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“TODAS AS MAIS DESPESAS QUE LHE PARECEREM NECESSÁRIAS PARA O BOM GOVERNO E ESTADO DO SANTO OFÍCIO”: a batalha pela custódia do confisco dos bens dos hereges (1649-1657)

“All the expenses that seem necessary to him for the good government and state of the Holy Office”: the battle for the custody of the confiscation of the goods of heretics (1649-1657)

Resumo

O alvará de 1649, promulgado por dom João IV, isentou os cristãos-novos que investissem seus capitais na Companhia Geral do Comércio do Brasil do confisco inquisitorial. Entretanto, sua publicação resultou uma grande batalha pela custódia dos bens dos hereges, fundamentais para o funcionamento da máquina do Santo Ofício. Assim, este artigo procura compreender os debates acerca do confisco dos bens dos hereges e sua repercussão política e literária.

Palavras-chave:
Portugal; Época Moderna; Inquisição; Monarquia; Confisco de bens

Abstract:

The law of 1649, promulgated by Dom Joao IV, exempted the new christians that invested their capitals in the General Company of Commerce of Brazil from the inquisitorial confiscation. However, its publication resulted in a great battle for the custody of the goods of the heretics, that was fundamental for the operation of the machine of the Holy Office. Thus, this article seeks to understand the debates about the confiscation of heretic assets and their political and literary repercussions.

Keywords:
Portugal; Early Modern; Inquisition; Monarchy; Confiscation of property

Aqui [em Roma] se diz publicamente que em Portugal é melhor ser inquisidor que rei; e eu não sei que modo de reinar é ter ministros que encontrem publicamente as minhas resoluções e tão poderosos que ou per si ou por outros, ou outros com as costas neles, façam rosto a quem só deverá ser poderoso. Porque não faz o príncipe um tal inquisidor que seja seu, e que sejam seus os que ele fizer, e com isso não seja necessário nem recorrer nem infamar em Roma. Padre Antônio Vieira, carta a Duarte Ribeiro de Macedo (1673)

Foi dom João IV, o aclamado rei responsável pela independência de Portugal face a Castela, excomungado pela Inquisição? Quase cem anos após a morte do monarca, o embaixador dom Luís da Cunha apostou ser verdade. Comentou em seu Testamento político (1747) que:

a Inquisição teve a temeridade de impetrar na corte de Roma um breve de excomunhão contra o dito senhor [dom João IV], se prosseguisse em querer abolir as confiscações. Eu não o afirmo, porque o não vi, mas tal é a voz pública, e que ele se lera na Inquisição de Évora, quando se soube que o dito senhor morrera. Mas o que sei de certo é que, queixando-se os inquisidores de que S. Majestade fizesse restituir os bens confiscados aos herdeiros condenados, ele lhes perguntara: ‘Para quem confiscais?’ e respondendo-lhe que para a coroa de V. Majestade, ele lhes replicara com muita graça: ‘Pois eu desconfisco’. De que concluo que sendo o modo das ditas confiscações o que tem feito e faz sair de Portugal tantas famílias com os seus efeitos, que vão meter nos fundos públicos de Inglaterra e Holanda, etc., segue-se que, seguros de conservarem os seus bens a seus filhos, não deixariam a sua pátria, antes nela continuariam no seu comércio e empregariam o seu dinheiro (CUNHA, 1820CUNHA, Dom Luís da. Testamento Politico ou Carta Escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao Senhor Rei D. José I antes do seu Governo. Lisboa: Na Impressão Régia, 1820., p. 37).

A voz pública evocada por um dos maiores intelectuais do reinado de dom João V não foi exagerada. Os argumentos e objetivos destacados por dom Luís da Cunha não foram, de todo, originais. Estavam presentes em uma série de papéis que correram todo o século XVII, sobretudo quando eram negociados perdões-gerais ou éditos da graça aos cristãos-novos. Entretanto, o alvará de 1649, promulgado por dom João IV, que isentava aqueles que investissem seus cabedais na Companhia Geral do Comércio do Brasil do confisco da Inquisição, foi o que motivou tal excomunhão - ou o seu rumor. A proposta deste artigo é compreender os debates acerca do confisco dos bens dos hereges e sua repercussão política e literária.

O “estado miserável” deste reino e os cabedais dos judeus

Em toda década de 40 do século XVII, o estado da economia portuguesa era deveras preocupante, com muitos recursos consumidos pela guerra contra os Habsburgos - que durou até 1668 - além da perda (ainda que temporária) de Angola e Pernambuco para os holandeses. Diversos manuscritos corriam o reino afirmando que a principal saída para a carestia e para o financiamento das batalhas era a admissão dos judeus e de seus cabedais. Dois desses escritos foram atribuídos ao padre Antônio Vieira. O primeiro papel em que situa suas propostas, posto que anônimo, data de 1643 e intitula-se: Proposta feita a el-rei dom João IV em que se lhe representa o miserável estado do reino e a necessidade que tinha de admitir os judeus mercadores que andavam por diversas partes da Europa (VIEIRA, 1995VIEIRA, Antônio. ‘Proposta que se fez ao sereníssimo rei dom João IV a favor da gente da nação (1646)’ In: Escritos históricos e políticos. Organização de Alcir Pécora. São Paulo: Martins Fontes, 1995., p. 294-301)1 1 Digno de nota, na edição da Proposta publicada em 1857, lê-se: “antes que o padre Vieira fizesse essa proposta, consultou a matéria dela com Sebastião César de Menezes, deputado do conselho geral, o qual vendo a força das razões com que o padre Vieira a praticava, lhe pediu que fizesse a proposta, que ele fez em diferente letra e sem nome, e a entregou a Sebastião César, que a apresentou a el-rei. Consta esta notícia da primeira parte das informações do padre Vieira” (VIEIRA, 1856, p. 29). Grifo nosso. Mesmo sabendo que os desentendimentos entre esses dois homens datam de anos mais tarde, é de se estranhar tal informação. Sobre essa proposta e em resposta a História de Portugal restaurado, Vieira escreveu em 1689 ao conde de Ericeira: “o primeiro negócio que propus a sua majestade, pouco depois da sua feliz Aclamação e Restauração, foi que em Portugal, à imitação de Holanda, se levantassem duas companhias mercantis, uma oriental, e outra ocidental, para que, sem empenho algum da real fazenda, por meio da primeira se conservasse o comércio da Índia, e por meio da segunda o do Brasil, trazendo ambas em suas armadas, defendido dos holandeses, o que eles nos tomavam, e bastaria a sustentar a guerra contra Castela. A isto se ajuntava que, como as nossas companhias fiem mais perto de uma e outra conquista, seriam menores os gastos seus e maiores os lucros, os quais naturalmente chamariam e trariam a Portugal o dinheiro mercantil de todas as nações, e muito particularmente dos portugueses, que na Holanda estavam muito interessados nas companhias, e com Castela tinham todos os assentos. E, porque na dita proposta se dizia que o dinheiro aplicado às companhias de Portugal estivesse isento do fisco (porquanto de outra maneira nem os mercadores estrangeiros nem os do mesmo reino, que o trazem divertido por outras partes, o quereriam meter nas nossas companhias sem a dita condição ou segurança), esta condição foi causa de que o Santo Ofício proibisse o papel da proposta, posto que sem nome, e que ela por então não fosse aceita. Porém, depois que os apertos da guerra mostraram que não havia outro meio igualmente efetivo, não só foi abraçada com a mesma condição, senão com outras muito mais largas, consultadas e aprovadas pelos letrados mais doutos do Reino” (VIEIRA, 2009, tomo III, p. 387). . Nele, o jesuíta aponta “o perigoso estado que está ou pode estar muito cedo este reino”, devido ao perigo iminente de guerra com a Espanha, “posto que o poder militar conste e se compunha de armas, munições, cavalos, etc., tudo isto se reduz a dinheiro”, e ao estado de frangalhos que se encontra Portugal e suas conquistas. Segue afirmando que, se os demais países veem Portugal com desconfiança e descrédito, o mesmo sentimento é tomado pelos homens de negócio que receiam “meter suas fazendas nos portos de Portugal e os mercadores portugueses passam seus cabedais a outras partes”. Em resumo, a solução apontada por Vieira seria:

Portugal não se pode conservar sem muito dinheiro, e para o haver não há meio mais eficaz que o do comércio, e para o comércio não há outros homens de cabedal e indústria aos de nação. [...] Se o dinheiro dos homens de nação está sustentando as armas dos hereges, para que semeiem e estendam as seitas de Lutero e Calvino pelo Mundo, não é maior serviço de Deus e da Igreja que sirva este mesmo dinheiro às armas do rei mais católico, para propagar e dilatar pelo Mundo a Lei e a Fé de Cristo? (VIEIRA, 1995VIEIRA, Antônio. ‘Proposta que se fez ao sereníssimo rei dom João IV a favor da gente da nação (1646)’ In: Escritos históricos e políticos. Organização de Alcir Pécora. São Paulo: Martins Fontes, 1995., p. 294)2 2 Segundo se lê em uma das cópias desta Proposta, com este papel “e outros semelhantes se moveu a prática da isenção da pena de confiscação; e se [este papel] é o que fez o padre Antônio Vieira, foi proibido pelo Santo Ofício”. BL-Londres, Additional manuscripts. Document 20951. fl. 14.

