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O cirurgião ilustrado Francisco Antônio de Sampaio e as plantas de “seu país” (vila de Cachoeira, BA – fins do século XVIII)

Resumo

Francisco Antônio de Sampaio atuou como cirurgião por mais de duas décadas em Cachoeira (BA). Nessa vila, produziu e enviou à Academia das Ciências de Lisboa escritos de história natural, embora não tivesse formação específica para esses estudos. Neste artigo analisamos sua produção científica e suas práticas de cura, em particular os usos e descrições das plantas locais e sua relação com diferentes agentes, a exemplo das pessoas do “vulgo local” e do naturalista e juiz de fora Amorim e Castro. Buscamos interpretar sua produção de conhecimento, tanto do ponto de vista da construção de autoridade científica quanto de sua interação com os agentes locais e metropolitanos.

história da medicina; circulação de saberes; ilustração luso-brasileira; Francisco Antônio de Sampaio (c.1740-1800

Abstract

Francisco Antônio de Sampaio worked as a surgeon for over two decades in Cachoeira, in the captaincy of Bahia, Brazil. In this village, he produced writings on natural history, which he sent to the Lisbon Academy of Science, although he had no specific training in this area. This article analyzes his scientific output and healing practices, especially the uses and descriptions of local plants and his relationships with different agents, such as the “local commoners” and the naturalist and magistrate Joaquim de Amorim e Castro. His production of knowledge is interpreted here both from the perspective of the construction of scientific authority and through his interactions with local and metropolitan agents.

history of medicine; circulation of knowledge; Portuguese and Brazilian Enlightenment; Francisco Antônio de Sampaio (c.1740-1800

Nas últimas décadas, os historiadores têm se voltado com maior frequência para interpretações em torno das relações homem/natureza, de forma a problematizar e requalificar as visões antropocêntricas e providencialistas em vigor. Em diversos campos da história das ciências, da história ambiental ou da história tout court , a crítica à ideologia do progresso possibilitou essa transformação de perspectiva, que se questiona sobre a naturalização da ação predatória da espécie humana.

Em um país como o Brasil, com uma das maiores biodiversidades do mundo, é fundamental pensar sobre nossa história de modo a perceber as diferentes camadas de conhecimento a respeito dos vegetais produzidas coletivamente por distintas populações e culturas em diferentes momentos. O mundo natural tem sido alvo de novos olhares, que buscam interpretar a produção de conhecimento, a inserção de vários agentes sociais nas práticas científicas, a especificidade da atuação dos homens de ciência, bem como a circulação de pessoas, animais e plantas, inclusive em momentos em que determinados campos científicos – a exemplo da própria botânica – não se encontravam delimitados e institucionalizados.1 1 Partimos do pressuposto de que conhecimento botânico e conhecimento sobre plantas não são a mesma coisa. O conhecimento sobre as plantas acompanha o ser humano em todas as culturas e civilizações. Consideramos “botânica”, para fins deste artigo, uma especialidade científica que toma forma na Europa, a partir do século XVI, mas que se estabelece de forma relativamente homogênea a partir do século XVIII.

O fato de a botânica ter se especializado e institucionalizado inicialmente na Europa não quer dizer que seja fruto exclusivamente de uma vivência europeia. Ao contrário, esse tipo de conhecimento pressupõe relações globais, pressupõe tentativas de controle, dominação e compreensão de diferentes ambientes e floras. Além disso, a botânica só foi possível pela incorporação – tensa e seletiva – de saberes locais ( Raj, 2013RAJ, Kapil. Beyond postcolonialism… and postpositivism: circulation and the global history of science. Isis, v.104, n.2, p.337-347, 2013. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/10.1086/670951. Acesso em: 12 dez. 2017.
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; Schiebinger, 2017SCHIEBINGER, Londa. Secrets cures of slaves: people, plants and medicine in the eighteenth-century Atlantic World. Stanford: Stanford University Press, 2017. ).

Assim, o presente artigo objetiva uma interpretação de caso que envolve um cirurgião luso que viveu, curou e produziu textos e outros artefatos científicos na América portuguesa nas últimas décadas do século XVIII. Trata-se de Francisco Antônio de Sampaio, que atuou na vila de Cachoeira (capitania da Bahia). Aqui analisamos a produção de conhecimento em torno das plantas que curavam, realizada por Sampaio, por meio de diferentes práticas culturais e científicas, como coletas e observação de campo, contatos com pessoas, livros e saberes, além de experiências com doentes. As principais fontes disponíveis são o tomo de história natural acerca dos vegetais e as cartas trocadas entre o cirurgião e a Academia das Ciências de Lisboa. Acessoriamente, lançamos mão de documentação do Conselho Ultramarino para melhor situar os interesses da Coroa e de diversos agentes que se valeram das “plantas úteis”.

Buscamos analisar, a partir do caso do cirurgião Sampaio, as condições específicas de produção científica em uma área colonial, discutindo de que maneira leituras, práticas e modelos de fazer ciência – bem como a circulação de saberes e fazeres entre indivíduos tão variados, como curadores não licenciados e agentes da Coroa diplomados na Universidade de Coimbra – constituíam uma práxis própria da experiência e da materialidade locais.

Desse modo, as perspectivas analíticas aqui desenvolvidas se afastam do tradicional difusionismo, que concebem a ciência como uma imposição de práticas oriundas da Europa, feita a partir dos centros metropolitanos. O “fazer ciência” depende de conhecimentos, gestos e linguagem constantemente testados, legitimados e revalidados, numa dinâmica que envolve o local e o global.

O século XVIII é marcado por um incremento do conhecimento e mapeamento da natureza e de suas potencialidades, destacadamente nos espaços coloniais. Para o contexto luso-brasileiro, temos uma literatura vasta acerca de objetos como as “viagens filosóficas”, a organização de gabinetes e jardins botânicos, a ampliação da circulação de livros, memórias, instruções e demais textos científicos que deveriam produzir conhecimentos úteis à Coroa.2 2 Para ficar aqui com parte dos autores com os quais nossa análise dialoga mais diretamente, conferir: Dias (2005 ; publicado originalmente em 1968); Domingues (2012) ; Kury (2004 , 2015 ); Brigola (2003) ; Pereira e Cruz (2016) ; Pereira (2017) e Pataca (2006) .

