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Narrar vidas, homenageando a memória dos vultos beneméritos da nação e do Rio Grande do Norte: um ensaio sobre a produção biográfica do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (1902-1927)

To narrate lives, honoring the memory of the important people of the nation and Rio Grande do Norte: an essay about biographical production of the Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (1902-1927)

Resumos

Resumo: O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte foi criado em 29 de março de 1902. Foi fundado com o intuito de organizar um arquivo documental para o estado e construir uma memória histórica para o Rio Grande do Norte. Ao longo dos seus 25 anos de existência, a agremiação desenvolveu várias estratégias intelectuais, dentre elas, a produção de biografias. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo analisar o papel das biografias na construção da memória histórica norte-rio-grandense. O corpus documental examinado neste artigo é constituído, principalmente, pelas revistas do Instituto, publicadas entre 1903 e 1927.

Palavras-chave:
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; biografias; memória histórica


Abstract: The Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte was created on March 29, 1902. It was founded with the purpose of organizing a documentary archive for the state and building a historical memory for Rio Grande do Norte. Throughout its 25 years of existence, the association has developed several intellectual strategies, among them the production of biographies. In this sense, the present article has to analyze the function of biographies in the construction of historical memory norte-rio-grandense. The documentary corpus examined in this article is constituted, mainly, by the magazines of the Institute, published between 1903 and 1927.

Keywords:
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; biographies; historical memory


Introdução

A publicação de textos biográficos fez parte das atividades intelectuais do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), desde o início do seu funcionamento, em 29 de março de 1902 (Cf. COSTA, 2017COSTA, Bruno Balbino Aires da. “A casa da memória norte-rio-grandense”: o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e a construção do lugar do Rio Grande do Norte na memória nacional (1902-1927). 587f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-graduação em História. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.). Diferentemente de alguns historiadores românticos e liberais do século XIX, que repudiavam o gênero biográfico, qualificando-o como menor ou como um subgênero da história (SCHIMIDT, 1996SCHIMIDT, Benito Bisso. O gênero biográfico no campo do conhecimento histórico: trajetórias, tendências e impasses atuais e uma proposta de investigação. Anos 90. Porto Alegre, v. 6, p. 165-192, 1996.), os sócios do Instituto não tiveram qualquer problema em incorporá-la ao seu programa. Nesse ponto, o IHGRN imitou seu congênere, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). A produção biográfica do IHGB se integrou ao próprio projeto de escrita da história do Brasil, auxiliando na criação de uma ordem do tempo, o tempo da nação, fazendo parte, ao lado da história, de um mesmo plano nacional (CEZAR, 2003CEZAR, Temístocles. Livros de Plutarco: biografia e escrita da história no Brasil do século XIX. Métis: história & cultura, v. 2, n .3, p. 73-94, 2003., p. 74).

Em seu discurso inaugural, publicado em 1839, o secretário do IHGB, Januário da Cunha Barbosa, afirmava que, além de reparar os erros e encher as lacunas da história nacional, uma das tarefas do historiador, comprometido com a glória da nação, seria arrancar do esquecimento “os nomes e feitos de tantos illustres Brazileiros que honram por seus diversos e brilhantes serviços” (BARBOSA, 1839BARBOSA, Januário da Cunha. “Discurso”. RIHGB. Tomo I, Rio de Janeiro, 1839., p. 14). Em seu discurso, o secretário perpétuo convocava seus pares para se empenharem no empreendimento de dar vida aos falecidos beneméritos brasileiros. Reconhecia que o empreendimento biográfico implicava em árduo trabalho, não podendo ser uma tarefa de poucos nomes, mas sim um trabalho coletivo. Em outro texto, publicado no mesmo ano, intitulado “Lembrança”, Cunha Barbosa havia inserido, na seção destinada à História, a coleta de notícias biográficas, como parte do projeto de pesquisa a ser realizada nas províncias da nação. Desse modo, o interesse em colher as notícias biográficas de homens ilustres das províncias, tirando-os do esquecimento, afinava-se com o “ambicioso empenho da agremiação em coligir documentos para a elaboração da história nacional, tendo em vista as demandas políticas peculiares à consolidação do Estado monárquico no Segundo Reinado” (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, Maria da Glória de. Escrever vidas, narrar a história: a biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011., p. 15).

O esforço de Barbosa, em destacar a importância da biografia para o projeto de construção da história-memória nacional, surtiu efeito: a partir do segundo volume da revista do IHGB, a agremiação adotara uma seção específica para a publicação de biografias, intitulada Brasileiros ilustres pelas ciências, letras, armas e virtudes etc., cujo título modificou-se ao longo dos anos (ENDERS, 2014ENDERS, Armelle. Os vultos da nação: fábrica de heróis e formação dos brasileiros. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014. , p. 181; OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, Maria da Glória de. Escrever vidas, narrar a história: a biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011., p. 100). A partir dessa seção, e da publicação de outros gêneros biográficos, como necrológios e elogios históricos, constituiu-se uma espécie de panteão nacional, com raízes no período anterior a 1822, isto é, “permitia a criação de uma linhagem de varões ilustres desde os tempos coloniais” (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, Maria da Glória de. Escrever vidas, narrar a história: a biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011., p. 24).

A revista do IHGB foi um grande depositário de trabalhos biográficos, demonstrando que estes estiveram longe de desempenhar um “papel secundário ou mesmo de ter contestado seu valor historiográfico no Instituto” (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, Maria da Glória de. Escrever vidas, narrar a história: a biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011., p. 24). Segundo Maria da Glória de Oliveira, de 1839 até 1899, foram contabilizados mais de 160 trabalhos sob as rubricas biografia ou apontamentos biográficos, o que mostra a relevância das narrativas de vida como parte da operação historiográfica do IHGB (2011, p. 24).

Assim como o IHGB, o número de biografias publicadas pela revista do IHGRN foi expressivo. Entre 1903 e 1927, os membros do IHGRN publicaram mais de quarenta textos biográficos de personagens históricos do Rio Grande do Norte e de outros estados do Brasil, sendo a maioria composta, evidentemente, de norte-rio-grandenses. O perfil dos biografados correspondia aos membros da elite política e letrada do Rio Grande do Norte e do país, refletindo o próprio quadro de sócios do IHGRN, em sua grande maioria constituída por funcionários do alto escalão do estado e com formação em direito - realidade muito semelhante aos biografados do IHGB do século XIX (ENDERS, 2000ENDERS, Armelle. “O Plutarco Brasileiro”. A produção dos vultos nacionais no segundo reinado. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 14, n. 25, p. 41-61, 2000., p. 59).

Diferentemente do IHGB oitocentista, o IHGRN não teve uma seção específica destinada à publicação de biografias. De maneira geral, as narrativas de vida, publicadas pela revista da agremiação, entre 1903 e 1927, possuíam diferentes rubricas, tais como: notas biográficas, traços biográficos, apontamentos biográficos, biografias, que a rigor eram sinônimas. Havia ainda as notas de pesar e os elogios fúnebres que, a partir de 1905, passaram a enquadrar-se em uma única seção: a necrologia. Apesar de distintas, as rubricas biográficas e as necrologias possuíam um elemento comum: narrar vidas. Nesse sentido, o objetivo do presente artigo é analisar a relação entre a produção biográfica do IHGRN e a constituição da memória norte-rio-grandense no período que compreende os primeiros 25 anos da agremiação. Iniciaremos pelas necrologias.

Necrológios: elogios fúnebres aos que prestaram relevantes serviços ao Rio Grande do Norte e ao Brasil

Em termos quantitativos, o volume de necrologias publicado na revista do IHGRN, entre 1903 e 1927, é maior do que o número de biografias propriamente ditas, isto é, o conjunto de notas, traços, apontamentos biográficos. Para compreendermos essa questão, é preciso considerarmos o objetivo precípuo do gênero necrológico no interior do IHGRN: render elogios aos sócios falecidos. O elogio fúnebre era bastante exercitado nas associações acadêmicas do XIX (RODRIGUES, 1987RODRIGUES, José Honório. Teoria da história do Brasil: introdução metodológica. 5.ed. São Paulo: Editora Nacional; Brasília: INL, 1987., p. 205). Durante o Segundo Império francês, por exemplo, a maioria das biografias escritas pertencia ao domínio do elogio (LEVILLAIN, 1996LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. In: RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; Editora FGV, 1996. , p. 149). No caso brasileiro, tal gênero foi bastante explorado pelos diversos institutos históricos espalhados pelo país (RODRIGUES, 1987RODRIGUES, José Honório. Teoria da história do Brasil: introdução metodológica. 5.ed. São Paulo: Editora Nacional; Brasília: INL, 1987., p. 205; OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, Maria da Glória de. Escrever vidas, narrar a história: a biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011., p. 74). Conforme os estatutos do IHGRN de 1902, o Instituto deveria produzir um elogio histórico aos membros falecidos no ano social (ESTATUTOS DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1903ESTATUTOS DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO DO RIO GRANDE DO NORTE. RIHGRN. Natal. Volume 1. Número.1 1903. p. 15., p. 15). Não foram poucos os finados do Instituto, o que redundou em uma produção significativa de textos necrológicos no período de 25 anos. Em média, foi apresentada na revista do IHGRN uma necrologia a cada ano. O mesmo não ocorre com a divulgação de outros textos biográficos, como notas, apontamentos e traços biográficos. Foram poucos os sócios do grêmio que se dedicaram a escrever biografias. Só conseguimos identificar quatro membros que assinaram as biografias publicadas pela revista do IHGRN: Antônio Soares, Manoel Dantas, Luiz Fernandes e Felipe Guerra. É válido ressaltar que, a partir de 1910, algumas biografias passaram a não ser assinadas, levando a crer que os oradores oficiais da agremiação ficaram também incumbidos de produzi-las, juntamente com os necrológios.

Inspirado nos estatutos de 1890 do IHGB, o regimento do IHGRN delegava ao orador da agremiação a competência de escrever o elogio fúnebre. Durante os seus 25 anos de existência, o IHGRN contou com cinco oradores titulares, Meira e Sá, Manuel de Carvalho e Souza, Francisco Pinto de Abreu, Manoel Dantas e Nestor do Santos Lima. A maioria destes havia participado da fundação do Instituto, inclusive compondo o seu núcleo diretivo. Uma parte dos oradores, especificamente Manuel de Carvalho e Souza e Francisco Pinto de Abreu, dedicou-se apenas à publicação de necrologias. Os demais, Meira e Sá, Manoel Dantas e Nestor Lima publicaram, na revista da agremiação, outros textos para além de necrologias. Meira e Sá debruçou-se sobre o tema da questão de limites entre o Ceará e o Rio Grande do Norte, enquanto Nestor Lima dedicava-se à publicação de textos concernentes à história da cidade de Natal. Desse grupo de oradores, chamamos a atenção para a figura de Manoel Dantas. O sócio foi o único dos oradores do IHGRN a publicar textos biográficos, além das necrologias.