O pragmatismo de Vieira foi atiçado em sua primeira viagem com credenciais diplomáticas à França e Holanda, quando esteve em contato com as comunidades portuguesas destes países e - há quem diga - prometendo-lhes voltarem a Portugal sem a interferência do Santo Ofício3 3 BL-Londres, Additional manuscripts. Document 20951. fl. 1-4. Carta de Vieira com a gente da nação de Ruan e resposta, em 1646. . Verdade ou não, pouco tempo depois do regresso, Vieira lançou o segundo papel anônimo chamado Proposta que se fez ao sereníssimo rei dom João IV a favor da gente da nação (1646) - outro panfleto de ataque direto à Inquisição. A Proposta “anônima” de 1646 seguia o mesmo tom dos papéis coevos, escrita pela pena invulgar de Vieira, dividido em inconvenientes e convenientes.4 4 Como afirma João Lúcio de Azevedo, na altura, dom João IV entregou a Proposta para Pantaleão Rodrigues Pacheco, homem de confiança do rei e membro do Conselho Geral que, como era de se esperar, desaprovou o escrito (AZEVEDO, 2008, tomo I, p. 57-58). Mesmo anônima, é de se presumir que Pacheco tivesse alguma desconfiança de quem as escreveu. Porém, com toda certeza, as Razões apontadas por Vieira, no parecer solicitado pelo rei, contribuíram muito para consolidar as arestas entre estas duas personagens.

Há diversas passagens semelhantes nos textos das Propostas de 1643 e 1646, resumindo-se quase às mesmas solicitações no que toca aos cristãos-novos. Porém, há uma tópica nova: a mudança dos estilos da Inquisição portuguesa. Assim, foram, sem dúvida, as viagens com credenciais diplomáticas, além dos enfrentamentos entre inacianos e inquisidores, que o fizeram delinear melhor seus argumentos. Sobre estes últimos, Vieira afirmou:

Os ministros do Santo Ofício, senhor, são muito retos, os regimentos e estatutos daquele sagrado tribunal, muito justos e poderosos: mas como as coisas humanas (principalmente as que se guiam por presunções e conjecturas, e mais se lhes falta clareza) são naturalmente falíveis, pode acontecer, e de fato tem acontecido muitas vezes, que contra a piedosa tenção dos ministros, padece neste juízo a inocência (VIEIRA, 1995VIEIRA, Antônio. ‘Proposta feita a El-rei D. João IV em que se lhe representa o miserável estado do reino e a necessidade que tinha de admitir os judeus mercadores que andavam por diversas partes da Europa’ In: Escritos históricos e políticos. Organização de Alcir Pécora. São Paulo: Martins Fontes , 1995.. p. 310).

As Propostas anônimas de Vieira incomodaram também por esse motivo a Inquisição que proibiu sua circulação. Todavia, não fosse Vieira seu autor, o rei pediu ao jesuíta um parecer sobre esta Proposta “anônima” que lhe fora endereçada. O resultado foi o papel intitulado Razões apontadas a el-rei dom João IV a favor dos cristãos-novos (VIEIRA, 1856VIEIRA, Antônio. Obras inéditas do padre Antônio Vieira. vol. III. Lisboa: Seabra & Antunes , 1856.)5 5 BA-Lisboa, 49-IV-22. Razões... , no qual o inaciano ajuíza seu próprio texto e aponta os motivos pelos quais concorda consigo mesmo. Contudo, se Vieira foi o principal ideólogo da isenção do fisco inquisitorial aos cristãos-novos em Portugal (apoiado, como é óbvio, em outros escritos de cristãos-novos6 6 Manuel Fernandes Villa Real também escreveu texto, Discursos políticos, tratando dos confiscos e da ação inquisitorial, além do próprio texto da Paz de Vestefália (1648) que defendia a autonomia do poder secular em seu próprio reino. ), outros jesuítas também não tardaram a engrossar o coro. Em um papel que teve por objetivo fornecer munição teológica à ação de sua majestade, os inacianos procuraram provar que era lícito “conceder liberdade de comércio assegurando os mercadores que nenhum dinheiro ou fazenda” lhe seria “tomada para o fisco por crime algum [...] ainda que seja de heresia”7 7 BL-Londres, Additional manuscripts. Document 20951. fl. 15-18v. BNP-Lisboa, Reservados, Códice 868. Se pode sua majestade conceder liberdade de comércio. fl. 252-253v. (29 de agosto de 1647). . O papel fora assinado por ninguém menos que Francisco Pinheiro e João de Mattos, jesuítas perseguidos pelos inquisidores de Évora, além de Francisco Valente, Luís Rodrigues, Luís Brandão e Cornélio de São Patrício. Era a revanche do jogo perdido nos anos iniciais de 1641.8 8 Sobre o conflito entre os jesuítas da Universidade de Évora e os inquisidores, entre 1641 e 1643, ver Yllan de Mattos (2014, p. 81-100).

Ao menos até fevereiro de 1649, ocorria “nos bastidores uma batalha surda” que colocava em xeque o confisco inquisitorial, como qualificou o historiador português Antônio Borges Coelho (1987COELHO, Antônio Borges. Inquisição de Évora: dos primórdios a 1668. Lisboa: Caminho, 1987. 2 vols., vol. 2, p. 54). Neste tempo, como era de se esperar, o Conselho Geral consolidou suas suspeitas às posições dos jesuítas, sendo Vieira um dos principais. Escreveu para os tribunais em 9 de janeiro de 1649, recomendando “muito aos ministros e oficiais das inquisições o bom procedimento e limpeza de costumes pelos êmulos e desafeiçoados que o Santo Oficio tinha adiante de sua majestade”9 9 DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 241. Anotações de algumas cousas mais particulares que estão nos cadernos que há das cartas e ordens do Conselho Geral nesta inquisição de Coimbra. fl. 83. Grifo nosso. .

A ideia de isentar os capitais dos comerciantes do fisco inquisitorial não era nova, nem como proposta nem como prática: havia sido adotada em Castela, em 1641, pelo poderoso (e já neste momento chamuscado) conde-duque de Olivares. Antes disso, em 1615, fora defendida por jesuítas espanhóis, como Diogo Sanches Vargas e o provincial João Montemayor, que entregaram a Felipe III um papel em favor dos conversos. Todavia, em Portugal, as propostas de Vieira pesaram de sobremaneira na decisão do monarca. No início de 1647, fora redigido o primeiro esboço da legislação sobre o tema e a pena de Vieira esquadrinhou suas primeiras linhas. Em maio, Francisco de Castro tomou ciência da primeira versão que justificava tal medida na necessidade de aumento do comércio, preparando, em nome do Conselho Geral, um parecer (25 de junho) afirmando “que não cabia debaixo do poder real a faculdade de isentar os hereges da pena de confiscação estabelecida contra eles pelos sagrados cânones, a cuja disposição não podia contravir os príncipes temporais direta ou indiretamente por suas leis ou estatutos”10 10 BNP-Lisboa, Reservados, Códice 868. fl. 268. Édito do Conselho Supremo da Santa Inquisição de Portugal (18 de janeiro de 1657). Este documento faz um histórico do que ocorreu em relação ao alvará de isenção do confisco. . Os inquisidores deduziram, com razão, que dom João comunicaria “em segredo a algumas pessoas, as quais lhe aconselhavam que podia com boa conveniência conceder aos hereges aquela isenção”11 11 Idem. . Eram os jesuítas, seus maiores adversários, mas também outros religiosos que engrossavam a facção de Vieira pouco a pouco, como frei Dionísio dos Anjos, confessor do rei12 12 BNP-Lisboa, Reservados, Códice 868. fl. 233-234. Carta de frei Dionísio dos Anjos ao rei (13 de dezembro 1647). .

No intervalo de quase dois anos, foram presos Duarte da Silva (1647) e Manoel Fernandes Villa Real (1649), certamente, na tentativa de minar as possíveis peças-chave do negócio: o primeiro como um dos principais financistas do reino13 13 Francisco de Souza Coutinho ironizou anos mais tarde da questão: Duarte da Silva “nunca foi judeu, senão quando passou um crédito de 300 cruzados para em Holanda se fazerem algumas fragatas para a nossa armada”. Corpo diplomático... Op. cit. Tomo XIII. p. 451. Carta de Francisco de Souza Coutinho a regente (13 de agosto de 1657). e o último como um dos ideólogos da isenção dos confiscos e indivíduo importante nos acordos com os cristãos-novos. De fato, a prisão do banqueiro comprometeu as negociações e as alianças que se faziam com os judeus na Holanda, não havendo quem quisesse “passar um vintém a Portugal” (VIEIRA, 2009VIEIRA, Antônio. Cartas. Organização e notas de João Lúcio de Azevedo. São Paulo: Globo, 2009. 3 Tomos.)14 14 Carta de Antônio Vieira ao marquês de Nisa (16 de março de 1648). Souza Coutinho também tivera a mesma percepção: “chegou logo a nova da prisão de Duarte da Silva que foi não só impossibilitar este negócio, mas dificultar todos os do Reino, para donde já não há achar na praça uma letra de três vinténs” (COUTINHO, 1926, Tomo II) - Carta de Francisco de Souza Coutinho ao rei (5 de fevereiro de 1648). . “Suspeitaram, com boas razões,” afirma Vainfas, que o rei português era fraco e incapaz de impor-se à Inquisição. Se não conseguia fazer valer a sua autoridade em casos isolados, chegando a comprometer sua política internacional, como seria capaz de enfraquecer o Santo Ofício como instituição?” (VAINFAS, 2011VAINFAS, Ronaldo. Antônio Vieira: jesuíta do rei. Coleção perfis brasileiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 149). Provavelmente, em efeito contrário ao pretendido pelos inquisidores, estas prisões e a péssima imagem de sua fraqueza tenham sido os incentivos necessários às medidas a favor dos cristãos-novos.

