massacres; Armenian Question; Eastern question; Italian press

A Questão Armênia constituiu um tema da pauta política internacional em decorrência dos desdobramentos dos tratados de Santo Estéfano e de Berlim, que marcaram o fim da Guerra Russo-Turca de 1877-1878. O jornal Fanfulla, editado na cidade de São Paulo, repercutiu aos seus leitores a intensa movimentação jornalística por ela motivada, apoiado em fontes estrangeiras, uma vez que por falta de representatividade numericamente expressiva do povo armênio na época, não se desenvolveu no Brasil imprensa específica de denúncia e solidariedade. Embora se tratasse de um jornal dirigido à coletividade dos italianos e seus descendentes, os quais formavam o maior contingente de imigrantes no Brasil, também divulgou extenso noticiário internacional e de interesse de imigrantes de outras nacionalidades. Atuou como um jornal “colonial”, conforme sua autoidentificação.

Neste artigo pretende-se abordar a produção discursiva do Fanfulla sobre a Questão Armênia, tema pouco visitado pela historiografia, com o intuito de verificar as âncoras das narrativas, tais como julgamentos morais, opiniões e posicionamentos políticos. Destaca-se nessa literatura a dissertação de mestrado de Alessandra de Melo, intitulada Páginas sangrentas: o genocídio armênio pelo viés do jornal O Estado de S. Paulo (1894-1923). Como o próprio título indica, nesta obra os massacres hamidianos ocupam lugar entre os vários massacres ocorridos no período estudado, genericamente denominados genocídio (MELO, 2017MELO, Alessandra de. Páginas sangrentas: o genocídio armênio pelo viés do jornal “O Estado de S. Paulo (1894-1923). 2017. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2017.). A dissertação aborda a repercussão desses eventos no jornal mais expressivo de São Paulo, utilizado como fonte de informação, constituindo-se dessa maneira em importante referência, embora o texto não analise o tema de modo verticalizado.

Na perspectiva que vem sendo abordada pelos recentes estudos sobre a imprensa produzida em língua estrangeira em diversos países, o objetivo deste artigo consiste em analisar o jornal Fanfulla enquanto objeto específico. Busca-se verificar o trânsito de informações, notícias e artigos entre o periódico e jornais estrangeiros, nos quais se baseou para a construção/reprodução de narrativas, explicitando a relação transnacional da imprensa e os interesses europeus em jogo na política em relação ao Oriente. A participação da Itália nesse complexo jogo político por meio de alianças foi decisiva para que o jornal construísse uma significativa cobertura jornalística, na qual se destacou a produção de sentidos para os eventos narrados aos seus leitores, para com eles captar audiência para seu noticiário. Em outras palavras, trata-se de verificar a recepção jornalística internacional dos eventos ocorridos no Império Otomano e o modo como o jornal procurou influenciar a opinião entre seus leitores.

A perspectiva metodológica adotada possui como referentes estudos sobre os deslocamentos culturais de ideias, práticas, conceitos e teorias entre países e territórios, como assinala Diana Cooper Richet. Tais deslocamentos configuram espaços culturais em que imbricamentos, deslocamentos e releituras se fazem presentes. O conceito remete também, necessariamente, à figura do “passeur”, que exerce importante papel nesse trânsito, seja na emissão, seja na recepção de tais construções por diversos meios, entre os quais salienta-se a imprensa (COOPER RICHET, 2013COOPER-RICHET, Diana. La figure du passeur dans l’histoire de la diffusion transnationale de la théorie des Cultural Studies (années 1990). História, São Paulo, v. 32, n. 1, p. 190-197, 2013.).

A Questão Armênia

A Questão Armênia iniciada no século XIX foi antecedida por um período de coexistência relativamente pacífica entre armênios e turcos no interior do multiétnico Império Otomano, pois desde o século XVIII os armênios desfrutavam de certa autonomia em suas comunidades. Estavam organizados em um dos millets que agregavam os povos submetidos segundo suas denominações religiosas. Gregos, judeus e armênios foram agrupados em comunidades distintas, cada uma delas sob a supervisão de seu próprio líder religioso e em algumas localidades, como ocorreu em Constantinopla - atual Istambul - a capital do Império, os millets ocupavam espaços específicos. Desde 1839, a reforma Tanzimat reconhecia aos armênios certos direitos, como o de representação política, sendo-lhes permitido manter suas próprias instituições, como escolas e hospitais, tribunais para ministração de justiça civil e eclesiástica, além de pequena força policial. Não obstante, eles estiveram sujeitos a pesadas taxações e perseguições, sobretudo fora da capital, nas províncias do interior, onde a maioria da população era constituída por camponeses (BOURNOUTIAN, 2006BOURNOUTIAN, George A. A concise History of the Armenian People. 5. ed. Costa Meza California: Mazda Publishers, 2006.). Esse foi o cerne da motivação do despertar nacionalista que se transformaria na Questão Armênia veiculada pela imprensa internacional no final do século XIX. Foi gerada no contexto da expansão imperialista que dividiu territórios entre potências europeias, em busca da conquista de mercados, à qual se agregou a dimensão política, ou seja, implicou em estratégias desenvolvidas para garantir posse e influência sobre regiões da Ásia e da África (HOBSBAWM, 2005HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios (1875-1914). 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.).

O conflito russo-turco ocorrido entre 1877 e 1878 desempenhou importante papel nessa questão, pois foi motivado pela multissecular disputa de regiões da Anatólia e dos Bálcãs, e dele os russos saíram vitoriosos, protagonizando importantes rearranjos de domínio territorial entre esses dois impérios. Uma parte do território conhecido como Armênia, apesar de não se tratar de Estado independente, havia sido anexada pela Rússia, enquanto outras províncias integravam o Império Otomano. Ao término da guerra, os acordos entre os beligerantes foram realizados com a participação de potências europeias e incluíram o tratamento reservado no Império Otomano aos cristãos residentes em seu território, os quais reivindicavam igualdade de direitos a todos os súditos. O tratado de Santo Estéfano, firmado em Constantinopla em 1878, devolvia as regiões de Batum, Ardahan, Kars e Bayazid à Rússia. Tratava-se de províncias otomanas onde grande parte da população era armênia, e haviam sido ocupadas pelos russos durante a guerra. No artigo 16 do tratado ficara estabelecido que a Sublime Porta, isso é, o governo otomano, comprometia-se a executar um plano de reformas para garantir a segurança dos armênios perante os povos vizinhos, especialmente as tribos nômades. Para assegurar sua efetiva realização, a Rússia condicionou a retirada de suas tropas das regiões ocupadas à execução de tais reformas, entre elas a proteção contra curdos e circassianos, dados os graves conflitos que ocorriam entre esses povos.

Por interesse estratégico da Inglaterra em limitar o poder da Rússia na região e impedir a divisão do território dominado pelos otomanos, sem dela tirar o proveito esperado, o tratado de Santo Estéfano foi anulado, e, em substituição, o Tratado de Berlim firmado logo em seguida resultou na devolução ao sultanato das regiões ocupadas pelos russos, sem a garantia de que esse governo implementaria as reformas anteriormente convencionadas. Foi estipulado que o controle das reformas a favor dos armênios ficaria em mãos das potências ocidentais, porém os termos e as cláusulas do tratado estavam fadados à ineficácia por serem vagos e até contraditórios e não contarem com o peso da política externa do Império Russo para garanti-los, conforme seu artigo 61 havia definido.

Uma delegação armênia liderada pelo prelado da Igreja Apostólica Armênia, Mkrtich Khrimian, havia ido a Berlim para apresentar reivindicações durante as negociações do Tratado, porém foi delas excluída. Percebido seu papel descartável no complexo tabuleiro da política europeia no Oriente, na qual prevaleciam os interesses da Inglaterra, o grupo manifestou-se no ambiente próprio da administração do millet. O prelado tornou-se célebre ao pronunciar o Sermão da Espada, na catedral apostólica de Constantinopla, no qual denunciou o abandono dos armênios:

Na grande mesa da liberdade posta em Berlim, aqueles que tinham colheres de ferro (alusão aos búlgaros, romenos, sérvios, cuja causa contava com o apoio das potências) conseguiram alcançar a panela e saciar-se da apetitosa herissé. (..) os armênios tinham apenas colheres de papel (vagas promessas) e com colheres de papel não se come herissé.2 2 Herissé é considerado o prato mais tradicional dos armênios, elaborado com grãos de trigo e carne. (SAPSEZIAN, 1988SAPSEZIAN, Aharon. História da Armênia: Drama e esperança de uma nação. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1988., p. 96).

Segundo os termos do Tratado de Berlim, a Questão Armênia havia deixado de ser um problema da política interna otomana e tornava-se questão de direito internacional (THOROSSIAN, 1957THOROSSIAN, Hiranth. Histoire de l’arménie et du peuple arménien. Paris: Imprimerie Alexandre, 1957. ). Daí em diante o conceito passou a ser utilizado pelas potências europeias e se referia especificamente à proteção e à liberdade dos armênios perante as comunidades vizinhas, no interior do Império Otomano. Ela esteve presente no decorrer dos 40 anos da história armeno-otomana no contexto da política inglesa, alemã e russa entre 1877 e 1914, nos círculos diplomáticos e na imprensa internacional. Acabaria por ser desdobrada na Causa Armênia, que se avolumou com os acontecimentos posteriores de eliminação sistemática dos armênios, conhecidos como Genocídio Armênio (Medz Yeghern, o Grande Crime), iniciado em 1915.

