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Medicina e melhoramento da agricultura no Brasil do século XIX

Medicine and improvement of agriculture in Brazil in the 19th century

RESUMO

Este artigo trata das relações estabelecidas entre agricultura e medicina no Brasil do século XIX. A partir da análise de alguns manuais de agricultura e medicina publicados no período e dos relatórios do Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (MACOP), o objetivo é compreender e debater os processos relacionados à constituição de campos específicos de pesquisa e discussão nestas duas áreas. Além disso, outro foco da análise é discutir o quanto os desenvolvimentos conhecidos na medicina estavam diretamente conectados e influenciavam os processos que aconteciam no universo da agricultura, especialmente no âmbito da grande lavoura escravagista. Assim, por meio do estabelecimento de comparações e contrapontos entre a medicina e a agricultura, este artigo busca também aprofundar os debates sobre os processos de modernização que aconteceram no Brasil do século XIX, mais diretamente depois da criação do MACOP na década de 1860.

Palavras-chave:
agricultura; ciência; melhoramento; medicina

ABSTRACT

This article deals with the relationships established between agriculture and medicine in Brazil in the 19th century. Based on the analysis of some agricultural and medical manuals published in the period and the reports of the Ministry of Agriculture, Commerce and Public Works (MACOP), the objective is to understand and debate the processes related to the constitution of specific fields of research and discussion on these two areas. In addition, another focus of the analysis is to discuss how closely known developments in medicine were directly connected and influenced the processes that took place in the universe of agriculture, especially in the context of large-scale slavery. Thus, through the establishment of comparisons and counterpoints between medicine and agriculture, this article seeks to deepen the debates on the modernization processes that will take place in Brazil in the 19th century, more directly after the creation of MACOP in 1860.

Keywords:
agriculture; science; improvement; medicine

Ciência, medicina e agricultura

Os debates sobre o melhoramento da agricultura foram recorrentes no Brasil ao longo do século XIX. Na verdade, a preocupação com o assunto remonta ao século XVIII, quando Portugal desenvolveu uma série de iniciativas voltadas para aproximar o reino e suas colônias das mudanças que vinham acontecendo em algumas nações do continente europeu (POMBO, 2013POMBO, N. O Palácio de Queluz e o mundo ultramarino: circuitos ilustrados. Portugal, Brasil e Angola, 1796-1803. 2013. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.). No Brasil do século XIX, essas discussões ganharam particularidades próprias e conteúdos bastante peculiares. Todavia, foi durante o Segundo Reinado (1840-1889) que os debates, projetos e iniciativas voltados para melhorar a agricultura conheceram novas roupagens e desenvolvimentos significativos, especialmente a partir da criação do Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (MACOP) na década de 1860.

Nesse universo, a medicina, seus conhecimentos, práticas e possíveis empregos no âmbito rural (como será demonstrado neste artigo) receberam atenção especial. Tal característica pode ser verificada nos manuais de agricultura, como, por exemplo, no Manual do agricultor brasileiro, de Augusto Taunay, datado de 1839TAUNAY, C.A. Manual do Agricultor Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e Comp., 1839., e no Manual do agricultor dos gêneros alimentícios ou método da cultura mista destes gêneros nas terras cansadas, publicado em 1863 e de autoria do padre Antônio Caetano da Fonseca. Da mesma forma, a agricultura também encontrava espaço nos manuais que tinham como mote principal a medicina e eram escritos por médicos, como, por exemplo, o Manual do fazendeiro ou tratado doméstico sobre as enfermidades dos negros generalizado às necessidades médicas de todas as classes, publicado em 1839 e escrito pelo médico francês Jean-Baptiste Alban Imbert, radicado no Brasil desde 1831.

De fato, há muita proximidade entre o saber específico do campo médico produzido no contexto dos séculos XVIII e XIX e o da agricultura. Contudo, não são muitos os estudos que se preocuparam em pensar a relação. De acordo com Márcia Moisés Ribeiro (1997RIBEIRO, M.M. A Ciência nos trópicos: A arte médica no Brasil do século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997.), no Brasil do século XVIII:

Assim como a agricultura, a medicina estava subordinada a inúmeras influências cósmicas. O ato de colher uma planta ou sangrar uma pessoa significavam submeter-se a tais intervenções, pois se acreditava na existência de meses, dias e até horas favoráveis a essas práticas. A sujeição dava-se também em outros níveis. Além do funcionamento cósmico, os homens dependiam fundamentalmente dos gêneros oferecidos pela natureza. O criador teria dado aos animais, vegetais e minerais qualidades extraordinárias, cabendo aos homens a tarefa de explorá-las. Tudo tinha razão de ser e cada parte do mundo havia sido projetada para uma determinada finalidade. (RIBEIRO, 1997RIBEIRO, M.M. A Ciência nos trópicos: A arte médica no Brasil do século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997., p. 69)

A aproximação entre medicina, agricultura e religião realizada por Márcia Ribeiro não é aleatória, pois as características que ela verifica para o contexto do setecentos são comuns à medicina de orientação hipocrática.1 1 Para conhecer a história e a importância do método hipocrático na história da medicina, ver: Carlos Antonio Mascia Gottschall (2007). O hipocratismo, entendido como um conjunto de orientações e saberes médicos que passaram por diversas alterações, renovações e recebeu diferentes nomenclaturas (neo hipocratismo, por exemplo) desde Hipócrates (460 a.C.) até o período contemporâneo, foi o paradigma hegemônico na medicina da época aqui em foco. Além disso, suas influências se estenderam até o final do oitocentos e às primeiras décadas do século XX (EDLER, 2011EDLER, F.C. A medicina no Brasil Imperial: Clima, parasitas e patologia tropical. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.; HEIZER; VIDEIRA, 2001HEIZER, A.; VIDEIRA, A.A.P. (org.). Ciência, civilização e Império nos trópicos. Rio de Janeiro: Access, 2001.), quando a leitura bacteriológica definitivamente conseguiu se sobrepor. No geral, a tradição hipocrática articulava “a explicação das doenças e da constituição física e moral dos homens em torno de três eixos: dieta, hábitos e clima” (KURY, 2002KURY, L. Um médico no Império. Cruz Jobim interpreta a ciência europeia. In: 10º ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA - ANPUH-RJ, 2002. Anais... Rio de Janeiro: UERJ, 2002. Disponível em: https://anpuh.org.br/index.php/encontros-regionais/encontros-anpuh-rio/x-encontro-regional-de-historia-2002 . Acesso em: 21 out. 2021.
https://anpuh.org.br/index.php/encontros...
, n.p.). Segundo essa perspectiva, o meio exterior atuava no interior, o que levava à constituição de diferentes temperamentos e humores, e cada qual, bem como a articulação diferenciada deles em uma mesma pessoa, exigia formas específicas de tratamento e poderia repercutir na predisposição dos indivíduos a desenvolverem determinados tipos de doenças e de maneiras determinadas.

Evidentemente os conhecimentos médicos e agrícolas passaram por transformações significativas ao longo desse tempo (séculos XVIII, XIX e XX), e foram renovados e ressignificados de acordo com cada contexto histórico. De todo modo, nas duas áreas, o saber não científico, baseado nos costumes, numa leitura específica sobre a natureza e sobre a interferência divina no mundo, continuou sendo fator importante na atuação de médicos e agricultores. Porém, no âmbito da medicina, o processo de constituição de um campo cientificamente articulado, do monopólio da fala sobre a cura e a doença, ainda que lentamente, andou, se expandiu e se consolidou mais rapidamente do que na agricultura. Mesmo que nos séculos XVIII e XIX a agricultura brasileira tenha assistido ao desenvolvimento de uma série de discussões e providências voltadas para o seu melhoramento e para dar-lhe um caráter científico (DOMINGUES, 1995DOMINGUES, H.M.B. Ciência um caso de política: A relação entre ciências naturais e a agricultura no Brasil Império”. 1995. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.), devido a peculiaridades e motivos que serão apresentados ao longo deste texto, comparativamente ao campo da medicina foi maior o tempo que a agricultura precisou para incorporar como prática e generalizadamente os conhecimentos produzidos no Brasil e internacionalmente, pelas então chamadas “ciências agrícolas” ou “agronômicas” (agronomia, veterinária, zoologia, química agrícola etc.).

Todavia, não intenciono propor que a agricultura era totalmente acientífica no contexto do século XIX, pois os diálogos entre ciência e agricultura foram intensos e profícuos no período. Por consequência, a perspectiva adotada nesta análise é que na medicina o processo de constituição de um campo de pesquisa com um discurso cientificamente estruturado, capaz de definir seus métodos, garantir sua expansão e legitimidade foi mais veloz e eficiente. Característica que também facilitou o processo de estabelecimento das fronteiras do campo médico e das competências que alguém deveria portar para fazer parte dele. Diversos foram os fatores que estiveram na base das diferenças entre a agricultura e a medicina nas suas trajetórias para se constituírem enquanto campos de pesquisa científica, e um dos objetivos deste estudo é discutir alguns deles, bem como suas interconexões, tendo como base o conceito de campo desenvolvido por Pierre Bourdieu.

Teoricamente, segundo Bourdieu (2014BOURDIEU, P. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.), entende-se campo como um espaço social e socialmente construído, no qual e a partir do qual seus integrantes atuam como agentes interessados em cumprir uma série de tarefas e premissas, dentre elas a constituição de um conjunto de visões de mundo e de instituições capazes de formatá-las, legitimá-las e difundi-las. Para terem força social e, assim, executarem eficazmente suas performances, essas instituições e visões de mundo precisam alcançar o reconhecimento amplo e generalizado da sociedade da qual fazem parte e precisam ser legitimamente reconhecidas (BOURDIEU, 2008BOURDIEU, P. Economia das Trocas Linguísticas: O que falar quer dizer. São Paulo: Edusp, 2008.). Nesse âmbito, ao participarem de um campo, seus agentes também intentam produzir bases estruturais, para que as suas estruturadas visões de mundo tenham condições de poder para alcançar eficácia na produção do mundo, ao falar sobre ele (nos termos de Bourdieu, para serem visões de mundo capazes de produzir divisões de mundo). Portanto, campo, segundo Bourdieu, é um espaço socialmente estruturado e conflituoso onde os agentes sociais ocupam uma posição e lutam para mantê-la ou para melhorá-la e, ao fazerem isso, atuam também na perspectiva de manter e melhorar o campo e a sua capacidade de interferência social. Assim sendo, ao atuarem pelo reconhecimento do campo, seus agentes também lutam por seu autorreconhecimento.

A constituição de um campo (desse modo) é marcada por relações de conflito, não acontece da mesma forma e do mesmo modo em todo lugar e do dia para noite. Há peculiaridades de contexto para contexto e de área para área, e as especificidades, diferenças e similitudes não devem ser ignoradas para ser possível entender a dinâmica do processo em sua totalidade, bem como os traços característicos de cada situação. Isso também pode ser visualizado na forma como se dá a relação entre profissionais e profanos e a capacidade que os leigos têm de interferir nos assuntos que dizem respeito propriamente ao campo, os quais variam de campo para campo. Por sua vez, esse conjunto de características pode ficar mais visível ou tomar formatos específicos para a análise, quando dois ou mais campos são colocados em contraposição e analisados comparativamente.

Assim, este texto buscará fazer aproximações entre os desenvolvimentos experimentados pela agricultura e pela medicina no Brasil do século XIX, mais detidamente no que diz respeito à incorporação do conhecimento científico no interior das duas áreas, à sua aplicação prática, aos resultados provenientes disso e à constituição de campos específicos em cada situação. Para dar conta disso, as principais fontes de análise serão alguns manuais de medicina e agricultura que vieram a público no século XIX. Além dessas publicações, parte das análises terá como referência os debates que encontraram espaço no interior do MACOP e estão registrados em seus relatórios anuais.

Contudo, antes de seguir na análise é importante traçar, ainda que rapidamente, uma discussão sobre qual era a concepção de ciência característica do Brasil no contexto do século XIX. Um primeiro ponto a ser destacado é que ela era bastante diversa da atual. Embora alguns traços ainda sejam comuns entre as duas épocas, tanto em relação às definições como às práticas, muita coisa mudou de lá até aqui. Outra questão importante a ser destacada é que - diferentemente de uma leitura que foi preponderante até muito recentemente, a qual afirmava que a produção de conhecimento científico no país só aconteceu a partir da década de 1930 - nesta análise, a perspectiva é que no século XIX, e em períodos anteriores, muita ciência foi produzida no Brasil, mas pouco conhecemos dessa história.