Com raras exceções, as necrologias caracterizavam-se por serem textos curtos, trazendo pequenas notas biográficas sobre o vulto e uma nota de pesar. Em linhas gerais, informava-se acerca do local do seu nascimento, sua filiação, trajetória profissional e os serviços prestados ao Rio Grande do Norte e/ou ao Brasil. As extensões dos textos variavam. Havia necrológios compostos por uma página com poucos parágrafos, mas também apareciam narrativas mais extensas, contendo mais de 20 laudas, como é o caso do texto dedicado ao benemérito fundador e idealizador do IHGRN, Vicente Simões Pereira de Lemos, publicado em 1919 (NECROLOGIA - DESEMBARGADOR VICENTE SIMÕES PEREIRA DE LEMOS, 1919Necrologia - Desembargador Vicente Simões Pereira de Lemos. RIHGRN. Natal. Volume XVI. Números 1 e 2. 1919. , p. 316).

Elogio fúnebre ao benemérito fundador

Filho de Vicente Herculano de Lemos Duarte e de Bernardina de Senna Lemos, Vicente de Lemos nasceu em Recife, em 28 de outubro de 1850. Bacharel em Direito, o fundador do IHGRN trilhou uma extensa carreira na vida pública do Império e da República. Foi advogado, promotor público, desembargador, juiz de direito, situando-se bem próximo às esferas do poder político. Apesar de pernambucano, sua principal atuação profissional deu-se no Rio Grande do Norte. Foi nesta província, depois estado, que Vicente de Lemos consolidou sua vida pública. Os serviços prestados ao Rio Grande do Norte foram as razões pelas quais os associados do IHGRN homenageiam a sua memória. Nesse sentido, a necrologia funcionava também como um expediente da ordem da gratidão e do dever de memória: “O Instituto não podia deixar de prestar à sua memória as homenagens do seu mais profundo respeito e gratidão” (NECROLOGIA - DESEMBARGADOR VICENTE SIMÕES PEREIRA DE LEMOS, 1919Necrologia - Desembargador Vicente Simões Pereira de Lemos. RIHGRN. Natal. Volume XVI. Números 1 e 2. 1919. , p. 334). A ideia de gratidão estava associada diretamente às noções de dívida e de herança. Isso significa dizer que os norte-rio-grandenses do presente eram devedores ao conjunto de realizações políticas e intelectuais empreendidas por Vicente de Lemos no passado. Dessa forma, o dever de memória é o dever de ser grato para com aquele que precedeu, o qual legou um inventário de heranças. Mas qual seria esse legado deixado por Vicente de Lemos aos norte-rio-grandenses do presente?

A estrutura do texto necrológico dedicado a Vicente de Lemos é organizada justamente para responder à questão supracitada. Obviamente que os elementos da filiação, data de nascimento, informações sobre a infância e a juventude, e a nota de pesar, aparecem. No entanto, o traço mais destacado é a trajetória profissional do falecido sócio, exatamente para associar a sua narrativa de vida ao serviço prestado ao Rio Grande do Norte.

O orador do Instituto em 1919, Manoel Dantas, dividiu o legado de Vicente de Lemos em duas partes: a que trata da sua atuação na esfera pública e aquela que diz respeito à sua atividade intelectual, dentro do IHGRN. Em relação à primeira, o orador faz um inventário dos cargos públicos ocupados pelo pernambucano ao longo de sua trajetória profissional no Rio Grande do Norte, evidenciando o seu traquejo com as autoridades políticas da província, depois do estado, a sua habilidade e competência para resolver questões de ordem jurídica e o seu desprendimento em servir sua pátria adotiva: “a vida publica do dr. Vicente de Lemos è uma pagina emocionante de dedicação e de serviços ao Rio Grande do Norte, seu berço nativo pelo coração, que o era dos seus idolatrados filhos” (NECROLOGIA - DESEMBARGADOR VICENTE SIMÕES PEREIRA DE LEMOS, 1919Necrologia - Desembargador Vicente Simões Pereira de Lemos. RIHGRN. Natal. Volume XVI. Números 1 e 2. 1919. , p. 321).

No entanto, não se exalta apenas a competência ou os elementos técnicos das atividades profissionais desempenhadas por Vicente de Lemos. Manoel Dantas enaltece também as virtudes do biografado, caracterizando-o como um varão distinto, “um exemplo sugestivo e inimitavel de intelligencia, de honestidade e de trabalho” (1919, p. 317). Nesse aspecto, a vida do biografado poderia ser apreciada como um exemplo a ser seguido. A referência à exemplaridade aponta para uma concepção de história articulada ao princípio da historia magistra vitae. Na percepção de Manoel Dantas, o personagem histórico continua a servir de exemplo para o presente e para a posteridade: “os feitos immortaes era sua patria de adopção, os feitos immortaes que o ouro não eguala e que servirão a coetaneos e porvindoiros de estimulo e de modelo no cumprimento do dever social e político”(1919, p. 318). No entanto, o modelo a ser seguido não era a do varão plutarquiano, imbuído de virtudes morais e destituído de vícios, mas, sim, a exaltação da excelência do homem público, dotado de virtudes que diziam respeito à sua trajetória como servidor do estado e/ou da nação. É deste modelo de virtudes que o presente e o futuro deveriam tomar como exemplo o biografado. Isso não significa dizer também que não se destacasse os seus predicados. Manoel Dantas faz questão de enaltecê-los: “Nessas altas e nobilissimas funções, è que mais se exaltaram os seus predicados de juiz sereno, probo e incorruptivel, sempre ao serviço das bôas causas do justo, collocando-se acima dos interesses que inevitavelmente assediam a magistratura publica” (1919, p. 315).

Como podemos perceber, a persona pública de Vicente de Lemos é descrita como uma vida coerente, sem rastro de qualquer atribuição negativa ou contradição. Um elogio que toca na questão da moralidade quanto ao trato com a questão pública. Novamente, ressalta-se a vida pública do biografado, qualificando a sua virtude moral a partir da sua relação com o serviço ao estado.

É importante frisar que a relação entre o biografado e o serviço prestado ao Rio Grande do Norte e/ou ao Brasil é um traço que esteve presente em todos os textos necrológicos. Por exemplo, na necrologia do capitão de fragata, Arthur José dos Reis Lisbôa, destaca-se que este era um “honesto servidor da Patria e da Republica” (NECROLOGIA - CAPITÃO DE FRAGATA ARTHUR JOSÉ DOS REIS LISBÔA, 1905Necrologia - Capitão de Fragata Arthur José dos Reis Lisbôa. RIHGRN. Natal. Volume III. Número 1. 1905. , p. 228). A rigor, não havia uma hierarquia ou qualificação maior ou menor para as atividades desempenhadas em favor do estado ou da nação. É claro que nem todos os serviços eram dignos de nota. Em grande medida, eram alçados à condição de trabalhos relevantes ao Brasil e ao Rio Grande do Norte realizações que estivessem no campo da política, da economia, do militarismo e da atividade intelectual. Até mesmo colaborações específicas ao IHGRN eram consideradas como uma obra em prol do Rio Grande do Norte. Na necrologia dedicada a Antônio Pereira Simões, publicada em 1909, fazia-se referência não somente ao fato de o engenheiro civil ter sido responsável pela coordenação da construção do porto de Natal, mas também pela doação de livros que fizera ao IHGRN - alguns deles, inclusive, foram consultados pelos sócios e utilizados na querela sobre a naturalidade de Felipe Camarão (Cf. COSTA, 2019COSTA, Bruno Balbino Aires da. A retórica da naturalidade: a pátria de Felipe Camarão como um problema historiográfico. Anos 90, Porto Alegre, v. 26: e2019002, 2019.). É preciso salientar também que não bastava apenas destacar-se em alguma atividade relevante em favor da nação ou do estado. O homenageado deveria pertencer ao elenco dos confrades do IHGRN, destacando-se não só pelos seus pelos serviços prestados, mas pela sua elevada categoria social (NECROLOGIA, 1916Necrologia. RIHGRN. Natal. Volume XIV. Números 1-2. 1916. , p. 248). Não é por acaso que o elenco dos membros do Instituto tenha sido formado, majoritariamente, por nomes ligados à elite política e econômica do estado e da nação.

Além dos trabalhos prestados à vida pública do estado, Manoel Dantas fez questão de sublinhar o relevantíssimo serviço de Vicente de Lemos à causa do Rio Grande do Norte: a fundação do IHGRN. Manoel Dantas dedicou uma atenção especial a este acontecimento da vida do Dr. Lemos, afinal, mencionar suas ações em prol do Instituto é como “folhear um por um todos os fastos da sua gloriosa existencia, é narrar-lhes todos os seus trabalhos e emprehendimentos, desde a fundação, nos quaes se encontram os traços inapagaveis e a influencia directa do seu operoso fundador” (1919, p. 332). Nesses termos, a narrativa de vida do fundador confunde-se com a própria narrativa de fundação do grêmio. O IHGRN é considerado como um produto do agenciamento individual de Vicente de Lemos, muito embora esse representasse, segundo Manoel Dantas, uma aspiração coletiva de “todos os espiritos illustrados do nosso meio” (1919, p. 332).

É válido mencionar que a fundação do IHGRN esteve ligada à demanda da criação de um arquivo para o Rio Grande do Norte, no qual deveria ser coletada a documentação que servisse à questão de limites com o Ceará e à produção da historiografia norte-rio-grandense. O IHGRN foi idealizado como um lugar em que a memória do estado pudesse ser preservada e produzida. Não há qualquer exagero em afirmar que o IHGRN era o arquivo do Rio Grande do Norte no início do século XX. É o lugar onde a pesquisa no estado é possível. Não é por acaso que na necrologia dedicada a Vicente de Lemos, tenha-se explorado a figura do homem de arquivo. Novamente, a memória do IHGRN é articulada à narrativa de vida do seu fundador. Vicente de Lemos é descrito como um “erudito cultor da história da especialidade historica”, um exegeta dos documentos, “incansável nas rebuscas e no exame dos archivos para esclarecer e resolver duvidas referentes ao nosso passado” (NECROLOGIA - DESEMBARGADOR VICENTE SIMÕES PEREIRA DE LEMOS, 1919Necrologia - Desembargador Vicente Simões Pereira de Lemos. RIHGRN. Natal. Volume XVI. Números 1 e 2. 1919. , p. 332). Desse modo, a construção da imagem de Vicente de Lemos é urdida a partir da figura do homem dedicado ao arquivo e devotado ao gosto pelos documentos referentes ao Rio Grande do Norte. É dessa obra que o IHGRN sinaliza a sua gratidão ao ex-presidente falecido. A dívida dos confrades do presente para com o vulto é o seu esforço pela atividade arquivista e seu apreço aos documentos. Nesse sentido, para os próprios consócios do IHGRN, prestar essa homenagem ao benemérito fundador era um sinal de gratidão coletiva e institucional, expressão do dever de memória.