Embora a historiadora portuguesa Leonor Freire Costa (2002COSTA, Leonor Freire Costa. Impérios e grupos mercantis: entre o Oriente e o Atlântico (Século XVII). Lisboa: Horizonte, 2002., p. 101) tenha demostrado com certa razão outras personagens e facções envolvidas no processo de fundação da Companhia Geral do Comércio do Brasil, sobretudo através de indivíduos que a ascensão social havia sido vedada pela facção apoiante dos Habsburgos (como o próprio Pedro Baeça), é certo que os jesuítas, com Vieira a frente, contribuíram e influenciaram de sobremaneira a decisão do rei (SCHWARTZ, 2008SCHWARTZ, Stuart. ‘Prata, açúcar e escravos: de como o império restaurou Portugal’ In: Tempo. Vol. 12. n° 24. Niterói: Departamento de História da UFF/EdUFF, Janeiro-Junho de 2008., p. 221; VAINFAS, 2011VAINFAS, Ronaldo. Antônio Vieira: jesuíta do rei. Coleção perfis brasileiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 170-171). A Companhia foi criada em fevereiro de 1649 e, com ela, foi passado um alvará (6 de fevereiro) isentando seus capitais do confisco do Santo Ofício15 15 ‘Alvará de 6 de fevereiro de 1649 que isenta de confiscação os cristãos novos penitenciados pelo Santo Ofício, para organizarem uma Companhia de Comércio’ (SILVA, 1856, p. 27-29). .

“Pois eu desconfisco”: alvarás e breves em conflito

O dinheiro proveniente do confisco dos bens era essencial para a manutenção do Tribunal, mas não era único. Os historiadores têm demostrado que pensões, conezias, propinas e rendimentos sobre mercadorias compunham as rendas da Inquisição16 16 Entre diversos estudos, ver: Bruno Lopes (2016, p. 737-749). . Entretanto, grande parte da manutenção e das côngruas pagas aos agentes dos tribunais entravam nas arcas inquisitoriais vindas do sequestro e, doravante, da venda dos bens dos hereges - que eram repartidos desigualmente com a fazenda régia. Conforme afirmaram Ana Isabel López-Salazar Codes e Giuseppe Marcocci (2010LÓPEZ-SALAZAR CODES, Ana Isabel; MARCOCCI, Giuseppe. ‘Struttura economica: Inquisizione portoghese’ In: PROSPERI, Adriano (dir.). Dizionario storico dell´Inquisizione. Pisa: Edizioni della Normale, 2010., Vol. III, p. 1538), a partir de 1580, a Inquisição passou por grandes problemas financeiros e, amiúde, utilizou dos bens confiscados para conseguir gerir os tribunais do reino. A pesquisa de Germano Maifreda (2014MAIFREDA, Germano. I denari dell’inquisitore: affari e giustizia di fede nell’Italia moderna. Turim: Einaudi, 2014., p. 85-137) também demonstrou que os tribunais ibéricos e de toda Itália compartilhavam esta dependência do fisco para sua própria sobrevivência. Assim, sobretudo no caso português, o “apoio” da Coroa foi, muitas vezes, decisivo, sobretudo quando se negociava perdões-gerais que representavam duro golpe nas finanças pouco equilibradas da Inquisição.

Ao lado do relaxamento ao braço secular, das repressões, penitências e abjurações, as penas pecuniárias eram uma das sanções ordenadas no Direito Canônico e por variadas Constituições de papas medievais - como Inocêncio III (e, ainda, o Concílio de Latrão, em 1215), Inocêncio IV, Alexandre IV, Clemente IV, Bonifácio VIII e Clemente V17 17 Conforme explica o comentador do Manual dos inquisidores, Francisco Peña. BNE-Madri, Fondo antiguo, 3/67285; R/37808 (EYMERICI, 1578-79). - mais temerárias dos réus. Na Inquisição portuguesa, existiam três tipos de penas pecuniárias: a) “pagamento das custas” do processo, por certo, não era uma pena propriamente dita, afinal, todos, inclusive aqueles que foram absolvidos pelo Tribunal, deveriam dar conta dos custos de seu processo; b) “despesas do Santo Ofício” eram cobranças esporádicas nas quais os inquisidores aplicavam, ao seu arbítrio, multas sobre os réus - como solução encontrada para a falta de recursos após o alvará de 1649; e c) “confisco de bens” era, definitivamente, a pena pecuniária mais temida, na qual a propriedade dos bens do indivíduo condenado era alienada ao juízo do fisco por ordem da Inquisição.

O confisco de bens, entretanto, só acontecia caso o réu fosse condenado. Antes, os bens eram sequestrados e inventariados por familiares do Santo Ofício. A prisão com sequestro de bens não dependia da origem do suspeito e sim do tipo de crime/delito. Qualquer suspeito de heresia formal era, quando preso, agravado com o sequestro de bens, valendo o mesmo para os sodomitas, por exemplo. Por fim, em todo crime/delito cuja condenação podia implicar em confisco, o réu seria preso com ordem de sequestro de bens, fosse ele cristão-velho ou cristão-novo. Caso absolvido, seria feita a devolução dos bens - descontando-lhe as custas do processo (sustento, diligências, etc.). Entretanto, lembremos o suposto dito do inquisidor geral Fernão Martins de Mascarenhas, em um dos pareceres dos cristãos-novos: “todo o cristão-novo de Portugal era judeu”18 18 DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 235. fl. 34-35v. . E o próprio Mascarenhas completava a assertiva: nenhum cristão-novo “merece tanta misericórdia [...], pois o seu próprio lugar é a fogueira”19 19 DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 160. fl. 37. .

A 6 de fevereiro de 1649, o rei dom João IV promulgava que:

Hei por bem, e me apraz, que os bens e fazendas, de qualquer qualidade que sejam, da gente dita da nação, de todos os meus reinos e senhorios, assim naturais, como estrangeiros, que forem presas, ou condenadas pelo Santo Ofício pelos ditos crimes de heresia, apostasia, ou judaísmo, não sejam sequestrados e inventariados ao tempo das prisões, nem sejam incorporadas em meu real fisco ao tempo das sentenças condenatórias; não se deixando, porém, de se pôr, e declarar nelas, a pena de confiscação, em que por direito incorreram os delinquentes20 20 ‘Alvará de 6 de fevereiro de 1649’ (SILVA, 1856, p. 28). .

O alvará era um baita tiro de canhão na “fortaleza do Rossio”. Facilmente, pode-se observar nele a influência das ideias de Vieira - contidas na Proposta de 1646. Logo no início do documento, o rei considera que a “defesa destes reinos e senhorios” e a “conservação da fé católica dos moradores deles” estão por demais sob risco dos “hereges do norte”, ou seja, holandeses que haviam tomado importantes possessões portuguesas. Dom João IV dava garantias aos “homens de negócios e gente de nação” que seus “bens e fazendas” não ficariam “sujeitos a sequestro, confiscação e perdimento”, sejam eles naturais ou não do reino e das conquistas. Toda a Proposta de Vieira está presente no alvará, inclusive os argumentos que legitimavam esta ação: tradição, autoridade e direito. A tradição era percebida através dos feitos de outros monarcas predecessores, lembrando das isenções de confisco promulgadas por eles. A autoridade era garantida tanto pelas Razões de Vieira, quanto pelas respostas das consultas feitas aos teólogos da Universidade de Évora e da Sorbonne. “O que podia fazer de direito, não somente pela via da graça, e doação, pelos ditos bens, desde o dia do crime cometido, pertencem ao meu real fisco” e, por isso, tem jurisdição sobre o montante confiscado. Entretanto, o rei não nutria a intenção de “remitir a pena de confiscação, posta no Direito Canônico aos ditos crimes, nem impedir, em algum modo, o exercício do Santo Ofício”, mas que “não por graça, mas por contrato oneroso, o cômodo e utilidade dos ditos bens, que pertencia ao meu real fisco, depois dos crimes cometidos e sentenças dadas, que é o que fica debaixo de meu real poder”21 21 Idem. 27-28. .

O inquisidor-geral fora notificado com ordens para que “cumpra e guarde e faça cumprir e guardar a todos [...] os inquisidores, deputados e oficiais das inquisições destes reinos”22 22 Idem. p. 28. . Os inquisidores não devem ter acreditado no que viram, pois ainda protelavam a discussão alegando a ingerência da Coroa nos assuntos eclesiásticos - argumento, inclusive, defendido até o fim da batalha sob o jargão jurídico de “defeito de poder”. Francisco de Castro expôs ao rei suas queixas, avisando-lhe que se dirigiria ao papa. A 28 de fevereiro, o Conselho Geral produziu um parecer condenado o alvará e a autoridade do monarca para legislar sobre esta seara. O Conselho também solicitava a opinião dos demais tribunais do reino que foram unânimes em afirmar o “defeito de poder” do rei sobre as leis eclesiásticas, saltando aos olhos a truculência da Inquisição de Évora23 23 BL-Londres, Additional manuscripts. Document 20951. fl. 32-68. . Nenhum efeito favorável acontecia, além da retórica presente nos agradecimentos do rei pelo zelo e preocupação dos inquisidores.

Apenas em outubro o inquisidor remeteu o alvará ao papa Inocêncio X pedindo instruções24 24 ACDF-Roma, Stanza Storica, BB 5-C. Carta de Francisco de Castro ao papa (17 de outubro de 1649). Original em latim. . Não houve resposta. No mesmo mês, Castro escreveu para a Congregação Romana do Santo Ofício, afirmando que o “constrangimento das necessidades do reino e do aperto a que os hereges do norte têm reduzido as conquistas dele”, o fizeram publicar o alvará de “remissão da pena de confiscação de bens aos cristãos-novos que forem compreendidos no crime de heresia”25 25 ACDF-Roma, Stanza Storica, BB 5-C. Carta de Francisco de Castro para os cardeais da Congregação do Santo Ofício romano (17 de outubro de 1649). fl. 10-10v (os fólios não têm sequência ordenada). . O inquisidor-geral, provavelmente, sabia que a notícia dos apertos não encontraria qualquer apoio em Roma, onde, pelo contrário, devido ao apoio à Castela, seria publicada uma resolução contrária aos interesses de Portugal. Por isso, escrevia amiúde apensando documentos, entre eles todos os alvarás sobre o assunto.