Existem outras características sobre a ciência no Brasil do século XIX para as quais a historiografia competente vem chamando atenção. Uma delas é o seu caráter pragmático e instrumental. José Augusto Pádua (2002PÁDUA, J.A. “Um sopro de destruição”: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.), ao estudar o “pensamento ecológico” no Brasil do século XIX, verifica a presença dessa maneira de lidar com a ciência nas orientações, formas e práticas que regulavam a relação do homem com o meio ambiente e que tinham reflexo direto nas práticas agrícolas empregadas, nas leituras e nos projetos de melhoramento da agricultura postos em curso, seja pelo Estado ou pela iniciativa privada, traço que também é verificado por Fernando Antonio Lourenço (2001LOURENÇO, F.A. Agricultura Ilustrada: Liberalismo e escravismo nas origens da questão agrária brasileira. Campinas: Unicamp , 2001.) em seu estudo sobre a chamada “agricultura ilustrada” do século XIX.

Outra particularidade da ciência no Brasil daquele período tem relação com seus usos sociais e políticos. Nesse caso, os estudos sobre a matéria evidenciam que ela também serviu como instrumento de dominação. Segundo Sidney Chalhoub et al. (2003CHALHOUB, S.; MARQUES, V.R.B.; SAMPAIO, G.R.; GALVÃO SOBRINHO, C.R. (org.). Artes e ofícios de curar no Brasil: Capítulos de História Social. Campinas: Unicamp, 2003.):

as tentativas de estabelecer o discurso científico como única verdade possível, desde pelo menos meados do século XIX, estão intimamente relacionadas ao desenvolvimento da sociedade capitalista e aos esforços dos grupos economicamente poderosos do país para manter suas posições de controle e privilégio. Isso porque, ao explicar e naturalizar as desigualdades e injustiças sociais, o discurso científico passa a configurar uma nova forma de dominação, em momento no qual os tradicionais pilares de sustentação das elites senhoriais - o trabalho escravo, a inviolabilidade da vontade dos proprietários de terra, a reprodução de laços de dependência pessoal - sofrem profundos abalos. (CHALHOUB et al., 2003CHALHOUB, S.; MARQUES, V.R.B.; SAMPAIO, G.R.; GALVÃO SOBRINHO, C.R. (org.). Artes e ofícios de curar no Brasil: Capítulos de História Social. Campinas: Unicamp, 2003., p. 12)

O etnocentrismo é outro traço característico da ciência do período sobre o qual é importante refletir. Na verdade, algumas concepções consideradas científicas na época - por exemplo, as teorias raciais -, quando eram aplicadas às realidades diversas daquelas para as quais haviam sido elaboradas, tendiam a verificar problemas nesses lugares que seriam de difícil superação e poderiam impossibilitar o completo desenvolvimento/progresso científico de algumas nações. Nessa linha, segundo as leituras sustentadas no paradigma climatológico, que considerava o clima como um dos principais agentes que afetava a saúde humana, as regiões tropicais eram concebidas como propícias para a produção e expansão de doenças. Também preponderava a leitura de que nas regiões tropicais, a vida das pessoas era mais fácil do que nos climas temperados, fato que implicaria na formatação da índole e na capacidade produtiva dos indivíduos. Para ter uma ideia de como essa chave de leitura era aplicada na prática, apresento um trecho do livro O Brasil ilustrado em gravuras, publicado em 1896 e de autoria do fotógrafo alemão Maurício Lamberg, que se estabeleceu no Recife na década de 1880. Esse autor, ao tratar dos brasileiros, escrevia:

O caráter despreocupado e jovial dessa gente tornava-me pensativo. Que contraste enorme, dizia eu comigo, entre o Brasil e a Europa! Como esses homens são muito mais felizes do que os meus semelhantes europeus! Mas também, que diferença entre a vida daqui e a de lá!

Antes de tudo, aqui o inverno não existe com todo o seu séquito de horrores para os pobres; uma liberdade individual quase ilimitada permite-lhe que viva onde e como queira. Tem a sua disposição, por uma bagatela, uma infinidade de frutas saborosas e nutritivas. O mar sem dono, os rios extremamente picosos, a floresta livre, a fertilidade fabulosa do solo; tudo contribui para tornar-lhe a existência mais fácil. Além disso, são poucas as necessidades desses homens! Nestas condições, que preocupações podem assaltá-los, a não ser a moléstia! (LAMBERG, 1896LAMBERG, M. O Brasil ilustrado com gravuras. Rio de Janeiro: Tipografia Nunes, 1896., p. 6).

Como é possível verificar, a leitura de Lamberg sobre os habitantes dos trópicos tendia a naturalizar determinados comportamentos. Além disso, no livro (como um todo) fica muito nítida a posição conservadora e preconceituosa que adotava em relação a vários assuntos. Dessa forma, nas análises “científicas” que fazia sobre o Brasil, Lamberg insistia em associar o caráter do brasileiro e a sua capacidade intelectual à natureza abundante e ao clima. Considerava que não havia falta de inteligência e boa vontade, mas entendia que o brasileiro tinha uma baixa disposição para ciência, sendo ela consequência da “natureza do habitante dos trópicos. Incapaz de consagrar toda sua existência ao exame de um problema científico sacrificando muitos gozos da vida, como faz o sábio das zonas temperadas e frias” (LAMBERG, 1896LAMBERG, M. O Brasil ilustrado com gravuras. Rio de Janeiro: Tipografia Nunes, 1896., p. 12). Um exemplo preciso da visão eurocêntrica que pensa o Norte do mundo como o lugar do pensamento, da inteligência e da criatividade e o Sul como espaço da preguiça, da lascívia e da diversão.

Outrossim, a percepção de Lamberg sobre a ciência e a capacidade dos brasileiros para desenvolvê-la encontrava ecos em diferentes contextos e autores. Tal ponto de vista, consequentemente, implicou no modo como se processou a constituição de um campo científico voltado para tratar da agricultura e seu melhoramento no país. De um modo geral, a maior parte dos agricultores brasileiros (pequenos e grandes) se encaixavam no desenho produzido por Lambert e seus contemporâneos, portanto, ficava difícil crer que investimentos em ciência trariam grandes resultados. Contudo, e como veremos, isso não implicou em imobilidade e falta de iniciativas, mas nos formatos que adotaram, no seu desenvolvimento e nos resultados que produziram, os quais são geralmente descritos nas fontes como aquém do esperado.

Medicina no Brasil do século XIX: uma síntese

Em seu A medicina no Brasil Imperial, Flávio Coelho Edler (2011EDLER, F.C. A medicina no Brasil Imperial: Clima, parasitas e patologia tropical. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.) busca demonstrar o complexo processo a partir do qual os paradigmas e conhecimentos que orientavam as práticas médicas, a respeito do que era a doença, suas origens e modos de tratamento, mudaram ao longo do século XIX. Grosso modo, conta a história de como a visão climatológica/hipocrática (dominante até determinado momento, década de 1870/80) perdeu espaço para a medicina bacteriológica/pastoriana. Ao executar essa proposta, além de apresentar os preceitos gerais que orientavam as duas formas de realizar a medicina, suas histórias e daqueles médicos que se orientavam por essas tradições, o autor destaca o quanto uma não era mais ciência do que outra. Na verdade, demonstra que estamos diante de duas formas de fazer medicina, de duas tradições científicas importantes na história da medicina brasileira e mundial e que, em um dado momento, uma delas (a bacteriana) suplantou a outra (a climatológica/hipocratiana), e ao fazer isso se constituiu como modelo de orientação, definindo uma nova doxa para o campo (EDLER, 2011EDLER, F.C. A medicina no Brasil Imperial: Clima, parasitas e patologia tropical. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.), mas não fez a tradição hipocrática desaparecer totalmente, ou anulou de modo absoluto sua influência na medicina.

Segundo demonstra Edler, a mudança de paradigma não tornou os preceitos e orientações hipocráticas menos científicas, acientíficas ou atrasadas como contam algumas leituras, especialmente as versões desta história que foram narradas por aqueles grupos que saíram vitoriosos dos embates que caracterizaram o processo. Assim, o que está no horizonte da análise de Edler, e de outros pesquisadores que atualmente vêm debatendo a história da ciência, é a perspectiva de defini-la como uma atividade social, portanto, como um produto da história e dos “processos que ocorreram no tempo e no espaço envolvendo seres humanos”. Além disso, tais leituras também buscam evidenciar que os cientistas são “atores que têm vidas não somente na ciência, mas nas sociedades mais amplas das quais eles são membros” (FIGUERÔA, 2001FIGUERÔA, S. Para pensar a vida de nossos cientistas tropicais. In: HEIZER, A.; VIDEIRA, A.A. P. Ciência, civilização e Império nos trópicos. Rio de Janeiro: Acesso, 2001. p. 235-246., p. 243). Consequentemente, estão envolvidos direta e indiretamente nas lutas e conflitos que atravessam a figuração social da qual participam, o que exige considerar também as lutas pela sua própria sobrevivência, inclusive enquanto cientistas, pois:

o praticante de uma ciência é sempre alguém que adquiriu uma cultura, que foi formado, modelado em determinado meio, que foi socializado em contato com um grupo com quem compartilhou sua atividade, e não uma consciência crítica desenraizada, um puro sujeito do conhecimento. Ele é parte constituinte de um grupo, de uma escola, de uma tradição, de um país, de uma época. (EDLER, 2011EDLER, F.C. A medicina no Brasil Imperial: Clima, parasitas e patologia tropical. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011., p. 20).

A partir dessa perspectiva e para poder demonstrar os liames envolvidos na história da medicina no Brasil do século XIX, especialmente o quanto o processo de construção de conhecimento científico é cumulativo, envolve disputas e trocas geracionais, Edler precisou trabalhar com diversos assuntos, desde aqueles que dizem respeito à criação de instituições médicas (como as Academias Imperiais de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, fundadas em 1808), até aqueles que se referem aos temas que eram debatidos, às pessoas e entidades envolvidas e às ações e projetos concretizados pelo Estado, no sentido de definir a autoridade da medicina e dos médicos no país. Do mesmo modo, Edler tratou das disputas, encontros e desencontros entre a medicina feita nas academias e a chamada medicina popular, muito generalizada e forte no período, especialmente nas áreas rurais do país.

Outro assunto para o qual o autor voltou as suas análises é o processo de profissionalização do campo médico e de formação de seus agentes. Igualmente, estudou como se constituíram saberes e trocas científicas, que envolviam pesquisadores de medicina e médicos sediados em diferentes regiões do Brasil e de outras partes do mundo. Em resumo, trata-se de uma investigação bastante detalhada sobre a história da medicina no Brasil do século XIX e que é eficiente em demonstrar como ocorreu o processo de sua constituição enquanto um campo específico de saberes. Devido a essa característica, a pesquisa de Edler será um dos principais referenciais de apoio para as discussões que proponho fazer aqui, porque considero ser impossível para o contexto dessa análise realizar um estudo particular sustentado em fontes primárias sobre a medicina no Brasil do século XIX para depois contrapô-lo ao que aconteceu no universo da agricultura.

Assim, com base nas análises de Edler e de alguns outros estudiosos que se preocuparam em investigar a medicina no Brasil dos séculos XVIII e XIX, bem como na historiografia cujo foco foi estudar a história da agricultura deste mesmo período, é possível afirmar que o processo de institucionalização da medicina, sua constituição como campo com regras específicas e uma doxa própria, sua desvinculação dos saberes populares e dos princípios mágicos de cura, mas não sem antes se apropriar de alguns deles (MARQUES, 2003MARQUES, V.R.B. Magia e Ciência no Brasil setecentista. In: CHALHOUB, S.; MARQUES, V. R.B.; SAMPAIO, G. R.; GALVÃO SOBRINHO, C.R. (org.). Artes e ofícios de curar no Brasil: Capítulos de História Social. Campinas: Unicamp , 2003. p. 163-196.), no século XIX, caminharam de maneira mais veloz e tiveram resultados mais eficazes comparativamente ao que aconteceu com a agricultura.