Necrologias dos filhos ilustres do Rio Grande do Norte

Em geral, os elementos presentes na necrologia de Vicente de Lemos eram, praticamente, os mesmos dos outros textos necrológicos publicados pelo IHGRN, entre 1903 e 1927. Destacavam-se os valores e os nomes dos biografados. Fazia-se a citação dos serviços prestados por eles à nação ou ao Rio Grande do Norte. Rendia-se homenagem em sinal de gratidão aos feitos realizados por eles, alertando os consócios para o dever de memória. Como podemos perceber, apesar do objetivo precípuo ser o elogio fúnebre, os necrológicos não eram apenas instrumentos de consagração dos vultos ilustres. Ademais, as necrologias ainda reforçavam o interesse do IHGRN em evidenciar, através da biografia dos seus filhos ilustres, o lugar do Rio Grande do Norte na construção da memória histórica da nação. A necrologia do general norte-rio-grandense Fonseca e Silva é um exemplo desse expediente.

O general havia servido como voluntário na Guerra do Paraguai (1864-1870), distinguindo-se pelos seus supostos atos de bravura, os quais lhe renderam medalhas de mérito militar. O empenho de Fonseca e Silva na guerra foi considerado não só como um gesto de bravura individual, mas, sim, um ato que representou a coletividade norte-rio-grandense: “defendeu sua patria honrando o Rio Grande do Norte” (NECROLOGIA - GENERAL FONSECA E SILVA, 1905Necrologia - General Fonseca e Silva. RIHGRN. Natal. Volume III. Número 2. 1905. , p. 464). Segundo o orador, Manoel de Carvalho e Souza, Fonseca e Silva colaborou ainda com a fundação do regime republicano e com a elaboração da constituinte na condição de deputado federal. Mais uma vez, o patrício ilustre é colocado como o representante do estado em um grande acontecimento da Pátria, no caso, a fundação da República. A citação de sua participação na instalação do regime republicano não é desinteressada. Pelo contrário, é uma forma de assinalar a participação do Rio Grande do Norte na construção da memória republicana da nação a partir da ação do seu filho ilustre.

Homenagear os varões ilustres de outros estados

Além dos norte-rio-grandenses, as necrologias homenageavam também as personalidades oriundas de outras partes do Brasil. Pernambucanos, baianos, fluminenses, dentre outros, foram reverenciados pelos textos necrológicos publicados pelos seus consócios do IHGRN. Todos os varões ilustres pertenciam ao quadro de membros do IHGRN, sendo a maior parte deles listada na condição de sócios correspondentes falecidos. De acordo com o estatuto da agremiação, poderiam ser membros correspondentes os cidadãos que fossem reconhecidos pelo merecimento nas letras, ciências, indústrias ou artes, maiores de 21 anos, residentes fora da capital (ESTATUTOS DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1903ESTATUTOS DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO DO RIO GRANDE DO NORTE. RIHGRN. Natal. Volume 1. Número.1 1903. p. 15., p. 12). Geralmente, esse reconhecimento estava atrelado a alguma contribuição que o cidadão havia dado à causa do Rio Grande do Norte. São os casos, por exemplo, do sergipano Felisbello Freire e do baiano Manoel Pereira Reis, que foram admitidos como sócios correspondentes devido aos seus envolvimentos em prol da defesa do estado na questão de limites territoriais com o Ceará. Isso não quer dizer que o quadro de associados foi formado apenas por aqueles que prestaram serviços ao Rio Grande do Norte.

Membros de proa de outros institutos históricos foram contemplados na condição de sócios correspondentes, sem, no entanto, terem colaborado com qualquer questão envolvendo o Rio Grande do Norte. É interessante citar o caso do Barão Homem de Mello que, em 1916, tornou-se membro honorário do IHGRN, mas havia se colocado a favor do Ceará na querela territorial com o Rio Grande do Norte. Conforme Saul Estevam Fernandes, ao produzir o Atlas do Brazil, publicado em 1909, o Barão Homem de Mello, antigo presidente da província do Ceará e sócio do Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará (IHGACE), havia se utilizado do saber cartográfico para auxiliar seus colegas cearenses “na tentativa de argumentar e provar os limites do estado” (FERNANDES, 104, p. 2012FERNANDES, Saul Estevam. O (in)imaginável elefante mal-ajambrado: a questão de limites entre o Ceará e o Rio Grande do Norte e o exame da formação espacial e identitária norte-rio-grandense na Primeira República. 154f. 2012. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em História, Natal.). Obviamente, esse aspecto da sua biografia foi totalmente omitido na necrologia dedicada a ele (NECROLOGIA - BARÃO HOMEM DE MELLO, 1918Necrologia - Barão Homem de Mello. RIHGRN. Natal. Volume XVI. Números 1-2. 1918. , p. 247-248). Infelizmente, não tivemos acesso às atas de 1916 e não sabemos as justificativas usadas pelos membros do IHGRN para admitir o Barão Homem de Mello no rol de membros da agremiação. No entanto, ao verificarmos a necrologia dedicada ao consócio, observamos que o principal elemento destacado em sua biografia dizia respeito à sua notabilidade no campo da política e no mundo das Letras do país. Apesar de não ter prestado nenhum serviço ao Rio Grande do Norte, o Barão Homem de Mello era considerado um ilustre patrício que teria contribuído para a inteligência e a política nacional. É possível que esse ponto tenha sido um dos argumentos para empossá-lo como membro do IHGRN.

Como já foi exposto, em linhas gerais, os sócios falecidos do IHGRN eram apresentados como figuras de notabilidade política, intelectual e militar e que haviam colaborado para o engrandecimento da nação ou do Rio Grande do Norte. A necrologia era um espaço para tornar essa questão evidente, pois a partir dela a Instituição legitimava-se a si mesma, apresentando a relevância do quadro ilustre dos seus sócios. Portanto, a necrologia não funcionava apenas como um instrumento de gratidão e veneração da memória dos seus membros falecidos, era também uma maneira de assinalar a distinção da própria instituição na sociedade por meio do seu quadro de sócios.

A questão de gênero nos necrológios do IHGRN

Gostaríamos de destacar, ainda, um último ponto: todos os necrológicos publicados pelo IHGRN tratavam de figuras masculinas.

A produção historiográfica do IHGRN obedeceu ao próprio regime de historicidade, tão característico dos historiadores brasileiros do oitocentos, o qual a ênfase recaía na história dos grandes homens e dos heróis, em detrimento da participação feminina. É válido acrescentar que a participação da mulher na escrita da história do Brasil é um problema historiográfico relativamente recente. No caso da historiografia brasileira, os primeiros estudos aparecem no final da década de 1970 (Cf. RAGO, 1995RAGO, Margareth. “As mulheres na historiografia brasileira”. In: SILVA, Zélia Lopes (Org.). Cultura Histórica em Debate. São Paulo: UNESP, 1995. ; PRIORE, 2007PRIORE, Mary Del. “História das Mulheres as vozes do silêncio”. In: CEZAR, Marcos de. Historiografia Brasileira em perspectiva. 6a. ed. São Paulo: Contexto, 2007.).

Apesar de produzir uma historiografia indiscutivelmente androcêntrica, centrada na figura masculina enquanto sujeito histórico, o IHGRN não silenciou totalmente o papel das mulheres nos acontecimentos históricos. Mulheres como Clara Camarão, mulher de Felipe Camarão, e Clara Castro, irmã de frei Miguelinho, foram elogiadas pelos historiadores do IHGRN por terem auxiliado os heróis norte-rio-grandenses na luta contra os holandeses e na ocasião da Revolução de 1817, respectivamente. Todavia, mesmo sendo mencionadas, os serviços prestados por elas estavam diretamente associados à biografia daqueles dois personagens. Ou seja, a figura do feminino nos acontecimentos históricos, considerados centrais para a historiografia brasileira do século XIX e início do XX, não se apresentava de maneira autônoma, descontínua, em relação às ações dos personagens masculinos. Pelo contrário, o feminino aparecia em função do masculino. Esse traço era bastante comum às biografias acerca das heroínas do movimento da Independência da América Latina, produzidas na segunda metade do século XIX e começo do XX, as quais, em grande medida, ressaltavam a função de algumas mulheres na assistência aos seus maridos revolucionários (Cf. PRADO, 2004PRADO, Maria Ligia Coelho. América Latina no século XIX: Tramas, Telas e Textos. 2. edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.).

Entre 1903 e 1927, o único texto publicado pela revista do IHGRN que tratou exclusivamente da trajetória de vida de uma personagem feminina foi o artigo de Oliveira Lima, ministro das relações exteriores e sócio honorário da agremiação, intitulado Nysia Floresta. O texto é fruto de uma conferência realizada por ele, no dia 26 de novembro de 1919, no Teatro Carlos Gomes, em Natal, na ocasião da formatura da primeira turma da Escola Doméstica - instituição voltada exclusivamente para a educação feminina. Nesse sentido, o texto não foi enviado diretamente à revista do IHGRN, mas produto de uma conferência, o qual os associados fizeram questão de publicá-lo no mesmo ano.

A conferência tinha um auditório específico: alunas da Escola Doméstica de Natal. Os métodos e as concepções que nortearam a educação da escola direcionavam a instrução feminina para o contato direto com os saberes práticos, ou seja, aprender a fazer e cultivar uma horta, organizar uma casa, cuidar de crianças, saber cozinhar, costurar, “dentre outras atividades incorporadas ao currículo que seriam formas de oferecer às alunas oportunidade de manipular, experimentar, expressar seus potenciais e vivenciar situações relacionadas ao cotidiano da mulher” (RODRIGUES, 2007RODRIGUES, Andréa Gabriel. Educar para o lar, educar para a vida: cultura escolar e modernidade educacional na Escola Doméstica de Natal (1914-1945). 306 f. Tese (Doutorado em Educação). Programa de pós-graduação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal. 2007., p. 111). Uma educação comprometida com os valores morais e com o comportamento da mulher no espaço privado, no cuidado do lar. Para reforçar essa percepção imbuída nas concepções filosóficas e educacionais da Escola Doméstica, Oliveira Lima escreve acerca da trajetória intelectual de Dionísia Gonçalves Pinto, cujo pseudônimo mais famoso é Nísia Floresta. É possível que a escolha de Oliveira Lima tenha causado espanto para alguns membros da plateia - formada por diretores e professores que defendiam um modelo educacional mais conservador -, já que Nísia Floresta foi uma das primeiras brasileiras do século XIX a utilizar-se da imprensa para divulgar ideias vinculadas ao pleito do movimento feminista (DUARTE, 2010DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2010., p. 26). De que maneira uma escritora considerada feminista, muitas vezes retratada de maneira negativa por alguns letrados brasileiros dos oitocentos, poderia servir de modelo para jovens norte-rio-grandenses preparadas numa educação doméstica?

