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A Invenção da Santidade: representações e devoções religiosas na cidade do Recife (1902-1980)

The Creation of Holiness: religious representations and devotions in the city of Recife (1902-1980)

Resumo

Os processos de beatificação e canonização, recebidos pelos órgãos da Igreja Católica, atendem a um longo procedimento, com resoluções canônicas que buscam reconhecer a vida extraordinária do candidato, investigar a sua fama de santidade e os possíveis milagres que lhe são atribuídos. No entanto, diferente das orientações institucionais, em diversos espaços e temporalidades, fiéis também atribuíram sacralidade a indivíduos por supostas graças/milagres alcançados ou uma identidade com elementos que envolvem narrativas de sacrifícios pessoais. A partir das propostas da História Cultural das Religiões, analisamos a invenção da fama de santidade de três personagens no Recife que foram venerados por integrantes de múltiplas camadas sociais durante o século XX. A partir das narrativas apresentadas em jornais, compreendemos como parte da população conferiu sentido aos cultos que estavam distantes de um reconhecimento da hierarquia eclesiástica romana. Nesse sentido, analisamos a construção das devoções sem a intervenção da Igreja em um instante de readaptação das relações do político com o religioso ou a partir de uma identidade social com a população.

Palavras-chave:
fama de Santidade; devoções; século XX; Recife

Abstract

The beatification and canonization processes, received by the bodies of the Catholic Church, follow a long procedure, with canonical resolutions that seek to recognize the extraordinary life of the candidate, investigate their reputation for holiness and the possible miracles attributed to them. However, unlike institutional guidelines, in different spaces and temporalities, believers also attributed sacredness to individuals for supposed graces / miracles achieved or an identity with elements that involve narratives of personal sacrifices. From the proposals of the Cultural History of Religions, we analyze the creation of a reputation for holiness to three characters in Recife, wh were venerated by members of multiple social strata during the 20th century. From the narratives presented in newspapers, we understand how part of the population gave meaning to worships that were far from a recognition of the Roman ecclesiastical hierarchy. In this sense, we analyze the construction of devotions without the intervention of the Church in a moment of readaptation of the relations between the political and the religious field or from a social identity construction started by common citizens.

Keywords:
reputation for Holiness; devotions; 20th century; Recife

[…] queiram ou não os 21 cardeais do “Index Status”, os santos do povo já morrem santos. Pouco importa que os inquisidores mandem queimar as hóstias da beata Maria de Araújo, condenem a devoção ao padre Cícero, ou proíbam romarias ao túmulo da Menina Sem Nome […], porque eles já foram canonizados pela plebe. (Diario de Pernambuco, 12 set. 1982NOSSOS Santos de casa também fazem milagres. Diario de Pernambuco , Recife, 12 set. 1982., p. B-01).

Em diferentes momentos, a invenção de um santo se constituiu de modo espontâneo entre os fiéis. Na Idade Média, por exemplo, esse processo se resumia à constatação da fama de santidade de algum indivíduo que, após a sua morte, tinha o nome, as relíquias ou os espaços que frequentava direcionados a significados religiosos. No entanto, durante o período moderno, o reconhecimento da “vida extraordinária”, dos atos caridosos ou do martírio de alguns personagens que eram vistos como santos passaram a atender pontos pré-determinados pela Igreja Católica, especialmente quando relacionados a eventos sobrenaturais.

Nas ações de sacralização, o poder de influência da Igreja sobre o âmbito político entre os séculos XII e XVIII era decisivo. A análise de Marc Bloch, relativa aos Reis Taumaturgos, é um retrato dessa realidade. De acordo com o autor, na França e na Inglaterra os funcionários reais e os súditos atribuíam ao soberano uma característica sagrada e poderes de cura pelo toque, constituindo-se em capacidade religiosa para o indivíduo (BLOCH, 1999BLOCH, M.Os reis taumaturgos: o caráter sobrenatural do poder régio, França e Inglaterra. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.).

O conceito de santidade está relacionado com as dimensões teológicas, históricas, religiosas, antropológicas e jurídicas que busca um denominador que atribua divindade a um indivíduo. As práticas que envolvem o termo estão compostas por critérios espirituais e taumatúrgicos, direcionados ao reconhecimento de pessoas que têm uma relação privilegiada que deriva das interações entre as esferas humana e divina (GAJANO, 2020GAJANO, S. B. La santidad como paradigma histórico. Anuario de Historia de la Iglesia, n. 29, p. 19-52, 2020. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7396602 . Acesso em: 18 jul. 2022.
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).

O manual que orienta os processos de beatificação e canonização da Congregatio de Causis Sanctorum define que “a santidade ordena o homem a Deus, o que significa que o homem considera Deus como o fim de todos os seus atos e, em primeiro lugar, como o fim de sua própria mente; e esse fim é alcançado por meio dos atos próprios dessa mente: conhecimento e amor” (CONGREGATION, 2018CONGREGATION de Causis Sanctorum. Le Cause dei Santi: Sussidio per lo studium. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2018., p. 37).1 1 “La santità ordina l’uomo a Dio. Questo significa che l’uomo prende Dio como fine di tutti i propri atti e, in primo luogo, come fine della sua stessa mente; e tale fine si raggiunge mediante gli atti propri di questa mente: la conoscenza e l’amore” [Tradução livre]. Percebe-se que o processo atende a diferentes requisitos em torno da vida do candidato a santo, uma vez que estabelece uma aproximação do indivíduo, suas ações e virtudes com os aspectos divinos.

No entanto, devemos levar em consideração que mesmo com as normatizações estabelecidas pela hierarquia eclesiástica, a muitos personagens foram atribuidos fama de santidade sem a intervenção da Igreja Católica. O processo de sacralidade de alguns indivíduos foi gerado, difundido e legitimado por fiéis sem o reconhecimento do clero, constituindo-se em invenções devocionais em diferentes regiões.2 2 O uso do termo invenção, com objetivo de compreender a formação dos cultos católicos, parte do trabalho do historiador em construir a sua temática de pesquisa a partir das investigações em arquivos e avaliação das fontes. A palavra atende a categorias sociais que constituem os eventos históricos. Nas últimas décadas, diferentes autores se utilizam da proposta para compreender as marcas do homem no tempo, como a “invenção do cotidiano”, a “invenção do Nordeste”, a “invenção do falo” ou a “invenção das mulheres”. (Cf. ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p. 62-63; OYĚWÙMÍ, 2021).

Nesse sentido, a santidade é uma construção que também leva em consideração as elaborações da história, as invenções da cultura e as representações civis. Contudo, para Sofia Boesch Gajano, a política e a religião podem competir para determinar as estruturas que direcionam o caminho a ser percorrido no processo de santidade (GAJANO, 2020GAJANO, S. B. La santidad como paradigma histórico. Anuario de Historia de la Iglesia, n. 29, p. 19-52, 2020. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7396602 . Acesso em: 18 jul. 2022.
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). Mesmo assim, devemos reconhecer que os dois conceitos têm direcionamentos próximos para legitimação mútua.

É preciso compreender que o processo de sacralidade é eclesial, político, social e cultural. As suas atividades não são realizadas apenas por integrantes do clero, como os bispos ou colaboradores da Igreja Católica, mas também por pessoas que identificam a possibilidade de santidade em indivíduos, com a realização de orações, manutenção das relíquias, relato das supostas graças, milagres e devoções que contribuem para a formação de um discurso sacralizado (WOODWARD, 1992WOODWARD, K. L. A Fábrica de Santos. São Paulo: Siciliano, 1992.).