O Tratado de Berlim ratificou a perda, pelo Império Otomano, da Bulgária, da Romênia e da Bósnia, entre outros territórios. O desmoronamento do Império, malgrado sua força militar, representou um recuo paulatino das fronteiras setentrionais, que encolheram até a península balcânica e a Transcaucásia, empurradas pelos avanços dos impérios russo e habsbúrgico. A atuação das potências rivais favoreceu a rebeldia de povos cristãos dos Bálcãs e desse movimento resultaram novos Estados independentes, nos quais a influência britânica e francesa preponderava (HOBSBAWM, 2005HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios (1875-1914). 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.). Em decorrência, o sultão Abdul Hamid II empreendeu uma política contrária ao preconizado e, temeroso de que os territórios conhecidos como Armênia também se tornassem um Estado independente, passou a apoiar o estabelecimento de tribos nômades nas regiões para colocar em prática política de contenção. Ocorreu, então, a imigração de centenas de milhares de curdos e circassianos, acompanhadas de saques, violências e expropriações das populações dos locais onde se instalaram (ALEM, 1961ALEM, Jean-Pierre. A Armênia. São Paulo: DIFEL, 1961.). Há consenso na historiografia de que

Os próprios turcos armaram os curdos e eles formaram esses terríveis regimentos de cavalaria Hamidiyê que espalharam o terror em todo o país. Não só os armênios deviam alojar as tribos nômades no inverno, mas ainda deviam pagar aos chefes curdos um imposto que se sobrepunha ao imposto turco. (ALEM, 1961ALEM, Jean-Pierre. A Armênia. São Paulo: DIFEL, 1961., p. 47).

Com a queda do gabinete conservador e a saída do primeiro-ministro Disraeli do poder da Inglaterra em 1880, uma alteração importante ocorreu na política inglesa em relação à Questão Armênia. Expressando a pauta do partido liberal, o novo primeiro-ministro Gladstone passou a empreender uma campanha em defesa dos armênios e da efetiva aplicação do Tratado de Berlim, que resultou em 1881 no envio de uma circular às demais potências europeias. Com tal posicionamento, o ministro apoiava as reivindicações dos armênios, os quais constituíam parcela importante da população do Império Otomano, e se notabilizaria pela ampla campanha empreendida nessa direção. Sobre a relevância dessa causa, falam as estatísticas de 1896, que registraram a existência de 1.095.889 armênios nesse território, distribuídos pelos vilayetes3 3 Vilayet , em turco, Vilaya, em armênio. Província do Império Otomano. In: http://it.wikinew/wiki/armenian_question. Acesso em 17/07/2021. de Adana 97 450; Alepo 37 999; Ankara 94 298; Bitlis 131 300; Bursa 88 991; Diyarbekir 67 718; Erzerum 134 967; İzmir 15 105; İzmit 48.655; Kastamonu 2 647; Mamure-ul-Azil 79 128; Sivas 170 433; Trebizonda 47 200; Van 9 998.

Desde a década de 1860, os armênios haviam organizado resistência a essa situação de insegurança e constantes violências, rebelando-se nas regiões onde constituíam parcela importante da população (Zeitun, Van, Mush). Sem dúvida o despertar nacionalista que ocorreu nesse contexto passava pela questão dos conflitos étnicos, porém, além disso, foi fundamental para seu desenrolar nas décadas seguintes o papel desempenhado por estudantes e exilados residentes na Europa e no Oriente. Por meio deles e da imprensa publicada em idioma turco e em língua estrangeira no Império, ideais iluministas inspirados na Revolução Francesa penetraram nesse território, entre a população letrada, e sobretudo nos maiores centros urbanos. A circulação desses referentes favoreceu o desenvolvimento de ideais nacionalistas na literatura e nas artes, e posteriormente evoluíram para demandas de autonomia (BOURNOUTIAN, 2006BOURNOUTIAN, George A. A concise History of the Armenian People. 5. ed. Costa Meza California: Mazda Publishers, 2006.).

Como ressalta Hobsbawm,

a expansão imperialista não foi apenas um fenômeno econômico e político, mas também cultural: a conquista do globo pelas imagens, ideias e aspirações transformadas de sua minoria “desenvolvida”, tanto pela força e pelas instituições como por meio do exemplo e da transformação social. (HOBSBAWM, 2005HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios (1875-1914). 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005., p. 115).

Tanto que em algumas regiões “foi o próprio imperialismo, ou o fenômeno associado das missões cristãs, que criou a possibilidade da existência de uma nova elite social baseada na educação de estilo ocidental” (HOBSBAWM, 2005HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios (1875-1914). 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005., p. 115). Tais “elites efetivas ou potenciais do mundo dependente” foram então “ocidentalizadas” com a difusão dos ideais da Revolução Francesa e do Positivismo de Auguste Comte, por meio dos quais construíram uma nova cultura política tributária do Ocidente. (HOBSBAWM, 2005HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios (1875-1914). 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.).

Os movimentos de autodefesa e resistência cresceram entre os armênios com a fundação dos partidos de inspiração liberal-democrata e socialista, alimentados pelo crescente nacionalismo. O primeiro partido ou “comitê” segundo a denominação da época, foi o Armenakan, fundado na cidade de Van em 1885. Dois anos depois, surgiu em Genebra, na Suiça, o Hintchakian - Partido Social Democrata, e, em 1890, em Tiflis, na Geórgia, foi fundado o Hay Heghapokhagan Tashnagtsutiun - Fra Dashnaksutiun ou Dashnak - Federação Revolucionária Armênia (LOUREIRO, 2016LOUREIRO, Heitor de A.C. Pragmatismo e humanitarismo: a política externa brasileira e a causa armênia (1912-1922). 2016. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2016.). Todos eles passaram a editar jornais próprios que divulgavam seu programa político: Hayastan (Armênia), editado pelos armenakans em Marselha; Hintchak (Sino) em Genebra e Londres, pelo partido homônimo e Trochag (Bandeira), pelos dashnaks, em Tiflis. Estabeleceram ativos comitês políticos localizados em Londres, Paris, Marselha, Cairo, Chipre, Genebra etc. Do exterior chegava suporte para a resistência na forma de divulgação da causa e mobilização de opinião em manifestações públicas. Por exemplo, desde 1880, formou-se na França um movimento de armenofilia, que crescia conforme chegavam notícias das perseguições otomanas contra a população armênia da Anatólia. No entanto, é de se ressaltar a importante participação da imprensa liberal inglesa na Questão, de que se falará adiante, e sua política favorável aos armênios sob o governo de Gladstone, decisiva para a divulgação da Questão Armênia na Europa e no mundo. Em Londres, estabeleceu-se o maior e mais ativo número de exilados e estudantes envolvidos com a defesa dos armênios, que divulgavam a causa pela imprensa internacional (COURSONS, 1895COURSONS, R. Des. La rébéllion arménienne: son origine, son but. Paris: Librairie du Service Scientifique de la Presse, 1895.).4 4 COURSONS, V.te R. Des. La rébéllion arménienne : son origine, son but. Paris : Librairie du Service Scientifique de la Presse, 1895. Esta obra, embora radicalmente desfavorável aos armênios e claramente defensora da política otomana, contém importantes informações sobre essa imprensa.

A primeira manifestação de resistência organizada dos armênios, decorrente desse despertar nacionalista e de autodefesa, ocorreu em 1890, com a rebelião de Erzerum, logo seguida pelo episódio de Kum Kapu, em Constantinopla, nesse mesmo ano. Ambos resultaram em sangrenta repressão generalizada contra a população armênia. Em 1894, quando os habitantes da cidade de Sassum recusaram-se a pagar impostos suplementares aos curdos, entraram em conflito armado e os venceram. Seguiu-se a intervenção extremamente sangrenta dos turcos, que esmagou a revolta. Esses acontecimentos alarmaram as potências europeias a ponto de embaixadores da Inglaterra e da França em Constantinopla movimentarem-se para exigir da Sublime Porta um projeto de reformas. Porém, o sultão se recusou a tanto e passou a desenvolver políticas de neutralização e extermínio dos armênios nas vilas e aldeias do interior do império. Sua estratégia consistiu em isolar as províncias armênias do contato com o exterior, proibindo viagens e estabelecendo censura do correio. Os mulás (clérigos islâmicos) foram encarregados de manifestar-se nas mesquitas, denunciando a existência de um complô armênio contra a Turquia e o Islã, e, para completar o quadro, os curdos atuavam na milícia de bachibozuks, também denominados Hamidiyê Alaylari (regimentos hamidianos).

Massacres, saques e depredações de 1895 atingiram as populações civis de cidades e vilas da Anatólia Oriental: Trebizonda, Erzerum, Erzindjan, Bitlis, Diarbekir, Malatia, Sivas, Mardin, Cesareia, Urfa, Kharpert. Contra o “sultão vermelho”, a resistência armênia se acirrou, e os três partidos acima mencionados passaram a atuar conjuntamente. Gestões foram realizadas pela Inglaterra no sentido de deter ações promovidas e apoiadas pelo sultão, o qual sempre se justificou afirmando agir em resposta à revolta armênia. Em Constantinopla, uma passeata com dois mil armênios que pediam reformas foi violentamente reprimida nesse mesmo ano. Os conflitos e as violências se avolumavam. A população armênia enfrentava pesadas baixas e em 1896 as matanças atingiram as cidades de Mush e Killis.