Primeira filha do casal, Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa, advogado português, e Antônia Clara Freire, Nísia Floresta nasceu em 12 de outubro de 1810, no sítio Floresta, em Papari, no interior do Rio Grande do Norte (DUARTE, 2006DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo. Brasília: Mercado Cultural, 2006., p. 11). Com 13 anos de idade, Nísia Floresta casou-se com Manuel Alexandre Seabra de Melo, um rico proprietário de terras, entretanto, seu casamento não demorou muito tempo, vindo a separar-se do marido no mesmo ano, ou no seguinte, voltando a residir com os pais (DUARTE, 2010DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2010., p. 152). Devido à eclosão da Confederação do Equador, em 1824, sua família transferiu-se para Pernambuco, primeiramente para Goiana e, posteriormente, para Olinda. Talvez tenha sido nesse momento que a jovem norte-rio-grandense recebera as primeiras instruções. Em 1828, seu pai foi assassinado quando retornava para casa, logo após ganhar uma causa de um cliente (DUARTE, 2006DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo. Brasília: Mercado Cultural, 2006., p. 17). No mesmo ano, Nísia Floresta passou a residir com o acadêmico da Faculdade Direito de Recife (FDR), Manuel Augusto de Faria Rocha, tendo, dois anos depois, uma filha com ele, chamada Lívia Augusta de Faria Rocha, a quem dedicou vários livros.

Em 1831, Nísia Floresta estreou no mundo das letras, publicando vários artigos que tratavam da condição feminina em diversas culturas, no jornal Espelho das brasileiras, periódico dedicado às senhoras pernambucanas, de propriedade do tipógrafo francês Adolphe Emille de Bois Garin (DUARTE, 2006DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo. Brasília: Mercado Cultural, 2006., p. 18). O teor dos artigos tocava em questões em torno da situação feminina na sociedade, especificamente, acerca da sua utilidade social e do tratamento injusto dos homens para com as mulheres, tema este que a escritora retomará em seus livros. Textos como: Direitos das mulheres e injustiça dos homens (1832), Conselhos a minha família (1845), Fany ou o modelo das donzelas (1847), Opúsculo humanitário (1853), dentre outros, expressam a variedade de abordagens da obra de Nísia Floresta, na qual se podem identificar temas diversos dentro do universo feminino do século XIX, desde temas de cunho mais panfletário, relacionado ao feminismo, a outros que “expressam um tom afetuoso de mãe para com a filha, ou o da professora zelosa com as suas alunas” (DUARTE, 2006DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo. Brasília: Mercado Cultural, 2006., p. 15). Nesse sentido, a obra de Nísia Floresta teria sido marcada ora por uma proposta mais liberal, ou ao que hoje entenderíamos como progressista, uma vez que abordava o problema da injustiça masculina em relação ao tratamento dado às mulheres e à necessidade da educação feminina, ora realçava-se o pensamento conservador da sociedade vigente, uma vez que supervalorizava as figuras da esposa e da mãe, colocando-as na categoria de santas, já que a elas cabia a divina missão de serem as guardiãs privilegiadas da família (DUARTE, 2006DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo. Brasília: Mercado Cultural, 2006., p. 20). Nesse ponto, a figura de Nísia Floresta não parecia se contrapor aos objetivos da educação almejada pelos idealizadores da Escola Doméstica de Natal. Talvez tenha sido por essa razão que Oliveira Lima escolhera Nísia Floresta como objeto de sua conferência.

O ministro das relações exteriores foi enfático ao afirmar que Nísia Floresta era a “mais notável mulher de lettras que o Brazil tem produzido” (LIMA, 1919LIMA, Oliveira. Nísia Floresta (conferência). RIHGRN. Natal. Volume XVIII. Números 1-2.1919., p. 177). Ao longo da sua conferência, Oliveira Lima elogia os dotes intelectuais da escritora norte-rio-grandense, enaltecendo a fluência e a limpidez do seu estilo literário, além de destacá-la pelo seu patriotismo e senso de justiça. Todavia, o aspecto mais enfatizado por ele foi a produção intelectual de Nísia Floresta voltada para a instrução moral e cívica das mulheres. Segundo ele, a escritora norte-rio-grandense foi um exemplo vivo “do que ella sempre ensinou e praticou que a mulher deve possuir e exercer virtudes domesticas e cívicas” (1919, p. 191). Não é por acaso que o diplomata pernambucano tenha dedicado atenção especial ao livro Conselho à minha filha, justamente por ser um escrito em que Nísia Floresta apresenta-se como uma mãe dedicada - um aspecto bastante valorizado e conformado à imagem idealizada da mulher do século XIX e do início do XX (DUARTE, 2006DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo. Brasília: Mercado Cultural, 2006., p. 41). Para Oliveira Lima, essa concepção da mulher no ambiente do espaço privado era o aspecto mais importante da visão de mundo de Nísia Floresta. É por essa razão que o diplomata terminara sua conferência concluindo que as jovens alunas da Escola Doméstica deveriam seguir a escritora norte-rio-grandense. Aqui, no entanto, há um ponto a ser ressaltado. O aspecto a ser seguido pelas alunas deveria ser as ideias da escritora quanto ao papel da mulher no âmbito doméstico e não, necessariamente, a sua vida particular, especialmente em relação à vida amorosa, tendo em vista que Nísia Floresta havia se separado do seu primeiro marido e o seu segundo casamento tinha sido “gerado na liberdade e não imposto pelo codigo ou pela benção ecclesiastica” (LIMA, 1919LIMA, Oliveira. Nísia Floresta (conferência). RIHGRN. Natal. Volume XVIII. Números 1-2.1919., p. 192). Suas lições deveriam nortear as alunas e não a sua vida particular: “Ensinando as virtudes domesticas e cívicas, que nos diz que ella se offerecia como modelo?” (LIMA, 1919LIMA, Oliveira. Nísia Floresta (conferência). RIHGRN. Natal. Volume XVIII. Números 1-2.1919., p. 192). Não era a trajetória de vida de Nísia Floresta que serviria de modelo, mas, sim, a moral contida “na sua pena”.

O IHGRN considerou oportuna a publicação do texto de Oliveira Lima em sua revista. Nos primeiros anos do século XX, a imagem de Nísia Floresta já não era tão atacada pelos seus conterrâneos potiguares, como fora no final do século XIX (GOMES, 2000GOMES, Ana Laudelina Ferreira. Auta de Souza e a escrita feminina nos Oitocentos. Cronos, Natal (RN), v. 1, n. 2, p. 49-60, 2000., p. 51). Em 1908, Henrique Castriciano, letrado de prestígio no meio beletrista norte-rio-grandense, havia se referido a Nísia Floresta, no Almanaque Garnier, como a maior escritora brasileira (CASTRICIANO, 1908CASTRICIANO, Henrique. “Nísia Floresta”. Almanaque Brasileiro Garnier. Rio de Janeiro: Editora Garnier. 1908., p. 118). O poeta norte-rio-grandense reconhecia que poucos a conheciam no país, mas a considerava uma das mais fortes mentalidades do Brasil. Segundo ele, Nísia Floresta havia prestado inestimável serviço às letras nacionais, sobretudo em relação à figura feminina (1908, p. 119). De certa forma, o pequeno texto de Henrique Castriciano foi importante para o processo de reabilitação da imagem de Nísia Floresta nos círculos beletristas do Rio Grande do Norte. Não é à toa que, em 1909, o Congresso Literário e o Ateneu Norte-rio-grandense, sob os auspícios do governador do estado, Alberto Maranhão, ergueram, em 12 de outubro, um monumento em Papari, em comemoração ao centenário de nascimento de Nísia Floresta (DUARTE, 2006DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo. Brasília: Mercado Cultural, 2006., p. 81). Dois anos depois, foi inaugurada, na praça Augusto Severo, em Natal, um medalhão de bronze, encomendado por Henrique Castriciano, contendo a efígie da escritora norte-rio-grandense, uma estrela de granito, incrustações de bronze e as datas do seu nascimento e de sua morte (DUARTE, 2006DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo. Brasília: Mercado Cultural, 2006., p. 119).

Como podemos averiguar, a partir dos anos de 1910, os intelectuais norte-rio-grandenses passaram a dispensar maior atenção à figura de Nísia Floresta. Afinal de contas, a escritora norte-rio-grandense teria sido uma das primeiras a produzir textos voltados para a reflexão do papel da mulher na sociedade, além de gozar de certo reconhecimento em outros países, sobretudo da Europa. Esse resgate da figura de Nísia Floresta faz parte do projeto dos homens de letras do Rio Grande do Norte em construir o panteão das personalidades ilustres do estado. Obviamente que o vulto feminino ainda não possuía o mesmo prestígio, se comparado com a atenção dedicada aos varões ilustres. Todavia, a reabilitação da imagem de Nísia Floresta servia como um importante instrumento em evidenciar as personalidades do Rio Grande do Norte na própria construção da memória literária da nação. Dessa forma, a publicação da conferência de Oliveira Lima na revista do IHGRN, expressava o comprometimento da agremiação em se inserir nesse movimento de recuperação da imagem de Nísia Floresta, apesar de não ter feito maiores esforços para isso. Como já mencionamos, o Instituto era formado por homens com uma concepção voltada para a valorização da figura masculina em detrimento da feminina. Seu quadro de sócios, constituído só de homens, era um espelho do monopólio que esse gênero detinha na produção e na direção do grêmio.