É a partir dessas questões que analisamos a invenção da santidade em Pernambuco, especialmente na cidade do Recife, em parte do século XX, como uma elaboração sociocultural que não dependeu das ações dos membros da Igreja Católica para determinar a organização devocional do lugar. Deve-se destacar que, a partir das ações do clero, a diferentes eclesiásticos foram atribuídas representações divinas, a exemplo de Dom Vital Maria (1844-1878), Frei Caetano de Messina (1807-1878), Padre Cícero (1844-1934) ou Frei Damião (1898-1997).3 3 Fizemos referências apenas a personagens que possuem fama de santidade, mas que ainda não foram canonizados pela Igreja Católica. (Cf. GOMES, 2013; MOURA; SILVA, 2021). No entanto, as representações analisadas neste artigo não estiveram limitadas aos integrantes da Cúria romana ou seus colaboradores. Por esse motivo, precisamos compreender o conceito de sacralidade de modo plural, uma vez que não é relacionado apenas a um regimento ou legislação institucional.

Outra forma de sacralização está relacionada aos espaços, personagens ou eventos que supostamente protagonizaram aparições de representações de Maria. A construção de santidade conectada aos eventos marianos, por exemplo, foi abordada de modo específico por se tratar de um tema sensível para o clero. A construção, legitimação e divulgação do culto mariano atenderam a diferentes demandas, que tiveram como base a legislação e determinações da hierarquia da Cúria romana (MOURA, 2021MOURA, C. A. S. de. “Não tenhas medo, eu sou a Graça”: a invenção de uma cultura visionária mariana em Portugal e Brasil (1900-1936). 2021. Tese (Livre-docência em História) - Universidade de Pernambuco, Recife, 2021.).

Durante a primeira metade do século XX, a ideia de santidade dos videntes e a atribuição de sacralidade aos espaços devocionais estiveram fundamentadas em documentos do período moderno, a exemplo do manual De Servorum Dei Beatificatione Et Beatorum Canonizatione, de autoria do Arcebispo de Bolonha, Cardeal Prospero Lorenzo Lambertini (1675-1758) - Para Bento XIV (1740-1758). O religioso estabeleceu orientações para que um católico pudesse ser considerado santo, com parâmetros para o processo, como a fama de santidade, a avaliação da sua história, a análise dos milagres antes e depois da morte do “servo de Deus” e, para casos específicos, o exame dos eventos visionários.

Para os processos modernos e contemporâneos, os milagres se constituíram em um dos pontos fundamentais para o reconhecimento dos santos em demandas coordenadas por dioceses, arquidioceses e a Cúria romana. O Papa Bento XIV enfatizou “a necessidade da prova dos milagres nas Causas dos Santos, como prova definitiva da vontade divina de glorificar um fiel” (CONGREGATION, 2018CONGREGATION de Causis Sanctorum. Le Cause dei Santi: Sussidio per lo studium. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2018., p. 113),4 4 “Benedetto XIV afferma la necessità della prova dei miracoli nelle Cause dei Santi, come prova definitiva della volontà divina di glorificare un fedele […]” [Tradução livre]. sendo a declaração humana de canonização a reafirmação de um estabelecimento divino.

Para Chris Maunder, as abordagens do eclesiástico sobre os temas das aparições, locuções interiores, êxtases e milagres tiveram como base produções já consolidadas. No entanto, as novas interpretações promoveram um compacto de informações para as questões direcionadas às aparições. Com isso, as orientações estabeleceram um rito burocrático para os processos de santidade enviados para administração da Igreja romana (MAUNDER, 2016MAUNDER, C. Our Lady of the Nations: Apparitions of Mary in Twentieth-Century Catholic Europe. New York: Oxford University Press, 2016.; SALES, 2008SALES, L. M. P. Aparições de Nossa Senhora: mensagens e peregrinações na contemporaneidade. 2008. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-24092009-114043/publico/LILIAN_MARIA_PINTO_SALES.pdf . Acesso em: 16 fev. 2022.
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).

Os procedimentos para o reconhecimento de santidade apresentados pelo Cardeal Prospero Lorenzo Lambertini foram utilizados em parte dos eventos do início do século XX e levaram em consideração quatro principais elementos. Era necessário considerar as causas dos eventos (naturais, diabólicas ou divinas), o caráter dos visionários, os resultados para a Igreja e a ortodoxia das mensagens construídas durante as aparições. O formato estabelecido também estava destinado ao comportamento dos visionários, que deveriam ser humildes. Os relatos não poderiam buscar a autopromoção, não deveriam ter o interesse de protagonizar as aparições, com a procura do silêncio, da solidão e da distância de ações que os tornassem famosos. Conseguimos compreender que, a partir dos escritos do Cardeal, as visões deveriam gerar bons frutos e se manter conectadas com as obras de caridade. Todos os pontos estabelecidos deveriam permanecer de acordo com as doutrinas religiosas, da eucaristia, das práticas apostólicas e da moralidade cristã (LAMBERTINI, 1852LAMBERTINI, P. L. De Servorum Dei Beatificatione EtBeatorumCanonizatione. Venetiis: Excudebat Antonius Foglierini, 1852.).

O “manual” também enfatizou que os católicos deveriam render devoções apenas a visões creditadas pelos representantes da Igreja e que atendessem aos critérios básicos dos procedimentos de reconhecimento. Os eventos sem a legitimação do clero eram classificados como idolatria, uma vez que poderiam se direcionar a práticas diabólicas, charlatanismo, impulsos pessoais ou confundidos com problemas mentais dos seus protagonistas (LAMBERTINI, 1852LAMBERTINI, P. L. De Servorum Dei Beatificatione EtBeatorumCanonizatione. Venetiis: Excudebat Antonius Foglierini, 1852.). Os cuidados para o reconhecimento também estavam destinados a outros relatos de santidade, necessitando-se profundas investigações sobre as narrativas relativas à fama de santidade.

As questões servem como base para a sacralidade não apenas das visões ou seus personagens, mas também para os espaços onde supostamente aconteceram os eventos sobrenaturais. Para isso, os representantes da Igreja Católica se mantiveram atentos à natureza, às formas de divulgação e ao caráter edificante das aparições, com a observação de casos de cura e consequente aumento das devoções aos espaços considerados “sagrados”.

No processo de reconhecimento de santidade, é importante destacar que a teologia da Igreja Católica considera que os místicos são indivíduos diferentes dos santos. Eles são compreendidos como aqueles que alcançam um grau de intimidade espiritual que os insere em um grupo à parte, a exemplo dos visionários. Outro ponto importante é que, do fim do século XVIII até o Concílio Vaticano II (1962-1965), a Igreja encorajou histórias miraculosas como um recurso contra o catolicismo gerado pelo Iluminismo (WOODWARD, 1992WOODWARD, K. L. A Fábrica de Santos. São Paulo: Siciliano, 1992.), momento de maior recorrência das aparições contemporâneas.

Com o atendimento desses pontos, os membros da Igreja estavam autorizados a estabelecer um reconhecimento local, seguido pela autorização da Cúria romana e uma possível visita papal, ou de um dos seus representantes, caracterizando-se como ponto alto da legitimação das aparições (LAMBERTINI, 1852LAMBERTINI, P. L. De Servorum Dei Beatificatione EtBeatorumCanonizatione. Venetiis: Excudebat Antonius Foglierini, 1852.; MAUNDER, 2016MAUNDER, C. Our Lady of the Nations: Apparitions of Mary in Twentieth-Century Catholic Europe. New York: Oxford University Press, 2016.). A divisão do processo, que deveria iniciar na estrutura local e seguir para a Cúria romana, retirava o monopólio do Papa e descentralizava os procedimentos em relação ao reconhecimento de santidade (SODANO, 2020SODANO, G. El nuevo proceso de canonización de la edad moderna. Anuario de Historia de la Iglesia, v. 29, p. 53-72, 2020. Disponível em: https://revistas.unav.edu/index.php/anuario-de-historia-iglesia/article/view/39863 . Acesso em: 18 jul. 2022.
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). Deve-se compreender que a construção de um santo se articula a partir de interesses devocionais, hagiográficos e ritualísticos, com adesão à ortodoxia e aos valores da Igreja Católica (SOARES, 2015SOARES, H. R. Devoção, causa e processo canônico do padre Rodolfo Komorek: um estudo sobre a produção da santidade no catolicismo. 2015. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UNICAMP-30_48394ed515f683546324b74c6fdf16fe . Acesso em: 18 jul. 2022.
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).