A situação não se alterava e o inquisidor-geral resolveu pedir auxílio aos cardeais da Congregação para “fazer presente a sua santidade a importância deste negócio”. Solicitava apressados remédios, já que “o Santo Ofício tem suspendido com este alvará de sua majestade as prisões dos hereges culpados, e a publicação das sentenças dos já condenados, por se não expor a perigo, ou de cooperar naquela isenção contra a forma dos sagrados cânones ou de empenhar a jurisdição apostólica sem ordem especial de sua santidade vai correndo cada dia a licença dos judaizantes, persuadindo-se ao que se entende, que a suspensão do Santo Ofício não é voluntária nascida de suas considerações, senão forçada do rei e de seus tribunais”26 26 ACDF-Roma, Stanza Storica, BB 5-C. Carta de Francisco de Castro para os cardeais da Congregação do Santo Ofício romano (25 de março de 1650). Grifo nosso. . Castro exagerou um pouco no relato, pois queria causar maior impacto a fim de fazer valer logo o desejo do Santo Ofício. Explicava que não era sua “intenção caluniar as ações de el-rei”, mas que o monarca tomara tais atitudes aconselhado por diversas pessoas e pela necessidade de recurso para fazer frente às guerras que enfrentava Portugal, “cercado por mar e terra de inimigos”. Remetia-se, junto com as cartas, “dois papéis que aqui apareceram há poucos dias sem nome de autor e pela diligência que o Santo Ofício fez constou serem supostos, impressos fora de Portugal”. Um dos papéis era um parecer de doutores da Sorbonne que conferia legitimidade a anulação dos confiscos perpetrada por dom João IV27 27 Idem. .

O rogo, dessa vez, parece ter dado certo. Em Roma, a casa de Bragança não tinha vez, pois o papa não havia reconhecido a soberania da nova dinastia. As cartas do inquisidor-geral, a ajuda de alguns cardeais mais sensíveis a questão e a possível pressão dos castelhanos - ávidos por dinamitar qualquer possibilidade de recursos dos restauradores - resultaram na resposta do papa, através do breve Pro munere solicitudinis, de maio de 1650, dando partido aos inquisidores28 28 ACDF-Roma, Stanza Storica, BB 5-C. Breve Pro munere solicitudinis, de 27 de maio de 1650. Original em latim. Sem paginação. . Logo depois, em outubro, o breve Praestantem fraternitatis29 29 ACDF-Roma, Stanza Storica, BB 5-C. Breve Praestantem fraternitatis, de 15 de outubro de 1650. Original em latim. Sem paginação. confirmava e laureava os inquisidores pelas diligências e pelo encastelamento contra as resoluções reais. A “fortaleza do Rossio” contra-atacava, agora armada com o apoio papal. Munido com o primeiro breve, Francisco de Castro expôs ao rei suas questões.

Dom João IV deve ter ficado irado ao ver o breve. Provavelmente, a primeira ideia que lhe viera à cabeça fora lembrar aos inquisidores de que anos atrás haviam lhe pedido sua ajuda para “não executar o breve que os padres da Companhia houveram sobre as duvidas de Évora” e depois davam-lhe “por muito mal servido”, fazendo “voluntariamente meter-me nos embaraços em que me quereis pôr, envolvendo matérias que por ventura são de interesses, com as de nossa santa fé”30 30 BPE-Évora, Códice CXII-1-21, fl. 64v. . Tanto é que escreveu aos inquisidores recordando a questão. O breve papal contradizia e anulava, sem qualquer pudor, o alvará régio, deslocando o conflito para uma esfera na qual os apoiadores do rei pouco podiam converter o jogo ao seu favor, mormente porque o rei também não quisesse se indispor com o papa. Ficou decidido, então, que o inquisidor-geral não desse aplicação ao breve, enquanto os representantes da Coroa não explicassem em minúcia a questão ao santo padre31 31 Idem. . Não parece leviano pensar que os inquisidores jogavam sempre de acordo com seus próprios interesses e se subordinavam a alçada de quem melhor lhes provessem.

De todo modo, a pequena vitória de Francisco de Castro se concretizava e, provavelmente, com o mesmo regozijo respondeu ao monarca. Iniciou a carta afirmando que o alvará feria as disposições dos sagrados cânones e, na qualidade de delegado apostólico, se sentia na obrigação de dar notícia ao papa. Depois de saber do justo motivo deste alvará, poderia, sua santidade, “por bem aprovar e confirmar a concessão que vossa majestade tinha feito, havendo no seu poder e no nosso esta diferença”. O inquisidor-geral sabia muito bem que não seria aprovada tal resolução, dissimulando que “não podemos deixar de sentir muito que vossa majestade não o estranhe”, mas “sabendo da determinação papal [...] se conforme a ela”. Por fim, sobre a contenda com os jesuítas disse:

Nas duvidas da jurisdição do Santo Ofício com os padres da Companhia, não houve breve de sua santidade, antes para que não chegasse ao haver, tendo vossa majestade notícia que em Roma se procurava, foi vossa majestade servido escrever ao provincial que se não procurasse, e vossa majestade devia tomar esta resolução, sendo presente a vossa majestade a justificação com que o Santo Ofício tinha procedido; porque pela sua parte não sou lembrado que se fizesse a vossa majestade nenhuma instancia por este despacho32 32 BPE-Évora, Códice CXII-1-21, fl. 66. Resposta do bispo inquisidor geral ao rei. .

Os cristãos-novos divulgaram um parecer em nome de Vieira: Papel que fez o Padre António Vieira em que mostra não se dever admitir o breve que por via da Inquisição de Lisboa se impetrou de sua santidade, para se anular o alvará que o senhor rei dom João IV tinha feito à gente de nação em que lhe remetia os bens, que depois de sentenciados e executadas as causas, pertenciam ao seu real fisco, pelo contrato ajustado33 33 BNP-Lisboa, Reservados, Códice 11359. DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 237. fl. 93-97. Entre os fólios 99 e 109 está o parecer dos deputados do Conselho Geral sobre este papel. . Este parecer recomendava a reescrita do alvará, a fim de tornar claro que o “contrato oneroso” pelo qual fora constituído uma das cláusulas da Companhia não era contrário aos sagrados cânones. Apontava que era lícito ao rei dispor como quisesse destes bens, pois eram confiscados em seu nome, não configurando, por isso, “defeito de poder” (ou seja, incompetência de jurisdição). Por fim, a resolução do alvará de forma nenhuma impediria a ação do Santo Ofício e a conservação da fé, muito menos propagaria a heresia, devendo-se escrever ao papa para melhor explicá-lo sobre estes pormenores34 34 Idem. . Este parecer rendeu a promulgação, em 1652, de que as propriedades confiscadas por sentença inquisitorial seriam entregues aos depositários nomeados pelo rei, mas não iriam para o fisco. Logo depois, resolveu-se que os depositários seriam algum filho, mulher ou parente que fosse capaz de administrá-lo.

O Conselho Geral solicitava ao rei as provisões necessárias para o sustento dos presos e do Tribunal35 35 DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 237. fl. 119. Carta do Conselho Geral ao rei (11 de janeiro de 1652). , enviando orçamentos com os valores. Se, por um lado, cobrava-se de dom João IV o sustento da Inquisição, afinal, fora dele a ideia de suspender o fisco, por outro, mantinha-se a tradição da Inquisição portuguesa em procurar sustento (quando os valores do fisco lhe eram impossíveis) no tesouro régio.

Tabela 1.
Orçamento do que será necessário cada ano pouco mais ou menos para as despesas do Santo Oficio da Inquisição de Lisboa36 36 DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 237. fl. 197.

O tribunal de Coimbra enfrentava problemas para executar o novo alvará, permissivo quanto a retirada do necessário para alimentar os presos. Como os bens dos presos eram móveis (“dinheiro, peças de ouro ou prata”), os depositários, que eram suas “mulheres e filhos capazes de o administrar”, fugiam para Castela levando “tudo o que pudesse consigo”. Então, afirmavam os deputados do Conselho Geral, todo o dinheiro não ia para o fisco - que perdia sua razão de ser - e “passava aos inimigos desta Coroa, o que os fugidos vão servir com pessoas e bens que levam consigo, enfraquecendo por este modo o poder do reino e diminuindo-se o comércio - sendo que o desejo de o aumentar se tomou por motivo daquela resolução”38 38 DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 237. Carta do Conselho Geral ao rei (19 de dezembro de 1651). fl. 209-209v. . Tentavam de todo modo convencer o monarca a voltar atrás em sua decisão sobre os sequestros e confisco. Ao ponto de fazerem uso das mesmas preocupações das Propostas de Vieira: a guerra contra Filipe IV e a necessidade de cabedais.

Entretanto, foi vã a tentativa dos inquisidores para demover o rei de suas decisões. Dom João IV apenas resolveu, a 19 de janeiro do ano seguinte, que aqueles que fugissem para Castela perderiam suas fazendas39 39 Idem. . A Inquisição não desistia e mandava recorrentes cartas esmiuçando os maiores inconvenientes da suspensão dos confiscos: que só tinham dinheiro para comprar o mínimo, que os oficiais régios demoravam a acudir as necessidades, que processariam os juízes do fisco e, por fim, alegavam que fechariam as portas daquela forma40 40 Estes argumentos encontram-se diluídos em correspondência do Conselho Geral, em: DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 237. .