Os personagens dos textos necrológicos eram reflexos do perfil dos sócios do Instituto, afinal de contas, todos fizeram parte do seu rol de membros e de sua memória. Eram homens advindos do mundo político, intelectual, militar e religioso do Rio Grande do Norte e de outras partes da nação. Eram considerados dignos de serem lembrados pelos vivos, os quais deveriam honrar as memórias dos mortos. Aos cidadãos do presente imputava-se o dever de memória para com aqueles que os precederam. Citando Augusto Comte, Manoel Dantas alertava aos leitores da revista do IHGRN, em uma pequena introdução, presente na seção de necrologia, publicada em 1916, que os vivos serão sempre, e cada vez mais, governados pelos mortos (NECROLOGIA, 1916Necrologia. RIHGRN. Natal. Volume XIV. Números 1-2. 1916. , p. 248). Esse argumento de autoridade respaldava a concepção que norteou a produção das necrologias, a historia magistra vitae, isto é, a ideia de que os consócios desaparecidos continuariam sempre a iluminar os homens do presente, com os seus exemplos fecundos e com os feitos que haviam legado. Ao mundo dos vivos e dos sócios do IHGRN restava o imperativo da memória.

Notas biográficas, traços biográficos, apontamentos biográficos, biografias: a formação de um panteão norte-rio-grandense?

As fronteiras entre as necrologias e os demais textos biográficos não eram tão precisas. Havia biografias em que a estrutura da narrativa era praticamente a mesma de um texto necrológico, isto é, um elogio fúnebre, composto de poucas páginas, nas quais se informavam a filiação, a naturalidade, a data de nascimento e a trajetória política ou profissional do biografado, relacionando-a ao serviço prestado ao Brasil e/ou ao Rio Grande do Norte. Não são poucos os casos em que as notas biográficas, os traços biográficos e as necrologias correspondiam à mesma coisa. Por exemplo, as biografias do major José Domingues Codeceira e do senador José Bernardo, publicadas em 1904 e 1907, respectivamente, pela revista do IHGRN, são exemplos de textos biográficos que possuíam uma estrutura textual equivalente ao gênero necrológico. Contudo, havia uma diferença: o nome do autor era subscrito ao final do texto. As duas biografias supracitadas foram escritas por Antônio Soares e Manoel Dantas, respectivamente. A autoria assinada era totalmente ausente nas necrologias. Não queremos dizer com isso que a diferença entre a necrologia e os textos biográficos se dava apenas pela questão da autoria declarada. Já mencionamos alhures que, a partir de 1910, os traços biográficos publicados pelo IHGRN não foram assinados por nenhum autor, sendo supostamente produzidas pelos oradores do Instituto semelhantemente às necrologias. Ambas foram escritas e publicadas no ano do falecimento dos biografados e tratavam de dois membros do IHGRN, e, conforme o estatuto, no ano da morte de algum sócio, deveria ser produzido um elogio fúnebre, o que reforça o nosso argumento de que algumas biografias eram, com efeito, necrologias e que os associados do Instituto não estavam preocupados em estabelecer uma rígida distinção desses termos, tomando-os, muitas vezes, como sinônimos. Vejamos separadamente as duas biografias mencionadas.

Da mesma maneira que os oradores do IHGRN, encarregados de escrever o elogio histórico, Antônio Soares começa seu texto enaltecendo a figura do seu biografado, caracterizando-o como honesto, modesto, leal, qualificando a sua vida como fecunda e proveitosa, restando aos consócios recordarem a memória de um grande patriota (SOARES, 1904SOARES. Antônio de. Major José Domingues Codeceira - Notas biographicas. RIHGRN. Natal. Volume II. Número 2. 1904., p. 355). Semelhantemente aos textos necrológicos, a biografia aparece aí como um rito de recordação, como um dever de memória: “cumpre agora, depois da sua morte, que veneremos a sua memoria” (1904, p. 355).

Além de ressaltar o imperativo da memória, Antônio Soares relata, em seguida, os aspectos mais gerais da biografia de Codeceira, isto é, a data do seu nascimento, filiação, naturalidade etc. Destaca-se aí um detalhe: a mocidade de Codeceira vivida em Natal. O objetivo desse pormenor não é outro senão urdir uma relação entre o biografado e o Rio Grande do Norte. Antônio Soares não traz muitas informações acerca desse período de vivência do biografado na capital da província, detendo-se apenas ao fato de que Codeceira trabalhava com seu pai, na condição de caixeiro e dedicava-se, nos tempos vagos de sua vida comercial, ao estudo de línguas e ciências, “valioso contingente que auxilliou-o depois em estudos mais vastos e uteis” (SOARES, 1904SOARES. Antônio de. Major José Domingues Codeceira - Notas biographicas. RIHGRN. Natal. Volume II. Número 2. 1904., p. 361). De certa maneira, a menção à vivência da mocidade de Codeceira em Natal, e, consequentemente, a sua relação afetiva com o Rio Grande do Norte, explica o seu interesse pela história e pelos personagens históricos do estado, em especial, Miguelinho, André de Albuquerque e Felipe Camarão, a respeito do qual defendia a tese de que o índio era norte-rio-grandense.

Adstrito às informações lacônicas sobre a infância e a mocidade de Codeceira, Antônio Soares descreve a trajetória política e intelectual do seu biografado. A narrativa de sua vida é relatada a partir de uma sequência ordenada e linear, apresentando os cargos políticos e militares que o biografado ocupou ao longo da sua trajetória profissional. Contudo, o aspecto mais ressaltado por Antônio Soares foi o talento de Codeceira para a atividade intelectual. Segundo o biógrafo, desde a mocidade, o seu biografado apresentava um “espírito inclinado para o plano das letras” (SOARES, 1904SOARES. Antônio de. Major José Domingues Codeceira - Notas biographicas. RIHGRN. Natal. Volume II. Número 2. 1904., p. 356). Antônio Soares constrói uma narrativa que postula um sentido orientado para a vida de Codeceira, como se este, desde sempre, apresentasse uma tendência para a atividade intelectual. Nesse aspecto, o talento erudito de Codeceira é considerado por Antônio Soares como parte integrante de sua trajetória de vida, um percurso orientado, um projeto, o qual poderia ser identificado desde o começo de sua juventude. A vida do biografado, especialmente a sua inclinação para as letras e a ciência, é a expressão de um sentido de vida, de um direcionamento de sua existência, marcadamente caracterizada pelo reconhecimento intelectual. Nesses termos, a biografia escrita por Antônio Soares é uma tentativa de dar sentido, uma coerência, a uma existência narrada (BORDIEU, 2006BORDIEU, Pierre. “A ilusão biográfica”. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (orgs.) Usos e abusos da história oral. 8a. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.).

Conforme a biografia escrita por Antônio Soares, a tendência de Codeceira para a atividade intelectual é marcada, especialmente, pelo ofício de historiador. Antônio Soares descreve seu biografado como um homem da história, voltado para a pesquisa documental e para a resolução de pontos obscuros dos fatos históricos do país (SOARES, 1904SOARES. Antônio de. Major José Domingues Codeceira - Notas biographicas. RIHGRN. Natal. Volume II. Número 2. 1904., p. 357). Segundo o biógrafo, os mais importantes pontos elucidados por Codeceira foram: a reivindicação que fez para Pernambuco, na questão do berço do primeiro mártir da República - uma disputa pela memória republicana construída pelos mineiros, em torno da figura de Tiradentes -, alegando o pioneirismo do pernambucano Bernardo Vieira, e a naturalidade norte-rio-grandense de Felipe Camarão. É preciso mencionar que, um pouco antes de sua morte, Codeceira estava iniciando a escrita de sua obra sobre Felipe Camarão, trabalho este que o major “demonstraria cabalmente que o Rio Grande do Norte foi o berço glorioso do valente chefe da tribu petiguar” (SOARES, 1904SOARES. Antônio de. Major José Domingues Codeceira - Notas biographicas. RIHGRN. Natal. Volume II. Número 2. 1904., p. 357). Tal posicionamento de Codeceira, pernambucano e sócio do IAGP, foi utilizado como argumento de autoridade em favor da tese da naturalidade norte-rio-grandense de Felipe Camarão. Talvez seja por isso que o IHGRN tenha elegido Codeceira como integrante do rol de membros da instituição. Seu posicionamento em prol da causa do Rio Grande do Norte na questão da naturalidade de Felipe Camarão foi, sem sombra dúvida, o principal serviço prestado por Codeceira ao torrão da sua juventude, segundo a percepção dos sócios do IHGRN. A biografia escrita por Antônio Soares sinaliza a demonstração de gratidão do corpo de membros do Instituto a essa postura do sócio pernambucano. Além disso, era uma forma de homenageá-lo pela sua laureada defesa e engrandecimento da Pátria, sobretudo pelos seus serviços prestados na condição de major e intelectual (SOARES, 1904SOARES. Antônio de. Major José Domingues Codeceira - Notas biographicas. RIHGRN. Natal. Volume II. Número 2. 1904., p. 359). É por esse motivo que Antônio Soares fez questão de salientar que a biografia era uma manifestação da veneração à memória do seu biografado.

A estrutura da narrativa da biografia de José Bernardo, escrita por Manoel Dantas, não foi diferente do texto de Antônio Soares. Os dois autores se limitaram a dar ligeiros traços, pequenas informações, dos seus biografados. Assim como no texto de Antônio Soares, Manoel Dantas escreve um elogio ao seu conterrâneo José Bernardo, enaltecendo-o pela sua individualidade enquanto um preponderante político do Rio Grande do Norte, e também pelas suas virtudes morais, tais como: altruísmo, generosidade, bondade, honestidade etc., sendo a maior parte delas associada à dimensão da sua vida pública (DANTAS, 1907DANTAS, Manoel. “Senador José Bernardo - Traços biographicos”. RIHGRN. Natal. Volume V. Número 2. 1907., p. 388). Semelhantemente aos textos necrológicos e à biografia escrita por Antônio Soares, Manoel Dantas relata os aspectos mais gerais do seu biografado: a data do seu nascimento, filiação, naturalidade, uma breve informação sobre sua infância e a trajetória política (este último sendo o elemento mais destacado da biografia). Manoel Dantas segue o traço comum da maior parte das biografias e necrologias publicadas pelo IHGRN: a ênfase na dimensão política do indivíduo. O destaque à vida notória é um reflexo da própria concepção de história que norteou os trabalhos divulgados na revista do IHGRN, qual seja, uma história política, a qual evidenciava o papel dos grandes homens nos acontecimentos históricos. Nesse sentido, a vida de José Bernardo é narrada a partir da sua trajetória política. Assim como fez Antônio Soares, na biografia sobre Codeceira, Manoel Dantas constrói a ideia de que, desde a infância, o seu biografado manifestava uma tendência para os negócios públicos, dando sentido à existência de José Bernardo, a partir de sua relação com o mundo político (DANTAS, 1907DANTAS, Manoel. “Senador José Bernardo - Traços biographicos”. RIHGRN. Natal. Volume V. Número 2. 1907., p. 390). Seu biografado é descrito como uma das mais fortes representações políticas do estado, comprometido, ao mesmo tempo, com a história e o progresso do Rio Grande do Norte, o que justifica, para Manoel Dantas, não só a sua condição de sócio do IHGRN, mas também a veneração de sua memória pelos seus consócios. Novamente, a biografia é colocada como um dever de memória.