Alguns dos personagens responsáveis pelas elaborações das representações sobre a santidade podem ser considerados mediadores de discursos religiosos. O trabalho desempenhado por esses indivíduos deve ser analisado a partir da posição que ocupam na sociedade e as suas atitudes perante a cultura. Para Carlo Ginzburg, as formas de criação cultural ou discursiva do mediador podem dominar o material ou tema que está sendo debatido (GINZBURG, 1989GINZBURG, C.; CASTELNUOVO, E.; PONI, C. A Micro-história e Outros Ensaios. Lisboa / Rio de Janeiro: Difel / Bertrand Brasil, 1989.), com estruturas organizadas para a formação dessas propostas. Por esse motivo, entendemos que os relatos dos fiéis, eclesiásticos e intelectuais não foram utilizados apenas para o conhecimento dos eventos considerados milagrosos, mas determinaram validade e formas de cultos para a Igreja.

Sendo assim, mantivemo-nos atentos as inserções das práticas culturais na ortodoxia católica, a qual classificamos como ortopráticas. A partir de uma abordagem plural, notamos que as representações sobre as diferentes formas de santidade durante o século XX responderam a práticas culturais que foram negociadas com as questões sociais dos espaços em que estavam inseridos. Nesse sentido, consideramos que cada sociedade pode, arbitrariamente, inventar os seus ídolos/santos com a utilização dos códigos que envolvem a comunidade a partir de práticas inseridas na ortodoxia católica (GASBARRO, 2013GASBARRO, N. Religione e / o Religioni? la sfida dell’antropologia e dela comparazione storico-religiosa. In: MARANHÃO Fº, E. M. de A. (org.). (Re) conhecendo o Sagrado: reflexões teórico-metodológicas dos estudos de religiões e religiosidades. São Paulo: Fonte Editorial, 2013. p. 73-92.).

Com uma abordagem baseada na História Cultural das Religiões, analisamos a formação dos discursos de santidade em torno de três personagens na cidade do Recife, denominados de Santo Lucas, “Alfredinho” e “Menina sem nome”, com desdobramento narrativo entre os anos de 1902 e 1980. Para a nossa investigação, elencamos indivíduos que não estavam inseridos na hierarquia eclesiástica, mas com eventos que lhes atribuíram fama de santidade entre fiéis e alguns religiosos. Nesse sentido, compreendemos que parte do processo de sacralização, formação de um discurso de “vida heroica” ou de martírio independe da condução dos membros da Igreja Católica.

Durante o mesmo período, identificamos outras notícias sobre lugares ou personagens classificados como santos. Do mesmo modo, devoções foram fortalecidas, como as peregrinações ao santuário de São Severino do Engenho dos Ramos, que datam do século XIX, na cidade de Paudalho, Zona da Mata Norte de Pernambuco. No entanto, a partir das representações elaboradas por parte da imprensa, buscamos compreender as concepções de santidade em torno de notícias messiânicas ou nos espaços cemiteriais, fundamentais para a construção de devoções singulares em relação aos dogmas orientados pelo clero.

O recorte temporal se justifica pela forte atuação da imprensa em torno das notícias religiosas, especialmente com a participação de articulistas em movimentos oriundos da Igreja Católica, ou mesmo pensadores críticos a uma devoção construída pelo povo. Destaca-se que diferentes periódicos possuíam colunas voltadas para a divulgação de questões eclesiásticas, sendo o século XX marcado pelos três eventos apresentados no texto.

As propostas da História Cultural das Religiões foram fundamentais para compreendermos as especificidades dos catolicismos e as formas de devoções, com ações dos fiéis e parte de representantes das instituições que reconheceram as inserções das questões culturais, sociais e políticas nas formas de crer. Sendo assim, consideramos que as santidades devem ser analisadas de modo plural, a partir de um amplo conceito de cultura, com a colaboração das aproximações entre a História e a Antropologia. Nesse sentido, conseguimos compreender como os grupos analisados representaram, imaginaram, construíram ou pensaram as formas de crer no período analisado (BENATTE, 2014BENATTE, A. P. A História Cultural das Religiões: contribuições a um debate historiográfico. In: SILVA, E. M. da; ALMEIDA, N. de B. (org.). Missão e Pregação: a comunicação religiosa entre a História da Igreja e a História das Religiões. São Paulo: FAP - UNIFESP, 2014. p. 59-79. ).

Alinhada a proposta da História Cultural das Religiões, durante a nossa narrativa, o conceito de ortopráticas foi fundamental para a construção das nossas considerações. O termo abrange as regras rituais e as “ações inclusivas e performativas da vida social”, com invenções e reinvenções em termos de práticas religiosas. Com a análise, distanciamo-nos das classificações atribuídas ao catolicismo popular, pois historicizamos as artes de fazer e as formas adotadas nos cultos por fiéis e líderes da Igreja romana (Cf. GASBARRO, 2006GASBARRO, N. Missões: A Civilização Cristã em Ação. In: MONTEIRO, P. (org.). Deus na Aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: GLOBO, 2006. p. 67-110.; GASBARRO, 2014GASBARRO, N. A modernidade ocidental e a generalização de “religião” e “civilização”: o agir comunicativo das missões. In: SILVA, E. M. da; ALMEIDA, N. de B. (org.). Missão e Pregação: a comunicação religiosa entre a História da Igreja e a História das Religiões. São Paulo: FAP - UNIFESP , 2014. p. 189-210.).

A invenção dos “santos” no Recife do século XX

As notícias em torno de imagens e “santos” criadas em espaços populares estão presentes em diferentes países. O Brasil possui diversos exemplos para essa prática, como na cidade do Recife durante o século XX, quando devotos seguiram as orientações de um personagem que se denominava como Santo Lucas, intitulado mensageiro do catolicismo, ou atribuíram sentido de martírio as mortes de crianças, como “Alfredinho” ou “Menina sem nome”.

O Diario de Pernambuco de setembro de 1982 destacou a diversidade de “santos” em diferentes espaços fúnebres no país. Os redatores do periódico destacaram que:

No Rio de Janeiro […] milhares de devotos fazem romaria ao Cemitério S. João Batista, cercando de velas e flores, o túmulo de Odetinha, a garota santa de 9 anos. Em Monte Alto, São Paulo, o mesmo acontece com Izildinha, a menina beatificada pelos fiéis, vindos de todos os recantos do país e atraídos pelos seus milagres. Em Curitiba, cresce a devoção a Maria Bueno, santa e mártir, assassinada em 1893. Em São Borja, venera-se Maria do Carmo, a Santa Prostituta, também miseravelmente trucidada por desconhecidos nos princípios do século. Ainda no Rio Grande do Sul, permanece cada vez mais forte, a crença nos milagres dos Irmãos Meira, os afuzilados do São Gabriel. (Diario de Pernambuco, 1982NOSSOS Santos de casa também fazem milagres. Diario de Pernambuco , Recife, 12 set. 1982., p. B-01).