Não obstante, para não cair na simplificação de afirmar que a agricultura era atrasada, ou que a comparação entre as duas áreas é inviável, devido às suas diferenças e especificidades, o que está em foco aqui é a capacidade que os médicos tiveram de estabelecer o monopólio do discurso sobre a saúde humana em suas mãos no século XIX, ainda que isso não tenha acontecido de forma absoluta. Esse processo ocorreu devido a uma série de fatores, mas com destaque especial para a “criação de regras quanto ao exercício das atividades terapêuticas, regras que foram se constituindo junto com a organização das instituições médicas” (PIMENTA, 2003PIMENTA, T.S. Terapias populares e instituições médicas na primeira metade do século XIX. In: CHALHOUB, S.; MARQUES, V.R.B.; SAMPAIO, G.R.; GALVÃO SOBRINHO, C.R. (org.). Artes e ofícios de curar no Brasil: Capítulos de História Social. Campinas: Unicamp , 2003. p. 307-330. , p. 326). Na agricultura também é possível verificar essa caminhada, que ganhou expressão própria nas providências tomadas pelo MACOP na segunda metade do oitocentos. Nesse contexto, o principal destaque está nos esforços do Ministério em criar instituições voltadas para instruir científica e tecnicamente os agricultores brasileiros, em particular na formação de profissionais de nível superior para trabalhar na agricultura, tais como engenheiros agrônomos e médicos veterinários.

Contudo, há outra questão importante para entender o contexto e os processos em análise, ela se refere ao modo como aconteciam as relações entre agricultores e médicos na vida cotidiana, a qual tem implicações nos significados e resultados da aplicação prática do conhecimento médico na agricultura e vice-versa. Nesse quesito, alguns estudos sobre o tema vêm demonstrando que tais relações eram entrelaçadas por interesses em comum, mais diretamente ainda quando o foco é a grande agricultura. Nessa direção, Anne Thereza de Almeida Proença (2021aPROENÇA, A. T de A. Alvo da cobiça das mocinhas: os laços matrimoniais entre médicos e herdeiras da elite cafeicultora no Vale do Paraíba Fluminense oitocentista. In: 31º SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 2021a. Anais... Rio de Janeiro, 2021a. Disponível em: https://www.snh2021.anpuh.org/resources/anais/8/snh2021/1627413845_ARQUIVO_8056194b79a3c980653bc1d44216688d.pdf . Acesso em: 18 nov. 2021.
https://www.snh2021.anpuh.org/resources/...
; 2021bPROENÇA, A.T. de A. Uma casa que servia de Hospital: a organização da Assistência à Saúde nos complexos cafeeiros do Vale do Paraíba Fluminense (1840-1880). In: ESTEVES, A.; ARAÚJO, M.M.L.; MAGALHÃES, A.; GONÇALVES, L. F.; MACHADO, M. Hospital dos dois lados do Atlântico: instituições, poderes e saberes. Braga: Universidade do Minho, Lab2PT, 2021b. p. 142-157.), ao tratar da realidade vivida por médicos e grandes produtores de café do Vale do Paraíba Fluminense, mostra que a mutualidade entre eles era muito corriqueira e poderia ser positiva para as duas partes. Para os médicos, manter relação com um grande proprietário de terras, além de garantir sua inserção no mercado de trabalho, possibilitava o estabelecimento de relações sociais, inclusive casamentos com filhas de fazendeiros, que poderiam ser importantes, tanto em termos do reconhecimento de seu trabalho, como na sua ascensão social e inserção política.

No que lhes diz respeito, do ponto de vista dos grandes proprietários, ter um médico atuando no interior de suas fazendas proporcionava reconhecimento pessoal e garantias de que a mão de obra escravizada por eles teria acesso a tratamento adequado quando necessário. Demanda que ganhou em importância a partir da proibição do tráfico escravo em 1850, pois a dificuldade em repor a mão de obra fez com que a atenção para a saúde dos escravos aumentasse, especialmente no sentido de garantir sua maior longevidade e produtividade. A autora também verifica que nas propriedades que tinham grandes plantéis de escravos passou a ser comum a presença de hospitais e médicos no seu interior, o que também aumentava as conexões entre médicos e fazendeiros. Assim:

integrados ao ritmo e dinâmicas da vida rural brasileira, os clínicos não eram apenas servidores, cuja função era atender as demandas de saúde daquela sociedade, mas passaram a ocupar espaços na administração, nas escolas, nas tipografias e publicações, nos clubes e sociedades e na política. Participavam e compartilhavam dos interesses gerados pela economia da grande lavoura do Vale, ao mesmo tempo em que levavam para o interior um conhecimento mais vasto do mundo. Traziam em suas bagagens um discurso acadêmico que foi adaptado à nova realidade em que viviam e que buscava estar de acordo com os interesses da elite agrária, para que assim fosse mais facilmente absorvido, disseminado e solicitado. (PROENÇA, 2021aPROENÇA, A. T de A. Alvo da cobiça das mocinhas: os laços matrimoniais entre médicos e herdeiras da elite cafeicultora no Vale do Paraíba Fluminense oitocentista. In: 31º SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 2021a. Anais... Rio de Janeiro, 2021a. Disponível em: https://www.snh2021.anpuh.org/resources/anais/8/snh2021/1627413845_ARQUIVO_8056194b79a3c980653bc1d44216688d.pdf . Acesso em: 18 nov. 2021.
https://www.snh2021.anpuh.org/resources/...
, p. 3).

Diante disto, dos conteúdos apresentados e do panorama desenhado ao longo deste tópico, fica demonstrada a proximidade e as inter-relações existentes entre o mundo da medicina e o da agricultura, bem como alguns aspectos relativos à história da última no contexto do século XIX. Conhecidas tais particularidades, a seguir o objetivo será discutir as providências postas em prática pelo Estado, via MACOP, para fazer a agricultura brasileira se desenvolver, bem como alguns dos impactos causados por estas medidas.

Melhoramento da agricultura no século XIX: as experiências do Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas

Em janeiro de 1889, nove meses antes da Proclamação da República, o então ministro da agricultura Rodrigo Augusto da Silva, expediu aviso determinando a constituição e funcionamento, segundo a Lei nº 3.397, de 24 de novembro de 1888, de uma Escola Científica de Viticultura, a ser estabelecida na província de São Paulo. A sua construção e direção ficaria sob encargo do enólogo Josef Watzl, contratado em Viena para desempenhar estas funções. Inicialmente o aviso estipulava, como tarefa de Watzl, organizar o projeto da “escola com todas as individuações competentes, escolhendo terrenos apropriados, levantando plantas do edifício principal e suas dependências, orçando todas as obras e aquisições necessárias de instrumentos e aparelhos” (SILVA, 1889SILVA, R.A. Relatório apresentado à Assembleia Geral na quarta sessão da vigésima legislatura. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889., p. 9). A lei também orientava Watzl a estabelecer residência em São Paulo, onde um de seus encargos seria “estudar mui atentamente o estado da indústria vitícola na província, quer na parte relativa à cultura da videira, quer quanto à fabricação e tratamento de vinho”. Cumprida a tarefa, as conclusões das suas análises deveriam ser enviadas ao governo, assim como deveria fazer a indicação dos “melhoramentos que, a seu juízo, forem para ser adotados pelos viticultores, e o que julgar conveniente ao progresso daquela nascente indústria” (SILVA, 1889SILVA, R.A. Relatório apresentado à Assembleia Geral na quarta sessão da vigésima legislatura. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889., p. 9).

No relatório do ano seguinte, 1890, já sob o regime republicano, Francisco Glicério ocupava o cargo de chefe do MACOP. No seu relato, voltou a tratar da Escola Científica de Viticultura, mas, diferentemente do que havia feito o ministro anterior, sua descrição foi bastante crítica e deu conta de demonstrar que a escola ainda não havia deslanchado. Na verdade, sua narrativa é um tanto angustiante, visto que demonstra que muito pouco do projeto inicial tinha saído do papel e o que foi feito não alcançava os motivos que tinham levado à construção da escola. Assim, Francisco Glicério (1890) escrevia:

verificada a imprestabilidade dos terrenos onde havia projetado fundar na capital de São Paulo uma estação enológica, e havendo a Lei n. 3.397 de 24 de novembro de 1888 decretado meios para ser ali organizada uma Escola Cientifica de Viticultura, fiz sobrestar nos trabalhos relativos a estação, que não correspondia ao intuito elevado da lei nem as reais necessidades da indústria, e cometi ao zelo do governador daquele estado a escolha de sítio apropriado a sobredita escola bem como a organização de projeto definitivo, no que será eficazmente auxiliado pela alta competência do Dr. Luiz Pereira Barreto a quem nomeei para o cargo de diretor. (GLICÉRIO, 1890GLICÉRIO, F. Relatório apresentado ao chefe do governo provisório por Francisco Glicério. Brasil: Imprensa Nacional, 1890., p. 33-34).

Como é possível verificar, Josef Watzl, embora tenha sido muito bem apresentado no relatório do ano anterior devido à sua origem europeia e sua formação na área de enologia, segundo a avaliação de Francisco Glicério, havia escolhido um terreno impraticável para estabelecer a escola que foi incumbido de organizar. Em consequência, foi afastado da função de diretor e, sob a determinação do ministro republicano, teve como tarefa organizar em São Paulo “uma estação filoxerica com horta vitícola que poderá constituir-se escola prática para divulgação de conhecimentos úteis quanto ao plantio da vide e cuidados que exigem esta especial cultura” (GLICÉRIO, 1890GLICÉRIO, F. Relatório apresentado ao chefe do governo provisório por Francisco Glicério. Brasil: Imprensa Nacional, 1890., p. 34).

Entre os motivos que estão na base da transferência de Watzl, certamente a passagem da monarquia à república ocupou papel importante. De todo modo, a história da Escola Científica de Viticultura sintetiza muito didaticamente as adversidades vividas por muitas iniciativas que foram realizadas durante o período imperial e que tinham como foco o melhoramento da agricultura. Trata-se, em linhas gerais, de um projeto encabeçado pelo Ministério da Agricultura que, como havia acontecido em relação a outras experiências, não conseguiu cumprir adequadamente os motivos de sua proposição, ou (o que foi bastante comum também) demorou muito para apresentar resultados palpáveis. Ao ler os relatórios do MACOP, tais situações são recorrentes, assim como os traços gerais que as caracterizam.

Outro exemplo que vai na mesma direção, mas com uma importância bem maior em termos das ações implementadas pelo MACOP, foi a constituição e funcionamento dos Imperiais Institutos de Agricultura.2 2 A constituição dos Imperiais Institutos de Agricultura, assim como outras medidas que tinham a instrução agrícola como foco e que são tratadas ao longo deste artigo, além de representarem de maneira ímpar os esforços do MACOP na difusão de conhecimentos científicos na e para agricultura, se inserem nos debates e desafios relativos à incorporação das diversas correntes agronômicas em pauta. Característica que envolvia um debate direto e muito profícuo com referência ao cenário externo, especialmente o europeu e estadunidense. Trata-se de um tema demasiado importante para entender o processo como um todo. No entanto, não será possível desenvolvê-lo aqui, pois, exige a ampliação no escopo das fontes, bem como da bibliografia de referência. Considero que tal desafio só poderá ser desenvolvido a contento, analisando os periódicos sobre agricultura que circularam na época, bem como a bibliografia internacional que tem debatido estas questões relativamente aos países em que o Brasil buscava inspiração para desenvolver seus projetos. Tarefa que pretendo desenvolver em futuro próximo. Ao longo da segunda metade do século XIX foi proposta a fundação de cinco institutos, o do Rio de Janeiro, o da Bahia, o do Rio Grande do Sul, o de Sergipe e o de Pernambuco. Eles foram criados mais ou menos no mesmo período, final da década de 1850. Entretanto, demoraram muito a acontecer, um deles, o do Rio Grande do Sul, nunca saiu do universo das ideias. Sobre essa questão, em 1872, o chefe do MACOP, Barão de Itaúna (1872ITAÚNA, B. de. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta sessão da décima quarta legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de E. & H. Laemmert, 1872.), relatava:

Contando mais de 10 anos de existência, nenhum destes estabelecimentos, a exceção do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, apresenta condições de vida auspiciosas e bons resultados no desempenho de sua tarefa. De alguns se conhece tão somente a existência pelo ato de sua criação; entretanto é forçoso reconhecer que em tais estabelecimentos temos poderoso auxiliar para elevar a lavoura ao grau de desenvolvimento que tem de atingir pela uberdade e riqueza do solo. (ITAÚNA, 1872ITAÚNA, B. de. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta sessão da décima quarta legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de E. & H. Laemmert, 1872., p. 10).