Como podemos verificar, as biografias escritas por Antônio Soares e Manoel Dantas seguiram a mesma estrutura da narrativa das necrologias. Não foram as únicas. As biografias de Manuel Praxedes Benevides Pimenta, Manoel Moreira Dias, Manoel Segundo Wanderley, Olympio Vital, Joaquim Nabuco, Manoel Hemeterio Raposo de Mello, Vicente Ferrer de Barros Wanderley Araújo, João Baptista Regueira Costa, José de Moraes Guedes Alcoforado, Pedro Soares de Amorim, seguiram a mesma configuração. Contudo, é preciso salientar, como já foi dito, que nem todas as biografias publicadas pelo IHGRN, e escritas pelos seus sócios entre 1903 e 1927, foram elaboradas nos mesmos moldes dos textos necrológicos.

Biografia e genealogia

A biografia de Luiz Gonzaga de Brito Guerra, o Barão de Assú, publicada em 1919, tem uma formatação um pouco diferente das demais. Primeiramente, não se configurava como um elogio fúnebre. O biografado, Barão do Assú, falecera em 1896 (GUERRA, 1919GUERRA, Philipe. Apontamentos sobre o Dr. Luiz Gonzaga de Britto Guerra. RIHGRN. Natal. Volume XVIII. Números 1-2. 1919., p. 155). Segundo: sua biografia não foi escrita por um orador do Instituto, mas pelo seu filho, Felipe Guerra, que mais tarde entrara para o rol de membros do IHGRN a pedido de Nestor Lima, até então 2º secretário do Instituto. Terceiro: a referida biografia continha mais páginas do que as necrologias e a maior parte dos textos biográficos. Quarto: além dos elementos mais gerais das biografias, tais como, naturalidade, filiação, trajetória política, o elogio às virtudes do biografado e os serviços prestados ao Rio Grande do Norte, o texto escrito por Felipe Guerra dedicou-se, em parte, ao registro genealógico da família Brito Guerra, cujas raízes advinham da região sertaneja da província, mais especificamente do Seridó. Pela primeira e única vez, pelo menos em 25 anos de existência do Instituto, a genealogia fez parte da narrativa de vida de um biografado. A ancestralidade anunciada por Felipe Guerra tinha uma razão de ser: evidenciava a genealogia de uma das famílias que habitaram o Seridó.

Desde os anos de 1910, as elites seridoenses se configuraram como forças políticas em ascensão no Rio Grande do Norte, o que levou alguns sócios do IHGRN, sobretudo aqueles advindos do Seridó, a se interessarem pelos personagens advindos da região sertaneja. Não é sem razão que a formação étnica do homem sertanejo é um dos pontos destacados por Felipe Guerra na biografia sobre o seu pai. O Barão do Assú era a representação do tipo sertanejo do Norte, formado pela fusão dos elementos indígena e os descendentes portugueses, mais especificamente, os bandeirantes (GUERRA, 1919GUERRA, Philipe. Apontamentos sobre o Dr. Luiz Gonzaga de Britto Guerra. RIHGRN. Natal. Volume XVIII. Números 1-2. 1919., p. 130). Dialogando com os intérpretes brasileiros do século XIX, sobretudo Euclides da Cunha, Felipe Guerra lançava mão dessa discussão para afirmar o sertanejo como a representação da conformação étnica do povo brasileiro. Nesse sentido, seu pai, assim como os seus ascendentes, advinha dessa formação étnica, genuinamente nacional. Como podemos perceber, a biografia de Felipe Guerra aborda outros aspectos que não aparecem nos textos necrológicos. A genealogia e a menção à formação étnica do biografado são colocadas como parte integrante da narrativa. Nesse ponto, a descrição da vida de Felipe Guerra distanciou-se das demais produções biográficas do IHGRN. Contudo, não foi a única. As narrativas de vida dedicadas a Pedro Velho e a frei Miguelinho, também se distanciam das necrologias e dos demais textos semelhantes, enquadrando-se numa série de biografias à parte. Apesar de reconhecermos a importância de se examinar as duas, por questões metodológicas, decidimos analisar apenas a biografia de Pedro Velho.

Pedro Velho: o apóstolo da República no Rio Grande do Norte

Na edição de 1908, a revista do IHGRN publicou a sua maior biografia, contendo mais de oitenta páginas, dedicada a um dos seus sócios fundadores: Pedro Velho de Albuquerque Maranhão.

O senador havia falecido em dezembro de 1907 e, no mês seguinte, logo na primeira sessão ordinária de 1908, a diretoria do IHGRN decidiu que, naquele ano, seria publicada uma edição especial da revista “consagrada a memoria do grande brasileiro” (ACTA DA 108º SESSÃO ORDINARIA DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1913-1915ACTA DA 108º SESSÃO ORDINARIA DO INSTITUTO HISTORICO E GEOGRAPHICO DO RIO GRANDE DO NORTE. RIHGRN. Natal. Volume XI, XII, XIII. 1913 a 1915., p. 353). É interessante ressaltar que, até então, nenhum outro sócio falecido havia merecido tanta atenção por parte dos sócios do IHGRN. O prestígio e a influência política de Pedro Velho, entre os membros da agremiação, eram bastante significativos. A maior parte do quadro de sócios do Instituto havia sido apadrinhado político do líder do Partido Republicano do Rio Grande do Norte (PRRN) e mantinha relações estreitas com a família Albuquerque Maranhão. Isso explica o interesse da mesa diretora do IHGRN em render uma homenagem especial a Pedro Velho. Todavia, apesar de aprovada, a proposta não foi levada a cabo. Luiz Fernandes esclarece o motivo: “bem ardua e difficil era, porém, a nossa empresa e, apenas, encetada, recuamos ante a impossibilidade de leval-a a effeito” (FERNANDES SOBRINHO, 1908FERNANDES SOBRINHO, Luiz. Senador Pedro Velho - Traços biographicos. RIHGRN. Natal. Volume VI. Número 2. 1908., p. 227-228). Em vez de uma edição especial da revista, dedicada ao senador, os sócios do IHGRN acordaram em publicar apenas a sua biografia.

O Instituto incumbiu Luiz Fernandes da missão de escrever os traços biográficos de Pedro Velho. Conforme o biógrafo, o seu objetivo não era registrar a história de vida do senador, fazendo crítica dos seus atos, mas, sim, pôr em relevo a figura do “inesquecível organizador da Republica no Rio Grande do Norte” (FERNANDES SOBRINHO, 1908FERNANDES SOBRINHO, Luiz. Senador Pedro Velho - Traços biographicos. RIHGRN. Natal. Volume VI. Número 2. 1908., p. 228). Nesse primeiro momento, fica claro que o compromisso de Luiz Fernandes não é o de estabelecer uma visão crítica quanto à trajetória política de Pedro Velho, mas, antes, torná-lo evidente como a principal personagem do regime republicano no estado. Em outras palavras, o escopo de Luiz Fernandes era colocar Pedro Velho como um dos protagonistas da memória republicana norte-rio-grandense. Por essa razão, seu texto não era apresentado como um trabalho crítico, afinal de contas Luiz Fernandes deixava claro que a biografia era também uma expressão de gratidão pessoal ao amigo e uma forma individual de homenagear a sua memória (1908, p. 313). Nesse caso, o imperativo da memória torna-se um dever não somente coletivo, mas igualmente individual.

Até aqui, vimos que nos discursos necrológicos, os oradores expressavam um sentimento de dívida de gratidão, como uma manifestação coletiva dos vivos para com os mortos, e não uma demonstração individual ou pessoal. Luiz Fernandes fala do lugar de sócio do IHGRN, encarregado de elaborar uma biografia, mas também do lugar de amigo pessoal do biografado. Não é sem razão, pois Luiz Fernandes trilhou a sua trajetória política e jurídica sob os auspícios do Partido Republicano do Rio Grande do Norte, chefiado por Pedro Velho. Definitivamente, não havia qualquer preocupação de sua parte em relação à parcialidade de sua produção biográfica. O rigor da crítica histórica e a imparcialidade do historiador, tão defendidas por alguns historiadores no oitocentos, passava à distância da escrita biográfica do IHGRN. O Instituto não fazia qualquer restrição à parcialidade dos textos biográficos. Não são raros os casos de membros que escreveram biografias e/ou necrologias dos seus parentes. Podemos citar o exemplo de Manoel Dantas, que escreveu os traços biográficos do seu parente, José Bernardo, em 1907, e de Felipe Guerra, que publicou uma biografia homenageando o seu pai, Luiz Gonzaga de Britto Guerra, em 1919.

Além de considerar o seu texto biográfico como uma forma de homenagear a memória do seu amigo e líder republicano no Rio Grande do Norte, Luiz Fernandes compreendia que sua empresa serviria como auxílio para que os historiadores do futuro pudessem escrever acerca de outras fases da história do “pranteado filho do Rio Grande do Norte” (FERNANDES SOBRINHO, 1908FERNANDES SOBRINHO, Luiz. Senador Pedro Velho - Traços biographicos. RIHGRN. Natal. Volume VI. Número 2. 1908., p. 298). Conforme o referido sócio, sua biografia limitava-se apenas à primeira fase da vida de Pedro Velho, que compreenderia desde a sua infância até o momento em que o biografado se tornaria líder do movimento republicano no Rio Grande do Norte. Sua biografia serviria de base para a posteridade, cabendo aos historiadores do futuro continuar a história de vida de Pedro Velho, mais especificamente, o que ele chamou de segunda fase, isto é, do período de liderança republicana em diante.

