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Caminhos historiográficos da educação brasileira: centenário da Associação Brasileira de Educação (ABE)

Neste ano de 2024 queremos nos dirigir aos leitores da Revista História da Educação (RHE) motivados pelas reflexões de Pierre Nora. O autor, ao refletir sobre datas comemorativas no presente, afirma que se criam

instrumentos da comemoração, moldando-os conforme suas necessidades e especificidades, bem como a própria simultaneidade das efemérides assumem relevância nas relações políticas e no imaginário nacional, projetam representantes políticos (Nora, 1992NORA, Pierre. L`ére de la commémoration. In: NORA, Pierre. Les lieux de mémoire. Vol. 3. Paris: Galimmard, 1992. p. 978-1012., p. 977).

Nora (1992NORA, Pierre. L`ére de la commémoration. In: NORA, Pierre. Les lieux de mémoire. Vol. 3. Paris: Galimmard, 1992. p. 978-1012.) destaca as comemorações das chamadas “datas redondas”. As comemorações, circunscritas pela história e memória, mobilizaram pesquisas e problematizações, que além de celebrar e rememorar o passado nas efemérides, possibilitaram ampliar o espectro investigativo a ser compartilhado nas publicações das revistas científicas da área da história da educação. Permeados por essas reflexões destacamos o centenário da Associação Brasileira Educação (ABE), por considerarmos evento importante na historiografia educacional brasileira. A fundação de tal associação em 1924 representou o esforço de uma parcela da sociedade civil, diante da inépcia do poder estatal, para incentivar a sistematização de políticas educacionais. Destaca-se a heterogeneidade dos seus participantes para além de professores, com grupos de estudantes de engenharia, de mulheres e sanitaristas. Cabe destacar que tal grupo foi responsável pela consolidação do Manifesto dos Pioneiros (1932) e pela criação do Ministério da Educação (1930).

A ABE se constituiu a partir de adesões voluntárias de professores e de outros profissionais interessados na área da educação. Com sede no Rio de Janeiro, foi espaço de interlocução e intensa divulgação científica por meio da atuação por seções regionais que tinham autonomia. Por meio de encontros, cursos, publicações, realização de pesquisas, a ABE passou a ser um espaço de irradiação de debates em torno de temas educacionais. Promoveu as conferências nacionais de Educação, destacando-se:

I Conferência Nacional de Educação (Curitiba, 1927), que discutiu o ensino primário, a formação de professores etc.; II Conferência Nacional de Educação (Belo Horizonte, 1928), com os temas educação política, sanitária, agrícola, doméstica, ensino secundário etc.; III Conferência Nacional de Educação (São Paulo, 1929), sobre ensino primário, ensino secundário, ensino profissional, organização universitária etc.; IV Conferência Nacional de Educação (Rio de Janeiro, 1931): grandes diretrizes para a educação popular; V Conferência Nacional de Educação (Niterói, 1932- 1933): sugestões à Assembleia Constituinte; VI Conferência Nacional de Educação (Fortaleza, 1934): educação pré-escolar etc.; VII Congresso Nacional de Educação (Rio de Janeiro, 1935): educação física; VIII Congresso Nacional de Educação (Goiânia, 1942): ensino primário etc.; IX Congresso Brasileiro de Educação (Rio de Janeiro, 1945): educação democrática; X Conferência Nacional de Educação (Rio de Janeiro, 1950): poder do Estado e instituições de ensino; XI Conferência Nacional de Educação (Curitiba, 1954): divulgação das Nações Unidas e financiamento do ensino (Xavier, Associação Brasileira de Educação, s.dXAVIER, Libânia. Associação Brasileira de Educação. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/ASSOCIA%C3%87%C3%83O%20BRASILEIRA%20DE%20EDUCA%C3%87%C3%83O%20(ABE).pdf . Acesso em: 09 Jan. 2024.
https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files...
, p.1).