O fim de uma batalha: a partida de Vieira e as mortes do inquisidor-geral e do rei

No aniversário de 12 anos da Restauração (1º de dezembro de 1652), o Santo Ofício preparava-se para mais um ataque. Preparou um auto da fé onde sairiam Villa Real e Duarte da Silva, sendo que apenas o primeiro seria relaxado ao braço secular. O rei assistiu ao espetáculo do alto da câmara da rainha e nada fez para salvaguardar a vida de seu partidário. Manuel Fernandes Villa Real fora garroteado, enquanto o banqueiro Duarte da Silva, com os bens protegidos pelo alvará régio, fora condenado ao degredo de 5 anos para o Brasil - o qual nunca chegou a cumprir. Outras pessoas próximas ao rei também foram processadas pelo Santo Ofício, como Francisco Velasco de Gouveia (juiz da Casa de Suplicação e ideólogo da nova dinastia), Gaspar da Silva Vasconcelos (músico da capela real e amigo de dom João), Rodrigo da Câmara (conde de Vila Franca) e Domingos da Madre de Deus (profeta que debatia seus prognósticos com o rei) (MARCOCCI; PAIVA, 2013MARCOCCI, Giuseppe & PAIVA, José Pedro. História da Inquisição portuguesa (1536-1821). Lisboa: Esfera dos livros, 2013., p. 187-188). A Inquisição não era uma adversária qualquer. Entretanto, é importante esclarecer que, diferente do que ocorrera no episódio da Restauração, no qual a Inquisição não agiu como bloco monolítico nem foi institucionalmente contrária à realeza do duque de Bragança, nesse momento, estava em jogo a própria sobrevivência do Tribunal e o combate, como diziam, à perfídia judaica41 41 Sobre as posições políticas da Inquisição na Restauração, ver: Ana Isabel López-Salazar Codes (2011) e Yllan de Mattos (2014). . Após a promulgação do alvará de 1649, houve maior coesão do Santo Ofício, como podemos observar no assento do Conselho Geral, de 29 de dezembro de 1650. Os deputados votaram, unanimemente, pela execução do breve papal que anulava o alvará do rei, levando a decisão às últimas consequências - se preciso fosse42 42 DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 346. Assento do Conselho Geral (29 de dezembro de 1650). fl. 27v-28. .

O Santo Ofício experimentou grande desgosto com a morte de dom Francisco de Castro, que veio a falecer no primeiro dia de janeiro de 1653. Grande baixa, pois até o fim da guerra contra Castela os monarcas portugueses não conseguiram nomear nenhum bispo ou inquisidor-geral (nomeados apenas em 1669 e 1671, respectivamente). O Conselho Geral e os demais agentes dos tribunais distritais, todavia, não deixaram de pressionar o rei - que se mantivera firme. Foram sugeridas mil e uma formas de não entregar os bens sequestrados aos depositários, adotando-se pelo Conselho, em julho de 1655, a resolução do truculento tribunal de Évora, no qual todos os réus que abjurassem de levi ou vehementi estariam sujeitos a penas pecuniárias que variavam até um terço dos bens.

Todavia, no meio desta lide contra o Santo Ofício, Vieira também teve de deixar a cena política do reino. Embora bem vivo, o fato era que o jesuíta estava bastante chamuscado com suas desastrosas maquinações políticas, como a entrega de Pernambuco a Holanda, a divisão da província jesuítica portuguesa, ao desafio à Inquisição e o conselho de não admitir o breve papal. Tudo isto minou o apoio palaciano e inaciano a Vieira, chegando a iminência de ser expulso da ordem. Como afirmou o historiador Ronaldo Vainfas (2011VAINFAS, Ronaldo. Antônio Vieira: jesuíta do rei. Coleção perfis brasileiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 182-183), “dom João IV interveio no caso, antes de tudo para buscar uma saída honrosa para seu conselheiro”, negociando com Vieira “sua retirada da cena política” - que, de fato, só ocorrera em 1652, após mais uma infeliz missão, desta vez a Roma.

Com o afastamento de Viera e a morte de dom João IV, em novembro de 1656, os inquisidores se aproveitaram para crescer politicamente. Era voz pública que o rei havia sido excomungando post mortem. Certamente, tal notícia - um boato, na verdade - originou-se do edital que promulgaram os inquisidores em 18 de janeiro de 1657 no qual se lê:

que todos aqueles que aconselharam, persuadiram, ajudaram ou moveram [...] na disposição do alvará, cujos nomes e cognomes aqui havemos por expressos e declarados incorram nas censuras e mais penas impostas em direito, breves apostólicos e bula da ceia do senhor contra os impedientes do ministério do Santo Ofício e fautores de hereges e com caridade paternar [sic] os exortamos [...] a procurar saudável remédio da absolvição e se apartem de tão errada opinião [...] e declarem seu engano, pois o breve de sua santidade tão claramente o condena e desengana.

Porém, para aqueles que persistem no erro, continua,

mandaremos agora contra eles os mais procedimentos de direito [...] com pena de excomunhão ipso facto incorrenda, cuja absolvição a nós reservamos, a todas as pessoas assim eclesiásticas como seculares de qualquer qualidade e preeminência que sejam, que souberem quem aconselhou; ou quem por outro algum modo concorreu a resolução do alvará.43 43 BNP-Lisboa, Reservados, Códice 868. Édito do Conselho Supremo da Santa Inquisição de Portugal (18.1.1657). fl. 269v.

Fora este texto - que mais parece um ardil para capturar Antônio Vieira - o azo para se pensar que os inquisidores haviam excomungado dom João após sua morte. Francisco de Souza Coutinho, enviado a Roma como embaixador, havia ficado sabendo deste edital. Escreveu à regente, dona Luíza de Gusmão, em junho de 1657, afirmando que tudo o que os inquisidores haviam feito contra o rei não era “nada a respeito do que agora fizeram, condenando-lhe a sua memória com termos tão indecentes, como tacitamente o declararem que morreu excomungado, que assim entendem todos que foi a sua [in]tenção deles, pois dão por excomungados todos os que aconselharam e aprovaram aquela obra”44 44 Corpo diplomático português. Tomo XIII. p. 452. . Interessante notar que, nesses termos, Vieira também havia de ser excomungado - entretanto, ninguém o foi.

A longevidade da calúnia

O debate tomou a “esfera pública” e alimentou o imaginário dos coevos. O cônego e estudante da Faculdade de Cânones, em Coimbra, Martim Monteiro e Paim, foi, em 1657, denunciado por “criticar a Inquisição”. Martim Monteiro havia dito, em companhia de um comissário do Santo Ofício, “que fora um desaforo desavergonhado [...] [a suspensão do] edital das confiscações, havendo quatro dias que a rainha ficava viúva”, ao que ouviu resposta afirmando que “os senhores inquisidores faziam bem feito”, pois davam “execução às ordens de sua santidade” e que as mais palavras o “podiam levar à mesa”. Outro estudante se intrometeu na conversa e soltou a máxima ibérica: “com el-rei, e com la Santa Inquisição chitón”! Enfurecido, o cônego retrucou “que não tinha de ver com os inquisidores, e quem eram eles?”... além de “uns nabos, ou abóboras”, afinal ele não era nem judeu, muito menos inimigo da fé.45 45 DGA/TT-Lisboa, Inquisição de Coimbra, processo n° 9507.

A solução da cobrança de penas pecuniárias (assim como o próprio confisco), do ponto de vista cotidiano, contribuía à crítica mais comum ao Santo Ofício: a ação interesseira nos bens dos acusados. Estas penas levantavam dúvidas de alguns portugueses que não deixaram de afirmar que a Inquisição perseguia os cristãos-novos pelo dinheiro que possuíam. Esta foi, nas inquisições ibéricas, a maior de todas as suspeitas. Em 1617, Pero Lopes Lucena, cristão-novo, falou para algumas pessoas que “na Inquisição davam os tormentos conforme cada um tinha o dinheiro e que fazem às vezes confessar o que não tinham feito nem deviam. E que a um homem que tinha 90 mil cruzados com tormentos lhe fizeram confessar o que não devia e lhe evaporou o dinheiro”46 46 DGA/TT-Lisboa, Inquisição de Lisboa. Caderno do Promotor n° 207. . Por volta de 1624, o carpinteiro Bento Soares “disse em certo lugar em companhia de certas pessoas que se haviam presos pelo Santo Ofício que os senhores inquisidores prendiam falsamente as pessoas e sem culpa para lhe tomarem as fazendas a ajuntando que se as não onera, não prenderiam tantos pelo Santo Ofício”. Porém, uma de suas testemunhas disse que Bento proferiu tais palavras porque era “parvo” e “de pouco entendimento e apoucado, e, como tal, soltava sempre muitas palavras contra todos e ainda contra ele suplicante [seu pai] e sua mãe, em especial contra a gente de nação e por esse respeito lhe querem mal”47 47 DGA/TT-Lisboa, Inquisição de Évora, processo n° 1751. . O padre Luís de Lemos duvidara das preocupações espirituais dos inquisidores. Certa vez, pelo ano de 1632, disse que quando a Inquisição prendia um homem rico, dava-lhe muito tempo nos cárceres a fim de reunir testemunhas e tomar sua fazenda48 48 DGA/TT-Lisboa, Inquisição de Lisboa. Caderno do Promotor n° 224. . Outro padre, Luís de Macedo Freire, afirmou, no ano de 1648, que “na Inquisição os fazia confessar [os cristãos-novos] o que não fizeram pelo muito que apertavam com eles a duros tratos” e suas intenções eram tão somente apoderar-se de seus bens. Repreendido, disse somente falar a verdade49 49 DGA/TT-Lisboa, Inquisição de Lisboa. Caderno do Promotor n° 230. fl. 152-207. . O cônego Martim Monteiro e Paim, citado acima, ainda afirmou que os inquisidores prenderam o cristão-novo Nuno Fernandes, homem rico e de cabedal, somente após terem conseguido, através de seus editais, revogar o alvará de 1649 que proibia o confisco dos bens. Termina o cônego: “o Santo ofício agiu com malícia neste caso, [...] velhacaria” de quem “prendia as pessoas por amor ao dinheiro”50 50 DGA/TT-Lisboa, Inquisição de Coimbra, processo n° 9507. .