Pela sua repercussão internacional, o mais espetacular - não necessariamente o mais importante, como diria Hobsbawm - desses atos de resistência foi realizado pelo partido Dashnak, em 26 de agosto de 1896, quando um pequeno grupo de militantes municiado com cargas de explosivos invadiu a sede do Banco Otomano em Constantinopla. A ação tinha por objetivo atrair a atenção mundial e, de fato, causou grande alarme. Os embaixadores creditados em Constantinopla intervieram nas negociações de liberação dos envolvidos e passaram a pressionar por reformas, sem êxito, pois em revanche ao ato de ocupação do banco, os massacres de armênios nessa cidade resultaram em cerca de sete mil vítimas. Os eventos tornaram clara a incapacidade de entendimento diplomático e a política das potências europeias já era elaborada com ameaças de intervenção que visavam a anunciada e cobiçada desagregação do Império e sua posterior partilha entre elas.

Diante desses eventos, mesmo que as potências europeias tenham sido incapazes de alterar a situação, formou-se uma corrente de opinião pública de denúncia e indignação, além de ajuda humanitária. Conforme o historiador Sapsezian,

Grandes manifestações de protesto foram organizadas em Paris, em Londres, em Bruxelas, em Roma, em Viena. Por toda parte homens generosos fizeram apelos à consciência do povo para tentar remediar a indiferença dos governos: na Inglaterra, Gladstone, incansável defensor da causa armênia; na França, Denys Cochin, Millerand, Jean Jaurès, de Mun, George Clemenceau; na Bélgica, de Brouckère; na Rússia, Kerenski; na Escandinávia, Georges Brandès, Meuer Benedictsen, Friedijol Nansen. (SAPSEZIAN, 1988SAPSEZIAN, Aharon. História da Armênia: Drama e esperança de uma nação. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1988., p. 55).

Essas mobilizações não conseguiram impedir os massacres, mas tiveram o mérito de tornar conhecida sua extensão, que resultou no total em cerca de 300 mil mortes por assassinato, inanição e frio, além de conversões forçadas ao islamismo, devastação de cidades e aldeias inteiras e migração em massa de armênios para Transcaucásia, Bálcâs, América e Europa, onde aumentaram o contingente que seria conhecido como diáspora. Entre os armênios, acirrou-se a resistência armada pela ação dos fedayi, e passou a ser feita também a partir do exterior do Império, em regiões vizinhas da Pérsia e Transcaucásia. Ações violentas de revanche contra os curdos foram empreendidas em 1897 sob tal ótica, e os conflitos prosseguiram.

As notícias sobre esses eventos começaram a ser publicadas no Fanfulla em 1895, em pleno curso do governo do sultão Abdul Hamid II, que havia ascendido ao trono em 1876. O jornal (inicialmente semanal, depois diário), criado em 1893 e publicado em italiano, assumiu a defesa dos povos cristãos perseguidos pelos turcos otomanos e passou a apresentar em suas páginas a Questão Armênia, que se mesclava à complexa Questão do Oriente por incluir também os conflitos ocorridos na Grécia e nos Bálcãs. A origem desse noticiário foi atribuída aos correspondentes e aos jornais europeus, que forneceram importante material para o Fanfulla. Por meio desse trânsito internacional de informações foram construídas pelo jornal narrativas que oscilavam do breve registro de ocorrências ao editorial, contendo tentativas incipientes de explicação de suas causas, que pareciam nebulosas para os leitores. Nesse sentido, o Fanfulla tornou-se porta-voz da imprensa liberal inglesa, sua principal fonte de informação.

A imprensa publicada na Inglaterra parece ter estabelecido importantes conexões com os comitês armênios na Europa, sobretudo em Londres, que se tornou centro da propaganda da Questão Armênia na década de 1890, desde a ascensão do primeiro-ministro Gladstone ao poder. Desde 1888 a imprensa inglesa passara a noticiar os problemas existentes nas províncias habitadas pelos armênios e entre os jornais que assim se posicionaram estiveram Daily Telegraph, Daily Chronicle, Standard, Pall Mall Gazette, The Times, Manchester Guardian, Globe e Star. Sua presença explícita como fonte de informação nas páginas do Fanfulla seria uma constante, desde que esse periódico passou a noticiar os eventos da Anatólia, em narrativas construídas na mesma pauta humanitária.

Motivada pelo envolvimento da Inglaterra na questão, a imprensa europeia reverberou no calor da hora os acontecimentos. Seu noticiário respondia também à propaganda da Questão feita na Europa por estudantes de origem armênia que haviam se deslocado para a Inglaterra, França e outros países, inclusive a Itália. Destacava-se entre eles a comunidade religiosa dos mekhitaristas, instalada na ilha de São Lázaro, em Veneza, desde o século XVIII, muito ativa em estudos e pesquisas.5 5 A congregação dos Mekhitaristas estabelecida na ilha de São Lazaro em 1717, na cidade de Veneza, desempenhou importante papel de divulgação da cultura armênia no ocidente mediante tradução de textos e de estudos de literatura e história sobre os armênios. Foi uma ordem religiosa cujos membros se empenharam em “preservar a cultura armênia e com o renascimento do estudo da história e da língua armênia(...). Traduziram clássicos europeus para o armênio e iniciaram a escrita de obras de história, linguística, literatura e religião usando fontes inéditas em Latim, Grego e outras línguas (...) produziram gramáticas, dicionários, histórias, peças de teatro e numerosas obras filológicas, geográficas e teológicas”. Fundaram escolas e imprimiram os jornais Bazmavep (1845) e Handes Amsoreay (1887) (BOURNOUTIAN, 2006, p. 194). Nesses países desenvolveu-se uma rede de informações sobre os acontecimentos referentes ao governo hamidiano, que alimentaram a imprensa internacional do Ocidente. É preciso também lembrar que no século XIX diversos jornais armênios haviam sido fundados em Constantinopla, na Europa e em outras regiões do Império e podem ter fornecido informações aos periódicos europeus (MOORADIAN, 1970MOORADIAN, Karlen. The press and the sword. Armenian journalism since 1512. Journalism Quarterly, v. 47, n. 4, 1970.).

Entre esses jornais lembra-se o caso de Pátria, de Constantinopla, Aurora, de Esmirna, da revista Hayastan e sua sucessora Massis. Ou seja, havia se desenvolvido no decorrer do século XIX uma forte atividade de jornalismo de cunho político, inclusive nos territórios habitados por armênios no interior das fronteiras do Império Russo. Embora não seja objetivo deste artigo abordar esses periódicos, ressalte-se que a modernização e a ocidentalização da cultura em andamento mostraram a importância da imprensa para divulgar pautas políticas e exprimir anseios nacionalistas (ÇAGLAR, 2017ÇAGLAR, Burhan. Brief History of an English-Language Journal in the Ottoman Empire: The Levant Herald and Constantinople Messenger (1859-1878). 2017. Tese (Marter of Arts) - Departamento de Near and Middle Eastern Civilizations, Universidade de Toronto, Canadá, 2017.).

Foi por meio dessa imprensa e demais atividades de divulgação que os massacres se tornaram conhecidos no Ocidente, acrescidos de outras fontes de informações diplomáticas, as quais escapavam provavelmente à censura estabelecida pelo sultanato sobre os meios de comunicação na Turquia. Segundo Aharon Sapsezian,

Os relatórios diplomáticos franceses (contidos no Livro Amarelo) e ingleses (Livro Azul, publicado periodicamente), como também as comunicações das missões protestantes e católicas no Império otomano, forneciam amplas e, por vezes, detalhadas informações sobre as atrocidades perpetradas. Dillon, correspondente do jornal inglês Daily Telegraph, enviava periodicamente reveladoras reportagens sobre a situação real nos villaietes. Foi graças a esse fluxo de informações que surgiram vários movimentos espontâneos de solidariedade com os armênios em diferentes lugares. (SAPSEZIAN, 1988SAPSEZIAN, Aharon. História da Armênia: Drama e esperança de uma nação. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1988., p. 108).

Relatórios, notas e correspondências de diplomatas e adidos militares forneciam informações sobre os eventos conhecidos como massacres hamidianos, cuja duração é imprecisa, segundo diversas fontes. Pode-se, no entanto, considerar que vão de 1894 a 1897-1898. Na Alemanha, França, Itália, Inglaterra, Bélgica realizaram-se comícios, manifestações e campanhas de arrecadação de fundos para socorrer as vítimas que dessa maneira obtiveram ajuda humanitária. Na França surgiu uma corrente de opinião forte, que acabaria por criar, em 1900, a publicação Pró-Armenia, e conseguiu mobilizar intelectuais, parlamentares, jornalistas e organizações de caráter humanitário. Acrescentaram vigor à campanha o estadista Clemenceau e o escritor Anatole France.