Parte desses homens de ciência – muitos deles bem próximos dos círculos do mestre Vandelli e formados pela Universidade de Coimbra reformada ( Calafate, 1994CALAFATE, Pedro. A ideia de natureza no século XVIII em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional, 1994. ; Araújo, 2014ARAÚJO, Ana Cristina (ed.). O marquês de Pombal e a universidade. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014. ; Fonseca, 2000FONSECA, Fernando Taveira da. A dimensão pedagógica da Reforma de 1772: alguns aspectos. In: Araújo, Ana Cristina (ed.). O marquês de Pombal e a universidade. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2000. p.43-68. , 2009FONSECA, Fernando Taveira da. Scientiae thesaurus mirabilis: estudantes de origem brasileira na Universidade de Coimbra, 1601-1850. Revista Portuguesa de História, v.33, n.2, p.527-559, 2009. ) – seguiu ou voltou para sua terra natal, a Bahia, onde ocupou cargos da administração régia, como ouvidores e juízes de fora. Nesses cargos desenvolveram pesquisas, muitas das quais seriam publicadas nas memórias da Academia de Ciências de Lisboa (ACL). As coletas que realizaram alimentavam gabinetes de curiosidades e jardins na própria América portuguesa, no Reino e suas colônias, além de outros países da Europa ( Raminelli, 2008RAMINELLI, Ronald. Viagens ultramarinas: monarcas, vassalos e governo à distância. São Paulo: Alameda, 2008. ; Pereira, 2017PEREIRA, Magnus R.M. Plantas novas que os doutos não conhecem: a exploração científica da natureza no Oriente português, 1768-1808. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, n.3, p.665-685, 2017. ; Pataca, 2006PATACA, Ermelinda. Terra, água e ar nas viagens científicas portuguesas, 1755-1808. Tese (Doutorado em Ensino e História de Ciências da Terra) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. ; Brigola, 2003BRIGOLA, João Carlos. Coleções, gabinetes e museus em Portugal no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. ).

Os homens de ciência e administradores da ilustração atuaram na capitania da Bahia, com os olhares voltados para as madeiras, a produção do tabaco, as minas de cobre, as possibilidades de aclimatação de espécies oriundas do Oriente, a busca de plantas que curavam, as considerações sobre o seu clima e as doenças que lhe seriam próprias ( Pereira, 2013PEREIRA, Rodrigo Osório. O império botânico: as políticas portuguesas para a flora da Bahia Atlântica colonial, 1768-1808. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013. , p.140 e s.; Pereira, 2017PEREIRA, Magnus R.M. Plantas novas que os doutos não conhecem: a exploração científica da natureza no Oriente português, 1768-1808. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, n.3, p.665-685, 2017. , p.678-680). Em documentos remetidos ao Conselho Ultramarino encontramos incontáveis fragmentos dessa realidade, dando mostras do pujante processo de produção e circulação de saberes efetuado por um conjunto bastante diversificado de agentes, com diferentes inserções no ambiente colonial. Sua formação e seu treino eram igualmente variados e podiam incluir tanto um aprendizado exclusivamente local quanto passagem por universidades europeias, o que indica que a aquisição e a circulação do conhecimento ilustrado se davam muito além dos limites do impresso ( Furtado, 2012FURTADO, Júnia F. Oráculos da geografia iluminista: dom Luís da Cunha e Jean-Baptiste Bourguignon D’Anville na construção da cartografia do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2012. , p.70 e s.).

Assim, para ficar apenas com alguns fragmentos representativos dessa realidade, em 1786, Francisco Nunes da Costa, ouvidor da comarca de Ilhéus, enviou ao governador da Bahia, dom Rodrigo José de Menezes, uma carta relatando a remessa de “cascas de plantas medicinais”. Tratava-se de mais um carregamento das “quinas americanas” que tanto interessavam ao Estado luso ( Walker, 2016WALKER, Timothy D. Global cross-cultural dissemination of Indigenous medical practices through the Portuguese colonial system: evidence from sixteenth to eighteenth-century ethno-botanical manuscripts. In: Wendt, Helge (ed.). The globalization of knowledge in the Iberian colonial world. Berlin: Max Planck Research Library for the History and Development of Knowledge, 2016. p.161-192. Disponível em: http://edition-open-access.de/proceedings/10/8/index.html. Acesso em: 8 mar. 2017.
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, p.181). Além disso, o conteúdo da carta é bastante revelador por deixar pistas sobre como se davam as relações de contato, coleta e usos da natureza da América portuguesa por meio da atuação desses diferentes agentes coloniais:

Em carta de 14 de Dezembro precedente foi V. Ex. servido ordenar-me, que eu auxilie o Padre Marcellino Francisco de Mello, na descoberta e extração de seis arrobas de uma casca, que o mesmo fez conhecer na Corte e que se denomina ‘Quina branca americana’, figurando-se o referido Padre como inventor dela; ordenando-me V. Ex. que da minha parte promovesse também este descoberto e a remessa da que fosse possível. Fiz logo entregar ao Padre a carta de V. Ex. e lhe segurei a inteira e fiel execução da ordem de V. Ex. no auxílio que lhe ofereci, que não aceitou, por ser esta extração de semelhante casca tão fácil e tão vulgar nesta comarca, que o mais pobre homem a pode fazer sem dispêndio, nem trabalho.

Remeto a V. Ex. 20 arrobas da mencionada casca, da qual devo dar a V. Ex., por ora, a relação seguinte, enquanto o não faço com outra legítima e específica descrição, que compreenda toda a árvore donde se separa.

É esta casca ou cortiça geralmente conhecida nesta Capitania dos Ilhéus com a denominação de Cavaco de Grem, por terem os Índios desta Nação e conquistados ou metidos de par no princípio deste século, os que a deram a conhecer: eles usavam dela e a recomendavam como um remédio infalível contra toda a qualidade de febres, para fortificar o estômago e para lombrigas; estendiam o seu uso a todas as enfermidades e daí lhe veio a outra mais célebre denominação de pau para tudo (Ofício..., 15 jan. 1786).