O boato ainda foi disseminado por dois textos bastante lidos no século XVIII e, posteriormente, no XIX para a construção das diversas Histórias de Portugal: eram as Notícias recônditas e o Testamento político, de dom Luís da Cunha. A primeira obra fora publicada anonimamente, primeiro em inglês (1708An Account of the cruelties exercis’d by the Inquisition in Portugal to which is added: a relation of the detention of Mr. Louis Ramè in the prisons of the Inquisition in the Kingdoms of Mexico and Spain, and his happy Deliverance. Londres: Printed for Burrough and J. Baker at the Sun and Moon, 1708.) e, depois, em português (1720 e 1722), como um famoso livro crítico à Inquisição. Em uma das críticas, é relatado o grau de pauperização que ficavam os parentes daqueles que eram presos nos cárceres do Santo Ofício, alegando que ainda na fase do “sequestro de bens”, quando não havia qualquer decisão de culpa cabal, o fisco tomava posse de tudo transformando em “bens livres”, ou seja, de fácil venda e circulação. Ao réu inocente, ainda que sua sentença lhe garanta a restituição dos bens sequestrados, ficava despojado de tudo por conta da dispersão deles (vendidos e alienados) e dos “altos valores” gastos pelo dilatado tempo de prisão. Para este mal, propunha-se a nomeação de terceira pessoa para ficar responsável pelos bens sequestrados - a exemplo do que fora colocado em prática dom João IV, em 1652 - ou que o confisco só fosse praticado quando houvesse sentença final. A relação com o alvará de 1649 e com a Proposta de Vieira eram bem perceptíveis, pois a edição de 1722 das Notícias recônditasNotícias reconditas y posthumas del procedimientos delas Inquisiciones de España y Portugal com sus presos. Vila Franca: [s/ed.], 1722. traz, logo após o prefácio do editor, uma cópia do próprio alvará.

Dom Luís da Cunha leu algo da obra do padre Antônio Vieira51 51 O próprio dom Luís da Cunha faz menção a ideias e papeis de Vieira, tanto no Testamento políticoquanto nasInstruções políticas. (sobretudo, a Proposta de 1646) e, provavelmente, também tenha lido as Notícias recônditas, afinal esteve em Londres (1697-1712) no tempo da publicação da edição inglesa (1708) e, em Paris (1725-1728), Bruxelas (1725-1728) e Haia (1728-1736) já quando havia sido publicada a edição de 1722 que, conforme o Cavaleiro de Oliveira (1743OLIVEIRA, Cavaleiro de. Memoires historiques, politiques, et litteraires, concernant le Portugal. Haia: Adrien Moetjeans, 1743., p. 381), era abundante nos países reformados. O Testamento e as Instruções políticas entendiam a Inquisição como algo ruim à harmonia do corpo da sociedade e prejudicial aos negócios do reino, sendo preciso erradicá-la. O embaixador foi mais radical que o jesuíta - ao menos na esfera retórica - propondo, inclusive, a extinção da distinção entre cristãos-novos e velhos, além da permissão para se erigirem sinagogas. Todo seu texto é um misto de experiência política, memória, estudo, além de algo de boato. Porém, foi o conjunto de críticas mais eficaz para a promoção da reforma da Inquisição já no reinado de dom José I - quando Pombal esteve a frente das ações de governo e Paulo de Carvalho e Mendonça comandou o Conselho Geral do Santo Ofício.

A história também fora divulgada por Claude Pierre Goujet, em Historie des inquisitions (1759), onde relata-se o caso de excomunhão, conferindo repercussão internacional ao boato52 52 A representação ilustrativa encontra-se na primeira página. . Ambos os escritos, desejosos em torpedear a Inquisição, trataram de espalhar esta inverdade. Uma das imagens que ilustram a obra de Goujet representa a cena na qual vê-se as exéquias do rei português dom João IV, tocado pela vara do inquisidor, que o excomunga para perplexidade da rainha e dos outros expectadores.

Embora não tenha ocorrido a excomunhão de fato, os inquisidores pressionaram a regente, provavelmente espalhando o medo de aplicarem esta medida. E não só os inquisidores pressionaram: o Conselho de Estado, através de Pedro Vieira da Silva, também apertava dona Luíza de Gusmão53 53 Pedro Vieira da Silva, segundo Francisco de Souza Coutinho em agosto de 1657, fez “desserviços” a dom João IV e a regente (para quem ele endereça a carta). O secretário era “homem de muito bem, por tal o tive sempre, mas aderiu sempre tanto a tudo o dos inquisidores que nos veio a fazer tanto mal a sua aprovação quanto o que eles nos fizeram”. Corpo diplomático português. Tomo XIII. p. 454. . Mal esfriava o real cadáver (morto em 6 de novembro de 1656), os inquisidores fizeram consultas sobre a anulação do alvará (5 e 22 de dezembro) e não gostaram nada de ficarem sem resposta, anunciando um edital de suspensão do alvará régio (18 de janeiro de 1657), sob pena de excomunhão a quem fosse contrário. Isto talvez explique a revogação do alvará de confisco, impetrada por dona Luiza de Gusmão, em fevereiro de 165754 54 BNP-Lisboa, Reservados, Códice 868. fl. 270-270v. Alvará del-rei dom Afonso, o VI (2 de fevereiro de 1657). . O texto legislativo aproxima-se da retórica do edital dos inquisidores, ao afirmar que a suspensão do confisco havia sido estabelecida pelo rei “sem ouvir o reino e seus súditos” e com “tantas queixas dos vassalos destes reinos e dos daquele estado” do Brasil55 55 Idem. . Além do reestabelecimento do fisco para os tribunais, a Inquisição ainda conseguiu a quantia de 5:680.000 réis provenientes do estanco do Tabaco56 56 Além deste, Bruno Lopes aponta que dom João IV fez um pagamento de 3:340.000 réis à Inquisição, ainda em 1642, o que também aconteceu no reinado de dom Pedro II, em 1693 e 1700 (com quantias ainda mais avultas). Entretanto, não há registros de que estes valores tenham ido para os tribunais distritais, mas que foram “destinado[s] à manutenção dos salários/emolumentos do inquisidor-geral, deputados e oficiais do Conselho Geral e, provavelmente, de outras despesas deste organismo” (LOPES, 2017, p. 90). (LOPES, 2017LOPES, Bruno. ‘O Conselho Geral do Santo Ofício visto através dos salários (Portugal, 1640-1773)’ Librosdelacorte.es, n.º 6, 2017., p. 89). O Conselho Geral, já sem adversários a altura, se agigantou no cenário político levando a melhor nesta batalha.

Figura 1.
Excomunhão de dom João IV - Claude Pierre Goujet (1759GOUJET, Claude Pierre. Historie des inquisitions où l’on rapporte l’origine & le progress de ces Tribunaux, leurs variations & la forme de leur jurisdiction. Tome second. Colônia: Pierre Marteau, 1759.)

Conclusão

Como solução ao péssimo estado das finanças de Portugal, o jesuíta Antônio Vieira procurou o apoio financeiro dos cristãos-novos portugueses e de origem portuguesa que viviam em Holanda, solicitando avultadas quantias para o desenvolvimento do comércio da nova e frágil dinastia, resultando na criação da Companhia de Comércio do Brasil e da promulgação do alvará de 1649. Os inquisidores, por sua vez, batalharam, quer por zelo quer por outros interesses, pelo confisco e contra os perdões, aumentando o rigor e a repressão em momentos estratégicos. Outrora, o Conselho Geral já havia encontrado na dissimulação pia uma forma de solucionar os problemas financeiros, ao propor, em dezembro de 1622, “que quando faltar dinheiro para o pagamento dos ordenados dos ministros, se possa pedir ao fisco sob pretexto de mandados de presos pobres”57 57 DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 241. Anotações de algumas cousas mais particulares que estão nos cadernos que há das cartas e ordens do Conselho Geral nesta inquisição de Coimbra. fl. 70v. .

Como tem demonstrado a historiografia que trata das finanças desta instituição, embora não sendo único, o confisco era a maior fonte de recursos da Inquisição. Os diversos perdões e éditos de fé causaram problemas ao funcionamento da máquina inquisitorial, solucionados sempre com alguma ajuda da Coroa. Assim, o alvará de 1649 colocava em apuros o Santo Ofício, por isso mesmo, os inquisidores agiram em bloco, contestando a legislação e a legitimidade para esta ação. Dom Francisco de Castro e dom João IV travaram uma batalha que ultrapassou suas vidas, chegou aos conselhos políticos e à literatura combativa contra a Inquisição. O rei saiu de vida vitorioso, contudo, ao fim e ao cabo, o Santo Ofício conseguiu verter novamente o fisco no combate à heresia e na manutenção de sua própria estrutura.