As causas das mortes, convertidas em narrativas de sofrimento, a busca pelo sagrado ou os relatos de graças alcançadas movimentavam os fiéis em diferentes localidades. As suas intenções são distintas, com preocupações e negociações com as representações dos “santos”, mas que colaboram para a formação de uma diversidade religiosa que não precisa ser legitimada pela hierarquia eclesiástica. Nesse sentido, notamos a possibilidade da invenção das devoções religiosas, as formas de representação de uma cultura e das artes de fazer de um grupo social.

Na cidade do Recife, a partir de 1902, vários periódicos trouxeram notícias das ações do Santo Lucas e dos fiéis que defendiam as suas atividades. O personagem era visto por seus seguidores como “[…] o próprio Deus, e sendo o Espirito Santo em pessoa em peregrinação pela terra para espalhar por ella a semente da verdade […]”. As suas atividades eram variadas, desde “[…] audiencias a pessôas que queiram decifrações do Senhor ou palpites para o jogo do bicho” (Jornal Pequeno, 4 out. 1907A SEITA nova na Magdalena. O “Santo Lucas”. A nossa Reportagem. Jornal Pequeno, Recife, 04 out. 1907, p. 1).

O personagem mantinha um grupo de apoiadores, denominados de Lucas Romanos, com atividades religiosas que não eram reconhecidas pela Igreja Católica. As suas atividades eram seguidas por “[…] adeptos mais assíduos e importantes, que são Thomaz Sampaio, Leopodino, João Chagas, a Irmã Felicia” (Jornal Pequeno, 12 out. 1907A SEITA nova na Magdalena. O Santo Lucas e os seu acolytos. A Nossa Reportagem. Jornal Pequeno , Recife, 12 out. 1907. , p. 1), mas também por curiosos que buscavam respostas para as suas necessidades. No entanto, as ações deste “mensageiro” eram formadas por mistérios, desde a sua identidade, a impossibilidade de se coletar as imagens ou a informação que o “[…] “santo” Lucas não prophetisa a “victoria” de um bicho para o mesmo dia ou para o dia seguinte, […] mas sempre para dahi á quinze dias […]” (Jornal Pequeno, 12 out. 1907A SEITA nova na Magdalena. O Santo Lucas e os seu acolytos. A Nossa Reportagem. Jornal Pequeno , Recife, 12 out. 1907. , p. 1).

Além das características de adivinhação e a representação de santo, o personagem também apresentou mensagens messiânicas de salvação do mundo. Para isso, a sua “missão” não se constituía em uma atividade contínua, sendo suspensa para atender as necessidades daqueles que procuravam os seus trabalhos. Em outubro de 1907, os redatores do Jornal Pequeno destacaram que o Santo Lucas interrompeu as suas ações com o anúncio de que iria ao Sertão em busca da “[…] Barca de Noé que lá estava á sua espera para então poderem ir todos os seus sectarios para o céo. Esta barca de Noé tem um papel muito importante na theogonia do Lucas e é em torno dela que gyram todos os seus dogmas, promessas e esperanças” (Jornal Pequeno, 4 out. 1907A SEITA nova na Magdalena. O “Santo Lucas”. A nossa Reportagem. Jornal Pequeno, Recife, 04 out. 1907, p. 1).

Em relato de Santo Lucas, para o cumprimento da profecia era necessário que cada crente “[…] vendessem os seus bens e as suas causas desde logo, tudo quanto possuíssem de valor e lhe entregasse o dinheiro” (Jornal Pequeno, 4 out. 1907A SEITA nova na Magdalena. O “Santo Lucas”. A nossa Reportagem. Jornal Pequeno, Recife, 04 out. 1907, p. 1). O discurso financeiro ou os mistérios das suas ações trouxeram problemas para instituições de segurança, pois suas práticas eram compreendidas com reservas e desconfianças por católicos, denominações evangélicas ou integrantes das instituições governamentais. Em 21 de julho de 1908, o Diario de Pernambuco informou que:

Foi hontem preso o Santo Lucas. É a contribuição do martyrio á sua vida de apostolo, não lhe bastavam as privações corporaes: jejuns purificadores, castas abstinências, despresos austeros do mundo, ociosidade ascética, apuros da populaça e a gloria divinisadora das pedradas. […] Todo mundo sabe que Santo Lucas é um mystico delirante, pernicioso na sua ignorante egolatria, e cujo estado mental confuso prejudicado de manias, em comunicação com a turba ingênua pode acarretar, como há exemplos, dissabores futuros á ordem publica. […] De resto, se o Lucas é o anceiado Messias do povo, e o Eduardo, o S. Pedro ou o Pourna, são ao mesmo tempo, na verdade protectores da ociosidade que a policia tem o maior interesse em evitar e condemnar. (Diario de Pernambuco, 21 jul. 1908GOLPES de Vista. Diario de Pernambuco , Recife, 21 jul. 1908., p. 1).

As ações do Santo Lucas, ou de Eduardo, o seu apoiador mais próximo, foram marcadas por perseguições de parte da população ou da polícia. A tentativa de silenciamento das suas práticas era classificada por parte dos católicos como “provações da religião” ou tentativas de encarcerar um “representante divino”. Pelas práticas “misteriosas”, muitos personagens que se posicionaram sobre os Lucas Romanos classificaram as ações como resultado da loucura ou charlatanismo, classificação estimulada pela legislação vigente que penalizava indivíduos que “fingir-se ministro de qualquer confissão religiosa e exercer as funcções respectivas para obter de outrem dinheiro ou utilidade” (BRASIL, 1890BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal. Sala das Sessões do Governo Provisório, 11 out. 1890. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html . Acesso em: 16 fev. 2022.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
, capítulo IV, art. 338, §10º).

Parte das narrativas sobre a vida desse personagem adotaram questões fundamentais para o processo de sacralização, a exemplo do martírio e das perseguições em nome da fé. Os debates na imprensa despertaram o interesse de eclesiásticos e de populares, que buscavam estruturar as propostas religiosas em um instante de reestruturação das religiões no Brasil. As suas práticas não estavam de acordo com as orientações da Igreja Católica e eram contrárias às orientações legislativas da República, mas não ele deixou de manter o interesse de fiéis que buscavam em suas ações orientações devocionais (MARROQUIM, 2020MARROQUIM, D. Santidade e Periferias: Relações de crença no Recife da primeira metade do século XX. In: Encontro do Grupo de Pesquisa Religiões, Identidades e Diálogos, Universidade Católica de Pernambuco, 22 out. 2020.).

Em 17 de janeiro de 1909, o Frei Mathias Teves destacou as suas impressões sobre o Santo Lucas. O religioso concluiu que recebeu as informações sobre as atividades de um peregrino e visionário, que diziam que “[…] era o verdadeiro Deus lá nos Remedios e eu não me vi na contingencia nem de reconhece-lo como tal, nem de fazer algum sermão ou alguma conferencia a seu respeito porque o considerava um pobre louco, visionario” (Diario de Pernambuco, 17 jan. 1909CIRCULO Catholico de Pernambuco. Ainda Christo na História. In: 5ª Conferência apologética realizada por frei Mathias Teves. Diario de Pernambuco, Recife, 17 jan. 1909., p. 2).

As ações cotidianas desse personagem estavam direcionadas às de outros “santos”, com propostas de novas práticas para o culto católico. Parte das ideias não reconhecia a legislação e os dogmas, com orientações que não estavam de acordo com os fundamentos defendidos pelos membros da Cúria romana. Em seus discursos, o Santo Lucas se apresentava como um:

[…] enviado de Deus, sendo o mesmo que vive a publicar homilias pelas folhas diárias […] emprega agentes seus nas predicas mais insinuantes para a fundação de uma nova seita religiosa, toda espiritual, organisada já, senão sob preceitos escriptos, ao menos sobre tradição oral, com dogmas, culto externo e tudo mais que forma a essência das religiões e serve para lhes dar prestigio. […] annunciou-se como fundador de uma nova seita destinada a regenerar o mundo […] por meio de orações e penitencias, impondo aos seus adeptos uma vida de pureza exemplar. (Jornal Pequeno, 24 set. 1907UM NOVO profeta na Magdalena. Jornal Pequeno, Recife, 24 set. 1907., p. 1).