Cada momento da vida de Pedro Velho é relatado como um preparo para a sua trajetória na política. Assim como em outros textos biográficos, a vida do biografado é postulada a partir do sentido de uma existência, como se fosse um caminho a ser percorrido, orientado, com um começo, etapas e um fim. A vida de Pedro Velho é narrada de forma teleológica, isto é, como um devir histórico que caminha em direção à instalação da República no Rio Grande do Norte. As primeiras lições da educação familiar, a formação educacional em Recife e na Bahia, onde cursou medicina, a criação do seu Ginásio Rio-grandense, suas aulas de história no Atheneu Norte-rio-grandense e o seu envolvimento no movimento abolicionista, já sinalizavam a constituição de uma virtude cívica e patriótica que o orientou em sua trajetória rumo à vida pública. Dessa maneira, a biografia de Pedro Velho é construída pela narrativa de Luiz Fernandes como um todo, um conjunto coerente, sem contradições ou erros, e orientado, apreendido “como expressão unitária de uma ‘intenção’ subjetiva e objetiva, de um projeto” (BORDIEU, 2006BORDIEU, Pierre. “A ilusão biográfica”. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (orgs.) Usos e abusos da história oral. 8a. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006., p. 185). A política, mais especificamente, o seu envolvimento com o movimento republicano no Rio Grande do Norte, era considerado por Luiz Fernandes como um projeto, um destino, o qual se constitui de forma naturalizada e anunciada, desde sempre no percurso de sua biografia. Todavia, a vida de Pedro Velho não foi associada apenas à sua liderança no movimento republicano no Rio Grande do Norte. Na parte IV da biografia, intitulada “Remindo os cativos”, Luiz Fernandes constrói outra imagem para Pedro Velho: o de líder abolicionista (FERNANDES SOBRINHO, 1908FERNANDES SOBRINHO, Luiz. Senador Pedro Velho - Traços biographicos. RIHGRN. Natal. Volume VI. Número 2. 1908., p. 237).

Os primeiros focos favoráveis à abolição da escravidão no Rio Grande do Norte não partiram de Natal, mas vieram da região sertaneja, mais especificamente de Mossoró, cidade localizada na parte oeste da província. Em 6 de janeiro de 1883, o norte-rio-grandense, Romualdo Lopes Galvão, fundara a Sociedade Libertadora Mossoroense (SLB), juntamente com o cearense Joaquim Bezerra da Costa Mendes, sob o apoio do movimento abolicionista advindo do Ceará (Cf. GALVÃO, 1982GALVÃO, João Batista. Subsídios para a história da abolição do cativeiro no Rio Grande do Norte. Mossoró: Fundação Guimarães Duque, 1982. ). A partir de 1883, os abolicionistas da SLB passaram a disseminar as ideias libertadoras entre os proprietários de escravos da cidade, bem como nas adjacências, além de dispensar recursos financeiros para a alforria de cativos. Mossoró passou a ser um polo de recepção de escravos fugidos de outras cidades, irradiando o movimento abolicionista na região oeste do Rio Grande do Norte. No dia 30 de setembro de 1883, todos os escravos da cidade foram alforriados, o que inspirou outros municípios adjacentes, como Assú (1885), Caraúbas (1887) e Triunfo (1887), a também libertarem seus cativos. Doravante, os letrados mossoroenses passaram a construir para a cidade a imagem de pioneira do movimento abolicionista do Rio Grande do Norte (COSTA, 2012COSTA, Bruno Balbino Aires da. Mossoró não cabe num livro: Luís da Câmara Cascudo, o historiador da cidade. João Pessoa: Ideia, 2012.). Durante o século XX, a identidade histórica da cidade foi elaborada a partir da imagem associada ao pioneirismo da libertação dos escravos, colocando Mossoró como centro da memória abolicionista do estado.

Na contramão da memória elaborada pelos mossoroenses, Luiz Fernandes destinava à figura de Pedro Velho a centralidade do movimento abolicionista no Rio Grande do Norte. É importante salientar que, no início do século XX, a organização familiar dos Albuquerque Maranhão, chefiada por Pedro Velho, estava comprometida em elaborar uma identidade norte-rio-grandense, tomando a cidade de Natal e os personagens históricos ligados ao grupo, como André de Albuquerque de Maranhão e Augusto Severo, como centro da narrativa histórica do estado, construindo um discurso de unidade espacial, em face da existência de outros projetos identitários locais, capitaneados pelos homens de letras do Seridó e de Mossoró (PEIXOTO, 2012PEIXOTO, Renato Amado. Espacialidades e estratégias de produção identitária no Rio Grande do Norte no início do século XX. In: PEIXOTO, Renato Amado (org.). Nas trilhas da representação: trabalhos sobre a relação entre história, poder e espaços. Natal: EDUFRN, 2012., p. 13). Pelo menos nos primeiros quinze anos de sua existência, o IHGRN fez parte da estratégia do projeto identitário levado a cabo pelo grupo familiar dos Albuquerque Maranhão. Não é por acaso que, nesse período, a memória e a historiografia produzidas no e pelo Instituto, não tenham se dedicado aos aspectos históricos ligados ao Seridó e/ou Mossoró. Em 25 anos, a ênfase da produção intelectual do IHGRN concentrava-se no estado como um todo, como uma espacialidade unida, apesar da diversidade, tratando-se muito pouco da história e da geografia dos municípios norte-rio-grandenses.

O esforço de Luiz Fernandes, em afirmar a liderança de Pedro Velho no movimento abolicionista no Rio Grande do Norte, era um reflexo da própria estratégia identitária articulada pelo grupo familiar dos Albuquerque Maranhão, nas duas primeiras décadas da República. Todavia, diante do pioneirismo de Mossoró na abolição da escravidão no Rio Grande do Norte, como dar sentido à liderança de Pedro Velho no movimento? A estratégia de Luiz Fernandes é simples: desqualificar a atuação dos primeiros abolicionistas, em detrimento da inteligência de Pedro Velho, para dar curso ao movimento. Vejamos:

Mas os cruzados da liberdade invadiram a provincia desordenadamente, sem chefe e sem um centro estrategico, donde, combinados os planos de ataque, partissem, com probabilidade de bom exito, as vozes de comando. Comprehendeu isso o inteligente professor do Atheneu; e, pondo-se á frente do movimento libertador, no dia 1º de Janeiro de 1888, em reunião por elle convocada, fundou nesta cidade a Libertadora Norte-Rio Grandense, que, tomando o nobre generoso compromisso de libertar a provincia até 31 de Dezembro daquelle anno, tornou-se o centro da propaganda abolicionista de toda ella (FERNANDES SOBRINHOFERNANDES SOBRINHO, Luiz. Senador Pedro Velho - Traços biographicos. RIHGRN. Natal. Volume VI. Número 2. 1908., 1908, p. 237).

Afirma-se, primeiramente, a ausência de chefe e de um centro estratégico. Nitidamente, a SLB e os personagens históricos ligados à abolição em Mossoró, como Romualdo Galvão e o cearense Almino Afonso, foram completamente silenciados por Luiz Fernandes. O silenciamento desses personagens, em face da evidência de Pedro Velho, era uma forma de deslegitimar, indiretamente, a liderança mossoroense na memória da abolição, afinal de contas, o evento da libertação dos escravos, juntamente com a Proclamação da República, constituía-se como um dos principais acontecimentos da história recente do país. O intento era conferir aos Albuquerque Maranhão um lugar central na memória histórica desse acontecimento no estado. É interesse notar que, ao se referir à fundação da Libertadora Norte-Rio Grandense em Natal, por Pedro Velho, Luiz Fernandes coloca-a como centro da propaganda abolicionista de toda a província. O emprego do advérbio toda não foi desinteressado, pelo contrário, constrói um sentido abrangente, completo. A ideia era mostrar a província como um todo e não como uma parte, relegando um sentido mais geral em detrimento ao local. Em outras palavras, enquanto o movimento abolicionista encabeçado por Pedro Velho atingiria o todo, ou seja, em toda a província, o outro foco de abolição da escravidão, o de Mossoró, representaria apenas um acontecimento local, disperso, sem abrangência e influência em todo o Rio Grande do Norte. Nesse sentido, Pedro Velho, e não Romualdo Galvão ou Almino Afonso, era o verdadeiro “verbo irresistível da liberdade”, que doutrinava e convencia os norte-rio-grandenses a aderirem à abolição. Segundo Luiz Fernandes, os seus atos registrados no Boletim da Libertadora Norte-Rio-Grandense atestariam o seu empenho em propagandear a abolição, “propondo acções de liberdade e requerendo habeas corpus em favor dos captivos, indo pessoalmente aos municipios mais proximos installar e movimentar as sociedades locaes, fallando ao povo” (FERNANDES SOBRINHO, 1908FERNANDES SOBRINHO, Luiz. Senador Pedro Velho - Traços biographicos. RIHGRN. Natal. Volume VI. Número 2. 1908., p. 237). Por meio da biografia escrita por Luiz Fernandes, Pedro Velho teve seu assento na memória da abolição no Rio Grande do Norte.

A figura de Pedro Velho esteve associada também a outro acontecimento importante da história recente do país: a instalação da República. Assim como no evento da abolição na província, Pedro Velho é apresentado como protagonista, líder do movimento e propagandista. Sem sombra de dúvida, a associação de Pedro Velho ao novo regime político é o aspecto mais explorado por Luiz Fernandes na biografia. O motivo é evidente: Pedro Velho representava a principal força política do estado nos primeiros momentos do novo regime no Rio Grande do Norte, havendo um claro interesse em torná-lo um dos personagens centrais da memória republicana norte-rio-grandense. É por esse motivo que Luiz Fernandes vincula Pedro Velho à tradição republicana, colocando-o como aquele que realizara o sonho de Miguelinho. Dessa forma, Luiz Fernandes urdia uma narrativa que situava, num mesmo plano, a emergência da República no estado com o movimento de Pedro Velho no cenário político do Rio Grande do Norte. Mais do que isso, a memória republicana do estado confundia-se com a própria história de vida de Pedro Velho. O relato do acontecimento e a narrativa de vida estavam fundidas. Por meio da escrita biográfica de Luiz Fernandes, Pedro Velho entra para o panteão de norte-rio-grandenses republicanos, ao lado de Miguelinho e André de Albuquerque Maranhão.

Para dar significado simbólico e legitimidade à figura de Pedro Velho, Luiz Fernandes utilizou-se de um expediente bastante comum entre os letrados brasileiros do final do século XIX e início do XX: conferir um aspecto sagrado, evangélico, ao personagem histórico associado à tradição republicana. O título do capítulo V da biografia, Pregando a Republica, sugeria uma leitura sacra para a trajetória bastante laica de Pedro Velho como propagandista do republicanismo. Luiz Fernandes mobilizou algumas imagens do repertório sagrado do mundo cristão para caracterizá-lo: batista do novo evangelho, apóstolo da república, evangelizador, pregador. Esses conceitos revestiam simbolicamente a sua figura, enquanto propagandista e idealizador do movimento republicano no Rio Grande do Norte. Apesar da laicidade da República, a difusão das ideias do regime era concebida como uma atividade sagrada. Esse tom venerável da narrativa implicava uma leitura sacralizada da memória republicana. É por essa razão que Luiz Fernandes apresenta Pedro Velho como o evangelizador das grandes ideias republicanas no estado.