Aproximados sete meses depois, em nova ação do governador, agora enviando missiva e caixas ao ministro Martinho de Mello e Castro, é possível encontrar novos carregamentos das “quinas” vindas da Bahia, dessa vez com a menção a mais duas espécies diferentes, a “quina forte” (conhecida no Brasil como aratingui ou cavaco d’anta) e a “quina parda”. Quando as “quinas” baianas chegaram à metrópole, foram submetidas aos “exames” dos professores do Hospital de São José; estes “reprovaram” a eficácia das plantas, produzindo certidões que narravam seu uso em quatro enfermos, sem produzir “efeito algum”, desabonando, assim, a qualidade das quinas tão propagandeadas pelo ouvidor de Ilhéus e pelo padre Marcelino (Ofício..., 14 jul. 1790). Contudo, tais opiniões não foram unânimes. Testando parte da remessa da quina oriunda da Bahia, o juiz de fora de Aldeia Galega (possivelmente a atual Montijo, nas cercanias de Lisboa) a distribuiu entre os cirurgiões e enfermos de seu distrito e concluiu que “a muitas mais Pessoas foi aplicada a dita Quina, e se acharam livres das Sezões que padeciam”. Essa opinião foi corroborada pelo frei Agostinho de S. Antônio Ferreira, que se apresentou como enfermeiro das enfermarias de São Carlos, e São João de Deus nesse Hospital Real Militar da Corte, narrando o caso de um soldado que ficara “inteiramente livre das ditas sezões” depois do uso da planta (Ofício..., 14 jul. 1790).

Assim, o personagem aqui estudado3 3 Entre os poucos estudos que se debruçam mais detidamente sobre a produção científica de Sampaio, podemos mencionar Cergueira (2018) e Conceição (2016 , 2018 ). se insere em um ambiente de descoberta, classificação e usos das diferentes espécies do reino vegetal na capitania da Bahia para o serviço “útil” ao rei, engendrado por múltiplos outros agentes com diferentes formações e inserções4 4 A documentação do Conselho Ultramarino nos mostra a atuação desses agentes, a exemplo do cirurgião aqui estudado, que, mesmo não possuindo formação universitária, se dedicaram à produção de textos, coletas e experiências usando os três reinos da América lusa. Caso conhecido e paradigmático nesse sentido é o de João Pereira Manso (1750?-1820), autodidata como o cirurgião de Cachoeira, que desenvolveu uma série de estudos e ações em campos como a mineralogia e a química, além de aperfeiçoar maquinários para a produção de sal, porcelanas e cachaça, atuando nas capitanias de Minas Gerais, onde nasceu, Rio de Janeiro (onde estudou no Seminário de Nossa Senhora da Lapa) e São Paulo ( Filgueiras, 1993 ). nos quadros administrativos do Estado e na “República das ciências” ( Bret, 2008BRET, Patrice. “Ils ne forment tous q’une même république”: académiciens, amateurs et savants étrangers dans la correspondance des chimistes à la fin du 18e. siècle. Dix-Huitième Siècle, n.40, p. 263-279, 2008. ).

Francisco Antônio de Sampaio nasceu em Portugal, em 1748, e chegou à América lusa ainda criança, fixando-se, como já mencionado, na vila de Cachoeira, após breves estadas no Espírito Santo e Rio de Janeiro. Em Cachoeira, praticou por mais de duas décadas as artes de curar, realizando “experimentos” envolvendo plantas e animais. Certamente era reconhecido como o médico do local, pois atuava como partidista da Câmara do Senado e do Hospital da Ordem de São João de Deus. Sampaio dizia mesmo que tinha uma licença vitalícia para “curar de toda medicina”, expedida pelo físico-mor do Reino.5 5 Ainda que por diversas vezes se autointitulasse médico, era, formalmente, cirurgião. Conseguira a chancela em 1762, comprovando, por certidão, ter “aprendido e praticado” a arte e sendo aprovado em exame por unanimidade (Carta..., s.d.). O fato de não ter formação universitária e extrapolar, como veremos, suas funções formais como cirurgião lhe renderam pelo menos duas multas aplicadas pelo Protomedicato. Agradecemos a Laurinda Abreu a generosa localização e transcrição da carta de cirurgião obtida por Sampaio. Era autodidata. Segundo ele, seu “gênio naturalmente curioso” e uma “natural propensão ao estudo da medicina, cirurgia e farmácia, e fazendo neles o progresso que o país me pôde permitir, por meio de uma continuada lição dos livros ... me determinei a fazer umas breves das mais notáveis produções em todos os três reinos”. Essas informações aparecem nas cartas que endereçou à Academia das Ciências de Lisboa. Ao todo, há quatro cartas, entre 1783 e 1793 (Cartas..., s.d., p.233, 282, 402, 463),6 6 As cartas de Sampaio à Academia foram publicadas em Martins (2008) . nas quais se fica a par de acontecimentos relevantes quanto a sua atuação profissional e seus estudos sobre a natureza da região em que vivia.

A academia não se interessou em levar ao prelo os esforços científicos de Sampaio, sendo seu manuscrito impresso somente cerca de duzentos anos depois de ter sido escrito (Sampaio, 1969; escrito originalmente em 1782).7 7 O que não significa que o texto e as imagens não tenham circulado, mesmo tendo permanecido manuscritos; realidade, aliás, usual no contexto estudado. Nas cartas enviadas para a ACL, por diversas vezes solicitou encorajamento de suas atividades, mas o reconhecimento oficial como sócio correspondente só ocorreu em 1798 ( Conceição, 2016CONCEIÇÃO, Gisele C. da. Natureza ilustrada: estudos sobre a filosofia natural no Brasil ao longo do século XVIII. In: Polónia, Amélia et al. História e ciência: ciência e poder na Primeira Idade Global. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2016. p.142-179. , p.171).

Concordamos com a assertiva de Schiebinger (2017SCHIEBINGER, Londa. Secrets cures of slaves: people, plants and medicine in the eighteenth-century Atlantic World. Stanford: Stanford University Press, 2017. , p.147) de que “não era todo o conhecimento, no entanto, que circulava”, ou que seria, em princípio, efetivamente produzido para circular. O tratado de história natural escrito pelo cirurgião Sampaio e intitulado História dos reinos animal, vegetal e mineral do Brasil, pertencentes à medicina (dois tomos) parece ter sido produzido com a intenção de circular. Sua caligrafia e sua ordenação, sem dúvida, acusam o claro objetivo de chegar aos homens de ciência da metrópole e, quem sabe, ser impresso, para que, com isso, pudesse melhor se inserir na “República das ciências” luso-brasileira. Esse desejo de reconhecimento por parte dos homens de ciência pode ser percebido nas estratégias discursivas de seu texto e na sua tentativa de divulgação das ações e experiências como curador, manipulando e fazendo experimentos com a fauna e a flora de “seu país” (Kury, Nogueira, 2018).