No entanto, um fato notável perceptível no noticiário publicado pelo Fanfulla refere-se ao silêncio dos armênios em depoimentos de primeira mão. Não houve declarações, testemunhas ou notícias atribuídas diretamente a eles, apesar de haver sobreviventes. Sua voz se fez ouvir por meio da imprensa ocidental e seus correspondentes. Igualmente, por motivos que se pode facilmente intuir, não foram publicadas fotos dos acontecimentos pelo jornal; somente nas últimas décadas do século XX a recuperação de arquivos fotográficos permitiu o acesso a imagens da época.

O Brasil, o Fanfulla e os armênios

O Fanfulla havia sido fundado há apenas dois anos quando começaram os massacres hamidianos, no período em que a publicação buscava definir uma pauta adequada ao seu público, passando de humorístico a informativo, de certo teor socialista, que inspirava seu diretor Vitaliano Rotellini (MALATIAN, 2021MALATIAN, Teresa. Vitaliano Rotellini e a defesa da imigração italiana no Brasil: O Almanacco do Fanfulla. Assis: Patrimônio e Memória, v. 17, p. 355-381, 2021.). Não era incompatível, pelo contrário, com as propostas dos partidos armênios.

Por meio de seu noticiário, o jornal divulgou informações reveladoras de sua política editorial, que visava, por meio da pauta humanitária, influir junto à opinião pública. Seu nítido objetivo ao buscar a empatia de seus leitores para com a Questão Armênia consistia em apresentar e justificar a posição da Itália e sua aliada, a Inglaterra, em relação aos conflitos que se desenrolavam no Império Otomano, envolvendo povos submetidos e desejosos de autonomia, no contexto do imperialismo europeu que avançava em direção ao continente asiático nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial.

As mais persistentes dessas narrativas, divulgadas entre 1894-1897, atribuíram motivação religiosa aos conflitos que dizimaram povos cristãos residentes no Império Otomano, com destaque para os armênios. De início, as narrativas apresentadas aos leitores não mencionavam os anseios nacionalistas desse povo, mas já sinalizavam o reconhecimento da existência de um território pouco definido, porém ancestralmente denominado Armênia, correspondente a uma região geográfica do Cáucaso habitada majoritariamente por ele. Essa identificação territorial já revelava, muito claramente, a inclinação do Fanfulla para a defesa de sua autonomia política.

Em abril de 1895, configurada nas páginas do Fanfulla a interpretação sobre a Questão Armênia enquanto conflito religioso entre cristãos e muçulmanos, o jornal passou a apoiar a tentativa de mediação do papa Leão XIII junto à Sublime Porta. Nesse período inicial dos acontecimentos, as principais fontes do noticiário internacional do Fanfulla eram os jornais ingleses Daily Telegraph, Daily Mirror e The Times, aqui apontados segundo a frequência das citações. Graças ao serviço de telégrafo, o noticiário era de tal eficiência que trazia aos leitores acontecimentos registrados pela imprensa internacional e logo transmitidas pelos seus correspondentes.

Muito mais abundantes e detalhadas do que as matérias publicadas pelo jornal sobre tentativas de negociação, entre elas as que envolveram a intermediação de Leão XIII, encontram-se as descrições dos massacres, que não deixam de comover os leitores. Tais narrativas denunciaram e expuseram à “execração do mundo civil” a política do sultanato, engrossando, assim, a corrente internacional de condenação ao governante. Esse foi o tom adotado na narrativa dos eventos ocorridos em maio de 1895, em uma localidade identificada como Delvering, quando o comandante das tropas turcas prometeu o perdão (não se sabe de que crime, provavelmente seriam membros da resistência armada armênia) aos que se entregassem às autoridades. Um padre e 40 homens acreditaram em tais promessas e se entregaram. Depois de mantidos em cárcere por 24 horas, teriam sido conduzidos a um campo onde foi cavada uma imensa fossa, ali jogados e sepultados vivos. Jovens teriam sido amarrados e colocados sobre feixes de palha seca e queimados vivos.6 6 Le atrocità d’Armenia. Fanfulla, 17/05/1895, p. 1.

Em 1896 o noticiário específico aumentou, em decorrência da intensificação dos conflitos e das ações violentas contra populações civis. Foi o ano em que o Fanfulla divulgou o maior número de notícias sobre a Questão Armênia, provavelmente acompanhando a velocidade em que ocorreram. Tais narrativas, quase sempre publicadas na primeira página do jornal, em lugar de destaque, criavam nos leitores a expectativa de novidades e por meio delas foram sendo consolidadas as imagens de selvageria e barbárie cometidas pelos turcos contra populações indefesas. Logo as notícias passaram a acrescentar outro elemento às denúncias, ou seja, a constatação de que também pairavam ameaças à vida dos europeus cristãos residentes no Império. Os turcos passaram a ser denunciados pelo “bárbaro, desenfreado e sanguinário fanatismo das bestas ferozes, autores de massacres que causam vergonha e pedem vingança”.7 7 I lavori del Congresso della pace. Fanfulla, 21/10/1986. A construção das notícias baseava-se na motivação atribuída pelo jornal aos eventos, ou seja, a identidade turca muçulmana caracterizada pelo fanatismo religioso, causador de todos os males, contra povos cristãos indefesos. Tratava-se de mais um elemento na interpretação do contexto, que em seu tom geral repetia o conceito em voga sobre a Turquia, considerada o “grande doente” agonizante, cuja morte anunciada deveria ser apressada pelas potências ocidentais.

Ainda nesse mesmo ano de 1896, encontram-se publicadas muitas notícias sobre eventos ocorridos na capital do império, que havia se tornado palco de intensas perseguições aos armênios. Os enforcamentos públicos promovidos pelas autoridades do sultanato tornaram-se espetáculo rotineiro desse furor justicialista, tendente ao vingativo. Com os aportes dos correspondentes nessa cidade, Fanfulla construiu narrativas sobre essas execuções, as quais constituem importante fonte de informação sobre os acontecimentos, e que viriam a ser divulgados e corroborados posteriormente por outras fontes. Uma delas é particularmente detalhada e quantifica a ocorrência de 10 a 19 execuções públicas diárias de armênios com a finalidade não só de punir, mas também de exemplificar, mediante o castigo destinado aos dissidentes:

O Sultão ordenou colocar por um longo tempo em quarentena a piedade e erigir forcas nos pontos mais populosos e movimentados de Constantinopla, para dar o exemplo terrível dos corpos inanimados balançando na queda. As forcas, providas das insígnias imperiais, decerto para dar aos armênios o conforto de morrer nobremente, foram erigidas nas 2 extremidades da velha ponte Galata, na ponte nova do Bósforo, em Kum-Kapu, em Parmak-Kapu e em Kassim.

Os condenados vêm transportados entre duas longas filas de policiais e encadeados como feras, aos lugares do suplício, As forcas imperiais são cercadas pelas autoridades - magistratura, altos oficiais, autoridades da polícia e administrativas. Os condenados são completamente amarrados, mãos, pés, braços e pernas. Há pouco tempo, algumas semanas atrás, um jovem armênio, enquanto estava sendo introduzido com a cabeça no laço, rompeu as cordas e começou uma luta que acabou, naturalmente, com a vitória da lei, pois o armênio, atacado e meio morto pelas botas, pode ser pendurado tranquilamente sem nenhum outro protesto legal. As carnificinas turcas gozam, de resto, de uma celebridade indiscutível em todo o mundo. Mais de 60 armênios presos “por cumplicidade com o comitê revolucionário acabaram assim sua vida diante do povinho turco, hurlante de alegria. E não passa dia sem novas prisões. Prisões de turcos suspeitos de simpatia constitucional ou de armênios revolucionários.8 8 La ferocia dei Turchi - La forca a Costantinopoli. Fanfulla, 25/08/1896, p. 1.

Nessa narrativa, pela primeira vez apareceu alguma informação palpável sobre as ações defensivas levadas a efeito pelos armênios contra o império otomano. A escolha do distrito de Kum Kapu para realização dos enforcamentos parece ser portadora de alta carga simbólica, pois nesse distrito de Constantinopla havia ocorrido, em 1890, manifestações de protesto na Catedral Armênia. Em 27 de julho, ativistas do partido Hintchak interromperam a Divina Liturgia para ler um manifesto denunciando a situação do povo armênio. Mas, nesse caso, o jornal apenas resvalou o tema e prudentemente não o explicitou em detalhes para os leitores de origem italiana residentes no Brasil. Para esses, sem maiores informações, não foram apresentados meandros e detalhes desse percurso complexo, paulatinamente construído sobre o eixo da luta entre cristãos e muçulmanos, que aos poucos foi adquirindo o caráter de cruzada nas narrativas.

Em setembro de 1896, intensificada a repressão aos armênios, o noticiário também tornou-se mais frequente e detalhado. As narrativas voltaram a insistir nos perigos decorrentes da política otomana para os cristãos residentes no império e claramente destinavam-se a sensibilizar a opinião pública para a legitimidade de intervenção das potências europeias e dos Estados Unidos. Segundo notícias vindas de Londres pelo Daily Chronicle, difundia-se o pânico entre estrangeiros, inclusive os cidadãos norte-americanos, gerando tensões diplomáticas e ameaças de intervenção pelas potências europeias.9 9 Nuovi massacri in Oriente. Fanfulla, 28/09/1896, p. 2.