Quando trata do Instituto Fluminense, o único que nas suas palavras apresentava condições de vida, o Ministro passa mais tempo descrevendo as dificuldades que o estabelecimento encontrou para funcionar do que apresentando os resultados de suas atividades. No que se refere às suas principais contribuições para o desenvolvimento da lavoura, destaca a fabricação de alguns instrumentos agrários, a elaboração de um viveiro responsável por distribuir “plantas úteis” e “sementes de boa qualidade” para a Corte e províncias. Também destaca o funcionamento de um Asilo Agrícola, “fundado em condições modestas e práticas”, cujo objetivo era “habilitar indivíduos que se destinem a ser intermediários na grande lavoura como feitores e administradores”. Além de formar essa mão de obra tecnicamente qualificada para atuar no ambiente das grandes plantações, segundo o Ministro, o Asilo ainda teria utilidade no sentido de amparar os “órfãos e desvalidos que ali encontram, além da subsistência no presente, meios para no futuro ganharem honesta e utilmente a vida” (ITAÚNA, 1872ITAÚNA, B. de. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta sessão da décima quarta legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de E. & H. Laemmert, 1872., p. 12). Para finalizar o seu relato sobre as contribuições do Instituto Fluminense para agricultura do país, Itaúna também destaca a produção da Revista Agrícola, periódico publicado pelo Instituto, que circulou entre 1869 e 1891 e desempenhou papel significativo na divulgação de conhecimentos na área de agricultura no Brasil.3 3 Sobre o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura e sua importância científica e histórica, ver: Begonha Bediaga (2014).

Em 1882, 10 anos depois, o cenário não havia mudado muito. Nesse ano, ao tratar do Instituto Fluminense, o ministro José Antônio Saraiva (1882SARAIVA, J.A. Relatório apresentado à Assembleia Geral na primeira sessão da décima oitava legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional , 1882.) continuava definindo-o como o mais ativo de todos. Ao tratar do Instituto Pernambucano, escrevia que “nenhum fruto há produzido” e havia passado 20 anos de sua criação. O rio-grandense nem é citado no relatório e o Instituto Sergipano passava por uma fase de reorganização, da qual esperava-se condições para que entrasse em pleno funcionamento. O Instituto Baiano, por sua vez, havia apresentado resultados mais palpáveis no que diz respeito às funções que deveria desempenhar, pois, desde 1875, vinha funcionando no seu interior um curso de agronomia “professado em quatro anos e em sete cadeiras, no qual se matricularam 20 alunos, tendo 10 recebido, a 23 de janeiro de 1881, em sessão solene, e depois de haverem defendido teses, o título de engenheiro-agrônomo” (SARAIVA, 1882SARAIVA, J.A. Relatório apresentado à Assembleia Geral na primeira sessão da décima oitava legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional , 1882., p. 66). Trata-se da Escola São Bento de Lages, considerada a primeira escola de agronomia do Brasil e que, de sua fundação até a passagem para república, titulou os primeiros 43 agrônomos formados em solo brasileiro (CAMPOS TOURINHO, 1982CAMPOS TOURINHO, M.A. de. Imperial Instituto Baiano de Agricultura: A instrução agrícola e a crise da economia açucareira na segunda metade do século XIX. 1982. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1982.).

Ao continuar a caminhada em direção aos anos derradeiros da experiência imperial, o quadro relativo aos institutos imperiais não muda muito. De acordo com o último relatório do MACOP do período imperial, o instituto do Rio de Janeiro continuava enfocando a publicação da Revista Agrícola, o funcionamento do Asilo para menores, a produção e aclimatação de sementes e plantas que deveriam, na medida em que fossem demandadas pelos agricultores, ser distribuídas pelas diferentes províncias. O Instituto de Pernambuco continuava sendo uma promessa não cumprida e o de Sergipe ainda não havia encontrado meios para colocar em prática as alterações sugeridas no início da década de 1880, dentre elas a criação de uma Escola Rural Modelo e a fundação de uma revista nos moldes da que era produzida no Instituto Fluminense. Por sua vez, a Escola Agrícola de São Bento de Lages, vinculada ao Imperial Instituto da Bahia, continuava funcionando e formando engenheiros-agrônomos.

Foram muitas as medidas adotadas pelo MACOP que caminhavam no sentido de desenvolver meios para melhorar a agricultura brasileira, enfocando a formação profissional, técnica e científica de um quadro de especialistas nas artes agrícolas. Na verdade, não é possível descrever uma a uma aqui. Mas, em levantamento feito nos relatórios do ministério, localizei várias delas, as quais vão desde a premiação de agricultores, a aclimatação de sementes, plantas e animais, e passam pela criação de estações agronômicas, escolas orfanológicas (que tinham como objetivo instruir os filhos de escravas nascidos após a Lei do Ventre Livre de 1871), escolas normais e cursos práticos voltados para treinar os lavradores nas lides rurais e, por fim, chegam na constituição de escolas superiores, como a Escola São Bento de Lages e a Escola de Medicina Veterinária e de Agricultura Prática, criada em Pelotas, no Rio Grande do Sul, no início da década de 1880.

Além disso, também são citadas medidas que não eram articuladas diretamente pelo MACOP, mas por instituições e entidades que mantinham certo vínculo, direto ou indireto, com o Ministério. Destaca-se, nesse caso, alguns cursos oferecidos pelo Museu Nacional e pela Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, voltados para orientar os agricultores em novas práticas e métodos agrícolas ou para formar tecnicamente trabalhadores para as lides rurais. Nesse escopo se encaixam também iniciativas que foram tomadas a partir de parcerias público-privadas, como a fundação da Escola Agrícola União Indústria, criada em Juiz de Fora, província de Minas Gerais, no ano de 1869 (MATTOS, 2015MATTOS, A.A. de. Pela moralização do trabalho e prosperidade da indústria nacional: a Escola Agrícola União Indústria (1864-1884). 2015. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Juiz de Fora, 2015.).

Esse conjunto de medidas e ações buscava cumprir um dos objetivos principais do MACOP, isso é, fazer com que a agricultura brasileira alcançasse outros patamares, mais próximos daqueles que eram considerados próprios das chamadas “nações civilizadas”. Em síntese, tinham como escopo aperfeiçoar e modernizar o Brasil, e o próprio MACOP foi uma das principais representações desse objetivo (GABLER, 2012GABLER, L. A Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e a modernização do Império (1860-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012.). Todavia, na maior parte dos casos os resultados alcançados foram bastante restritos e alguns ministros são enfáticos em reconhecer essa característica nas suas avaliações. Além de restritos, foram instrumentais, uma vez que parte significativa deles buscava suprir às demandas e necessidades da grande lavoura exportadora, mais diretamente aquelas relacionadas à qualificação da mão de obra.

Quanto às explicações apresentadas para tratar da baixa efetividade das providências tomadas, elas eram bastante recorrentes e (de modo geral) giravam em torno dos mesmos temas. Algumas são mais constantes do que outras, mas variam, dependendo do objeto que está em discussão. Uma das mais repetidas, sem dúvidas, é a do orçamento, o qual geralmente é apresentado como insuficiente para a quantidade de trabalhos que o MACOP gerenciava. Outro argumento habitual é o da ignorância dos agricultores, seu apego à rotina e (escreviam constantemente os ministros) a sua dificuldade em se desapegar dos métodos tradicionais de lidar com a agricultura. A questão do transporte igualmente era objeto de atenção contínua dos relatórios, porque a falta de estradas e a sua má qualidade era considerada um dos principais motivos a dificultar o desenvolvimento da agricultura nacional, pois, entre outros problemas, encarecia demasiadamente os custos da produção.

Os ministros também chamam atenção para o fato de que os filhos dos grandes lavradores preferiam, apoiados por seus pais, escolher as profissões liberais, especialmente a advocacia, em vez de se dedicarem aos estudos agrários, fato que explicaria por que algumas escolas, como a União Indústria, tinham dificuldade em formar turmas completas, ou mesmo conseguir alunos dispostos a ingressarem nelas. Quando o olhar dos ministros se direcionava para as populações rurais vinculadas à agricultura de subsistência, ou para aqueles que trabalhavam como mão de obra livre nas grandes fazendas, o argumento era que eles, por natureza e ignorância, não tinham interesse em se profissionalizar e melhorar suas práticas agrícolas. A essa explicação se somava a leitura de que a natureza tropical era deveras benéfica, assim não exigia que as pessoas fizessem grandes esforços no sentido de garantir sua sobrevivência, o que os empurrava para a vadiagem e os afastava da ciência.

Essas explicações também estão muito presentes na literatura produzida na época e que tinha por mote discutir a agricultura. Manuais de agricultura como o de Carlos Augusto Taunay e o do Padre Antônio Caetano Fonseca pisam e repisam esses argumentos. De modo geral, tanto nos relatórios do MACOP como nas publicações que tratavam da agricultura (livros, artigos e periódicos), a alternativa mais indicada para superar essas e outras questões era o desenvolvimento do ensino agrícola em seus diferentes níveis e formatos. Entretanto, e como vimos, as medidas efetivamente realizadas com o fito de colocar em prática esta proposta, segundo o que é possível aferir a partir das leituras dos relatórios do MACOP, pouco ou quase nenhum efeito tiveram, pelo menos não no contexto do período imperial.

Ainda no âmbito das providências adotadas e das tarefas que cabiam ao MACOP desenvolver para cumprir o fito de melhorar a agricultura brasileira, vale citar a sua incumbência de cuidar da execução dos preceitos da Lei de Terras de 1850, o gerenciamento da política de imigração e colonização, a execução das legislações abolicionistas, a administração e construção de estradas de rodagem, ferroviárias, o desenvolvimento da navegação fluvial, a aplicação da política de catequese e civilização dos indígenas e outros mais. Como é possível verificar, eram muitos os trabalhos afetos ao MACOP e maiores ainda as dificuldades em gerenciá-los adequadamente, e todos esses serviços eram divididos entre as diferentes diretorias que compunham o Ministério.4 4 Para dar conta de suas funções, o MACOP estava dividido em diretorias (Central, Agricultura, Terras Públicas, Obras Públicas e outras). No período imperial, o Ministério conheceu duas reformas (1868 e 1873). Elas buscavam dar melhor organização à pasta redistribuindo os serviços que cada diretoria devia cumprir, aumentando o seu número, realizando fusões e adequando a estrutura do Ministério ao orçamento de que dispunha. Para conhecer a história do MACOP, as mudanças pelas quais passou e seu sentido geral dentro da política do Império, ver: Louise Gabler (2012). Nesse âmbito, outra adversidade, que corriqueiramente é registrada pelos ministros como empecilho para o cumprimento adequado de suas tarefas, era o pequeno número de funcionários vinculados à pasta ou a falta de rigor de alguns deles em cumprir suas atribuições.

Em linhas gerais, são essas as justificativas apresentadas pelos diferentes ministros que ocuparam o cargo de chefes do MACOP, desde a sua constituição na década de 1860 até a Proclamação da República em 1889, para explicar os resultados limitados que algumas medidas alcançaram. Efetivamente, esse conjunto de fatores ajuda a visualizar o porquê de algumas das providências adotadas obterem poucos efeitos, mas não são suficientes para entender o quadro em sua profundidade, entre outros motivos por que essas são explicações oficiais que buscavam justificar a própria existência do MACOP. Ademais, algumas delas são bastante parciais ou sem fundamento, como aquelas que atrelavam a situação da agricultura brasileira à ignorância dos agricultores, ao fator climático ou racial. Portanto, buscavam naturalizar questões que são históricas e sociais.

O fato de a agricultura compor a chamada principal indústria da nação, ser fonte de riqueza de um grupo social que tinha grande dificuldade em renunciar aos seus privilégios, precisa ser lembrado para compreender-se as nuances dessa realidade e a parcialidade das explicações produzidas. Essa característica ajuda a entender o porquê de a ciência médica, comparativamente a outras áreas, obter um desenvolvimento expressivo na época, muito embora as pessoas envolvidas na medicina, em sua parte significativa, pertencessem ao mesmo estrato social daqueles que debatiam e pesquisavam a agricultura. Nesse caso, além de ser uma das principais expressões da ciência na época (como será demonstrado a partir das análises dos manuais de agricultura), à medicina e aos médicos foram delegadas tarefas importantes na reprodução da realidade social e agrária brasileira. Dessa forma, o desenvolvimento da medicina também tem relação direta e indireta, mas não determinante, com o que acontecia na agricultura. Consequentemente, seu pioneirismo em se institucionalizar e profissionalizar tem muito a dizer sobre a trajetória da agricultura para se constituir como um campo cientificamente estruturado.