Mesmo que suas propostas tenham apresentado a orientação para a organização de um novo segmento religioso, as ideias tinham como base as práticas católicas. É importante destacar que parte dos colaboradores dos periódicos que analisaram os eventos classificaram os cultos como a formação de uma seita, hierarquizando as práticas com a determinação do que poderia ser entendido como religião (catolicismo ou protestantismo) ou projetos considerados inferiores, oriundos de populares (MARROQUIM, 2020MARROQUIM, D. Santidade e Periferias: Relações de crença no Recife da primeira metade do século XX. In: Encontro do Grupo de Pesquisa Religiões, Identidades e Diálogos, Universidade Católica de Pernambuco, 22 out. 2020.).

As propostas apresentadas pelo líder dos Lucas Romanas eram contrárias às orientações de beatificação e canonização elaboradas pela hierarquia da Igreja Católica. Suas propostas não coadunavam com o fortalecimento das instituições, a obediência ao clero e a formação de devoções que trouxessem benefícios a Cúria romana. As questões contrastavam com outros personagens do período, a exemplo de Padre Cícero, que manteve um longo período de colaboração e captação de fiéis em torno das suas ações.

A classificação de parte da imprensa contrapunha com os discursos ou publicações de Santo Lucas, que se denominava enviado por Deus e realizava publicações de homilias e documentos para orientar os seguidores. Desse modo, identificamos a invenção de uma prática religiosa particular, com a instituição de fiéis, em um instante de ruptura entre o Estado e o catolicismo, a reorganização devocional e as disputas com outros segmentos eclesiásticos.

Sem estabelecer um discurso uniforme em sua “teologia”, a atuação de Santo Lucas também preocupou membros das Igrejas protestantes. Em 15 de abril de 1902, o Jornal do Recife publicou as reivindicações de representantes de instituições evangélicas que buscavam distinguir as suas práticas dos Lucas Romanos. Com isso, integrantes da “[…] comissão das egrejas Evangelica Brasileira, Evangelica Recifense, Baptista Nacional e Evangelica Pernambucana, […] pedio-nos para declarar que os Lucas Romanos não pertencem absolutamente a qualquer aggremiação […]” (Jornal do Recife, 15 abr. 1902FANATICOS. Jornal do Recife, Recife, 15 abr. 1902., p. 1).

As distinções dos eventos e propostas dos personagens que protagonizaram a construção de uma cultura devocional nas primeiras décadas do século XX estavam marcadas por suas particularidades locais, representadas nas questões políticas, sociais e culturais. Mesmo que parte do clero tenha combatido alguns desses personagens, muitos fiéis reconheciam a sua importância com uma legitimação não oficial (MARROQUIM, 2020MARROQUIM, D. Santidade e Periferias: Relações de crença no Recife da primeira metade do século XX. In: Encontro do Grupo de Pesquisa Religiões, Identidades e Diálogos, Universidade Católica de Pernambuco, 22 out. 2020.; MENEZES, 2020MENEZES, E. L. Os Lucas Romanos do Recife: religião e vegetarianismo em ambiente urbano, sob a ótica dos periódicos. In: Anais do IX Encontro Estadual de História ANPUH- RN. Saberes históricos e contemporaneidades, Mossoró, 2020. p. 323-336. Disponível em: http://rn.anpuh.org/wp/wp-content/uploads/2021/06/ANAIS-OFICIAL-ANPUH-RN-IXEEH.pdf . Acesso em: 17 jul. 2022.
http://rn.anpuh.org/wp/wp-content/upload...
).

Em outro evento de representação de santidade, a partir da década de 1970 o assassinato de uma criança com aparência entre oito e nove anos de idade, na Praia do Pina, Zona Sul do Recife, contribuiu para a construção de uma devoção por parte dos fiéis. Vítima da violência urbana, a menina nunca teve sua identidade ou seus familiares encontrados, sendo o corpo sepultado em uma cova comum através das ações de José Antônio Braga, diretor da Casa do Menor, que ofereceu o funeral que foi acompanhado por quase mil pessoas (VALENÇA; AGUIAR, 2009VALENÇA, R.; AGUIAR, S. M. B. de A. A menina sem nome: crime e devoção. In: III Colóqui de História - Brasil: 120 Anos de República. Anais...Recife: UNICAP, 2009. Disponível: Disponível: http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/wp-content/uploads/2013/11/3Col-p.019-28.pdf . Acesso em: 18 jul. 2022.
http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/...
).

A investigação do caso contou com a comoção de parte da população e a preocupação das autoridades públicas, que buscavam manter o discurso de ordem em um país que vivenciava a Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Vários suspeitos foram apontados, com prisão de alguns, mas sem um desfecho conclusivo quanto à autoria e motivações do crime. A questão colaborou para que diferentes populares atribuíssem a representação de martírio à criança, complementada pela falta da sua identidade e da família.5 5 Durante o processo de investigação foram detidos dois suspeitos. O primeiro foi o vendedor Arlindo José da Silva, trabalhador da Praia do Pina que encontrou o corpo, solto semanas depois por falta de provas. Ainda em 1970, o mecânico Geraldo Magno de Oliveira foi preso e considerado réu confesso. No entanto, antes do julgamento, o acusado relatou que foi coagido e torturado para confessar o crime. Meses após a sua prisão, Geraldo Magno foi assassinado na penitenciária sem ter o julgamento concluído.

Após o seu sepultamento, o túmulo passou a ser lugar de visita de curiosos e devotos. Denominada como “Menina sem nome”, “[…] a ela são atribuídos vários tipos de milagres”, como a solução de impasses pessoais, questões afetivas, financeiras, problemas físicos ou querelas cotidianas (VALENÇA; AGUIAR, 2009VALENÇA, R.; AGUIAR, S. M. B. de A. A menina sem nome: crime e devoção. In: III Colóqui de História - Brasil: 120 Anos de República. Anais...Recife: UNICAP, 2009. Disponível: Disponível: http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/wp-content/uploads/2013/11/3Col-p.019-28.pdf . Acesso em: 18 jul. 2022.
http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/...
, p. 20). Além das representações lançadas sobre a personagem, o espaço onde foi sepultado o seu corpo também se tornou lugar de peregrinação, com a construção de novos significados para o Cemitério Senhor Bom Jesus da Redenção, popularmente conhecido como Cemitério de Santo Amaro.6 6 Principal cemitério público do Recife, construído em 1858, tornando-se espaço de sepultamento de autoridades, membros de congregações religiosas e da população da Região Metropolitana. (Cf. SIAL, 2005).