Ressalte-se que a estratégia discursiva se mostrava afinada com a realidade da população de Constantinopla, que na época já apresentava características de uma cidade cosmopolita, habitada por europeus, gregos e outros povos do Oriente. Dados censitários certamente imprecisos, coletados por Maurice Halbwachs nos anos 1930, registraram que em 1848 residiam na região 110.000 armênios, que constituíam 17% da população total estimada em 644.000 habitantes. Em 1935, após a Primeira Guerra e a política otomana de eliminação sistemática dos armênios, esse número havia caído para cerca de 48.000, ou seja, os armênios foram reduzidos a 6,6 % da população. Infelizmente, esse autor limitou-se aos dados estatísticos sem procurar elucidar as causas do fenômeno. Porém suas informações são importantes por realçarem que na época aqui estudada, na capital, os armênios habitavam principalmente os bairros de Bayezid, Fatih e Cherrah Pachá, onde constituíam cerca de um quarto da população A escolha do local de enforcamento acima descrito não foi aleatória, como não foi anódina a narrativa construída e divulgada pelo jornal. Os bairros de Pera-Galata eram locais de residência de embaixadores, banqueiros e comerciantes europeus, com amplas avenidas e comércio forte. Eram os mais ocidentalizados de Constantinopla e os eventos que ali se passaram com total ausência de sobriedade punitiva certamente causaram grande comoção pela teatralidade repetida ao longo de vários dias, destinada a atemorizar os insurgentes, e despertar indignação entre os europeus (HALBWACHS, 2016HALBWACHS, Maurice. La población de Estambul (Constantinopla) desde hace um siglo. Empiria, Revista de Metodologia de Ciências Sociales, n. 31, p. 185-207, 2016. ).

Jornais italianos, entre eles o Secolo de Milão, forneceram também matéria para o noticiário do Fanfulla e reforçaram a tese da necessidade de ação conjunta contra o sultão, justificada pela sua omissão diante dos massacres. O caráter ostensivamente oficial dos enforcamentos, conforme relatado,10 10 Gli Stati Uniti e la Turchia ; Crociata generale contro il sultano Abdul Hamid, Fanfulla, 02/09/1896, p. 1. não deixava dúvida quanto a tratar-se de ações que contavam com o beneplácito e/ou determinação oficial.

O Fanfulla aderiu totalmente a essa cruzada e se tornou defensor incondicional dos armênios, passando a desempenhar importante papel de denúncia da sua situação, que era quase desconhecida no Brasil, onde a população de pessoas dessa origem era extremamente reduzida. Apesar do comércio do café, feito com intermediação de negociantes europeus, não havia representação diplomática otomana no país. As relações diplomáticas entre os dois impérios, o brasileiro e o otomano, datam de 5 de fevereiro de 1858, quando em Londres foi assinado o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, ratificado por D. Pedro II no Rio de Janeiro em 10 de abril e pelo sultão Abdul Medjid, em Constantinopla em 18 de maio. No entanto, tais relações foram pouco cultivadas, marcadas por instabilidade e diante da dificuldade em instalar-se representação consular em Constantinopla, somente em 1911 foi afinal estabelecido o consulado brasileiro em Alexandria, no Egito, então território otomano (GOLDFELD, 2012GOLDFELD, Monique Sochaczewski. O Brasil, o Império Otomano e a sociedade Internacional: contrastess e conexões (1850-1919). 2012. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2012.).

Estudos apontam que a vinda dos primeiros armênios ao Brasil inseriu-se na esfera das relações diplomáticas estabelecidas entre o Imperador Dom Pedro II e o governo otomano. Durante duas viagens internacionais de 1871-1872 e 1877-1878 ele visitou territórios que estavam sob o domínio otomano. Além dos atuais Líbano e Síria, esteve em Constantinopla logo após o golpe militar que derrubou o sultão Abdulaziz e instalou no trono Abdul Hamid II, que o recebeu, bem como sua comitiva, no contexto cordial proporcionado pelo tratado de comércio. É plausível que tenha então entrado em contato com Mihran Latif ou Latifyan, parente dos Dadian, família de banqueiros de grande poder econômico e influência política, que atuava junto ao governo do sultanato. Ele é tido como o primeiro armênio vindo para o Brasil, em 1879, aos 23 anos de idade (Constantinopla 1856-Rio de Janeiro 1929). Era engenheiro especializado em construção de ferrovias e trabalhou nesse ramo de atividades durante décadas no país (VARTANIAN, 2020VARTANIAN, Padre Yesnig. A coletividade Armênia do Brasil: informações históricas e cronológicas, de 1860 a 1947. São Paulo: Labrador, 2020.).

Outros mais, pouco numerosos, vieram por iniciativa própria e se inseriram em atividades urbanas. Formaram a “primeira leva” já consagrada pela historiografia e se estabeleceram sobretudo nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, totalmente dissociados da política imigrantista que trazia com subsídios os trabalhadores destinados à agricultura (FREITAS, 2014FREITAS, Sonia M. de. A imigração armênia no Brasil e as comunidades em São Paulo. Travessia, Revista do Migrante, São Paulo, n. 75, p. 7-18, 2014.; 2019FREITAS, Sonia M. de. Presença armênia em São Paulo. São Paulo: Ed. da autora, 2019.). Essa primeira onda migratória teria se iniciado com o deslocamento de imigrantes armênios que se dirigiram ao Uruguai e em seguida dali passaram ao Rio Grande do Sul, onde não chegaram a formar comunidades estruturadas. Entre os pioneiros da imigração armênia para o Brasil, aqueles estabelecidos na cidade de São Paulo exerceram o comércio como ambulantes (mascates) ou em lojas, além de iniciarem atividades de manufatura de tecidos e calçados. Seu número reduzido, a proximidade espacial no território urbano e a procedência oriental por vezes os fazia confundir com sírios e libaneses (GRÜN, 1992GRÜN, Roberto. Negócios & famílias: armênios em São Paulo. São Paulo: Editora Sumaré/FAPESP, 1992. ). No entanto, esse grupo inicial, formado por oriundos da região de Kharpert, organizou-se aos poucos mais solidamente e cresceu sobretudo com a segunda onda migratória, ocorrida na década de 1920 (VARTANIAN, 2020VARTANIAN, Padre Yesnig. A coletividade Armênia do Brasil: informações históricas e cronológicas, de 1860 a 1947. São Paulo: Labrador, 2020.; PORTO, 2014PORTO, Pedro Bogossian. Nem calçadistas, nem mascates: os imigrantes armênios do Rio de Janeiro. In: II Encontro Internacional Fronteiras e Identidades, 2014, Pelotas.).

A cruzada em prol dos armênios

Desde o início da cobertura jornalística da Questão Armênia, o Fanfulla procurou angariar simpatias a favor da intervenção armada das potências europeias na Turquia, cujos contornos foram assim delineando-se no complexo tabuleiro das relações internacionais entre Europa e Ásia. De um lado, Inglaterra, França, Rússia e Itália. De outro, a Alemanha mantinha-se aliada da Turquia e se posicionava contra qualquer intervenção estrangeira no Oriente. Os massacres de outros cristãos, especialmente em Cândia (atual Ilha de Creta, na Grécia), foram apresentados também como justificativa para uma intervenção europeia. Os leitores do Fanfulla iam aos poucos familiarizando-se com a Questão do Oriente, que prenunciava um estado de beligerância, com os campos já demarcados entre as potências europeias.11 11 L’intervento europeo in Turchia. Fanfulla, 10/09/1896, p. 1; La questione d’Oriente. Fanfulla, 02/09/1896, p. 2. Na verdade, tratava-se de um conjunto de problemas e conflitos políticos ocorridos no período de decadência do Império Otomano, marcado pela cobiça das potências europeias sobre seus territórios. Eram multisseculares e envolviam as disputas de territórios no Oriente Médio, no norte da África, nos Bálcãs, no Cáucaso e seu desenlace ocorreria com a Primeira Guerra Mundial.

Razões humanitárias e adesão ao liberalismo sedimentaram os ataques do Fanfulla ao governo otomano, que aos poucos passou a ser responsabilizado no noticiário pelos massacres, comparados às perseguições religiosas que aconteceram na Europa, entre eles a famosa Noite de São Bartolomeu, em 1572, quando os protestantes foram massacrados em Paris. Fanfulla se fez porta-voz dos países aliados que defendiam a intervenção armada de todas as “nações civilizadas” contra os “turcos exaltados” e tornou-se um combatente em favor dessa intervenção para “acabar com a questão que afetava os povos submetidos à dominação otomana”. A cada número em que se ocupou do tema, o noticiário diversificou as fontes de informação, salientando a extensão do apoio europeu a essa cruzada. Estruturou uma construção discursiva que pressupunha a identidade cristã dos povos atingidos pela política otomana e a ela atribuía a causa dos conflitos.

A essa postura, os jornais franceses também expressaram apoio, como o Temps editado em Paris, que defendeu a intervenção armada para “salvar o decoro da Europa, sua dignidade moral”.12 12 L’intervento europeo in Turchia, Fanfulla, 10/09/1896, p. 1. Quanto aos jornais italianos, sua linha editorial era igualmente favorável aos armênios, como se vê na notícia sobre um comício realizado em Milão em protesto contra os massacres, “cometidos por fanáticos muçulmanos contra cristãos de várias nacionalidades” e contrapondo a eles a defesa da liberdade de consciência.13 13 Um comizio contro la Turchia, Fanfulla, 21/09/1896, p. 2. Telegramas recebidos de correspondentes em Constantinopla denunciavam a ausência de punição dos exaltados, que estariam agindo livremente e espalhando o terror entre os não muçulmanos.