A partir de agora, discutiremos o que o cirurgião de Cachoeira tinha a oferecer aos membros da academia acerca de seus saberes e práticas envolvendo as plantas, acumulados em décadas de observações, coletas, leituras, contatos interpessoais e usos nos corpos enfermos que remediara.

O cirurgião Sampaio e as plantas que curam

No curso do primeiro tomo de seu História dos reinos nos são apresentadas 83 plantas. Às descrições no manuscrito são acrescidas vinte estampas coloridas em aquarela, com várias figuras por página. Muitas vezes são desenhados à parte detalhes dos frutos, sementes, vagens e demais partes que considerava relevantes e que buscavam se aproximar das representações típicas do sistema lineano. Os exemplares do reino vegetal “pertencentes à medicina” são dispostos em 12 categorias – “resolutivas”, “detergentes”, “incrassantes” (de uso interno), “adstringentes”, “purgantes e eméticas”, “desobstruentes”, “contravenenos e febrífugas”, “diaforéticas”, “antivenéreas”, “anticólicas”, “antiespasmódicas”, e “refrigerantes e temperantes” (de uso externo) – nas quais tais plantas eram associadas aos efeitos terapêuticos nos corpos doentes, em uma flagrante influência das teorias humorais hipocrático-galênicas.

Um primeiro aspecto que nos chama atenção é que, entre os vegetais descritos, figuram tanto aqueles efetivamente nativos da América, a exemplo da abutua, do urucum, da mandioca, do caju e do tanherom (provavelmente, tanheiro), como plantas oriundas de outras paragens, a exemplo da banana, da pimenta-malagueta, que “nasce pelas roças e quintais” ( Sampaio, 1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.15), da babosa, do tamarindo, entre outras ( Martins et al., 2003MARTINS, Ernane Ronie et al. Plantas medicinais. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2003. ). Em âmbito geral, não encontramos nenhuma preocupação por parte do autor em situar o leitor mais precisamente acerca da procedência dos vegetais citados. Estes aparecem genericamente como “plantas de seu país” (a vila de Cachoeira). Para algumas delas, são mencionados os lugares de coleta, dando mostras de sua frequência e inserção na paisagem: “crescendo pelos matos”, “erva silvestre e sem cultura”, “se produz em campos, e mesmo pelas povoações”. Uma explicação provável, em consonância com os argumentos de Gesteira (2013GESTEIRA, Heloisa. A América portuguesa e a circulação de plantas, séculos XVI-XVIII. In: Kury, Lorelai. Usos e circulação de plantas no Brasil, séculos XV-XIX. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson, 2013. p.12-51. , p.34-38) e de Kury (2013)KURY, Lorelai. Plantas sem fronteiras: jardins, livros e viagens, séculos XVIII-XIX. In: Kury, Lorelai. Usos e circulação de plantas no Brasil, séculos XV-XIX. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson, 2013. p.228-291. , é que alguns desses vegetais estavam há tanto tempo aclimatados e inseridos no cotidiano dessas pessoas que já seriam, de fato, considerados “da terra”.

Assim, ao longo de suas páginas, raízes, galhos, sementes, polpas de frutos são minuciosamente descritos. Sampaio indica ter observado e testado suas virtudes curativas por meio de diferentes manipulações e aplicações, tanto internas como externas. Informa também que produziu xaropes, “potagens”, tinturas, cataplasmas, cozimentos tópicos, ou, por vezes, aplicou diretamente esses produtos vegetais, principalmente as folhas – em geral, “contuzas” ou “secas e reduzidas a pó” –, em “chagas”, “contusões”, entre outros achaques. Para um exemplo de sua escrita, segue o modo como o cirurgião de Cachoeira descreveu os “usos e virtudes” da cuiaté, referida como uma fruta:

A medula dessa fruta é a parte somente, que tem virtude medicinal; na verdade é muito bom resolutivo; eu o tenho preferido a outros de boa nota, com feliz sucesso, por cuja causa posso afirmar a sua utilidade. Toma-se uma dessas frutas imatura, cobre-se de brasas de fogo, e cinzas quentes até que fique perfeitamente assada; então tira-se a medula, e com calor tolerável se aplica ao tumor/retirando a cataplasma as vezes que parecerem necessárias ( Sampaio, 1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.16).

Pela natureza do texto em análise, um tratado de história natural, as plantas que curavam da vila de Cachoeira são descritas, classificadas e apresentadas em suas qualidades terapêuticas na forma de remédios “simples”. E, em raras exceções ao longo do texto, Sampaio associa seus usos a outros componentes, a exemplo do cozimento de folhas com “licor apropriado” (ainda que não o especifique), como fizera com a abutua (Sampaio, 1969, p.17), ou “enxúdia” de animais, dando preferência “aos animais desse Brasil que são [as enxúdias] penetrantíssimas” (p.14-15). Em sua prática médica cotidiana, porém, é mais que provável que as plantas da vila de Cachoeira, como de outras partes do império luso, fossem associadas umas às outras, acrescidas de vinho, cachaça, animais e minerais, sem contar com o uso de componentes químicos, que na medicina portuguesa tiveram significativo impacto a partir da obra do doutor Curvo Semedo. Esse expediente aparece nas artes de curar dos diversos cirurgiões que nos deixaram matérias médicas associadas à América portuguesa, a exemplo de Gomes Ferreira (1735) e Antônio Mendes (1770). É possível também encontrar receitas médicas anexadas em inventários (geralmente para a cobrança da família do defunto), conforme lemos em diversos estudos ( Furtado, 2005FURTADO, Júnia F. Barbeiros, cirurgiões e médicos na Minas colonial. Revista do Arquivo Público Mineiro, ano 41, p.90-105, jul.-dez. 2005. ; Viotti, 2017VIOTTI, Ana C. As práticas e os saberes médicos no Brasil colonial, 1677-1808. São Paulo: Alameda, 2017. ; Quadros, 2019QUADROS, Lucas. Que se faça segundo arte e estilo: livros médicos, autores e receituários nas práticas curativas em Mariana colonial. In: Franco, Sebastião P. et al. Artes de curar: doenças em perspectiva. Vitória: Multifontes, 2019. p.43-68. ).8 8 Agradecemos a Nelson Sanjad por essa observação na ocasião da apresentação preliminar dessa pesquisa no seminário “Plantas e história: conhecimento, usos e circulação”, realizado na Fiocruz, em agosto de 2019.