A movimentação devocional no espaço foi analisada por administradores e funcionários do cemitério, que destacaram a diversidade do público que buscava as “graças” da “nova santa”. Nas páginas do Diario de Pernambuco de dezembro de 1972, foi destacado que a:

Cada dia se torna maior, no Cemitério de Santo Amaro, a romaria ao túmulo da “menina sem nome”, que há dois anos foi vítima de um tarado, no Pina. Centenas e centenas de pessoas, de todas as classes sociais, mensalmente, comparecem à necrópole de Santo Amaro, para render sua homenagem à desconhecida vítima da brutalidade e selvageria de um desequilibrado […]. É crença popular e contra a vontade do povo ninguém pode. A “menina sem nome”, desde que foi levada para o Cemitério de Santo Amaro, vem sendo procurada por grande número de pessoas, todas confiantes em seu poder celestial e na certeza de encontrar uma solução acertada para seus problemas. Seu túmulo, uma cova-rasa, erigida de alvenaria e que pouco diferencia dos demais, frequentemente é visitado por grande número de pessoas, ansiosas em conseguir uma graça e que encontram na “menina sem nome” uma esperança, uma certeza para a solução do seu problema. […] Segundo o sr. Arlindo Rodrigues, administrador do Cemitério de Santo Amaro, as romarias que se sucedem ao túmulo da “menina sem nome” vêm desde semanas após seu sepultamento. E não se trata apenas de gente humilde, que ali vai fazer suas preces. Gente de todas as categorias sociais tem acorrido ao Santo Amaro, na esperança de através de uma prece à pequena vitima do tarado, encontrar a solução para o seu caso. […] Sobre o túmulo da “menina sem nome” são encontradas numerosas lápides em mármore, com mensagens de agradecimento por uma graça alcançada. (Diario de Pernambuco, 14 dez. 1972“MENINA sem nome” continua fazendo milagres no cemitério e devotos lhe darão um túmulo. Diario de Pernambuco , Recife, 14 dez. 1972., p. 2).

É possível notar que a procura pelo túmulo da “Menina sem nome” não se resumiu a um período isolado e por camadas sociais específicas, caracterizando uma forma ampla de constituição devocional. Nesse sentido, pode-se considerar que as representações foram constituídas por diferentes percepções religiosas e grupos com demandas distintas. Após dois anos do seu sepultamento, os ex-votos e placas com informações sobre as supostas graças alcançadas constituíam a paisagem do cemitério, com demonstrações da crença de indivíduos de diferentes camadas sociais.

É importante lembrar que o cemitério conta com outros espaços que também são atribuídos sacralidade, com visita de pessoas que realizam orações, promessas e agradecem supostas graças ou milagres. No mesmo sentido, existem túmulos com crianças que faleceram de forma precoce e que possuem representações específicas para diferentes grupos. Como exemplo, podemos citar as devoções construídas em torno de “Alfredinho”, Alcides Teixeira e Maria de Fátima Teixeira, que periodicamente recebem “romarias” de diversas localidades.

Alfredo Sotero Neto era uma criança da classe média pernambucana que em fevereiro de 1959 faleceu devido a uma doença com relatos semelhantes ao diagnóstico da leucemia. Após as narrativas sobre a sua luta pela vida e os relatos da morte, o espaço do seu sepultamento passou a ser um lugar de peregrinação, “[…] procurado por cegos e aleijados” (Diario de Pernambuco, 1982NOSSOS Santos de casa também fazem milagres. Diario de Pernambuco , Recife, 12 set. 1982., p. B-01).

A partir de 1971 se tornaram recorrentes as publicações em diferentes periódicos sobre graças alcançadas em decorrência da intercessão de “Alfredinho”. Em março daquele ano, o Diario de Pernambuco publicou o anúncio de Dirce Arnaud, que destacou retribuição “Ao menino Alfredinho, que está junto a N. Senhor, agradeço uma grande graça alcançada” (ARNAUD, 1971ARNAUD, D. Diversos. Diario de Pernambuco, Recife, 05 mar. 1971. p. 08, p. 8). Outros jornais, como o Diario da Manhã, também foram espaços para as publicações referentes as conquistas dos fiéis, com mensagens que destacavam “Muito obrigado Alfredinho do ato da graça alcançada” (A.M.S., 1971A.M.S. Graça alcançada. Diario da Manhã, Recife, 28 jul. 1971. p. 07., p. 7).

No entanto, as referências e o túmulo da “Menina sem nome” mantiveram destaque entre praticantes de diferentes crenças, especialmente no período de finados. O espaço passou a ser organizado de modo que se destacava dos outros, com inserções dos fiéis, que traziam ex-votos e realizam atividades de diferentes tipos ao seu redor. Deve-se destacar que o lugar inicialmente foi uma cova rasa, mas que passou por adaptações dos devotos e do poder público para atender às demandas daqueles que procuravam o cemitério diariamente (SANTOS, 2003SANTOS, J. X. dos. A menina sem nome? Um espaço de comunicação folk. Revista Internacional de Folkcomunicação, v. 01, n. 01, p. 74-78, 2003. Disponível em: https://revistas.uepg.br/index.php/folkcom/article/view/18555/209209214496 . Acesso em: 16 fev. 2022.
https://revistas.uepg.br/index.php/folkc...
).

Como pode-se notar na imagem a seguir (Figura 1), o túmulo da “Menina sem nome” possui uma estrutura própria, com diferentes lápides, lugar para depósito de ex-voto, cartas, fotos e placas com informações de supostas graças que são atribuídas à criança. É importante destacar a inserção de diferentes imagens religiosas, a exemplo das representações de Nossa Senhora, com uma aproximação com a santidade da menina. A falta de uma identidade familiar também contribuiu para que as famílias depositassem brinquedos, como forma de expressar um carinho com uma criança que foi “abandonada”.

Figura 1 -
Túmulo da “Menina sem nome”. Imagem capturada em 03 de novembro de 2021, um dia após o feriado de finados. (Acervo do autor).

No entanto, cabe salientar que as devoções ou as representações de santidade em torno da “Menina sem nome” e “Alfredinho” não são uma ação essencialmente católica. Existem práticas que são protagonizados por outras expressões ou indivíduos que não se identificam com uma instituição, mas mantêm práticas devocionais que sacralizam os lugares e os personagens (VALENÇA, AGUIAR, 2009VALENÇA, R.; AGUIAR, S. M. B. de A. A menina sem nome: crime e devoção. In: III Colóqui de História - Brasil: 120 Anos de República. Anais...Recife: UNICAP, 2009. Disponível: Disponível: http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/wp-content/uploads/2013/11/3Col-p.019-28.pdf . Acesso em: 18 jul. 2022.
http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/...
). Do mesmo modo, desde o período dos sepultamentos, com as representações de santidade elaboradas por parte da população, a administração do cemitério oferece atenção especial aos espaços sacralizados, como se pode notar que:

[…] Em alguns túmulos que são visitados diariamente, como é o caso do da “Menina sem nome”, “Alfredinho”, Alcides Teixeira e Maria de Fátima Teixeira, a limpeza ainda não foi concluída, porque, segundo o pessoal que executa os serviços nos setores, ficarão para o fim, “senão a gente vai ter que ajeitar todos outra vez, retirar as flores secas, a cera etc. […]” Pagar promessas à “Menina sem nome” […] já tornou-se habito de grande parte do público recifense. E já os que vão aos cemitérios todas as segundas-feiras apenas para resar um terço pelas almas. (Diario de Pernambuco, 28 out. 1980REBULIÇO no repouso dos mortos. Diario de Pernambuco , Recife, 28 out. 1980., p. A-10).

A sacralidade de espaços e de personagens não modifica apenas o cenário religioso, mas também estabelece novas ações do poder público, como a necessidade de um fluxo para atender os “romeiros” em momentos próximos aos grandes deslocamentos para os cemitérios, como nos dias de finados. Deve-se destacar que, para essa data, as visitas aos túmulos também podem ser compreendidas a partir de uma ação afetiva e não apenas uma ordenança da Igreja Católica, com uma relação de “salvação das almas no outro mundo” (REESINK, 2010REESINK, M. L. Reflexividade Nativa: quando a crença dialoga com a dúvida no período de Finados. Revista Mana, v. 16, n. 1, p. 151-177, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/mana/a/pzvmjcvXCvCHLYdjTNmpTBn/?lang=pt . Acesso em: 16 fev. 2022.
https://www.scielo.br/j/mana/a/pzvmjcvXC...
, p. 152).