O contexto autorizou o Fanfulla a insistir na proposta da cruzada europeia contra os muçulmanos, estratégia justificada pelos próprios termos da construção das narrativas, que tinham como eixo o conflito religioso, embora ocasionalmente apresentassem a efervescência nacionalista que havia despertado no império do sultão. A ênfase na necessidade da efetiva participação do Papa nessa questão reforçava a estratégia narrativa assim construída pelo Fanfulla, que colocou a provável solução do conflito em duas possibilidades: o entendimento pacífico entre o chefe da cristandade e o sultão, diante da ameaça que estava em andamento contra a Igreja no Oriente; ou a intervenção armada das potências europeias em nome da salvaguarda de seus súditos e do humanitarismo.14 14 Uma lettera del Papa contro I massacri, Fanfulla, 28/09/1896, p. 2. Uma e outra se revelariam ameaças ineficazes, como previram as folhas liberais.

Falhada a tentativa de resolução pacífica, as potências europeias posicionaram-se no Bósforo para com maior veemência exercerem pressão. O conflito degenerava rapidamente de uma “questão” do Oriente para um estado de beligerância, que expressava as tensões entre os povos submetidos ao jugo otomano e o apetite voraz das potências europeias prontas a partilhar os pedaços do império cambaleante. A defesa da necessidade da cruzada contra os muçulmanos para salvar os cristãos alimentada pelo noticiário incluía a opinião de que a posição de Abdul Hamid era crítica e que no horizonte se vislumbrava sua abdicação ou um confronto iminente com as potências europeias. O jornal clamava pela sua abdicação, mostrando o sultão como governante fraco, incapaz de impor sua vontade.15 15 La posizione del sultano. Fanfulla, 29/09/1896.

A Itália, os italianos e o Fanfulla

Os interesses do reino da Itália na Questão Armênia estavam ocultos no noticiário específico sobre o tema, porém pode-se conectá-los com o acordo anglo - italiano para tratar das questões do Oriente, firmado em 1886, o qual resultou em anexação pela Itália do porto de Maçuá, no Egito. O noticiário sobre os massacres hamidianos ocorreu no calor do envolvimento italiano com a corrida imperialista na África, que resultou na tentativa de conquista da Etiópia, entre 1895 e 1896, frustrada com a derrota italiana na batalha de Ádua. Outras regiões seriam, porém, incorporadas pelo avanço do reino da Itália em direção a um sonhado império: Eritreia, Somália e ilhas Dodecaneso, situadas no litoral da Grécia. As narrativas do Fanfulla sobre os massacres dos armênios eram inseridas ao lado de noticiário sobre esse movimento da Itália em busca de colônias, porém de forma estanque, sem nenhuma conexão, exceto a afirmação de que esse país partilhava a posição da Inglaterra na política em relação ao Oriente e dispunha-se a intervir no Império Otomano para obter a queda do sultão. O referido acordo previa e de fato colocou em prática a ameaça de intervenção com o deslocamento de esquadras como resposta aos massacres de cristãos, o que foi concretizado com o envio de navios sob bandeira italiana para o Bósforo.16 16 L’accordo anglo-italiano per gli Affari d’Oriente. Fanfulla, 29/09/1896, p. 2 A constante presença das narrativas sobre os horrores de Constantinopla no Fanfulla decorria também dessa aliança e não apenas da ação dos comitês armênios. Seu noticiário, baseado em despachos vindos de Constantinopla e Atenas, clamava contra a situação apresentada como completa anarquia, dada a suspensão de todas as garantias individuais. O incessante êxodo de cristãos justificava a necessidade de deposição de Abdul Hamid, cuja permanência no poder era interpretada como “um delito contra a civilidade e um atentado à liberdade de consciência”.17 17 Gli orrori di Costantinopoli. Fanfulla, 29/09/1896, p. 2. .

Desde o estabelecimento do referido acordo, as notícias passaram a associar as ações dos dois países no Bósforo, onde o controle do estreito de Dardanelos tornara-se o pivô da estratégia de pressão para a derrocada do sultanato. Ali foram reunidos navios torpedeiros de diversas nacionalidades, obrigando a Turquia a tomar medidas defensivas. O ministro da Marinha da Itália, com o objetivo de aumentar a esquadra estacionada no Bósforo, preparou couraçados e torpedeiros para envio ao local.18 18 La difesa dei Dardanelli; Altri navi in Oriente, Fanfulla, 03/10/1896, p. 2. Os massacres em Candia, na Macedônia e na Armênia justificavam tal movimento para prevenir novos horrores. Sobressaem entre eles os de Constantinopla, descritos com tintas fortes pelos correspondentes de jornais italianos, a exemplo do periódico Roma: “a ferocidade do populacho muçulmano e a caça aos armênios através das ruas dessa cidade teriam resultado em mais de 12 mil mortos”.19 19 Política europea; 12. 793 vittime. Fanfulla, 05/10/1896, p. 1.

Em outubro de 1896, desde a celebração do acordo anglo-italiano, o noticiário sobre o tema se intensificou para tornar-se quase diário. O desmembramento do Império Otomano era tido como certo, mas contra ele erguia-se a resistência da Inglaterra e colocava-se a necessidade de negociações diplomáticas, para pressionar o sultão a colocar em prática algumas decisões do Congresso de Berlim, negligenciadas pela Sublime Porta. Standard e Daily News de Londres foram os jornais porta-vozes desse posicionamento da Inglaterra, que pretendia evitar o esfacelamento da Turquia para melhor colher os frutos de sua política imperialista e como solução para essas questões defendia a imposição de um governante cristão para o império otomano, sob a sanção de toda a Europa.20 20 Contro lo smembramento della Turchia; Gli avvenimenti d’Oriente. Fanfulla, 06/10/1896, p. 2 e 3. As discussões da política europeia giravam em torno desse tema, com avanços e retrocessos, inclusive pela Itália, comprometida que estava com a política inglesa na região e seguia seus passos.21 21 Acordo fra le potenze; Italia - Inghilterra e Turchia. Fanfulla, 07/10/1896, p. 2. Ademais, o governo italiano defendia seus próprios interesses, ou seja, garantir seu quinhão na eventual partilha do Império Otomano.

O resultado da atuação dos jornais italianos em favor da intervenção armada europeia não se fez esperar: foram proibidos pelo sultão de circular em todo o seu território. Houve, também, a informação, vinda de Constantinopla, de que o governo otomano teria tentado silenciar a imprensa europeia sobre os massacres, por meio de emissários enviados aos principais jornais para convencê-los a publicar notícias favoráveis à sua política.22 22 Il Sultano tenta corrompere la stampa. Fanfulla, 15/10/1896, p. 1; Il giornali italiani en Turchia, Fanfulla, p. 1, 30/12/1896.

Em decorrência de sua posição favorável aos interesses imperialistas da Itália, o Fanfulla não deixava seus leitores se esquecerem da pauta principal, a desagregação do Império Otomano, para tanto colocando aos seus leitores questões candentes: a quem pertencerá a Turquia? E a ilha de Cândia? E a Macedônia? A Síria? A Tripolitânia?23 23 Il momento politico. Fanfulla, 14/10/1896, p. 1. A Rússia cobiçava a Ásia Menor; a França queria a Síria, a costa albanesa iria para a Itália, Salônica e todo o vale de Vardar iriam para a Áustria, e a Inglaterra teria a plena possessão do Egito.24 24 Um curioso projeto di divisione della Turchia. Fanfulla, 05/01/1897, p. 1. É o que difundiam os jornais, entre eles o Daily Mail, e o Fanfulla repassava aos seus leitores em linhas bastante superficiais, porém suficientes para a sustentação das narrativas sobre as intrincadas questões e implicações políticas em jogo. Entre os focos de conflito, passou a sobressair a “Armênia insurgente”, insurgência essa nunca claramente explicitada, e, no entanto, apresentada com benevolência. Após atribuir os massacres e atos de vandalismo à população enfurecida por fanatismo religioso contra os cristãos, o Fanfulla passou a refinar seu noticiário e a atribuir ao governo otomano a omissão e a conivência diante dos acontecimentos, além de denunciar o papel das forças policiais nessas ações, organizando e dirigindo os motins populares. Clamores de reparação pelas perdas materiais sofridas pelos europeus começaram a surgir.25 25 L’Italia e la Sublime Porta. Fanfulla, 16/10/1896, p. 1.