Nesse ambiente, a dificuldade que o país encontrava em formar especialistas na área de agricultura, em muitos relatórios do MACOP, era apresentada como um dos principais fatores que interferia diretamente no estágio de desenvolvimento que a agricultura havia chegado. Em contraposição, no universo da medicina, embora existentes, as adversidades eram menores e, em muitos casos, os próprios filhos dos fazendeiros optavam por fazer formação superior na área médica, em Direito, principalmente, mas também em medicina (EDLER, 2011EDLER, F.C. A medicina no Brasil Imperial: Clima, parasitas e patologia tropical. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.). Tal característica era objeto de críticas constantes nas fontes analisadas. Nessa direção, em 1839, Augusto Taunay escrevia:

em lugar dos cursos jurídicos que devem inundar o Brasil de jurisconsultos formados no antigo direito romano e nas ordenações do Reino, talvez tivesse sido melhor que as Câmaras instituíssem Cursos Agronômicos, aonde os filhos dos habitantes mais abastados, destinados a serem algum dia senhores de grande número de escravos em engenhos e fazendas, se formassem na nobre e benfazeja ciência da agricultura, base de toda a civilização, fonte de toda riqueza. (TAUNAY, 1839TAUNAY, C.A. Manual do Agricultor Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e Comp., 1839., p. 109).

Análises como essas encontram lugar em diferentes escritos produzidos sobre a agricultura no século XIX. Nos relatórios do MACOP, elas são mais genericamente direcionadas à ausência da instrução rural e do ensino superior em agricultura. Portanto, não focam tão incisivamente na predileção dos filhos dos fazendeiros pelo Direito, como fez Taunay ou como fazia André Rebouças no seu Agricultura nacional, lançado na década de 1880 a partir de um conjunto de artigos que havia publicado em periódicos do Rio de Janeiro entre 1860 e 1870. Nesse caso, Rebouças questionava os motivos de não existirem escolas superiores de agricultura no Brasil, enquanto as de Direito proliferavam e, segundo seu ponto de vista, roubavam da agricultura os filhos dos lavradores (REBOUÇAS, 1988REBOUÇAS, A. Agricultura Nacional. Estudos Econômicos: propaganda abolicionista e democrática. Recife: Fundaj, Editora Massangana, 1988.). Nessa perspectiva, demonstrando compartilhar das leituras feitas por Taunay e Rebouças sobre a importância da formação superior em agricultura, José Antônio Saraiva, ministro da agricultura em 1882SARAIVA, J.A. Relatório apresentado à Assembleia Geral na primeira sessão da décima oitava legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional , 1882., solicitou na Assembleia Geral crédito de cem contos de réis com a intenção de impulsionar o ensino agrícola. O objetivo maior da medida era dar início à “criação de institutos agronômicos, capazes de formar verdadeiros especialistas nas aplicações da ciência à cultura do solo, à indústria agrícola e aos variados misteres rurais” (SARAIVA, 1882SARAIVA, J.A. Relatório apresentado à Assembleia Geral na primeira sessão da décima oitava legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional , 1882., p. 32).

É nesse contexto que a Escola de Medicina Veterinária de Pelotas e as Estações Agronômicas de Campinas e Barbacena começam a ter presença nos relatórios do MACOP, mas os resultados não foram tão promissores quanto o ministro Saraiva esperava. Tanto é que, dois anos após sua fundação, o MACOP determinou o fechamento da Escola de Medicina Veterinária sob a justificativa de que precisava reduzir despesas. Isso acorreu exatamente quando a escola estava pronta para funcionar, portanto, depois de realizarem um sem-número de investimentos na construção dos prédios em que ela operaria; na contratação do profissional que a administraria, vindo da França; e na aquisição dos equipamentos e insumos que seriam necessários para o seu devido funcionamento, em sua maioria importados a altos custos da Europa.

Esse acontecimento é paradigmático para a compreensão de algumas questões que foram abordadas ao longo do texto. Nele está contida outra peculiaridade da época, para a qual não há condições de desenvolver análises mais detalhadas no conjunto desse artigo, trata-se das disputas entre as elites provinciais e do forte controle exercido pelos cafeicultores sobre os rumos e projetos relativos à agricultura brasileira como um todo. Algo que pode ser visualizado no caso específico da Escola de Medicina e Veterinária de Pelotas, pois algumas pesquisas sobre os motivos que levaram à decisão do MACOP em determinar seu fechamento têm indicado que a razão principal, além dos problemas financeiros, foi a queda do Gabinete Liberal em 1885 e o encaminhamento da verba, que seria para ela, para o Instituto Agronômico de Campinas. Todavia, a Escola não chegou a ser fechada, uma vez que a Câmara de Vereadores de Pelotas assumiu o gerenciamento da instituição e o MACOP passou a remeter uma subvenção anual para garantir seu funcionamento (ASSUMPÇÃO, 2009ASSUMPÇÃO, J. E. Pelotas: Escravidão e Charqueadas. Porto Alegre: FCM, 2009.; GERMINIANI, 1998GERMINIANI, C. L. B. A história da medicina veterinária no Brasil. Archives of Veterinary Science, Curitiba, v. 3, n. 1, p. 1-8, 1998.).

Medicina e agricultura: debates e práticas

Nesta seção, o objetivo será acompanhar os debates sobre a agricultura no século XIX em sua inter-relação com a medicina. O foco será direcionado para analisar os três manuais citados na parte introdutória do artigo, os quais foram publicados no oitocentos, dois na década de 1830 e um na década de 1860. Os critérios que definem a escolha dessas fontes são as suas características gerais, uma vez que são textos dedicados a apresentar aos agricultores brasileiros meios e métodos para melhorar e diversificar a agricultura. Outro ponto em comum entre eles é a circunstância de direcionarem atenção destacada para o papel que o conhecimento cientificamente produzido poderia desempenhar para impulsionar o processo. O terceiro motivo que justifica a seleção é que, em todos eles, a medicina é tema de relevância. Por fim, como quarta razão, temos o fato de os assuntos discutidos no âmbito desses manuais serem recorrentes no MACOP. Inclusive, em alguns relatórios do Ministério, é possível encontrar registros sobre esses manuais, indicando sua leitura e distribuição entre os agricultores do país. Nessa direção, Pedro de Alcantara Bellegarde (1864BELLEGARDE, P. de A. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima segunda legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Perseverança, 1864.), chefe do Ministério em 1864, escrevia:

fiz distribuir pelas câmaras municipais exemplares das memórias do nosso ministro nas repúblicas de Venezuela, Equador e Nova Granada, Francisco Adolopho Warnhagen sobre os melhoramentos introduzidos nos engenhos de açúcar e na preparação do tabaco, do manual do agricultor dos gêneros alimentícios, escrito pelo padre Antônio Caetano Fonseca, e do novo método da plantação do café pelo dr. Luiz Torquato Marques Oliveira. (BELLEGARDE, 1864BELLEGARDE, P. de A. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima segunda legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Perseverança, 1864., p. 5).

Na citação, o livro do padre Fonseca é diretamente mencionado. O manual de Augusto Taunay, embora tenha sido publicado na década de 1830, também recebe menção em alguns relatórios, o que demonstra a sua relevância para a época. Ao tratar dessa questão, da trajetória pessoal do seu autor e da importância do Manual, Heloisa Maria Bertol Domingues (1995DOMINGUES, H.M.B. Ciência um caso de política: A relação entre ciências naturais e a agricultura no Brasil Império”. 1995. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.) registra o quanto o seu conteúdo estava relacionado às mudanças em curso no momento de sua publicação, especialmente aquelas que diziam respeito à constituição da nação. Segundo a autora, as ciências, especialmente as chamadas ciências naturais, desempenharam papel relevante em tal processo. Nessa direção, ao tratar mais detidamente do Manual do Agricultor Brasileiro, Domingues conta que, em 1839, o Ministério do Império recomendou a sua publicação e a sua distribuição, bem como determinou que caberia à Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN), uma das instituições mais reconhecidas na época pelos trabalhos que realizava na perspectiva de desenvolver a ciência e a indústria no Brasil, se envolver diretamente nessas tarefas, cabendo-lhe também a incumbência de avaliar o conteúdo do livro.5 5 Sobre a SAIN e sua importância no contexto do século XIX, ver: Patrícia Regina Corrêa Barreto (2009). Nesse sentido:

para a história da institucionalização das ciências no Brasil, o fato do Governo mandar publicar uma obra que continha um projeto para desenvolver a agricultura do país pautado num conteúdo em que os conhecimentos científicos orientariam a produção e esta seria feita através de uma associação que se intitulava econômica e científica, revelava que a política governamental concordava com a promoção dos conhecimentos relativos à terra e à diversidade de culturas como ele propunha. A ordem ministerial para publicação daquele Manual do Agricultor, além de significar que o seu conteúdo podia ser tomado como um projeto do Governo para a agricultura, evidenciava os laços que unia a elite da sociedade do país, ou pelo menos a uma parcela dela, através da SAIN. Tudo isto representava o reconhecimento não somente do livro, mas também o reconhecimento do(s) seu(s) autor(es) e revelava aquela espécie de acordo tácito, [...], entre Governo, autor, editor e, certamente, público. (DOMINGUES, 1995DOMINGUES, H.M.B. Ciência um caso de política: A relação entre ciências naturais e a agricultura no Brasil Império”. 1995. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995., p. 87-88).

Essas características ajudam a entender os motivos pelos quais o livro de Taunay continuou a ser mencionado nos relatórios do MACOP ao longo da segunda metade do século XIX e ainda hoje ser considerado uma das principais publicações sobre o tema no período. Contudo, essa obra não esteve isolada nesse ambiente, ela se insere em um processo mais amplo que, como foi registrado na parte introdutória do artigo, historicamente remonta ao meado do século XVIII. Por consequência, as considerações de Domingues sobre o livro de Taunay podem ser aplicadas em relação às menções que são feitas a outros textos e autores que abordaram o tema da agricultura e são citados nos relatórios do MACOP. Em outras palavras, o Estado Imperial esteve diretamente interessado em criar meios para fazer com que a agricultura brasileira encontrasse formas de se desenvolver por meio da incorporação de conhecimentos científicos, especialmente aqueles experimentados em outros contextos nacionais, na Europa de modo particular. Esse traço também ajuda a entender o motivo pelo qual parte significativa (se não todas) das medidas institucionais adotadas pelo Estado para aperfeiçoar a agricultura eram inspiradas em experiências europeias, uma vez que, quando possível, algum cientista europeu era convidado a projetá-la ou a administrá-la no Brasil.

Quanto ao Manual do Agricultor Brasileiro, geralmente é apresentado como um dos primeiros tratados agrícolas do país. Em realidade, não chega a ser um dos primeiros, porque há muito tempo várias publicações que tinham como foco a agricultura circulavam no Brasil, como, por exemplo, o Manual prático do lavrador, datado de 1801 e de autoria de José Ferreira da Silva (1801SILVA, J.F. Manual Prático do Lavrador. Lisboa: Tipografia Chalcográfica e Literária do Arco do Cego, 1801.), ou o Discurso sobre o melhoramento da economia rústica do Brasil, de José Gregório de Moraes Navarro (1799NAVARRO, J. G. de M. Discurso sobre o melhoramento da economia rústica do Brasil, pela introdução do arado, reforma das fornalhas, e conservação de suas matas. Lisboa: Of. de Simão Thaddeo Ferreira, 1799.). Do mesmo modo, alguns dos temas abordados por Taunay se inseriam em uma histórica tradição de debates que deitam raízes profundas na história da produção intelectual brasileira sobre a agricultura (DIAS, 1968DIAS, M.O.S. Aspectos da ilustração no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 278, p. 05-170, 1968.; LOURENÇO, 2001LOURENÇO, F.A. Agricultura Ilustrada: Liberalismo e escravismo nas origens da questão agrária brasileira. Campinas: Unicamp , 2001.). Diante desse panorama, além das peculiaridades que Maria Bertol Domingues (1995DOMINGUES, H.M.B. Ciência um caso de política: A relação entre ciências naturais e a agricultura no Brasil Império”. 1995. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.) destacou e que ajudam a compreender a repercussão e importância que o livro teve, de acordo com Rafael Bivar Marquese (2001MARQUESE, R.B. Introdução. In: TAUNAY, C. Augusto. Manual do Agricultor Brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras , 2001. p. 7-26.), o manual de Taunay ainda se destaca por ser:

um retrato altamente expressivo do Brasil - e para nós hoje, terrificante. Trata-se de um documento fundamental para compreensão da sociedade escravista brasileira do século XIX e, por consequência, da mentalidade escravista das elites locais, das relações de poder escoradas na escravidão, basilares na formação histórica brasileira. (MARQUESE, 2001MARQUESE, R.B. Introdução. In: TAUNAY, C. Augusto. Manual do Agricultor Brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras , 2001. p. 7-26., p. 24-25).