A atribuição da santidade a “Menina sem nome” ou “Alfredinho” faz parte das práticas dos católicos, mesmo sem a necessidade do reconhecimento oficial da instituição. Nesse sentido, reafirmamos as abordagens desenvolvidas a partir das ortopráticas, uma vez que os fiéis atribuem novos sentidos aos atos das instituições em que estão inseridos, com a proposta de novas formas de interpretar as crenças.

O martírio, a devoção no dia de finados, as narrativas de graças alcançadas, as velas e ex-votos fazem parte da ritualística em torno da sacralidade da “Menina sem nome” e “Alfredinho”. Essas ações são “[…] componentes fundamentais das representações católicas referentes ao fenômeno da morte” (REESINK, 2010REESINK, M. L. Reflexividade Nativa: quando a crença dialoga com a dúvida no período de Finados. Revista Mana, v. 16, n. 1, p. 151-177, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/mana/a/pzvmjcvXCvCHLYdjTNmpTBn/?lang=pt . Acesso em: 16 fev. 2022.
https://www.scielo.br/j/mana/a/pzvmjcvXC...
, p. 152). No entanto, para as nossas análises, as suas interpretações passam a possuir sentido a partir das crenças, dos ritos e das emoções dos indivíduos envolvidos com o evento (REESINK, 2010REESINK, M. L. Reflexividade Nativa: quando a crença dialoga com a dúvida no período de Finados. Revista Mana, v. 16, n. 1, p. 151-177, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/mana/a/pzvmjcvXCvCHLYdjTNmpTBn/?lang=pt . Acesso em: 16 fev. 2022.
https://www.scielo.br/j/mana/a/pzvmjcvXC...
).

A sacralização de personagens como o Santo Lucas, a “Menina sem nome” e o “Alfredinho” também fazem parte da forma de organização religiosa e particularidades devocionais no Brasil. As negociações culturais no país contribuíram para a elaboração de “santos” que também representavam as dificuldades ou necessidades dos fiéis, especialmente quando estavam direcionadas a causas próximas aos indivíduos que buscavam os seus lugares “sagrados”.

O Santo Lucas propôs um discurso “católico” distante da estrutura institucional, que mantinha missas em latim, muitas vezes distanciando os fiéis dos líderes religiosos. A “Menina sem nome” e “Alfredinho” contaram com a comoção por sua morte, sendo uma criança violentada e “esquecida” pela família, como tantos em um período de dificuldades sociais.

Alguns santos que são elevados aos altares do povo possuem maior identidade com parte dos fiéis. Tal afirmativa pode se confirmar a partir das aproximações construídas com eclesiásticos e missionários que atuaram em regiões distantes dos centros urbanos, como o Padre Cícero ou Frei Damião de Bozzano, que se fizeram presentes em espaços com pouca atuação institucional da Igreja Católica e foram “canonizados” antes dos procedimentos da Cúria romana. Sendo assim, para analisar a sacralização desses personagens, deve-se considerar que:

Apesar de ser a nação católica mais populosa do mundo, o Brasil ainda não tem um santo próprio e talvez por este motivo o nosso povo se comporte muito pouco, ou nada, ortodoxamente, ao venerar memórias de pessoas mortas em circunstâncias comovedoras da sensibilidade geral. […] no Recife os jornais dão conta de que os túmulos mais visitados foram os do menino Alfredinho e da “menina sem nome”, que têm até orações compostas pelo anonimato do povo e foram cultuados como santos verdadeiros (Diario de Pernambuco, 5 nov. 1973ANSIA de Santo. Diario de Pernambuco, Recife, 05 nov. 1973., p. 4).

A sacralidade de Santo Lucas, da “Menina sem nome” e de “Alfredinho” demonstra como as análises sobre as devoções e os aspectos do catolicismo devem ser compreendidas a partir de uma abordagem que leve em consideração as questões sociais, culturais, políticas e econômicas em que os eventos estão inseridos. A “canonização” desses personagens por integrantes de diferentes camadas sociais demonstra a diversidade dos catolicismos e como as suas práticas e invenções independem da legitimação da hierarquia eclesiástica.

No entanto, a construção das representações de santidade desses indivíduos não foi uma unanimidade e encontrou opositores na hierarquia da Igreja entre os fiéis e parte da imprensa. Com diferentes intelectuais católicos nas redações dos jornais, as práticas em torno dos “santos” elevados pelo povo foram classificadas como a composição de seitas, com um processo de inferiorização do culto. Muitas manchetes apresentaram a classificação, com destaque nas primeiras páginas, contribuindo para as disputas devocionais em cada momento.

Até hoje, a Igreja Católica mantém um rigoroso procedimento para os processos de beatificação e canonização com o trabalho de comissões que analisam relatos para averiguar a fama de santidade (CONGREGATION, 2018CONGREGATION de Causis Sanctorum. Le Cause dei Santi: Sussidio per lo studium. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2018.). As narrativas dos milagres, curas, graças alcançadas, bênçãos aos devotos ou as aparições são elementos que colaboram com a sacralização e a proteção dos envolvidos nas narrativas. Os relatos também fizeram parte de um processo de comunicação, conexão e aproximação entre os fiéis e as representações divinas. Os elementos são levados em consideração na construção de santidade, seja pelos devotos ou pela Igreja Católica (REESINK, 2005REESINK, M. L. Para uma antropologia do milagre: Nossa Senhora, seus devotos e o Regime de Milagre. Caderno CRH, v. 18, n. 44, p. 267-280, 2005. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/article/view/18527 . Acesso em: 16 fev. 2022.
https://periodicos.ufba.br/index.php/crh...
, p. 279).7 7 Na atualidade, o rigor dos procedimentos da Igreja Católica também possui espaço para adaptações ou considerações que buscam aproximar as ortodoxias e regulamentações das devoções dos fiéis. Como exemplo, pode-se destacar as considerações realizadas pela hierarquia do clero para autorizar a canonização do Beato Giovanni Battista Scalabrini, bispo de Piacenza, na Itália, entre os anos de 1876 e 1905. Para a conclusão do processo, a devoção do povo e suas ações em prol da fé apresentaram força para que o processo reconsiderasse as orientações legislativas da Santa Sé. Neste sentido, nota-se a constante necessidade de interpretação das questões culturais, sociais e políticas no processo de formação das devoções (DOMINGUES, 2022).

Como destacou o Cardeal Angelo Amato, ex-prefeito da Congregação das Causas dos Santos, os personagens que emergem de uma devoção do povo “se revelam como os mais convincentes tradutores do Evangelho que eles interpretam na linguagem concreta da caridade, compreensível a todos” (AMATO, 2012AMATO, A. Santi e Beati. Come procede la Chiesa? Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2012., p. 25). A partir da afirmação do eclesiástico, podemos complementar destacando que a sacralização dos personagens analisados durante o artigo estabeleceu formas de interpretar as necessidades de parte da população, que buscava a solução para os seus problemas a partir de negociações e ações mais próximas com os “santos”.