As conferências, mobilizadoras de debates, de investigações, de proposição de ideias e mesmo de reformas educacionais em diferentes âmbitos, são balizas para pensarmos a relevância de associações científicas para a conjugação de intelectuais que atuem em interlocução com o Estado e a Sociedade Civil.

O fato de estarmos celebrando o centenário da ABE em 2024 torna-se princípio para questionamentos e reflexões um pouco mais amplos. Como convida a pensar o historiador Albuquerque Júnior (2019ALBUQUERQUE JUNIOR Durval Muniz . O tecelão dos tempos. Novos ensaios de teoria da História. São Paulo: Intermeios, 2019., p. 187) a “comemoração, como um ritual, constitui uma narrativa, é atravessada e constituída por um enredo, é uma forma de fazer ver e de dizer o passado”. As comemorações intentam produzir uma coesão social, agregando, pois como ato coletivo permeado por símbolos e rituais, difundem e produzem efeitos por meio das imagens, das músicas, dos discursos, das solenidades como um todo, convocando para a construção de memórias coletivas (Albuquerque Júnior, 2019ALBUQUERQUE JUNIOR Durval Muniz . O tecelão dos tempos. Novos ensaios de teoria da História. São Paulo: Intermeios, 2019.). Mas é papel do historiador perceber indícios de divergências, ruídos, disputas em torno da encenação da vida social que se apresenta. É o historiador da educação aquele que “problematiza, torna problemático o objeto da comemoração, que o disseca em seu processo de construção, mapeando os interesses convergentes e divergentes” em uma dada efeméride (Albuquerque Júnior, 2019ALBUQUERQUE JUNIOR Durval Muniz . O tecelão dos tempos. Novos ensaios de teoria da História. São Paulo: Intermeios, 2019., p. 185). A efeméride do centenário da ABE é motivo para pensar as associações de pesquisa contemporâneas e suas interações, seus modos de atuação junto às entidades e representações públicas e privadas. O centenário da ABE nos leva a pensar, para além da ação da própria ABE, na divulgação científica, nas lutas por uma educação pública de qualidade, universalizada e equitativa, nas transformações e nas permanências que nos acompanham quando pensamos na desigualdade social que também marca o acesso, a permanência e o sucesso no percurso escolar ainda hodiernamente de tantas crianças e jovens em terras brasileiras.

Sendo assim, desejamos que o centenário da ABE seja mote para pensarmos a atuação do Estado na Educação a partir e com a interlocução de intelectuais, reunidos e associados à ABE. É certo que o fato deve ser entrelaçado ao contexto internacional das décadas de 1920 e seguintes, na condição já republicana, tão intensamente pesquisada pelos colegas, historiadores da educação. Assim como a ABE sofreu reveses em sua existência em virtude de acontecimentos políticos, ainda hoje somos instados a pensar na força e no papel dos intelectuais, para além do exercício da docência, mas na atuação e fortalecimento de políticas públicas educacionais mais resolutivas, republicanas, democráticas e baseadas nos acúmulos de conhecimento científico construído. Em relação às mobilizações políticas decorrentes, destacamos o papel das associações de intelectuais e pesquisadores para a afirmação junto ao Estado, mas também da sociedade civil, da produção do conhecimento científico e das necessárias transformações sociais.

Apesar de estarmos em outro contexto, as associações acadêmicas e civis, comprometidas com a ciência e o bem estar social, livres de preconceitos e interesses unilaterais, ainda cumprem papel relevante. Não é por acaso que a revista História da Educação, fruto da Associação Sul-rio-grandense de Pesquisadores em História da Educação/ASPHE ainda se faz presente no fomento e na sustentação desta revista.

Por fim, à luz dessas reflexões do centenário da ABE, desejamos difundir o conhecimento histórico-educacional e podermos contar neste ano com artigos relevantes, fruto de pesquisas comprometidas na perspectiva da historiografia educacional.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024
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