Além disso, diferentemente de outros gêneros de textos médicos – como as “observações”, “memórias” ou “matérias médicas” ( Costa, 2011COSTA, Palmira Fontes da. Os livros e a ordem do saber médico: perspectiva historiográfica. In: Costa, Palmira Fontes da; Cardoso, Adelino (org.) Percursos na história do livro médico, 1450-1800. Lisboa: Colibri, 2011. p.13-32. , p.19-24) que narram em detalhe casos clínicos e o curso das enfermidades e suas curas –, a iniciativa de classificação de plantas e animais do cirurgião Sampaio não traz quase nada acerca da forma como cuidava de seus doentes, ainda que possamos pensar, por sua inserção em diferentes espaços de cura, que ele possuísse ampla experiência clínica. Ao longo de seu texto, o cirurgião faz menção apenas às curas de dois pacientes: um homem “de mais de cinquenta anos” que “sarou de uma hérnia”, contando com a casca do jenipapo e suas propriedades “adstringentes” (que não foi tratado diretamente por ele) e uma “negrinha” que não resistiu a uma picada de cobra “geraraca”. Neste caso, o cirurgião foi em vão chamado às pressas para curá-la, narrando que “lhe achei a mão, em que foi mordida, e todo o braço esfacelado” (Sampaio, 1969, p.35, 61). Excetuando esses relatos mais específicos, encontramos ainda poucas menções ocasionais, como na descrição de seus usos da gameleira, que sua experiência diz ser o mais “poderoso desobstruente dos vegetais desse país, porque com ele tenho curado felizmente muitos enfermos caquéticos e ainda alguns hidrópicos” ( Sampaio, 1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.43).

Assim, é bastante flagrante a percepção de que, em seus “experimentos” com as plantas locais, o cirurgião produzia seus próprios remédios – prerrogativa dos boticários na hierarquia médica do contexto estudado –, além de receitar e administrar “remédios internos”, tipo de cura que só aqueles que tinham formação universitária como médicos (físicos) poderiam realizar. Tais ações, que extrapolavam suas funções como cirurgião licenciado, justificaram as multas que recebeu da polícia médica do Protomedicato, num momento de acirramento da vigilância, tanto no Reino como em suas áreas coloniais ( Abreu, 2013ABREU, Laurinda. Pina Manique: um reformador no Portugal das Luzes. Lisboa: Gradiva, 2013. ). Esse problema foi tratado por ele em carta que enviou a Lisboa, narrando ter sido multado “não só por fabricar medicamentos, mas também por curar de medicina”. A despeito de seus contra-argumentos, o delegado do Protomedicato foi enfático na sua percepção dos limites formais das artes de curar: “respondeu que conhecia em mim grande erudição, ciência, prática e habilidade, mas que nada me valiam não sendo médico formado” ( Sampaio, 2008SAMPAIO, Francisco Antonio de. Cartas à Academia das Ciências de Lisboa. In: Martins, Anna Paula (org.). Eu observo e descrevo, de Francisco Antonio de Sampaio. Rio de Janeiro: Dantes, 2008. , p.14).

Além de apresentar os usos médicos das plantas de seu país, Sampaio descreveu morfologicamente os vegetais de que dá notícia aos homens de ciência da metrópole. Assim, comenta em sua primeira carta à Academia que, caso fosse feliz na apresentação de sua empreitada científica, “prosseguiria ... pelo mesmo método que me tenho adotado ou por aquele que V. Ex.ª me for prescrito e determinado” (Sampaio, 2008, p.12). Ainda que não diretamente explicitado, seu “método” envolvia uma descrição e classificação morfológica das plantas de Cachoeira, numa tentativa de seguir o modelo lineano. Para tanto, Sampaio, em seus pormenores, contou anteras e pistilos, descreveu flores em suas formas, cores e tamanhos, fazendo o mesmo com folhas, galhos, troncos, cipós, vagens, sementes, frisando ainda que teria usado o microscópio para conferir maior precisão às suas “observações”.9 9 Para a percepção da busca de legitimidade e credibilidade na produção em um momento em que não existia a categoria profissional e social do cientista e a produção científica se imiscuía de modo indissociável às dinâmicas sociais e relações de poder próprias do Antigo Regime, a exemplo de concepções como “honra”, “visibilidade/credibilidade social”, privilégios e mercês, conferir Biagioli (2006) , Shapin (1995) e Schaffer (2018) . Não é demais lembrar que o referido “microscópio” bem poderia ser um conjunto de lentes de aumento, como espécies de lupas, que eram frequentemente usadas nos estudos e taxonomia da flora ( Nickelsen, 2006 ). Vê-se no trecho que segue o modo como a vassourinha é descrita e classificada, valorizando o uso daquele artefato científico de maneira a reforçar sua credibilidade e o distinguir de outros observadores:

Esta vassourinha, pois é uma erva frequente pelos subúrbios dos povos, e mesmo pelos cantos das ruas; ela é muito enriquecida de miúdas folhas, e quase sempre de folhas ‘pouco perceptíveis à vista’ e de miudíssimas sementes. As suas flores vistas com o microscópio se percebem tetrapétalas, e brancas tirantes a vermelho claras. A estampa 3, fig.3 mostra o seu retrato ( Sampaio, 1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.21; destaques nossos).

A descrição do fedegoso é exemplar da aproximação que buscava realizar com as descrições botânicas da época. Além de contar os órgãos reprodutivos da flor, ele mostra as etapas de desenvolvimento da planta:

A bage [ sic ] que mostra a letra (a) já é grande, mas ainda imatura, as outras (bbbb) estão em estado ainda de muito tenras, e mais a que se sai do centro da flor. A fig. 6 faz ver duas flores em um só talo: elas são pentepétalas e são dotadas de quatro anteras pequenas, e duas grandes que acompanham a única gina (c) e exala um cheiro desagradável ( Sampaio, 1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.13).