Em relação às elites escravocratas e sua mentalidade, como era comum nos escritos da época, embora faça algumas críticas veladas ao escravagismo, Taunay entendia que a extinção imediata do trabalho escravo poderia ser profundamente negativa para o país e para sua agricultura, portanto era problema para ser solucionado no futuro. Para o autor, os escravizadores, o Estado e a sociedade como um todo deveriam se empenhar em encontrar meios para melhorar a vida dos escravos, garantir sua saúde e longevidade e, assim, aumentar sua produtividade. A consequência final da adoção de tais medidas, segundo a sua ótica, seria o próprio melhoramento da agricultura.

Assim, para Taunay, o trabalho escravo ocupava lugar central na sustentação da agricultura brasileira. Sem ele tudo poderia ruir. As bases desse argumento são mais pormenorizadamente desenvolvidas no segundo e no terceiro capítulos do manual, quando o autor se dedica a discutir o lugar da escravidão na história do Brasil, sua importância e os problemas que representava. Além de justificá-la a partir dos mais diferentes argumentos (econômicos, sociais, culturais, religiosos, morais, raciais etc.), o autor igualmente propõe meios para aperfeiçoar seus resultados. Nisso, não descartava o uso de castigos e violências, mas esses deveriam ser aplicados seguindo critérios inclusive científicos. Dentre eles, estava o domínio do conhecimento médico, pois ele poderia ser útil para evitar castigos excessivos, impedir sua aplicação em lugares indevidos do corpo, ou, por fim, para cuidar das chagas causadas no momento da punição. Segundo Taunay, os senhores de escravos deveriam aprender a lidar adequadamente com sua principal força de trabalho, bem como entender os benefícios que a adoção de formas mais racionais de trato com a escravaria poderia trazer. Essa era uma das tarefas que o Manual buscou cumprir, e para executar tal objetivo seu autor manejou todo o conhecimento científico que possuía sobre os temas que foram foco de sua discussão.

Para Taunay, não era só a escravidão, ou mais precisamente o trato destinado aos escravos, o principal empecilho que atravancava o melhoramento da agricultura. Ele enumera uma série de fatores, dentre os quais destaca a falta de estradas, a rotina dos agricultores, o atraso técnico, a vadiagem, a ignorância administrativa e uma série de outros. Para solucionar essas questões, Taunay propunha cinco meios para serem aplicados, alguns que também tinham lugar recorrente nas fontes da época: i) melhorar o sistema de transportes no país; ii) redação de um código voltado para regular a escravatura e que unificasse o tratamento que os donos deveriam dar a seus escravos; iii) a convocação, em cada Comarca, de um Júri, composto pelos agricultores mais consideráveis, que deveria julgar e premiar os seus pares, que no decurso de um ano haviam alcançado melhores resultados de produção e no trato da escravaria; iv) criação de cadeiras de agricultura em todas as capitais de províncias; e, por fim, v) a “redação e distribuição em todas as Freguesias do Império de livros elementares e folhetos sobre a arte geral, e os principais ramos de que se compõe” (TAUNAY, 1839TAUNAY, C.A. Manual do Agricultor Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e Comp., 1839., p. 7).

Em seu conjunto, o livro de Taunay busca abordar mais detidamente as maneiras e métodos para realizar e implementar suas cinco propostas, bem como as potencialidades que elas carregavam em termos de proporcionar um maior desenvolvimento para agricultura. Outra característica presente no manual e que é um traço recorrente na produção intelectual sobre a agricultura no oitocentos é que as discussões não eram feitas de forma isolada. Mas, além de conversarem entre si, estavam em diálogo constante com aquilo que era produzido fora do país, especialmente Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos.

No que diz respeito à medicina, os temas relacionados à saúde e à doença recebem atenção mais detida em dois dos apêndices que compõem o livro: “Pequeno tratado alfabético das principais doenças que acometem os pretos” e o “Mapa das plantas econômicas e medicinais mais usadas na economia e medicina doméstica brasileira”. O entendimento de Taunay sobre a importância do conhecimento médico para agricultura e para os agricultores, além de instrumental, articulava as críticas comuns à chamada medicina popular. Porém, ao fazer isso, ignorava que as relações entre a medicina acadêmica e a popular, como a historiografia recente vem demonstrando, eram bem mais dinâmicas do que postulava. Característica que fica muito evidente no seguinte trecho:

Não deixemos estes senhores fazendeiros sem se lhes observar que as superstições e crenças populares em patuás e orações estrambóticas, tão usuais na medicina selvagem dos sertões, de nada servem para curar as doenças e acidentes do gado. A intervenção do céu não se alcança por meio tão grosseiro, sim por um trabalho incansável e uma vida inocente. (TAUNAY, 1839TAUNAY, C.A. Manual do Agricultor Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e Comp., 1839., p. 98).

Inspirado por esse princípio, no apêndice, ao tratar das principais doenças que acometiam os escravos, em sete páginas, Taunay enumera 19 moléstias e indica os tratamentos mais recomendados para cada uma. No geral, as proposições flertam com o saber médico de orientação hipocrática e se circunscrevem em sugerir o uso de cataplasmas, sangrias, sanguessugas, banhos que poderiam variar entre frios e quentes, vomitórios, chás, laudêmios, compressas, azeites, mercúrio e dietas. No apêndice que contempla o mapa das plantas medicinais, Taunay produz 15 páginas dedicadas a apresentar algumas plantas e seus possíveis usos. Ele elabora uma tabela e para cada planta indica seu nome vulgar, nome científico e do autor que a nomeou cientificamente, classe da planta dentro da chamada ordem de Lineu6 6 Carlos Lineu, botânico, zoólogo e médico sueco. Considerado o fundador da taxonomia moderna (área da biologia dedicada à organização e classificação dos seres vivos), viveu entre 1707 e 1778. que classificava hierarquicamente as plantas segundo reino, filo, classe, ordem, família, gênero e espécie.

Nesse caso, no apêndice anterior, o foco de Taunay é apresentar noções elementares de botânica, e a taxinomia de Lineu encontra explicação pormenorizada. Esse não é um traço particular do manual de Taunay, mas está presente em outras publicações que tinham como foco a agricultura. Em realidade, a descrição pormenorizada desses conteúdos teve uma relevância ímpar para a época, porque, mesmo considerando as limitações próprias do período, cumpriu importante papel na perspectiva de levar o conhecimento científico para os mais diferentes lugares do Brasil (RODRIGUES, 2010RODRIGUES, K. Os manuais de fazendeiros, o governo dos escravos e medicina no século XIX. In: 14º ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA ANPUH-RJ, 2010. Anais... Rio de Janeiro: Unirio, 2010. Disponível em: http://snh2011.anpuh.org/resources/anais/8/1276739419_ARQUIVO_Osmanuaisdefazendeiros,ogovernodosescravosemedicinanoseculoXIX.pdf . Acesso em: 21 out. 2021.
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), na então chamada “vulgarização da ciência” (VERGARA, 2008VERGARA, M.R. Ensaio sobre o termo “vulgarização científica” no Brasil do século XIX. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 137-145, 2008.).

Diante dessas características, é possível concluir que Taunay considerava que os lavradores deveriam aprender a lidar racionalmente com a agricultura, empregando os princípios da ciência, tanto para tratar dos escravos quanto para introduzir novos métodos e práticas agrícolas. Segundo a sua percepção, uma fazenda deveria ser um micromundo dentro de um mundo maior e o lavrador bem orientado deveria primar pela autossuficiência da unidade produtiva, indo buscar fora dela apenas aquilo que fosse impossível produzir internamente. Isso incluía também a contratação de um médico e, se possível, a construção de hospitais no interior das fazendas. Caso o fazendeiro não dispusesse de recursos para tanto, deveria minimamente dominar alguns princípios da medicina para poder aplicar quando necessário. Em síntese, segundo Taunay, a medicina deveria cumprir o papel de garantir o perfeito funcionamento da unidade produtiva escravagista.

Dessa forma, ao ser usada nos termos que Taunay propunha, a medicina realizaria funções (social, política e econômica) importantes na manutenção da estrutura do mundo agrário do Brasil imperial escravocrata. Por sua vez, essa perspectiva também encontrava espaço dentro da área médica e está muito presente nas reflexões produzidas pelo médico Jean-Baptiste Alban Imbert no seu Manual do fazendeiro ou tratado doméstico sobre as enfermidades dos negros generalizando às necessidades médicas de todas as classes sociais, livro que conheceu duas edições (1834 e 1839) e, a julgar pelo curto espaço de tempo entre as duas e os comentários do autor na parte introdutória da segunda edição, teve grande recepção e sucesso na época.

Jean Batista Imbert era médico francês e havia se estabelecido no Rio de Janeiro no início da década de 1830. Ao apresentar as razões do seu manual, afirmava que sua principal intenção era orientar os fazendeiros do Brasil, especialmente aqueles que estão localizados nas regiões interioranas, dos métodos mais adequados para tratar das moléstias que frequentemente atingiam os escravos. Na mesma linha, também apresentava como objetivo ajudar a população em geral a conhecer e utilizar os métodos e tratamentos médicos mais avançados, cientificamente testados e aprovados pela comunidade médica. O livro é composto por dois tomos, nos quais o autor não apenas descreve as principais doenças que acometiam a população brasileira na época, mas demonstra suas causas, seus sinais, sintomas, meios de diagnosticá-las, prognósticos, evolução e tratamentos possíveis, bem como posologias e caminhos para elaboração das medicações mais indicadas para cada caso.

Um dos aspectos que mais chama atenção é a forma como o autor estabeleceu os diálogos entre ciência, medicina, agricultura e escravidão. Para dar conta disso, produziu um texto bastante prolixo que, entre outras coisas, demonstra seu conhecimento da medicina e que era um estudioso da área, pois, as referências a pesquisas realizadas no Brasil e em outros contextos são constantes. Em realidade, Imbert era um estudioso da medicina que buscava se manter atualizado em relação aos debates que aconteciam no campo e participava ativamente deles. Além disso, exercia a profissão de médico e sua experiência servia de suporte às suas análises e proposições.

No que diz respeito à escravidão, Imbert fazia leituras muito próximas às de Taunay, porque a considerava um mal social que deveria ser superado. Entendia que nada poderia justificar cientificamente a escravidão, mesmo a inferioridade racial dos negros em relação aos brancos poderia ser usada como justificativa. Além de ser contrário à escravidão, escrevia ser favorável ao fim do tráfico de escravos, que chamava de “um comércio de carne e sangue”. Comparativamente a Tauany, Imbert parece ser um pouco mais radical em suas críticas ao regime escravista, mas, na medida em que a leitura do livro avança, a crítica perde espaço para uma leitura conciliatória e, ao fim, o autor acaba por concluir que a extinção imediata do trabalho escravo traria problemas insolúveis para o país. Dessa forma, em seu manual, Imbert buscava oferecer aos fazendeiros o conjunto de conhecimentos que havia adquirido para que a relação escravocrata funcionasse em sua plenitude.

Nessa linha, no primeiro capítulo Imbert trata das questões que diziam respeito à compra e venda de escravos, tema que do seu ponto de vista deveria ser objeto de grande atenção dos fazendeiros, pois:

A venda de negros entre particulares, constitui no Brasil um ramo de comércio mui considerável. São os escravos uma mercadoria, que passa de uma mão a outra para o consumo com a única diferença de reservar-se o comprador, em geral, o direito de examinar sua boa, ou má qualidade, antes de fechar o trato. Recorre-se a este fim a um Médico, ou Cirurgião, que emite seu juízo sobre a qualidade, ou defeitos físicos do negro, juízo que serve de norma no mercado. (IMBERT, 1839IMBERT, J.-B.A. Manual do fazendeiro ou tratado doméstico sobre as enfermidades dos negros generalizado às necessidades médicas de todas as classes. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1839., p. 1).

Ser uma espécie de “juiz” no mercado de compra e venda de escravos, segundo Imbert, era uma das tarefas importantes a serem cumpridas pelos médicos na agricultura do século XIX. Essa poderia ser uma síntese da citação, mas é necessário ir além, buscar aquilo que ela silencia. Nesse caso, os elementos implícitos podem tomar formatos mais precisos quando o trecho é lido a partir do seu contexto e dos demais conteúdos que fazem parte da fonte da qual ele foi retirado. Como foi demonstrado em tópico anterior, o processo de constituição e profissionalização da medicina naquele período envolveu a atuação dos próprios médicos, as lutas nas quais se envolveram para salvaguardar o seu reconhecimento, a sua autoridade para tratar de determinadas questões, mais detidamente daquelas que diziam respeito às doenças e seu tratamento. Assim, ao destacar a ótima capacidade dos médicos como aqueles que teriam condições de orientar os fazendeiros na aquisição da escravaria, é possível deduzir que Imbert também buscava assegurar e/ou manter um espaço de atuação para ele e para seus pares de profissão no lucrativo mercado escravocrata. Evidentemente que essa análise não pode ser generalizada ao universo da medicina como um todo, mas no caso de Imbert ela tem um sentido bem delimitado.