No complicado jogo diplomático e estratégico destinado a por fim à Questão do Oriente, a Itália perdia terreno, envolvida que estava com a tentativa fracassada de anexação da Eritreia.26 26 La tríplice per l’Oriente. Fanfulla, 20/10/1896. Para recuperá-lo e assim manter-se no jogo político, a estratégia discursiva do Fanfulla consistiu em associar historicamente a Armênia à Itália, com um artigo elucidativo sobre essas relações que estariam implícitas no apoio dado à “causa armênia”, expressão que aparece no jornal sem definição precisa. Essa narrativa de uma história conectada entre os dois países remonta ao reino da Cilícia, fundado por Rubens em 1080 e desmembrado com ataques dos tártaros e sarracenos, em 1393. Seu último rei, após muitas vicissitudes, teria se refugiado junto à Casa de Savoia, levando consigo uma narrativa confusa mas com fundo de veracidade sobre as relações amistosas entre os dois países.27 27 Il Regno de Armenia e la Casa di Saboia, Fanfulla, 24/10/1896, p. 1. Tal narrativa foi mais um argumento apresentado com o intuito de conferir legitimidade à ameaça de intervenção armada da Itália mediante envio de navios de guerra ao Bósforo. Conflito religioso e conflito político misturaram-se e na argumentação prevaleceu o primeiro, pois houve ausência ou grande simplificação sobre suas causas.

Além dos massacres e das destruições de bens e moradias de armênios, o jornal informou seus leitores com base no que foi publicado pelo Daily Chronicle, sobre um tema que lhe era bastante familiar, o da emigração, nesse caso de armênios para outros países. O governo otomano estaria dificultando ou mesmo proibindo a saída em massa desses emigrantes, negando-lhes o visto e/ou exigindo sua identificação para evitar a saída de “suspeitos”. O jornal registrou o êxodo de seis mil pessoas em direção à Bulgária, que havia se tornado território cristão, onde iriam receber terras deixadas pelos muçulmanos que haviam se retirado do país. Os armênios seriam na Bulgária “fonte de força e de prosperidade para a jovem nação cristã”.28 28 6000 emigrati armeni. Fanfulla, 04/11/1896, p. 1. Quanto a possível vinda para o Brasil, nenhuma notícia.

Ao findar o ano de 1896, o temor do ativismo armênio conduzia os atos contra esses súditos do Império, sendo muitos deles presos sob acusação de envolvimento com um plano de atentar contra a vida do sultão. Os jornais denunciam torturas aos presos, que estariam incomunicáveis, e as dificuldades por que passavam aqueles que estavam “impedidos de vender seus bens para ir embora, porque se procura, sob vários pretextos, confiscá-los”.29 29 Il Sultano contro il “Secolo” di Milano. Fanfulla, 09/11/1986, p. 1. Livre da censura, o Fanfulla podia publicar as notícias que chegavam até a Europa, e com pequeno atraso, graças ao telégrafo, os leitores no Brasil podiam informar-se.

Nesse período, com o acirramento das perseguições, afinal o Fanfulla passou a publicar notícias de conteúdo político para além do conflito religioso e abriu uma fresta para a compreensão mais acurada das tensões e dos conflitos presentes na Questão Armênia. Na Europa era dada como certa a incapacidade da diplomacia em conseguir mudar essa situação, pois segundo o jornal, “nenhum argumento pode influir sobre a mente do sultão. Para ele todos os armênios são do partido revolucionário e dinamitadores e decidiu esmagá-los todos e acabar para sempre com o germe da rebelião”.30 30 La diplomazia derisa a Costantinopoli, Fanfulla,09/11/1896, p. 1.

A narrativa do Fanfulla foi se refinando ao longo do ano de 1896 e outros componentes acrescentados a ela, complicando ainda mais a compreensão do mundo ocidental sobre o que se passava. Em 1897 ocorreram novos massacres em Constantinopla e outras cidades e aldeias, segundo os correspondentes do Fanfulla:

As ruas de Constantinopla se transformaram em um verdadeiro campo de batalha. A luta entre turcos e armênios é apavorante, terrível. Os mortos e os feridos calculam-se aos milhares. A polícia se mostra impotente para frear o furor dos fanáticos muçulmanos que dos campos vizinhos inundam a capital cegos de ódio religioso. Nos bairros europeus se nota um corre-corre geral. Os embaixadores telegrafaram rapidamente aos respectivos governos e estão à espera de ordens precisas. Acredita-se iminente uma intervenção armada de todas as potências da Europa.31 31 Nuove stragi in Turchia- gli orrori di Costantinopoli. Fanfulla, 07/01/1897, p. 1.

A Questão Armênia passou a ter outros elementos narrativos, como a apresentação evasiva e superficial de resistência pelos comitês armênios, que se preparavam para reagir à repressão muçulmana, em um “último esforço desesperado”.32 32 Abdul Hamid-Khan. Fanfulla, 23/03/1897, p. 1. Sempre em evidência, o noticiário na primeira página e por vezes em manchetes cumpria seu papel de apresentar solidariedade e ao mesmo tempo criar uma opinião pública favorável à participação da Itália nessa política. A resistência constituiu novo elemento discursivo importante e foi apresentada como decorrência natural dos acontecimentos, que tiveram efeito contrário ao pretendido, de “evitar novas insurreições”. As notícias detalhadas a seguir foram elaboradas com informações vindas dos rebeldes da cidade de Erzerum, onde resistiram às tropas turcas:

Por meio dos comitês de Londres e de Erzerum chegaram à parte mais montanhosa da Armênia cerca de 100 mil fuzis. Apenas os navios tinham se afastado, os montanheses armênios desceram à planície, atacaram os curdos, seus perpétuos inimigos, expulsando da cidade a guarnição e os governadores turcos, e proclamaram a independência da Armênia. Um bispo dos mais influentes e reverenciados entre aquele povo visitou várias capitais da Europa, inclusive Roma, para invocar socorro, oferecendo até o protetorado do novo reino que parece estar ressurgindo. Em desespero, os armênios, malgrado a sua dissidência religiosa, se lançaram às mãos da Rússia, que desde 1878 ocupa já uma parte da Armênia, e ela somente poderia, em acordo com a Pérsia, garantir o necessário extermínio dos curdos.33 33 Gli armeni ala rescossa. Fanfulla, 29/03/1897, p. 1.

Começava a fazer-se presente nas narrativas a oposição interna ao sultão, sustentada pelo partido renovador dos Jovens Turcos, que propunha reformas civis e nova vida ao decadente império. Na avaliação do Fanfulla, aliás compartilhada como esperança de salvação pelos próprios armênios, os Jovens Turcos seriam a força modernizadora da Turquia e de seu império, capaz de acabar com a barbárie, o fanatismo e a obrigatoriedade de submissão ao Islã.34 34 L’integrità della Turchia. Fanfulla, 01/04/1897, p. 1.

Considerações finais

A análise das narrativas produzidas pelo Fanfulla entre 1894 e 1897 sobre os massacres de armênios ocorridos no Império Otomano durante o califado de Abdul Hamid II evidenciou que o periódico tinha como público-alvo os imigrantes italianos radicados no Brasil, mas foi além desses interesses ao abordar questões mais amplas, como ocorreu com a Questão Armênia.

As narrativas que construiu e divulgou no período, reconhecido como o do auge dos conflitos entre armênios, turcos, curdos e circassianos, na década de 1890, caracterizaram-se pela denúncia das perseguições contrários à visão humanitária seguida pelo jornal, cuja linha editorial norteava-se por ideais socialistas e liberais. A interpretação dos eventos como embate de fundo religioso entre cristãos e muçulmanos justificou a proposta de uma cruzada do mundo ocidental para a defesa dos povos oprimidos do Oriente, especialmente os armênios.

Os interesses do jornal na construção dessas narrativas atenderam aos propósitos dos partidos ou comitês políticos dos armênios que surgiram no período em decorrência das violências e do crescimento da necessidade de autodefesa, bem como do despertar nacionalista que foi cultivado não apenas no interior do Império Otomano, mas, sobretudo, na Europa, por estudantes e intelectuais mobilizados em prol da mudança do estatuto desse povo.

Outro elemento fundamental para essa construção narrativa foi a política externa desenvolvida pela Itália e Inglaterra, unidas por meio de acordos que regulavam sua atuação no Oriente. A Itália, tendo entrado tardiamente na corrida imperialista do século XIX, buscou no período obter territórios afetos à esfera política otomana, cuja decadência incentivava a cobiça de potências europeias. Esses interesses moldaram a constante pressão do governo italiano sobre o sultanato, inclusive com ameaças de intervenção naval no Bósforo, as quais transcenderam o âmbito das tratativas diplomáticas e foram acompanhadas por movimentação de navios de guerra na região. Nesse sentido, as narrativas do jornal visavam justificar a política externa italiana no período, criando opinião favorável entre os imigrantes dessa nacionalidade radicados no Brasil em prol da intervenção na África e no Oriente.

A troca internacional de informações entre o Fanfulla e outros jornais, notadamente aqueles publicados na Inglaterra, foi fundamental para a construção e a divulgação de tais narrativas, nas quais a voz dos armênios não esteve diretamente presente. Esses jornais forneceram julgamentos morais, opiniões e notícias que foram num crescendo informando os leitores, ao mesmo tempo em que o exército italiano sofria grande derrota na Etiópia e frustravam-se as ambições da Itália em submeter a região.

Nesse contexto, as narrativas destinavam-se também a oferecer aos leitores um sentido para a política externa italiana, que se justificava pela identificação do sultão e dos otomanos como inimigos da Itália e dos italianos. Para tanto, foram mobilizadas importantes fontes noticiosas a fim de garantir credibilidade aos relatos. Nesse sentido, o Fanfulla foi um dos poucos jornais editados no Brasil que deram tal cobertura impactante dos massacres hamidianos, em perspectiva incondicionalmente favorável aos armênios.