Quando da produção do segundo tomo do História dos reinos , referente aos animais, e depois de conseguir algum encorajamento e orientações dos membros da academia, as referências a Lineu tornaram-se explícitas. Nas últimas cartas de que temos notícia, o cirurgião relata que seguiu um “diverso método ... crendo ser mais perspícuo, perceptível e interessante”. Mais adiante, o tal método é diretamente mencionado: “tudo [a descrição dos animais] de baixo da ordem e termos de Lineu” ( Sampaio, 2008SAMPAIO, Francisco Antonio de. Cartas à Academia das Ciências de Lisboa. In: Martins, Anna Paula (org.). Eu observo e descrevo, de Francisco Antonio de Sampaio. Rio de Janeiro: Dantes, 2008. , p.14, 16).10 10 Acreditamos que possa ter lido diretamente o Systema naturae em edição anterior à décima, de 1758, que é quando Lineu introduziu a categoria mammalia , em substituição à quadrupedia , utilizada por Sampaio ( Schiebinger, 1993 ). Como é sabido, no contexto da ilustração luso-brasileira, a preferência pelo sistema de classificação lineano como padrão de produção e validação do conhecimento científico deu-se, em grande medida, por conta da influência do naturalista italiano Domenico Vandelli, uma vez que a taxonomia do naturalista sueco não foi consensual em todos os centros científicos europeus ( Kury, 2008KURY, Lorelai. As coleções, a invasão francesa e o Brasil. In: Kury, Lorelai (org.). O gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli. Rio de Janeiro: Dantes, 2008. , p.73-74).11 11 Para abordagens que aproximam as descrições de Sampaio da metodologia lineana e apresentam suas especificidades, conferir também Conceição (2018) e Kury e Nogueira (2018) . Assim, sobretudo no que diz respeito ao tomo dos animais, concordamos com Conceição quando observa a aproximação metodológica e discursiva de Sampaio em relação ao naturalista sueco, mesmo em momentos em que não encontrava descrição exata dos animais que constavam na obra de Lineu. Além disso, a adoção do método lineano facilitava a circulação de textos científicos para além das fronteiras de Portugal.

A despeito de buscar realizar descrições morfológicas dos elementos de frutificação, há na obra do cirurgião muitos trechos que se afastam desse tipo de metodologia e apresentam observações provenientes de seu contato direto e assíduo com o que estudava e experimentava. A observação direta dos fenômenos e o testemunho por pessoa instruída eram também características valorizadas pela ciência da época. Mais do que a cientificidade do tipo lineana, para a qual não tinha qualificação, o conhecimento dos “usos e virtudes” das plantas e animais, a partir da vivência na vila de Cachoeira e seus arredores, dava densidade a seus escritos (Kury, Nogueira, 2018; Nogueira, 2019NOGUEIRA, André. Francisco Antônio de Sampaio. In: Kury, Lorelai (org.). Cadernos de viagem. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson, 2019. p.47-51. ). Tal estratégia descritiva pode ser observada, por exemplo, na caracterização do anduzeiro, na qual sublinha que sua vagem possui sementes à semelhança de lentilhas e que “guisadas são mais saborosas que os feijões e que obtém o nome de andúz” ( Sampaio, 1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.28).

Ao tratar da cajazeira, o cirurgião também mostra como a utilidade dessa árvore, “que é das maiores que no Brasil se criam”, iria bem além das propriedades adstringentes de suas folhas, frutas verdes e cascas:

O seu tronco é grandemente grosso, coberto de uma cortiça. ... Esta cortiça é sempre fendida em muitas partes; ela é muito compacta, donde vem que muitos artífices obram nelas bem delicadas obras como imagens de santos, moldes para obras de ourives, e semelhantes coisas primorosas, porém tanto tem de dócil ao lavrar, quanto de fragível ( Sampaio, 1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.33).

Observações e descrições associadas aos “usos comuns” e aos “costumes dos povos” estavam presentes em outros textos que visavam classificar animais e plantas, embora tenham ganhado especial sistematização no contexto da ilustração, quando é produzido um amplo conjunto de instruções e demais textos “instrumentais” para orientar o olhar daqueles que classificavam e coletavam espécimes de vegetais e animais a esquadrinhar a natureza, principalmente com vistas à sua utilidade econômica e diferentes possibilidades de usos, para além do registro e coleta de artefatos próprios e toda sorte de “curiosidades” oriundas dos povos e espaços que faziam parte do Império (Pereira, Cruz, 2012, p.116).

Tais observações envolviam hábitos alimentares ou o uso de diversas plantas, que veríamos atualmente apenas como temperos, para dar gosto e substância aos preparos e que possuíam inúmeras outras propriedades, sendo referidas significativamente na época como “adubos do corpo” ( Carneiro, 2002CARNEIRO, Henrique. Amores e sonhos da flora: afrodisíacos e alucinógenos na botânica e na farmácia. São Paulo: Xamã, 2002. ). Assim, pimenta, gengibre, açúcar, entre outros, figuravam com frequência em diferentes gêneros de textos médicos – com destaque para as matérias médicas –, aplicados em mezinhas para muito além de uso estrito como alimento, pois estavam associados a uma série de atividades dos corpos, como a recuperação de suas forças, o controle das “paixões da alma”, os exercícios em geral (a atividade sexual incluída), ou seja, articuladas a outras variáveis, compunham a complexa e duradoura concepção hipocrática de dieta ( Cairus, 2005CAIRUS, Henrique. Textos hipocráticos: o doente, o médico e a doença. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. , p.93 e s.).

Resumindo, ao tratar das “plantas de seu país”, o cirurgião Sampaio buscava oferecer, em consonância com os interesses metropolitanos em esquadrinhar as potencialidades da natureza colonial, um tipo de conhecimento produzido em primeira mão, que só possuiria quem travava uma relação direta com seu objeto, durante anos de observação e prática. Tal atitude diante do que se buscava conhecer motivara Sampaio, em certos trechos de seu tratado, a produzir “advertências” nas quais refutava e corrigia as informações de textos médicos de significativa circulação, a exemplo da Farmacopeia tubalense (1735) e do Âncora medicinal (1720; Sampaio cita sua segunda impressão). Essas referências mostravam ainda sua ambiência com o universo letrado, a corroborar a “continuada lição dos livros”, que teria frisado em carta como parte de uma formação.