Ao colocá-lo na condição de propagandista e idealizador do movimento republicano no Rio Grande do Norte, Luiz Fernandes se contrapunha ao pioneirismo dos seridoenses. A cidade de Caicó, localizada no Seridó, havia sido o berço do republicanismo do Rio Grande do Norte em meados dos anos 1880, e não a capital da província (BUENO, 2002BUENO, Almir de Carvalho. Visões de República: idéias e práticas políticas no Rio Grande do Norte (1880-1895). Natal: EDUFRN, 2002.., p. 62-63). Segundo Almir Bueno de Carvalho, Pedro Velho tornou-se um republicano tardiamente, por insistência de seu primo João Avelino - que já defendia a criação de um partido republicano na província, em fins da década de 1880 - “mas, a partir do momento em que resolveu aderir, convencido da fatalidade da implantação da República no Brasil, tornou-se figura de proa, fundando o Partido Republicano do Rio Grande do Norte, do qual foi o único líder” (BUENO, 2002, p. 83). Luiz Fernandes tratou apenas do movimento encabeçado por Pedro Velho, silenciando a atuação dos núcleos republicanos norte-rio-grandenses que atuavam dentro e fora da província, antes mesmo da adesão do seu biografado. Semelhantemente ao caso do movimento abolicionista, a razão para o silenciamento de Luiz Fernandes em relação aos outros personagens do republicanismo no Rio Grande do Norte deve-se ao seu interesse em assinalar a centralidade de Pedro Velho e de Natal na memória republicana do estado. Em síntese, enfatizar a liderança de Pedro Velho nos movimentos abolicionistas e republicanos era uma estratégia identitária que conferia à organização familiar dos Albuquerque Maranhão e à cidade de Natal o protagonismo nas narrativas históricas do Rio Grande do Norte. Interditava-se, portanto, a leitura regionalista do Seridó e de Mossoró no que tange aos recentes acontecimentos históricos do país.

Além de propagandista, Luiz Fernandes descreve o seu biografado como o organizador da República no estado: “Cabendo ao dr. Pedro Velho a gloria de iniciar o governo republicano no Rio Grande do Norte, fel-o condignamente, observando a risca o seu programma de governo forte e justo” (FERNANDES SOBRINHO, 1908FERNANDES SOBRINHO, Luiz. Senador Pedro Velho - Traços biographicos. RIHGRN. Natal. Volume VI. Número 2. 1908., p. 292). Para Luiz Fernandes, a grande obra da vida do seu biografado residia na organização republicana no Rio Grande Norte, acontecimento esse que o imortalizaria. Essa obra não era produto do acaso. De acordo com o biógrafo, a condição de propagandista e chefe do partido republicano da província possibilitou naturalmente a indicação de Pedro Velho para assumir o comando do provisório governo republicano no estado. Na percepção de Luiz Fernandes, o biografado reuniria as condições necessárias para preparar o estado e os norte-rio-grandenses para o início da vida republicana. Esse encargo o colocava não só como um servidor do Rio Grande do Norte, mas também da Pátria (FERNANDES SOBRINHO, 1908FERNANDES SOBRINHO, Luiz. Senador Pedro Velho - Traços biographicos. RIHGRN. Natal. Volume VI. Número 2. 1908., p. 292). Assim como nas necrologias e em outros textos biográficos, os serviços do biografado, prestados ao estado e à nação, justificariam por si mesmos as homenagens do IHGRN à memória do venerando republicano.

Como acabamos de mostrar, a narrativa de vida de Pedro Velho esteve associada à memória abolicionista e republicana no Rio Grande do Norte. A biografia do líder da família Albuquerque Maranhão era um esforço por parte de Luiz Fernandes em alocá-lo no panteão dos norte-rio-grandenses ilustres. Nesse sentido, Pedro Velho juntara-se a André de Albuquerque e Miguelinho na galeria de republicanos norte-rio-grandenses.

Considerações finais

Como deixamos claro ao longo do artigo, a produção biográfica do IHGRN possuía um sentido lato, isto é, formado pelo conjunto dos chamados elogios fúnebres e/ou necrologias, e as notas biográficas ou notícias biográficas. O elemento comum entre esses dois gêneros, digamos assim, era a justificativa de salvar do esquecimento os nomes daqueles que serviram ao Brasil e ao Rio Grande do Norte. Instaurava-se aí um dever de memória para com os próprios biografados.

Não despropositadamente, os vultos desaparecidos faziam parte do quadro de sócios do IHGRN, o que assinalaria a agremiação como um lugar em que os patrícios ilustres estariam inseridos. Por meio das realizações dos seus sócios falecidos e vivos, o IHGRN se autocredenciaria como uma instituição relevante, socialmente e intelectualmente, para a sociedade potiguar. Além disso, o próprio IHGRN encarregava-se, por meio das necrologias, de reforçar a importância dos filhos ilustres norte-rio-grandenses no cenário político e intelectual do estado e da nação. Em outras palavras, as necrologias assistiram o empreendimento do IHGRN de construir o lugar do Rio Grande do Norte na memória histórica da nação. Nesse processo de elaboração da memória pelo Instituto, convergia também a publicação das notas e/ou notícias biográficas. Para os sócios do IHGRN, a biografia dos indivíduos célebres do Rio Grande do Norte era um passaporte importante para a construção de um lugar para o estado na memória republicana nacional. A biografia foi, portanto, uma estratégia importante para o cumprimento dos interesses políticos e culturais do IHGRN e do governo do estado ao longo Primeira República.

Referências

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  • Necrologia - Desembargador Vicente Simões Pereira de Lemos. RIHGRN Natal. Volume XVI. Números 1 e 2. 1919.
  • SOARES. Antônio de. Major José Domingues Codeceira - Notas biographicas. RIHGRN Natal. Volume II. Número 2. 1904.

Notas

  • 1
    Percebemos que, ao longo dos primeiros 25 anos de criação do IHGRN, houve o processo de construção e maturação da memória histórica norte-rio-grandense, isto é, a instituição dos seus heróis, a articulação entre o tempo do Rio Grande do Norte e o tempo da nação, a elaboração das verdades históricas concernentes aos acontecimentos históricos fundadores, a formação do panteon dos patrícios ilustres, a sacralização das suas datas célebres etc. Até 1927, os pilares da memória norte-rio-grandense já estavam assentados. Por essa razão, decidimos examinar a produção biográfica nesse recorte temporal em específico, justamente por considerar que tal atividade intelectual auxiliou no processo de construção da identidade histórica do Rio Grande do Norte.
  • 2
    Nos apropriamos do conceito de regime de historicidade desenvolvido pelo historiador francês François Hartog. Nesse sentido, o conceito se refere a uma dada ordem do tempo, de como a sociedade trata seu passado, em outras palavras, como uma comunidade humana se relaciona com o tempo, como o experimenta, “aqui e lá, hoje e ontem. Maneiras de ser no tempo” (HARTOG, 2013HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013., p. 29).
  • 3
    É o exemplo da edição da revista em 1913, 1914 e 1915. Os artigos publicados nestes três anos foram editados em um só número. Nessa edição, em específico, havia uma espécie de seção denominada traços biográficos que funcionava do mesmo modo da necrologia. Todavia, não se tratava de uma seção especial, mas, sim, uma coletânea de pequenas biografias que haviam sido escritas no período entre 1913 e 1915, sendo publicadas em uma mesma edição.
  • 4
    A região do Seridó fica localizado, geograficamente, no sertão na mesorregião central do Rio Grande do Norte.
  • 5
    Para uma análise específica da produção biográfica sobre frei Miguelinho, consultar a seguinte tese de doutorado: COSTA, Bruno Balbino Aires da. “A casa da memória norte-rio-grandense”: o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e a construção do lugar do Rio Grande do Norte na memória nacional (1902-1927). 589f. 2017. Tese (Doutorado). Programa de pós-graduação em História. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre.
  • 6
    Filho de Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão, comerciante e senhor de engenho, e neto de Fabrício Gomes Pedrosa, proprietário da “Casa Guararapes”, empresa vinculada ao setor de exportação e importação de algodão e açúcar no Rio Grande do Norte, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão nasceu em Natal, em 1856, e faleceu em Recife, em 1907. Cursou medicina no Rio de Janeiro e clinicou em São José de Mipibu, no interior do estado, estabelecendo, posteriormente, em Natal, em 1882. Foi diretor do Ginásio Rio-Grandense e professor da cátedra de História do Atheneu Norte-Rio-Grandense. Em 1885, assumiu o cargo de Inspetor da Saúde Pública da província. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão foi um dos fundadores do Partido Republicano do Rio Grande do Norte (PRRN), ao lado de seu primo, João Avelino Pereira de Vasconcelos. Fundado em 27 de janeiro de 1889, o PRRN, em grande medida, era “uma extensão da família Maranhão” (SOUZA, 2008SOUZA, Itamar de. A República velha no Rio Grande do Norte: 1889-1930. Natal: EDUFRN, 2008. ). Embora não tenha sido a primeira monção republicana no estado, o PRRN foi a representação do movimento republicano organizado na capital da província (Cf. BUENO, 2002BUENO, Almir de Carvalho. Visões de República: idéias e práticas políticas no Rio Grande do Norte (1880-1895). Natal: EDUFRN, 2002..). Como veículo de difusão das ideias republicanas do partido na província, Pedro Velho criou, em 1º de julho de 1889, o jornal oficial da agremiação partidária, A República. Pedro Velho não era um teórico da República, pelo contrário, tornou-se republicano tardiamente, decidindo aderir ao movimento republicano por insistência de seu primo João Avelino, ao ser convencido da fatalidade da implantação da República no Brasil. Com a proclamação, Pedro Velho assumiu, interinamente, o governo do estado com a proclamação da República, graças à nomeação instituída por Aristides Lobo. Contudo, seu mandato dura pouco, sendo substituído, no início de dezembro, por Adolfo Gordo que governa o Rio Grande do Norte até fevereiro de 1890. Em 1892, Pedro Velho foi eleito governador do estado. Entre 1892 e 1914, todos os governadores do Rio Grande do Norte estavam diretamente ligados aos Albuquerque Maranhão sob o apoio direto de Pedro Velho (CASCUDO, 2008CASCUDO, Luís da Câmara. Vida de Pedro Velho. Natal: EDUFRN, 2008.; SPINELLI, 2010SPINELLI, José Antônio. Coronéis e Oligarquias no Rio Grande do Norte: (Primeira República) e outros estudos. Natal: EDUFRN, 2010. ).

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2018
  • Aceito
    13 Fev 2019
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