Referências

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  • MARCOCCI, Giuseppe & PAIVA, José Pedro. História da Inquisição portuguesa (1536-1821). Lisboa: Esfera dos livros, 2013.
  • MATTOS, Yllan de. A Inquisição contestada: críticos e críticas ao Santo Ofício português (1605-1681). Rio de Janeiro: Mauad-x/Faperj, 2014.
  • SCHWARTZ, Stuart. ‘Prata, açúcar e escravos: de como o império restaurou Portugal’ In: Tempo Vol. 12. n° 24. Niterói: Departamento de História da UFF/EdUFF, Janeiro-Junho de 2008.
  • VAINFAS, Ronaldo. Antônio Vieira: jesuíta do rei. Coleção perfis brasileiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Fontes Impressas

  • ‘Alvará de 6 de fevereiro de 1649 que isenta de confiscação os cristãos novos penitenciados pelo Santo Ofício, para organizarem uma Companhia de Comércio’ In: SILVA, José Justino de Andrade. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza (1648-1656). Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1856.
  • An Account of the cruelties exercis’d by the Inquisition in Portugal to which is added: a relation of the detention of Mr. Louis Ramè in the prisons of the Inquisition in the Kingdoms of Mexico and Spain, and his happy Deliverance. Londres: Printed for Burrough and J. Baker at the Sun and Moon, 1708.
  • Corpo diplomático Portuguez contendo os actos e relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potencias do mundo desde o século XVI até aos nossos dias Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias; Imprensa Nacional, 1862-1959. Tomo XIII.
  • COUTINHO, Francisco de Souza. Correspondência diplomática de Francisco de Sousa Coutinho durante a sua embaixada em Holanda Organizadas por Edgar Prestage & Pedro de Azevedo. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1926.
  • CUNHA, Dom Luís da. Testamento Politico ou Carta Escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao Senhor Rei D. José I antes do seu Governo Lisboa: Na Impressão Régia, 1820.
  • CUNHA, Dom Luís da. Instruções políticas Introdução, estudo e edição crítica de Abílio Diniz Silva. Lisboa: CNPCDP, 2001.
  • EYMERICI, Nicolai. Directorium Inquisitorum Romae: In Aedibus Pop. Rom., 1578-79.
  • GOUJET, Claude Pierre. Historie des inquisitions où l’on rapporte l’origine & le progress de ces Tribunaux, leurs variations & la forme de leur jurisdiction Tome second. Colônia: Pierre Marteau, 1759.
  • Notícias reconditas y posthumas del procedimientos delas Inquisiciones de España y Portugal com sus presos Vila Franca: [s/ed.], 1722.
  • OLIVEIRA, Cavaleiro de. Memoires historiques, politiques, et litteraires, concernant le Portugal Haia: Adrien Moetjeans, 1743.
  • VIEIRA, Antônio. ‘Proposta que se fez ao sereníssimo rei dom João IV a favor da gente da nação (1646)’ In: Escritos históricos e políticos Organização de Alcir Pécora. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
  • VIEIRA, Antônio. Cartas Organização e notas de João Lúcio de Azevedo. São Paulo: Globo, 2009. 3 Tomos.
  • VIEIRA, Antônio. Razões apontadas a el-rei dom João IV a favor dos cristãos-novos para se lhes haver de perdoar a confiscação de seus bens que entrassem no comércio deste reino In: Obras inéditas do padre Antônio Vieira Tomo 2. Lisboa: Seabra & Antunes, 1856.
  • VIEIRA, Antônio. ‘Proposta feita a El-rei D. João IV em que se lhe representa o miserável estado do reino e a necessidade que tinha de admitir os judeus mercadores que andavam por diversas partes da Europa’ In: Escritos históricos e políticos. Organização de Alcir Pécora. São Paulo: Martins Fontes , 1995.
  • VIEIRA, Antônio. Obras inéditas do padre Antônio Vieira vol. III. Lisboa: Seabra & Antunes , 1856.

Fontes Manuscritas

  • Archivio della Congregazione per la Dottrina della Fede [ACDF-Roma], Stanza Storica, BB 5-C.
  • Biblioteca da Ajuda [BA-Lisboa], 49-IV-22.
  • British Library [BL-Londres], Additional manuscripts Document 20951.
  • Biblioteca Nacional de Portugal [BNP-Lisboa], Reservados, Códices 868, 11359.
  • Biblioteca Pública de Évora [BPE-Évora], Códice CXII-1-21.
  • Divisão Geral de Arquivos/Torre do Tombo [DGA/TT-Lisboa], Conselho Geral do Santo Ofício, Livros 160, 235, 237, 241, 346; Maço 27, documento 101; Inquisição de Coimbra, processo n° 9507; Inquisição de Évora, processo n° 1751; Inquisição de Lisboa Caderno do Promotor n° 207, 224, 230.