Fontes

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  • A SEITA nova na Magdalena. O Santo Lucas e os seu acolytos. A Nossa Reportagem. Jornal Pequeno , Recife, 12 out. 1907.
  • A.M.S. Graça alcançada. Diario da Manhã, Recife, 28 jul. 1971. p. 07.
  • ANSIA de Santo. Diario de Pernambuco, Recife, 05 nov. 1973.
  • ARNAUD, D. Diversos. Diario de Pernambuco, Recife, 05 mar. 1971. p. 08
  • BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal. Sala das Sessões do Governo Provisório, 11 out. 1890. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em: 16 fev. 2022.
    » https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html
  • CIRCULO Catholico de Pernambuco. Ainda Christo na História. In: 5ª Conferência apologética realizada por frei Mathias Teves. Diario de Pernambuco, Recife, 17 jan. 1909.
  • FANATICOS. Jornal do Recife, Recife, 15 abr. 1902.
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  • “MENINA sem nome” continua fazendo milagres no cemitério e devotos lhe darão um túmulo. Diario de Pernambuco , Recife, 14 dez. 1972.
  • NOSSOS Santos de casa também fazem milagres. Diario de Pernambuco , Recife, 12 set. 1982.
  • REBULIÇO no repouso dos mortos. Diario de Pernambuco , Recife, 28 out. 1980.
  • UM NOVO profeta na Magdalena. Jornal Pequeno, Recife, 24 set. 1907.

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  • MENEZES, E. L.; MARQUES, L. C. L. Vocês não ofendem a mim, insultam á Maria, mãe de Deus!: A figura de Felícia na história dos Lucas Romanos (1902-1911). In: Anais Eletrônicos da XIX Semana de História História em Tempos de Crise: anticientificismos, negacionismos, revisionismos, Goiânia, v. 19, 2021, p. 462-477. Disponível em: https://drive.google.com/drive/folders/1-IB97H5B6Z9wNI5M74KhksdUgQTpq-VH Acesso em: 10 jul. 2022.
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  • MOURA, C. A. S. de. “Não tenhas medo, eu sou a Graça”: a invenção de uma cultura visionária mariana em Portugal e Brasil (1900-1936). 2021. Tese (Livre-docência em História) - Universidade de Pernambuco, Recife, 2021.
  • MOURA, C. A. S. de; SILVA, A. A. de C. Missões e devoções no “Nordeste” do Brasil: a atuação eclesiástica e a formação de uma taumaturgia em trono do Frei Damião de Bozzano (1930-1940). Topoi, v. 22, n. 47, p. 408-431, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/topoi/a/ZZhD4cZnH474bWYjRDcp65k/?format=pdf⟨=pt Acesso em: 16 fev. 2022.
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  • OYĚWÙMÍ, O. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
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  • SANTOS, J. X. dos. A menina sem nome? Um espaço de comunicação folk. Revista Internacional de Folkcomunicação, v. 01, n. 01, p. 74-78, 2003. Disponível em: https://revistas.uepg.br/index.php/folkcom/article/view/18555/209209214496 Acesso em: 16 fev. 2022.
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  • SIAL, V. V. de C. Das Igrejas ao Cemitério: políticas públicas sobre a morte no Recife do Século XIX. 2005. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.
  • SOARES, H. R. Devoção, causa e processo canônico do padre Rodolfo Komorek: um estudo sobre a produção da santidade no catolicismo. 2015. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UNICAMP-30_48394ed515f683546324b74c6fdf16fe Acesso em: 18 jul. 2022.
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  • SODANO, G. El nuevo proceso de canonización de la edad moderna. Anuario de Historia de la Iglesia, v. 29, p. 53-72, 2020. Disponível em: https://revistas.unav.edu/index.php/anuario-de-historia-iglesia/article/view/39863 Acesso em: 18 jul. 2022.
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  • VALENÇA, R.; AGUIAR, S. M. B. de A. A menina sem nome: crime e devoção. In: III Colóqui de História - Brasil: 120 Anos de República. Anais...Recife: UNICAP, 2009. Disponível: Disponível: http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/wp-content/uploads/2013/11/3Col-p.019-28.pdf Acesso em: 18 jul. 2022.
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  • WOODWARD, K. L. A Fábrica de Santos São Paulo: Siciliano, 1992.

NOTAS

  • 1
    “La santità ordina l’uomo a Dio. Questo significa che l’uomo prende Dio como fine di tutti i propri atti e, in primo luogo, come fine della sua stessa mente; e tale fine si raggiunge mediante gli atti propri di questa mente: la conoscenza e l’amore” [Tradução livre].
  • 2
    O uso do termo invenção, com objetivo de compreender a formação dos cultos católicos, parte do trabalho do historiador em construir a sua temática de pesquisa a partir das investigações em arquivos e avaliação das fontes. A palavra atende a categorias sociais que constituem os eventos históricos. Nas últimas décadas, diferentes autores se utilizam da proposta para compreender as marcas do homem no tempo, como a “invenção do cotidiano”, a “invenção do Nordeste”, a “invenção do falo” ou a “invenção das mulheres”. (Cf. ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. de A. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de Teoria da História. Bauru: EDUSC, 2007. , p. 62-63; OYĚWÙMÍ, 2021OYĚWÙMÍ, O. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021. ).
  • 3
    Fizemos referências apenas a personagens que possuem fama de santidade, mas que ainda não foram canonizados pela Igreja Católica. (Cf. GOMES, 2013GOMES, J. Frei Damião, Apóstolo do Nordeste. Recife: Causa de beatificação e Canonização de Frei Damião, 2013.; MOURA; SILVA, 2021MOURA, C. A. S. de; SILVA, A. A. de C. Missões e devoções no “Nordeste” do Brasil: a atuação eclesiástica e a formação de uma taumaturgia em trono do Frei Damião de Bozzano (1930-1940). Topoi, v. 22, n. 47, p. 408-431, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/topoi/a/ZZhD4cZnH474bWYjRDcp65k/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 16 fev. 2022.
    https://www.scielo.br/j/topoi/a/ZZhD4cZn...
    ).
  • 4
    “Benedetto XIV afferma la necessità della prova dei miracoli nelle Cause dei Santi, come prova definitiva della volontà divina di glorificare un fedele […]” [Tradução livre].
  • 5
    Durante o processo de investigação foram detidos dois suspeitos. O primeiro foi o vendedor Arlindo José da Silva, trabalhador da Praia do Pina que encontrou o corpo, solto semanas depois por falta de provas. Ainda em 1970, o mecânico Geraldo Magno de Oliveira foi preso e considerado réu confesso. No entanto, antes do julgamento, o acusado relatou que foi coagido e torturado para confessar o crime. Meses após a sua prisão, Geraldo Magno foi assassinado na penitenciária sem ter o julgamento concluído.
  • 6
    Principal cemitério público do Recife, construído em 1858, tornando-se espaço de sepultamento de autoridades, membros de congregações religiosas e da população da Região Metropolitana. (Cf. SIAL, 2005SIAL, V. V. de C. Das Igrejas ao Cemitério: políticas públicas sobre a morte no Recife do Século XIX. 2005. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.).
  • 7
    Na atualidade, o rigor dos procedimentos da Igreja Católica também possui espaço para adaptações ou considerações que buscam aproximar as ortodoxias e regulamentações das devoções dos fiéis. Como exemplo, pode-se destacar as considerações realizadas pela hierarquia do clero para autorizar a canonização do Beato Giovanni Battista Scalabrini, bispo de Piacenza, na Itália, entre os anos de 1876 e 1905. Para a conclusão do processo, a devoção do povo e suas ações em prol da fé apresentaram força para que o processo reconsiderasse as orientações legislativas da Santa Sé. Neste sentido, nota-se a constante necessidade de interpretação das questões culturais, sociais e políticas no processo de formação das devoções (DOMINGUES, 2022DOMINGUES, F. João Batista Scalabrini, o apóstolo dos migrantes, será proclamado santo. O São Paulo, São Paulo, 23 maio 2022. Disponível em: https://osaopaulo.org.br/destaque/joao-batista-scalabrini-o-apostolo-dos-migrantes-sera-proclamado-santo/ . Acesso em: 18 jul. 2022.
    https://osaopaulo.org.br/destaque/joao-b...
    ).

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e Eduardo Romero de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2022
  • Aceito
    17 Out 2022
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