Não foi possível detectar no jornal reação de seus leitores ao noticiário sobre os massacres, fossem eles de origem italiana ou de outras nacionalidades, inclusive brasileiros. A seção de carta dos leitores não apresentou, nos números analisados, qualquer manifestação opinativa. O papel do periódico como formador de opinião pode ser constatado pelo seu empenho em divulgar os massacres nos mesmos números em que noticiava abundantemente outras dimensões da política externa italiana.

A escassa representatividade de imigrantes armênios no Brasil na época talvez justifique essa ausência e o tema abordado revelava aos leitores dimensões praticamente inéditas da chamada Questão Armênia, no entanto manipulada como um motivo justificador para a política externa imperialista agressiva da Itália e de seus aliados europeus.

REFERÊNCIAS

  • ALEM, Jean-Pierre. A Armênia São Paulo: DIFEL, 1961.
  • BOURNOUTIAN, George A. A concise History of the Armenian People 5. ed. Costa Meza California: Mazda Publishers, 2006.
  • ÇAGLAR, Burhan. Brief History of an English-Language Journal in the Ottoman Empire: The Levant Herald and Constantinople Messenger (1859-1878). 2017. Tese (Marter of Arts) - Departamento de Near and Middle Eastern Civilizations, Universidade de Toronto, Canadá, 2017.
  • COOPER-RICHET, Diana. La figure du passeur dans l’histoire de la diffusion transnationale de la théorie des Cultural Studies (années 1990). História, São Paulo, v. 32, n. 1, p. 190-197, 2013.
  • COURSONS, R. Des. La rébéllion arménienne: son origine, son but. Paris: Librairie du Service Scientifique de la Presse, 1895.
  • FREITAS, Sonia M. de. A imigração armênia no Brasil e as comunidades em São Paulo. Travessia, Revista do Migrante, São Paulo, n. 75, p. 7-18, 2014.
  • FREITAS, Sonia M. de. Presença armênia em São Paulo São Paulo: Ed. da autora, 2019.
  • GOLDFELD, Monique Sochaczewski. O Brasil, o Império Otomano e a sociedade Internacional: contrastess e conexões (1850-1919). 2012. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2012.
  • GRÜN, Roberto. Negócios & famílias: armênios em São Paulo. São Paulo: Editora Sumaré/FAPESP, 1992.
  • HALBWACHS, Maurice. La población de Estambul (Constantinopla) desde hace um siglo. Empiria, Revista de Metodologia de Ciências Sociales, n. 31, p. 185-207, 2016.
  • HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios (1875-1914) 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
  • LOUREIRO, Heitor de A.C. Pragmatismo e humanitarismo: a política externa brasileira e a causa armênia (1912-1922). 2016. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2016.
  • MALATIAN, Teresa. Vitaliano Rotellini e a defesa da imigração italiana no Brasil: O Almanacco do Fanfulla. Assis: Patrimônio e Memória, v. 17, p. 355-381, 2021.
  • MELO, Alessandra de. Páginas sangrentas: o genocídio armênio pelo viés do jornal “O Estado de S. Paulo (1894-1923). 2017. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2017.
  • MOORADIAN, Karlen. The press and the sword. Armenian journalism since 1512. Journalism Quarterly, v. 47, n. 4, 1970.
  • PORTO, Pedro Bogossian. Nem calçadistas, nem mascates: os imigrantes armênios do Rio de Janeiro. In: II Encontro Internacional Fronteiras e Identidades, 2014, Pelotas.
  • SAPSEZIAN, Aharon. História da Armênia: Drama e esperança de uma nação. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1988.
  • THOROSSIAN, Hiranth. Histoire de l’arménie et du peuple arménien Paris: Imprimerie Alexandre, 1957.
  • VARTANIAN, Padre Yesnig. A coletividade Armênia do Brasil: informações históricas e cronológicas, de 1860 a 1947 São Paulo: Labrador, 2020.
  • 2
    Herissé é considerado o prato mais tradicional dos armênios, elaborado com grãos de trigo e carne.
  • 3
    Vilayet , em turco, Vilaya, em armênio. Província do Império Otomano. In: http://it.wikinew/wiki/armenian_question. Acesso em 17/07/2021.
  • 4
    COURSONS, V.te R. Des. La rébéllion arménienne : son origine, son but. Paris : Librairie du Service Scientifique de la Presse, 1895COURSONS, R. Des. La rébéllion arménienne: son origine, son but. Paris: Librairie du Service Scientifique de la Presse, 1895.. Esta obra, embora radicalmente desfavorável aos armênios e claramente defensora da política otomana, contém importantes informações sobre essa imprensa.
  • 5
    A congregação dos Mekhitaristas estabelecida na ilha de São Lazaro em 1717, na cidade de Veneza, desempenhou importante papel de divulgação da cultura armênia no ocidente mediante tradução de textos e de estudos de literatura e história sobre os armênios. Foi uma ordem religiosa cujos membros se empenharam em “preservar a cultura armênia e com o renascimento do estudo da história e da língua armênia(...). Traduziram clássicos europeus para o armênio e iniciaram a escrita de obras de história, linguística, literatura e religião usando fontes inéditas em Latim, Grego e outras línguas (...) produziram gramáticas, dicionários, histórias, peças de teatro e numerosas obras filológicas, geográficas e teológicas”. Fundaram escolas e imprimiram os jornais Bazmavep (1845) e Handes Amsoreay (1887) (BOURNOUTIAN, 2006BOURNOUTIAN, George A. A concise History of the Armenian People. 5. ed. Costa Meza California: Mazda Publishers, 2006., p. 194).
  • 6
    Le atrocità d’Armenia. Fanfulla, 17/05/1895, p. 1.
  • 7
    I lavori del Congresso della pace. Fanfulla, 21/10/1986.
  • 8
    La ferocia dei Turchi - La forca a Costantinopoli. Fanfulla, 25/08/1896, p. 1.
  • 9
    Nuovi massacri in Oriente. Fanfulla, 28/09/1896, p. 2.
  • 10
    Gli Stati Uniti e la Turchia ; Crociata generale contro il sultano Abdul Hamid, Fanfulla, 02/09/1896, p. 1.
  • 11
    L’intervento europeo in Turchia. Fanfulla, 10/09/1896, p. 1; La questione d’Oriente. Fanfulla, 02/09/1896, p. 2.
  • 12
    L’intervento europeo in Turchia, Fanfulla, 10/09/1896, p. 1.
  • 13
    Um comizio contro la Turchia, Fanfulla, 21/09/1896, p. 2.
  • 14
    Uma lettera del Papa contro I massacri, Fanfulla, 28/09/1896, p. 2.
  • 15
    La posizione del sultano. Fanfulla, 29/09/1896.
  • 16
    L’accordo anglo-italiano per gli Affari d’Oriente. Fanfulla, 29/09/1896, p. 2
  • 17
    Gli orrori di Costantinopoli. Fanfulla, 29/09/1896, p. 2.
  • 18
    La difesa dei Dardanelli; Altri navi in Oriente, Fanfulla, 03/10/1896, p. 2.
  • 19
    Política europea; 12. 793 vittime. Fanfulla, 05/10/1896, p. 1.
  • 20
    Contro lo smembramento della Turchia; Gli avvenimenti d’Oriente. Fanfulla, 06/10/1896, p. 2 e 3.
  • 21
    Acordo fra le potenze; Italia - Inghilterra e Turchia. Fanfulla, 07/10/1896, p. 2.
  • 22
    Il Sultano tenta corrompere la stampa. Fanfulla, 15/10/1896, p. 1; Il giornali italiani en Turchia, Fanfulla, p. 1, 30/12/1896.
  • 23
    Il momento politico. Fanfulla, 14/10/1896, p. 1.
  • 24
    Um curioso projeto di divisione della Turchia. Fanfulla, 05/01/1897, p. 1.
  • 25
    L’Italia e la Sublime Porta. Fanfulla, 16/10/1896, p. 1.
  • 26
    La tríplice per l’Oriente. Fanfulla, 20/10/1896.
  • 27
    Il Regno de Armenia e la Casa di Saboia, Fanfulla, 24/10/1896, p. 1.
  • 28
    6000 emigrati armeni. Fanfulla, 04/11/1896, p. 1.
  • 29
    Il Sultano contro il “Secolo” di Milano. Fanfulla, 09/11/1986, p. 1.
  • 30
    La diplomazia derisa a Costantinopoli, Fanfulla,09/11/1896, p. 1.
  • 31
    Nuove stragi in Turchia- gli orrori di Costantinopoli. Fanfulla, 07/01/1897, p. 1.
  • 32
    Abdul Hamid-Khan. Fanfulla, 23/03/1897, p. 1.
  • 33
    Gli armeni ala rescossa. Fanfulla, 29/03/1897, p. 1.
  • 34
    L’integrità della Turchia. Fanfulla, 01/04/1897, p. 1.
  • 1
    Tradução do texto para o inglês por Luiza Roy.

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e Eduardo Romero de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2022
  • Aceito
    29 Ago 2022
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Campus de Assis, 19 806-900 - Assis - São Paulo - Brasil, Tel: (55 18) 3302-5861, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Campus de Franca, 14409-160 - Franca - São Paulo - Brasil, Tel: (55 16) 3706-8700 - Assis/Franca - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@unesp.br