Portanto, a medicina, em sua relação com o universo agrário, por um lado, poderia servir para instrumentalizar os lavradores, tornando suas fazendas e a aquisição da escravaria mais eficientes e produtivas; por outro lado, os médicos poderiam sair beneficiados de sua proximidade com o universo da grande lavoura. Consequentemente, é possível verificar a constituição de um mercado bastante dinâmico, no qual diferentes capitais (econômicos, sociais, culturais, simbólicos) eram transacionados, convertidos e reconvertidos por aqueles que estavam direta e indiretamente nele envolvidos. Anne Proença (2021bPROENÇA, A.T. de A. Uma casa que servia de Hospital: a organização da Assistência à Saúde nos complexos cafeeiros do Vale do Paraíba Fluminense (1840-1880). In: ESTEVES, A.; ARAÚJO, M.M.L.; MAGALHÃES, A.; GONÇALVES, L. F.; MACHADO, M. Hospital dos dois lados do Atlântico: instituições, poderes e saberes. Braga: Universidade do Minho, Lab2PT, 2021b. p. 142-157., p. 148), por exemplo, não descarta a possibilidade da existência de senhores que adquiriam escravos doentes, por preços baixos, para “trata-los em suas propriedades e vende-los por uma quantia maior, após recuperarem sua saúde”. Para autora, nesse contexto, preocupar-se com a saúde dos escravizados, não significava “apenas uma obrigação moral, mas uma preocupação com a possível perda financeira que viria como consequência” do adoecimento ou morte dos escravos (PROENÇA, 2021bPROENÇA, A.T. de A. Uma casa que servia de Hospital: a organização da Assistência à Saúde nos complexos cafeeiros do Vale do Paraíba Fluminense (1840-1880). In: ESTEVES, A.; ARAÚJO, M.M.L.; MAGALHÃES, A.; GONÇALVES, L. F.; MACHADO, M. Hospital dos dois lados do Atlântico: instituições, poderes e saberes. Braga: Universidade do Minho, Lab2PT, 2021b. p. 142-157., p. 148). Por seu turno, tais fatores e práticas podem ajudar a compreender a capacidade que o regime escravocrata teve para se reproduzir ao longo do tempo.

A princípio, a maneira instrumental com que Imbert lida com a medicina pode parecer um tanto ambígua, provinda de um crítico da escravidão, porém, ele não deixava de encontrar explicações “humanitárias” para embasar seu ponto de vista. Nesses termos, registrava que ao oferecer meios para que os escravocratas tivessem acesso ao conhecimento médico, garantiria condições para que os aplicassem no dia a dia de suas fazendas, o que proporcionaria possibilidades de vida mais digna aos cativos. Portanto, entendia que indiretamente estava prestando um serviço aos próprios escravos. Por seu turno, para embasar suas ponderações sobre os negros, Imbert tomava como referência a ideia de raça. Considerava que eles eram inferiores, principalmente no quesito inteligência. Essa inferioridade natural, somada às condições de vida, da má higiene e do desregramento de costumes que lhes eram característicos, segundo o médico, tornava os negros mais propensos às moléstias. Provinha daí, portanto, a necessidade de receberem um cuidado especial de seus proprietários a fim de evitar sofrimentos desnecessários aos escravos e prejuízos sem conta aos fazendeiros.

Outra proximidade entre Taunay e Imbert é a concepção que têm sobre a medicina. Porém, se Taunay dedica dois apêndices de sua obra para tratar do assunto, Imbert é mais detalhista e profundo. O seu manual tem 40 capítulos, os primeiros tratam de temas mais gerais, mas, de um dado momento em diante, as discussões vão se especializando e cada capítulo passa a tratar de uma moléstia em específico, seus sintomas, formas de diagnóstico, prognóstico e meios de tratamento. Também desenvolve capítulos voltados para apresentar a estrutura fisiológica do corpo humano, os sistemas de circulação e respiração, os diferentes temperamentos humanos, as implicações do clima e da raça na saúde, maneiras de realizar pequenas cirurgias, de diagnosticar doenças e uma infinidade de outros assuntos. Em síntese, mais do que um manual de agricultura, o livro de Imbert é um tratado de medicina, que deveria proporcionar aos seus leitores, mais detidamente aos fazendeiros do interior, conhecimentos gerais dos princípios médicos produzidos na época.

Quanto ao manual do padre Antônio Caetano Fonseca, em suas reflexões, o autor não destoa muito de Taunay e de Imbert. O traço que mais o diferencia é a sua abordagem mais centrada na experiência própria. Em realidade, ele é um manual prático de agricultura. O seu motivo principal era oferecer recursos para auxiliar os agricultores do Brasil, especialmente os pequenos, a adotar métodos e práticas voltadas para garantir maior produtividade e para recuperar terrenos cansados. Fonseca também argumenta que seu objetivo era munir os agricultores de recursos para “promover a abundância dos gêneros alimentícios do Império, especialmente naquelas províncias que têm sido flageladas pela fome” (FONSECA, 1863FONSECA, A.C. Manual do Agricultor dos gêneros alimentícios ou método da cultura mista destes gêneros nas terras cansadas pelo sistema vegeto-animal. Agricultor na província de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1863., p. 3).

O texto do padre Fonseca buscava apresentar um método agrícola que ele chamou de “vegeto-animal”, que consistia na utilização do estrume animal como adubo e na indicação de que os agricultores deveriam realizar a cultura mista de diferentes gêneros. Nada de muito novo em termos do século XIX, visto que a prática da agricultura com estrumagem e consorciada já era conhecida de outros contextos e objeto de diferentes discussões e publicações há bastante tempo. Contudo, embora as indicações para seu uso fossem recorrentes e encontrassem espaço em diferentes mídias e contextos, segundo as avaliações de Fonseca, tratava-se de um método que, ainda em 1863, era pouco empregado. Em realidade, ao longo do século XIX, a prática agrícola hegemônica, especialmente no que se refere ao cultivo, era o sistema de roças e a preferência pelo uso das terras virgens. Alguns lavradores inclusive entendiam que somente a agricultura em terras virgens era viável e lucrativa no Brasil. Ponto de vista que fica muito evidente na obra Memória sobre a fundação de uma fazenda na província do Rio de Janeiro, de Francisco Peixoto Lacerda Werneck (1847WERNECK, F.P. de L. Memória sobre a fundação de uma fazenda na província do Rio de Janeiro, sua administração. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1847.).

No meado do século XIX, portanto, os debates sobre a agricultura e seu desenvolvimento giravam em torno de temas que não eram uma grande novidade e, em perspectiva semelhante, as soluções indicadas eram muito parecidas (adubação, uso de arado, instrução rural, policultura, oferecer tratamento mais adequado aos escravos etc.). Um dos aspectos que muda é a importância que a ciência e o conhecimento científico recebem nos debates. Não que estivessem ausentes em momentos anteriores, mas ganham em espaço e em importância na medida que o século XIX avançou, característica que não é uma peculiaridade do Brasil, mas também de outros contextos nacionais naquele momento histórico (MARTINS, 2017MARTINS, G.G. Vulgarização e triunfo das ciências: a imprensa científica na segunda metade do século XIX. 2017. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2017.).

Para o padre Fonseca, devido a um conjunto de fatores a agricultura brasileira estava atrasada e os principais motivos disso eram a falta de conhecimentos, a rotina, a indolência dos agricultores e a ausência de políticas estatais focadas no problema, pois, escrevia ele, “nossos estadistas não se importam com a agricultura” (FONSECA 1863FONSECA, A.C. Manual do Agricultor dos gêneros alimentícios ou método da cultura mista destes gêneros nas terras cansadas pelo sistema vegeto-animal. Agricultor na província de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1863., p. 4). Ao refletir sobre a escravidão, que em Imbert e Taunay é tratada como um problema que caberia ao futuro resolver, Fonseca demonstra partilhar dessa interpretação. Na verdade, apenas em um dos capítulos do livro, intitulado “Educação e tratamento da família”, o tema da escravidão recebe maior foco, entretanto, o autor não produz uma linha destinada a criticar a relação escravista, apenas se limita a, em uma nota de pé de página, destacar que perante Deus não há diferenças entre os homens e que “não se deve fazer aos nossos semelhantes o que não queremos para nós” (FONSECA, 1863FONSECA, A.C. Manual do Agricultor dos gêneros alimentícios ou método da cultura mista destes gêneros nas terras cansadas pelo sistema vegeto-animal. Agricultor na província de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1863., p. 99).

Ao aprofundar suas reflexões sobre o assunto, aponta que a religião deveria cumprir papel importante no contexto de uma fazenda, e ela deveria ser responsável por harmonizar as relações entre senhores e escravos, entre outros serviços. Os sacerdotes desempenhariam função ainda mais destacada, uma vez que, por meio da confissão - “um antídoto contra as insurreições” -, o confessor deveria fazer o escravo ver que o seu dono ocupa o lugar de seu pai, logo, deveria ser objeto do amor, do respeito e da obediência dos escravos (FONSECA, 1864). Nesse caso, temos mais um traço característico da época e que é recorrente nos escritos sobre a agricultura, a aproximação entre ciência e religião para justificar a escravização de seres humanos. Por conseguinte, não é fora de contexto pensar que ao defender a importância dos sacerdotes em uma fazenda, o padre Fonseca também estava interessado em garantir alguns privilégios e benefícios para si, para seus pares e para a instituição a qual estava vinculado, a Igreja Católica.

Ainda na intenção de apresentar meios para facilitar a vida dos fazendeiros no Brasil, como apêndice ao livro, Fonseca inclui a descrição das doenças mais comuns no país, alguns de seus sintomas e possibilidades de tratá-las. Para tanto, tem por fonte de inspiração o livro Medicina doméstica, do físico escocês William Buchan (1729-1805), obra muito conhecida e repercutida na época, traduzida para várias línguas. Fonseca destacava que com a inserção do trecho do texto de Buchan, sua intenção era auxiliar os fazendeiros tanto no tratamento de doenças que poderiam afetar sua família quanto aos seus escravos. Para dar conta da tarefa, apresentava mais de 30 moléstias, seus sintomas e tratamentos. Aqui, novamente é possível visualizar o papel desempenhado pelos manuais de agricultura na popularização dos conhecimentos científicos.

Como é possível verificar, ainda que guardando certas particularidades, há muita proximidade entre a obra do padre Fonseca e os outros títulos produzidos no período que tinham como mote a agricultura, seus processos e suas técnicas. Um dos pontos em comum é o modo como os diferentes autores articulavam e usavam o discurso e o conhecimento científico de forma instrumental e buscavam, por meio da ciência, dar sentido ao mundo, justificar as estruturas sociais vigentes e garantir o seu pleno funcionamento ou o seu melhoramento.

Entretanto, não foi só esse o papel desempenhado pelos manuais, visto que eles também foram veículos importantes na realização da então chamada “vulgarização da ciência”. Em estudo sobre o tema, Kássia Rodrigues (2010RODRIGUES, K. Os manuais de fazendeiros, o governo dos escravos e medicina no século XIX. In: 14º ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA ANPUH-RJ, 2010. Anais... Rio de Janeiro: Unirio, 2010. Disponível em: http://snh2011.anpuh.org/resources/anais/8/1276739419_ARQUIVO_Osmanuaisdefazendeiros,ogovernodosescravosemedicinanoseculoXIX.pdf . Acesso em: 21 out. 2021.
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) demonstra o quanto esses livros desempenharam tarefa importante em estabelecer “uma comunicação entre o saber acadêmico e o conhecimento popular” (RODRIGUES, 2010RODRIGUES, K. Os manuais de fazendeiros, o governo dos escravos e medicina no século XIX. In: 14º ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA ANPUH-RJ, 2010. Anais... Rio de Janeiro: Unirio, 2010. Disponível em: http://snh2011.anpuh.org/resources/anais/8/1276739419_ARQUIVO_Osmanuaisdefazendeiros,ogovernodosescravosemedicinanoseculoXIX.pdf . Acesso em: 21 out. 2021.
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, p. 7). Segundo Rodrigues, a interação entre fazendeiros leigos e os manuais criaram uma “versão popular da medicina acadêmica, e uma versão científica das práticas populares”. Parece que efetivamente esse diálogo aconteceu e foi muito importante no desenvolvimento da ciência no Brasil. Porém, como foi demonstrado, esse não é um processo que ocorreu no vazio das relações sociais, porque o desenvolvimento do conhecimento científico no Brasil do século XIX esteve diretamente atrelado aos interesses em disputa, às lutas e aos processos sociais e históricos então em curso.