Outro exemplo paradigmático de tal estratégia de busca de legitimidade de seus saberes e práticas e de sua aproximação com o universo dos livros pode ser encontrado na descrição que fez dos “usos e virtudes” medicinais da abutua ou parreira-brava, que a essa altura já era bastante conhecida e difundida no Velho Mundo como fármaco. Assim, uma vez mais o cirurgião de Cachoeira buscava afirmar a experiência terapêutica por décadas acumulada no “seu país”, refutando os saberes distantes dos “escritores”: “Se fossem verdadeiras as virtudes medicinais todas que os escritores atribuem à abutua, sem dúvida seria ela de muito estimável mérito; mas a experiência de sua aplicação muitas vezes repetida me tem ensinado em algumas enfermidades o contrário do que eles nos asseguram” ( Sampaio, 1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.57).

Em certos trechos de seu tratado de história natural, esse tom de ineditismo e conhecimento em “primeira mão” é afirmado de modo ainda mais veemente. Isso é flagrante na forma como é descrita a folha (ou erva) de fogo, que o olhar treinado do cirurgião era capaz de localizar pelos “campos” e “matos pequenos” do espaço em que curava e que tão bem conhecia. Desse modo, distingue seu conhecimento e suas terapias em relação aos outros homens de ciência e agentes de cura e, talvez por isso, fazendo-o merecedor de valorização e visibilidade dos homens de ciência da metrópole: “Esta planta é pouco conhecida do vulgo, e mesmo dos professores de medicina, mas eu posso atestar pela experiência, que me tem dado o seu uso, que não só é um excelente detersivo de qualquer chaga sortida, mas que não tenho visto em toda farmácia remédio de mais eficaz e presentânea [ sic ] virtude” ( Sampaio, 1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.22-23).

Em outro momento, ao tratar das propriedades resolutivas da jarrinha, uma vez mais o cirurgião apresenta um tom laudatório acerca das virtudes medicinais das plantas locais, descrevendo-a como um dos “mais profícuos resolutivos do reino vegetal”, arrematando que não se referia apenas aos resolutivos “deste Brasil”, “mais ainda com preferência aos que se nos conduzem de países estrangeiros” ( Sampaio, 1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.11).

Seguindo outros rastros das prováveis influências do universo letrado para lastrear a história natural produzida pelo cirurgião de Cachoeira, acreditamos que ele possa ter tido acesso bastante direto a algum dos manuais de instrução que visavam padronizar e treinar olhares e práticas daqueles envolvidos na observação e coleta do mundo natural, produzidos por homens de ciências ou em nome de suas instituições na metrópole; quem sabe as Breves instruções , publicadas pela própria ACL em 1781?12 12 Julgamos plausível supor o contato direto com o texto das instruções e/ou o aprendizado via circulação de conhecimento oral, uma vez que na região de Cachoeira estavam inseridos indivíduos bastante próximos dos circuitos ilustrados de Vandelli, a exemplo do próprio juiz de fora Amorim e Castro, que fora aluno do naturalista italiano na Universidade de Coimbra e que sabemos, pelas cartas à academia, que travava contato direto com Sampaio. Fato é que cerca de um ano após terem saído do prelo, o governador da Bahia deu notícias ao ministro Martinho de Mello e Castro do recebimento de exemplares das Breves instruções e, obedecendo às ordens remetidas com a obra, os repartiu “com as pessoas que me pareceram mais inteligentes, para poderem usar deles” (Ofício..., 11 maio 1782). A despeito de não dar informações mais precisas acerca de quem eram tais “pessoas mais inteligentes”, esse documento prova as remessas e a circulação dessas instruções na capitania da Bahia, no momento em Sampaio desenvolvia seus estudos de história natural.

Ainda que o cirurgião de Cachoeira não tenha feito em seus textos científicos ou em suas cartas nenhuma menção explícita a esse tipo de publicação, uma evidência do provável conhecimento de Sampaio em relação às instruções é o modo com que frisa o fato de “seu pintor”13 13 Em uma das cartas à academia, o cirurgião menciona que contava com os préstimos de um pintor para a realização das estampas que apresentou junto com os textos manuscritos. ter reproduzido animais e vegetais,14 14 No caso dos vegetais, teria dito em uma de suas cartas que os desenhava “em estampas debuxadas à face dos mesmos originais no seu natural” ( Sampaio, 2008 , p.12). Ao longo das páginas de seu tratado de história natural, são comuns expressões como “na sua natural grandeza”; “toda na sua grandeza e figura natural em que Deus as criou”; “ramo com folhas e flores fielmente debuxado”, entre outras. muitos deles em suas “figuras, e cores, e muitos na sua grandeza estampados” ( Sampaio, 2008SAMPAIO, Francisco Antonio de. Cartas à Academia das Ciências de Lisboa. In: Martins, Anna Paula (org.). Eu observo e descrevo, de Francisco Antonio de Sampaio. Rio de Janeiro: Dantes, 2008. , p.16), observação modelar recorrentemente repetida nas Breves instruções , bem como em outras instruções de viagem produzidas na segunda metade do século XVIII (Pereira, Cruz, 2012, p.115-133; Pataca, 2006PATACA, Ermelinda. Terra, água e ar nas viagens científicas portuguesas, 1755-1808. Tese (Doutorado em Ensino e História de Ciências da Terra) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. ; Abdalla, 2012ABDALLA, Frederico T. de M. O peregrino instruído: um estudo sobre o viajar e o viajante na literatura científica do Iluminismo. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012. ). Assim, podemos ler em uma das páginas das Breves instruções a seguinte observação acerca das informações que deveriam acompanhar a coleta e remessa de exemplares de quadrúpedes: “e quando isto [a preparação do animal para remessa] não se possa fazer com a perfeição devida, remeta-se ao menos o seu desenho com as cores próprias, ou uma relação exata que supra do melhor modo a sua falta” (Breves instruções..., 1781, p.10).

Em outro trecho do texto instrumental e normativo produzido pela Academia das Ciências de Lisboa, igualmente há a valorização de remessas de “alguma obras de artifício dos naturais do país, como de seus vestidos, armas, instrumentos etc.”, dando notícias “das coisas mais notáveis e curiosas do terreno, em que se acham os ditos produtos, e os costumes dos povos que os habitam” (Breves instruções..., 1781, p.37-38). Não sabemos ao certo se entre as remessas que o cirurgião enviou a Lisboa constava esse tipo de artefato. Por outro lado, como destacado, incluir em seus relatos e descrição das plantas úteis à medicina, predicados alimentares ou de produção artesanal não deixaria de ser uma observação desse direcionamento de olhar proposto pelos homens de ciência da metrópole. Isso constitui mais um indício de que Sampaio teria, de fato, conhecimento de alguma dessas “instruções”.