Notas

  • 1
    Digno de nota, na edição da Proposta publicada em 1857, lê-se: “antes que o padre Vieira fizesse essa proposta, consultou a matéria dela com Sebastião César de Menezes, deputado do conselho geral, o qual vendo a força das razões com que o padre Vieira a praticava, lhe pediu que fizesse a proposta, que ele fez em diferente letra e sem nome, e a entregou a Sebastião César, que a apresentou a el-rei. Consta esta notícia da primeira parte das informações do padre Vieira” (VIEIRA, 1856VIEIRA, Antônio. Razões apontadas a el-rei dom João IV a favor dos cristãos-novos para se lhes haver de perdoar a confiscação de seus bens que entrassem no comércio deste reino. In: Obras inéditas do padre Antônio Vieira. Tomo 2. Lisboa: Seabra & Antunes, 1856., p. 29). Grifo nosso. Mesmo sabendo que os desentendimentos entre esses dois homens datam de anos mais tarde, é de se estranhar tal informação. Sobre essa proposta e em resposta a História de Portugal restaurado, Vieira escreveu em 1689 ao conde de Ericeira: “o primeiro negócio que propus a sua majestade, pouco depois da sua feliz Aclamação e Restauração, foi que em Portugal, à imitação de Holanda, se levantassem duas companhias mercantis, uma oriental, e outra ocidental, para que, sem empenho algum da real fazenda, por meio da primeira se conservasse o comércio da Índia, e por meio da segunda o do Brasil, trazendo ambas em suas armadas, defendido dos holandeses, o que eles nos tomavam, e bastaria a sustentar a guerra contra Castela. A isto se ajuntava que, como as nossas companhias fiem mais perto de uma e outra conquista, seriam menores os gastos seus e maiores os lucros, os quais naturalmente chamariam e trariam a Portugal o dinheiro mercantil de todas as nações, e muito particularmente dos portugueses, que na Holanda estavam muito interessados nas companhias, e com Castela tinham todos os assentos. E, porque na dita proposta se dizia que o dinheiro aplicado às companhias de Portugal estivesse isento do fisco (porquanto de outra maneira nem os mercadores estrangeiros nem os do mesmo reino, que o trazem divertido por outras partes, o quereriam meter nas nossas companhias sem a dita condição ou segurança), esta condição foi causa de que o Santo Ofício proibisse o papel da proposta, posto que sem nome, e que ela por então não fosse aceita. Porém, depois que os apertos da guerra mostraram que não havia outro meio igualmente efetivo, não só foi abraçada com a mesma condição, senão com outras muito mais largas, consultadas e aprovadas pelos letrados mais doutos do Reino” (VIEIRA, 2009VIEIRA, Antônio. Cartas. Organização e notas de João Lúcio de Azevedo. São Paulo: Globo, 2009. 3 Tomos., tomo III, p. 387).
  • 2
    Segundo se lê em uma das cópias desta Proposta, com este papel “e outros semelhantes se moveu a prática da isenção da pena de confiscação; e se [este papel] é o que fez o padre Antônio Vieira, foi proibido pelo Santo Ofício”. BL-Londres, Additional manuscripts. Document 20951. fl. 14.
  • 3
    BL-Londres, Additional manuscripts. Document 20951. fl. 1-4. Carta de Vieira com a gente da nação de Ruan e resposta, em 1646.
  • 4
    Como afirma João Lúcio de Azevedo, na altura, dom João IV entregou a Proposta para Pantaleão Rodrigues Pacheco, homem de confiança do rei e membro do Conselho Geral que, como era de se esperar, desaprovou o escrito (AZEVEDO, 2008AZEVEDO, João Lúcio de Azevedo. História de Antônio Vieira. Prefácio de Pedro Puntoni. São Paulo: Alameda, 2008. 2 vols., tomo I, p. 57-58). Mesmo anônima, é de se presumir que Pacheco tivesse alguma desconfiança de quem as escreveu. Porém, com toda certeza, as Razões apontadas por Vieira, no parecer solicitado pelo rei, contribuíram muito para consolidar as arestas entre estas duas personagens.
  • 5
    BA-Lisboa, 49-IV-22. Razões...
  • 6
    Manuel Fernandes Villa Real também escreveu texto, Discursos políticos, tratando dos confiscos e da ação inquisitorial, além do próprio texto da Paz de Vestefália (1648) que defendia a autonomia do poder secular em seu próprio reino.
  • 7
    BL-Londres, Additional manuscripts. Document 20951. fl. 15-18v. BNP-Lisboa, Reservados, Códice 868. Se pode sua majestade conceder liberdade de comércio. fl. 252-253v. (29 de agosto de 1647).
  • 8
    Sobre o conflito entre os jesuítas da Universidade de Évora e os inquisidores, entre 1641 e 1643, ver Yllan de Mattos (2014MATTOS, Yllan de. A Inquisição contestada: críticos e críticas ao Santo Ofício português (1605-1681). Rio de Janeiro: Mauad-x/Faperj, 2014., p. 81-100).
  • 9
    DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 241. Anotações de algumas cousas mais particulares que estão nos cadernos que há das cartas e ordens do Conselho Geral nesta inquisição de Coimbra. fl. 83. Grifo nosso.
  • 10
    BNP-Lisboa, Reservados, Códice 868. fl. 268. Édito do Conselho Supremo da Santa Inquisição de Portugal (18 de janeiro de 1657). Este documento faz um histórico do que ocorreu em relação ao alvará de isenção do confisco.
  • 11
    Idem.
  • 12
    BNP-Lisboa, Reservados, Códice 868. fl. 233-234. Carta de frei Dionísio dos Anjos ao rei (13 de dezembro 1647).
  • 13
    Francisco de Souza Coutinho ironizou anos mais tarde da questão: Duarte da Silva “nunca foi judeu, senão quando passou um crédito de 300 cruzados para em Holanda se fazerem algumas fragatas para a nossa armada”. Corpo diplomático... Op. cit. Tomo XIII. p. 451. Carta de Francisco de Souza Coutinho a regente (13 de agosto de 1657).
  • 14
    Carta de Antônio Vieira ao marquês de Nisa (16 de março de 1648). Souza Coutinho também tivera a mesma percepção: “chegou logo a nova da prisão de Duarte da Silva que foi não só impossibilitar este negócio, mas dificultar todos os do Reino, para donde já não há achar na praça uma letra de três vinténs” (COUTINHO, 1926COUTINHO, Francisco de Souza. Correspondência diplomática de Francisco de Sousa Coutinho durante a sua embaixada em Holanda. Organizadas por Edgar Prestage & Pedro de Azevedo. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1926., Tomo II) - Carta de Francisco de Souza Coutinho ao rei (5 de fevereiro de 1648).
  • 15
    ‘Alvará de 6 de fevereiro de 1649 que isenta de confiscação os cristãos novos penitenciados pelo Santo Ofício, para organizarem uma Companhia de Comércio’ (SILVA, 1856‘Alvará de 6 de fevereiro de 1649 que isenta de confiscação os cristãos novos penitenciados pelo Santo Ofício, para organizarem uma Companhia de Comércio’ In: SILVA, José Justino de Andrade. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza (1648-1656). Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1856., p. 27-29).
  • 16
    Entre diversos estudos, ver: Bruno Lopes (2016LOPES, Bruno. ‘Sustentar a Inquisição com rendimentos eclesiásticos: uma aproximação ao tema (séculos XVI-XVIII)’ In” Máximo García Fernández (Ed.). Familia, cultura material y formas de poder en la España Moderna. Madrid: Fundación Española de Historia Moderna, 2016., p. 737-749).
  • 17
    Conforme explica o comentador do Manual dos inquisidores, Francisco Peña. BNE-Madri, Fondo antiguo, 3/67285; R/37808 (EYMERICI, 1578-79EYMERICI, Nicolai. Directorium Inquisitorum. Romae: In Aedibus Pop. Rom., 1578-79.).
  • 18
    DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 235. fl. 34-35v.
  • 19
    DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 160. fl. 37.
  • 20
    ‘Alvará de 6 de fevereiro de 1649’ (SILVA, 1856‘Alvará de 6 de fevereiro de 1649 que isenta de confiscação os cristãos novos penitenciados pelo Santo Ofício, para organizarem uma Companhia de Comércio’ In: SILVA, José Justino de Andrade. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza (1648-1656). Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1856., p. 28).
  • 21
    Idem. 27-28.
  • 22
    Idem. p. 28.
  • 23
    BL-Londres, Additional manuscripts. Document 20951. fl. 32-68.
  • 24
    ACDF-Roma, Stanza Storica, BB 5-C. Carta de Francisco de Castro ao papa (17 de outubro de 1649). Original em latim.
  • 25
    ACDF-Roma, Stanza Storica, BB 5-C. Carta de Francisco de Castro para os cardeais da Congregação do Santo Ofício romano (17 de outubro de 1649). fl. 10-10v (os fólios não têm sequência ordenada).
  • 26
    ACDF-Roma, Stanza Storica, BB 5-C. Carta de Francisco de Castro para os cardeais da Congregação do Santo Ofício romano (25 de março de 1650). Grifo nosso.
  • 27
    Idem.
  • 28
    ACDF-Roma, Stanza Storica, BB 5-C. Breve Pro munere solicitudinis, de 27 de maio de 1650. Original em latim. Sem paginação.
  • 29
    ACDF-Roma, Stanza Storica, BB 5-C. Breve Praestantem fraternitatis, de 15 de outubro de 1650. Original em latim. Sem paginação.
  • 30
    BPE-Évora, Códice CXII-1-21, fl. 64v.
  • 31
    Idem.
  • 32
    BPE-Évora, Códice CXII-1-21, fl. 66. Resposta do bispo inquisidor geral ao rei.
  • 33
    BNP-Lisboa, Reservados, Códice 11359. DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 237. fl. 93-97. Entre os fólios 99 e 109 está o parecer dos deputados do Conselho Geral sobre este papel.
  • 34
    Idem.
  • 35
    DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 237. fl. 119. Carta do Conselho Geral ao rei (11 de janeiro de 1652).
  • 36
    DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 237. fl. 197.
  • 37
    Ao que parece, o valor está muito próximo dos apresentados nos anos anteriores. Em 1637, as despesas somadas do Tribunal de Lisboa e do Conselho Geral chegavam a 7.750.000 réis, enquanto a Inquisição de Évora gastava 2.480.000 réis e a de Coimbra 2.380.000 réis. DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 241. Rendas das Inquisições de Portugal. fl. 270. Entretanto, a pesquisa de Bruno Lopes demonstrou que “os salários [dos membros do Conselho Geral] eram compostos pela parcela fixa e por pagamentos complementares: propinas, aposentadorias e ajudas de custo”. O rendimento anual do inquisidor-geral, por exemplo, girava em torno de 12:440.000 réis, composto pela “parcela fixa do salário” (1:000.000), “pensão no juízo do fisco” (11:000.000), “propinas pelas festividades religiosas” (280.000) e “propinas leigas” (160.000). (LOPES, 2017LOPES, Bruno. ‘O Conselho Geral do Santo Ofício visto através dos salários (Portugal, 1640-1773)’ Librosdelacorte.es, n.º 6, 2017., p. 107-108).
  • 38
    DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 237. Carta do Conselho Geral ao rei (19 de dezembro de 1651). fl. 209-209v.
  • 39
    Idem.
  • 40
    Estes argumentos encontram-se diluídos em correspondência do Conselho Geral, em: DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 237.
  • 41
    Sobre as posições políticas da Inquisição na Restauração, ver: Ana Isabel López-Salazar Codes (2011LÓPEZ-SALAZAR CODES, Ana Isabel. Inquisición y política: el gobierno del Santo Oficio en el Portugal de los Austrias (1578-1653). Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa, 2011.) e Yllan de Mattos (2014MATTOS, Yllan de. A Inquisição contestada: críticos e críticas ao Santo Ofício português (1605-1681). Rio de Janeiro: Mauad-x/Faperj, 2014.).
  • 42
    DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 346. Assento do Conselho Geral (29 de dezembro de 1650). fl. 27v-28.
  • 43
    BNP-Lisboa, Reservados, Códice 868. Édito do Conselho Supremo da Santa Inquisição de Portugal (18.1.1657). fl. 269v.
  • 44
    Corpo diplomático portuguêsCorpo diplomático Portuguez contendo os actos e relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potencias do mundo desde o século XVI até aos nossos dias. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias; Imprensa Nacional, 1862-1959. Tomo XIII.. Tomo XIII. p. 452.
  • 45
    DGA/TT-Lisboa, Inquisição de Coimbra, processo n° 9507.
  • 46
    DGA/TT-Lisboa, Inquisição de Lisboa. Caderno do Promotor n° 207.
  • 47
    DGA/TT-Lisboa, Inquisição de Évora, processo n° 1751.
  • 48
    DGA/TT-Lisboa, Inquisição de Lisboa. Caderno do Promotor n° 224.
  • 49
    DGA/TT-Lisboa, Inquisição de Lisboa. Caderno do Promotor n° 230. fl. 152-207.
  • 50
    DGA/TT-Lisboa, Inquisição de Coimbra, processo n° 9507.
  • 51
    O próprio dom Luís da Cunha faz menção a ideias e papeis de Vieira, tanto no Testamento políticoCUNHA, Dom Luís da. Testamento Politico ou Carta Escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao Senhor Rei D. José I antes do seu Governo. Lisboa: Na Impressão Régia, 1820.quanto nasInstruções políticasCUNHA, Dom Luís da. Instruções políticas. Introdução, estudo e edição crítica de Abílio Diniz Silva. Lisboa: CNPCDP, 2001..
  • 52
    A representação ilustrativa encontra-se na primeira página.
  • 53
    Pedro Vieira da Silva, segundo Francisco de Souza Coutinho em agosto de 1657, fez “desserviços” a dom João IV e a regente (para quem ele endereça a carta). O secretário era “homem de muito bem, por tal o tive sempre, mas aderiu sempre tanto a tudo o dos inquisidores que nos veio a fazer tanto mal a sua aprovação quanto o que eles nos fizeram”. Corpo diplomático portuguêsCorpo diplomático Portuguez contendo os actos e relações políticas e diplomáticas de Portugal com as diversas potencias do mundo desde o século XVI até aos nossos dias. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias; Imprensa Nacional, 1862-1959. Tomo XIII.. Tomo XIII. p. 454.
  • 54
    BNP-Lisboa, Reservados, Códice 868. fl. 270-270v. Alvará del-rei dom Afonso, o VI (2 de fevereiro de 1657).
  • 55
    Idem.
  • 56
    Além deste, Bruno Lopes aponta que dom João IV fez um pagamento de 3:340.000 réis à Inquisição, ainda em 1642, o que também aconteceu no reinado de dom Pedro II, em 1693 e 1700 (com quantias ainda mais avultas). Entretanto, não há registros de que estes valores tenham ido para os tribunais distritais, mas que foram “destinado[s] à manutenção dos salários/emolumentos do inquisidor-geral, deputados e oficiais do Conselho Geral e, provavelmente, de outras despesas deste organismo” (LOPES, 2017LOPES, Bruno. ‘O Conselho Geral do Santo Ofício visto através dos salários (Portugal, 1640-1773)’ Librosdelacorte.es, n.º 6, 2017., p. 90).
  • 57
    DGA/TT-Lisboa, Conselho Geral do Santo Ofício, Livro 241. Anotações de algumas cousas mais particulares que estão nos cadernos que há das cartas e ordens do Conselho Geral nesta inquisição de Coimbra. fl. 70v.
  • A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento da Fundação Biblioteca Nacional (RJ, Brasil).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2019
  • Aceito
    30 Ago 2019
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