Considerações finais

As proximidades entre medicina e agricultura no contexto do século XIX foi o assunto abordado ao longo desse artigo e o problema que articulou a discussão foi debater os motivos pelos quais, no caso da medicina, o Brasil chegou ao final do século XIX com um campo de pesquisa mais delimitadamente estruturado, cientificamente organizado e capaz de impor, ainda que não de forma absoluta, o monopólio da fala dos médicos em relação aos assuntos que diziam respeito ao universo da medicina. Na agricultura, como foi demonstrado, também é possível visualizar traços dessa caminhada ao longo do século XIX, porque, como na medicina, nessa área (igualmente) se verifica o funcionamento de um conjunto de instituições, estatais e particulares, em atuação e buscando formar especialistas e definir um campo de atuação legítimo para os seus profissionais. Porém, comparativamente ao que aconteceu na área médica, os resultados na agricultura foram mais restritos, em termos de sua abrangência, e dispersos relativamente às suas consequências. Tanto é que chegamos ao final desse período com uma única instituição ativa na tarefa de formar profissionais de nível superior na área, a Escola São Bento de Lages na Bahia, que desde a década de 1870 até o final do Império havia formado, estritamente em solo brasileiro, 43 engenheiros agrônomos.

No final do século XIX existiam outras instituições em funcionamento, mas estavam em fase inicial, como é o caso da Escola de Medicina Veterinária e de Agricultura Prática, localizada em Pelotas, no Rio Grande do Sul, e as estações agronômicas de Campinas e Piracicaba. Algumas das outras iniciativas que foram tomadas juntamente com a criação do MACOP, embora funcionassem há bastante tempo, trouxeram resultados bastante modestos em relação aos objetivos que se propunham e ao tempo que funcionaram. O que não significa que fracassaram totalmente como algumas leituras e as próprias fontes por vezes dão a entender.

Essas instituições e iniciativas tiveram importância histórica enorme no processo de constituição da pesquisa em agricultura no Brasil, não há dúvidas. Entretanto, na medicina, as duas instituições criadas em 1808 - as Faculdades de Medicina da Bahia e a do Rio de Janeiro - vinham atuando desde sua criação na profissionalização do campo médico e na constituição de saberes locais mais de acordo com a realidade brasileira, a chamada Medicina Tropical (EDLER, 2011EDLER, F.C. A medicina no Brasil Imperial: Clima, parasitas e patologia tropical. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.). Na agricultura, em termos do ensino superior, isso só aconteceu na década de 1870, quando do funcionamento da Escola São Bento de Lages. Isso é, comparativamente ao que aconteceu na medicina, foram necessários quase 70 anos para que o Brasil formasse, em solo nacional, seus primeiros profissionais de nível superior em agricultura. Outro traço que caracteriza o pioneirismo da medicina foi a constituição de associações médicas espalhadas em solo nacional, algo semelhante aconteceu na agricultura, mas na medicina o processo foi mais amplo e generalizado.

A empiria e o uso instrumental da ciência foram outros dois traços característicos do Brasil na época, eles são muito visíveis na maneira como os saberes médicos eram manejados nos manuais de agricultura. Essa peculiaridade também está presente nos relatórios do MACOP e, nesse caso, a principal expressão está no incentivo à constituição de escolas práticas, asilos para menores, no ensino técnico, no apoio à divulgação de experiências práticas nos periódicos de agricultura e no incentivo à distribuição de determinados manuais e textos para os agricultores brasileiros. Todavia, como foi demonstrado, a relação com a ciência não era absolutamente instrumental, pois, na documentação estudada é possível encontrar reflexões que buscavam divulgar métodos e técnicas empregadas e testadas em outros contextos nacionais, tais como França, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. Portanto, ainda que atravessado por leituras etnocêntricas, existia um espaço importante para as discussões teóricas sobre os mais diferentes temas e com base em teorias diversas.

Assim, naquilo que diz respeito ao conhecimento dos temas que estavam em pauta internacionalmente sobre a agricultura e seu melhoramento, mesmo sobre a ciência em um sentido mais geral, o Brasil não estava em nada atrasado. A ciência no Brasil e os debates científicos obedeciam a uma dinâmica e velocidades próprias, as quais a lógica do atraso (geralmente usada para tratar deste assunto) não possibilita entender em toda sua complexidade e em relação aos seus significados sociais e históricos.

Para avançar na compreensão desse problema, a comparação entre agricultura e medicina realizada ao longo desse texto demonstrou-se profícua. Entre outras circunstâncias, tal aproximação possibilitou visualizar que o maior desenvolvimento conhecido pela medicina na perspectiva de se estruturar como um campo científica e profissionalmente organizado, também está relacionado com o que aconteceu na agricultura. Nestes termos e de modo especial, a análise dos manuais foi eficiente em demonstrar que na articulação entre os saberes médicos e a agricultura também estava implicado o interesse dos grupos dominantes nacionais de garantir a reprodução das estruturas sociais que lhes garantiam uma infinidade de privilégios, e o desenvolvimento do conhecimento médico e a própria profissionalização da medicina poderiam ser úteis na realização desse objetivo. Por seu turno, do ponto de vista dos médicos, a sua aproximação com os grandes proprietários poderia facilitar sua ascensão social, como também o reconhecimento do trabalho que realizavam (PROENÇA, 2021aPROENÇA, A. T de A. Alvo da cobiça das mocinhas: os laços matrimoniais entre médicos e herdeiras da elite cafeicultora no Vale do Paraíba Fluminense oitocentista. In: 31º SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 2021a. Anais... Rio de Janeiro, 2021a. Disponível em: https://www.snh2021.anpuh.org/resources/anais/8/snh2021/1627413845_ARQUIVO_8056194b79a3c980653bc1d44216688d.pdf . Acesso em: 18 nov. 2021.
https://www.snh2021.anpuh.org/resources/...
; 2021bPROENÇA, A.T. de A. Uma casa que servia de Hospital: a organização da Assistência à Saúde nos complexos cafeeiros do Vale do Paraíba Fluminense (1840-1880). In: ESTEVES, A.; ARAÚJO, M.M.L.; MAGALHÃES, A.; GONÇALVES, L. F.; MACHADO, M. Hospital dos dois lados do Atlântico: instituições, poderes e saberes. Braga: Universidade do Minho, Lab2PT, 2021b. p. 142-157.).

Isso não quer dizer que a elite escravocrata, ou parte dela, não estivesse interessada em fazer que a agricultura se desenvolvesse cientificamente. Pelo contrário, o interesse estava posto e medidas foram adotadas para tanto, mas mediante o exercício de um controle mais rigoroso sobre os resultados que elas poderiam trazer, principalmente quando eles poderiam colocar em risco a reprodução das estruturas e hierarquias sociais historicamente constituídas e sustentadas sobre alguns princípios que, do ponto de vista desta elite, eram inegociáveis, dentre eles estava a escravidão.

Nesse sentido, o próprio Imbert reconhecia que não existiam argumentos científicos que poderiam ser usados para sustentar a escravização, mas não deixava de disponibilizar seus conhecimentos médicos para que a relação escravocrata funcionasse em toda sua potencialidade produtiva. Outro traço desse processo que é importante citar é que muitas vezes as matrizes teóricas em que os cientistas se inspiravam não se coadunavam muito com a realidade brasileira. Vale destacar que algumas delas inclusive postulavam que cientificamente, devido a questões de raça, clima e disposição, os brasileiros não eram aptos ao conhecimento científico e/ou capazes de atuar para seu desenvolvimento.

Essa característica pode ajudar a compreender por que os efeitos de algumas medidas foram tão limitados. No geral, elas pouco conseguiam mobilizar a população como um todo. Portanto, estamos lidando com proposições e debates que tinham pouca ou nenhuma ressonância fora dos círculos em que aconteciam, isso é, havia baixa adesão aos projetos fora das fronteiras dos grupos que os articulavam e os colocavam em movimento. Para ser mais preciso, as condições históricas, sociais, econômicas e culturais do Brasil - mais detidamente a realidade sócio-históricas em que a maior parte de sua população vivia - eram bastante diversas daquela que as pessoas que professavam a bandeira da ciência e do melhoramento da agricultura conseguiram ou se dispuseram a captar. No geral, as populações rurais do país viviam em um mundo que se orientava por outros princípios, mas, diferentemente do que se afirmava a época, essa característica não era expressão de uma suposta e insuperável inferioridade natural, da incapacidade do Brasil para ciência ou da predisposição dos brasileiros para a vadiagem. A realidade social era bem mais dinâmica e diversa do que este tipo de afirmação consegue captar.

Para finalizar, novamente é importante registrar que esse conjunto de fatores não deve servir de suporte para sustentar afirmações limitadas, tais como as que dizem não ter ocorrido produção de ciência no Brasil antes do século XX, ou que a ciência realizada, por carregar certas parcialidades, esteve totalmente comprometida, e, portanto, não era ciência. Em realidade, muita ciência foi feita e discutida no Brasil do século XIX, a agricultura, a medicina e outras áreas absorveram muitos desses saberes para o seu desenvolvimento. Entretanto, a compreensão profunda desses processos passa pelo entendimento de que a ciência e os cientistas são parte e expressão das sociedades em que vivem e em que produzem seus conhecimentos. Em consequência, independentemente da área em que atuam, eles e o conhecimento que elaboram estão diretamente implicados, muitas vezes mais do que conseguem reconhecer, nas lutas e conflitos que caracterizam as figurações sociais e contextos históricos nos quais estão inseridos.

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  • 1
    Para conhecer a história e a importância do método hipocrático na história da medicina, ver: Carlos Antonio Mascia Gottschall (2007GOTTSCHALL, C.A.M. Medicina Hipocrática: antes, durante e depois. Porto Alegre: Stampa, 2007.).
  • 2
    A constituição dos Imperiais Institutos de Agricultura, assim como outras medidas que tinham a instrução agrícola como foco e que são tratadas ao longo deste artigo, além de representarem de maneira ímpar os esforços do MACOP na difusão de conhecimentos científicos na e para agricultura, se inserem nos debates e desafios relativos à incorporação das diversas correntes agronômicas em pauta. Característica que envolvia um debate direto e muito profícuo com referência ao cenário externo, especialmente o europeu e estadunidense. Trata-se de um tema demasiado importante para entender o processo como um todo. No entanto, não será possível desenvolvê-lo aqui, pois, exige a ampliação no escopo das fontes, bem como da bibliografia de referência. Considero que tal desafio só poderá ser desenvolvido a contento, analisando os periódicos sobre agricultura que circularam na época, bem como a bibliografia internacional que tem debatido estas questões relativamente aos países em que o Brasil buscava inspiração para desenvolver seus projetos. Tarefa que pretendo desenvolver em futuro próximo.
  • 3
    Sobre o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura e sua importância científica e histórica, ver: Begonha Bediaga (2014BEDIAGA, B. Marcado pela própria natureza: o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, 1860 a 1891. Rio de Janeiro: FGV, 2014.).
  • 4
    Para dar conta de suas funções, o MACOP estava dividido em diretorias (Central, Agricultura, Terras Públicas, Obras Públicas e outras). No período imperial, o Ministério conheceu duas reformas (1868 e 1873). Elas buscavam dar melhor organização à pasta redistribuindo os serviços que cada diretoria devia cumprir, aumentando o seu número, realizando fusões e adequando a estrutura do Ministério ao orçamento de que dispunha. Para conhecer a história do MACOP, as mudanças pelas quais passou e seu sentido geral dentro da política do Império, ver: Louise Gabler (2012GABLER, L. A Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e a modernização do Império (1860-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012.).
  • 5
    Sobre a SAIN e sua importância no contexto do século XIX, ver: Patrícia Regina Corrêa Barreto (2009BARRETO, P.R.C. A Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional: o templo carioca de Palas Atena. 2009. Tese (Doutorado em História das Ciências) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.).
  • 6
    Carlos Lineu, botânico, zoólogo e médico sueco. Considerado o fundador da taxonomia moderna (área da biologia dedicada à organização e classificação dos seres vivos), viveu entre 1707 e 1778.
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento do CNPq (Proc. 309534/2021-6)

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e Eduardo Romero de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jan 2022
  • Aceito
    05 Abr 2022
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