No mesmo compasso, Sampaio, para além de sua produção dos tomos manuscritos e das estampas sobre os vegetais e animais locais que os acompanhavam, buscava se inserir no circuito das remessas de outros artefatos científicos para o Reino, a alimentar jardins botânicos e gabinetes em Portugal e Europa afora. Assim, teria solicitado resposta sobre o recebimento de um “caixão pregado” onde se lia, escrito na “tampa com letras grandes: para a Invicta Academia das Ciências de Lisboa”, contendo, entre outros artefatos, uma “pedra brasiliense esculpida e [n]um relicário clausuradas, as armas desta Academia”, que – Sampaio explica – “por falta de professores de talha e escultura me vi obrigado a fabricar, tudo com a delicadeza que minha curiosidade pôde”, e outro relicário com o rosto da rainha. Completa afirmando que quando tratasse do reino mineral daria “noção de suas qualidades, que na verdade são estimáveis”. Além disso, Sampaio menciona ter enviado uma “descrição desta Vila de Cachoeira” e um mapa “tudo com estampas iluminadas e números das Almas não só desta Freguesia da Cachoeira, mas também de mais sete que os seus termos compreendem” e, talvez, nessa remessa também tenha ido o tomo referente aos minerais. Ao que parece, entretanto, o tal “caixão” se perdera ou fora extraviado (Sampaio, 2008, p.15-16).15 15 De acordo com Fernandez e Oliveira (2007) , o provável mapa descrito por Sampaio achava-se em um manuscrito produzido por Amorim e Castro em 1792, intitulado “Memória sobre as espécies de tabaco que se cultivam no Brasil, com as observações sobre a sua cultura, comércio, artes, com a descrição botânica das novas espécies, estampas iluminadas e mapa da Vila da Cachoeira”. Fazendo, atualmente, o referido mapa parte do acervo da Biblioteca Pública de Nova York.

Outro aspecto que chama a atenção na produção científica e nas práticas curativas do cirurgião Sampaio são as evidências da circulação e do uso de conhecimentos acerca das plantas e animais que envolviam diversos agentes sociais, tanto aqueles oriundos dos estratos populares, o que incluía, decerto, curadores não licenciados, que não raro carregavam a pecha de feiticeiros ( Souza, 1995SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. ; Nogueira, 2016NOGUEIRA, André. Entre cirurgiões, tambores e ervas: calunduzeiros e curadores ilegais em ação nas Minas Gerais, século XVIII. Rio de Janeiro: Garamond, 2016. ), como indivíduos mais bem situados que Sampaio nos espaços e hierarquias dos homens de ciência da ilustração, luso-brasileira, como o já referido licenciado Joaquim de Amorim e Castro, nomeado, em 1787, juiz de fora da vila de Cachoeira.

Assim, os habitantes locais aparecem em seu tratado de história natural reportados de modo generalizado como “o vulgo”, “os paisanos”, “os rústicos desse país” etc. À primeira vista, percebemos uma iniciativa deliberada de promover uma ação dupla de apagamento ou desabono das práticas e conhecimentos terapêuticos dos grupos subalternos da vila de Cachoeira.

Um bom exemplo dessa estratégia narrativa pode ser atestado quando descreve as propriedades terapêuticas do cipó-chumbo de Minas. Ao confrontar seus saberes e práticas com as de um “vulgo” que atribuía à planta “quase infinitas virtudes”, sendo usada para “todo o gênero de feridas assim externas como internas”, especialmente para ferimentos provocados por armas de fogo (justificando o nome dado à planta) e ainda para casos de gonorreias, tosses, fluxos de sangue, entre outras enfermidades, Sampaio afirma, ironicamente, que “nunca colhi aquela prodigiosa utilidade a que os nacionais me querem persuadir”. Arremata dizendo que se valia desse simples da terra estritamente como um “brando incrassante dos humores nimiamente líquidos”, usando o tal cipó como mais uma de suas mezinhas internas, na forma de cozimento, para os casos de diarreias, hemoptises e outras hemorragias (Sampaio, 1969, p.27-28).

Ao apresentar os “usos e virtudes” do urucum percebemos, de modo ainda mais contundente, sua vontade de deixar bem delimitado o distanciamento entre os saberes e as práticas de um cirurgião chancelado e possuidor de licença para “curar de toda medicina” e aquelas dos “rústicos”. Nos termos de Sampaio (1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.29-30):

Somente as frutinhas ou bagos chamados urucum sei que tenham [ sic ] virtude medicinal, e ainda poucos curiosos têm notícia, e julgo que nenhum professor. Pelos sertões por onde eu andei, as vi aplicar felizmente ainda que ‘sem método’, porque, ‘enfim, são curiosos sem princípios nem lições dos homens’, que por aquelas agrestes regiões curam (destaques nossos).16 16 De fato, construções textuais análogas são bastante recorrentes no curso de seu História dos reinos ; para mais percepções nesse sentido, além de outras, conferir as páginas 55, 61 e 67, para o tomo dos vegetais, e p.23, 54 e 68, acerca dos animais.

Apesar de tentar distinguir-se essencialmente dos curadores populares, quando olhamos atentamente a exposição de seus saberes e práticas terapêuticas, percebemos que o cirurgião Sampaio aprendeu bastante com aquelas pessoas que não tinham licença para curar e com os demais grupos subalternos em seu espaço de atuação, sem contar com uma mais que provável circulação material que tais contatos igualmente engendravam, além de seus complexos mecanismos de circulação e ressignificação de saberes e fazeres.17 17 Além das análises dos processos de negociações, relações de força e circulação de conhecimentos e práticas de diferentes agentes coloniais desenvolvidas por K. Raj (2010) e sua crítica da produção científica a partir de uma via de mão única “centro/periferia”, igualmente consideramos aqui importantes as considerações de C. Ginzburg (1998) em relação aos processos de circularidade cultural e possibilidades de (re)interpretação e intervenção nas realidades sociais e cognitivas por meio dos contatos – que inclusive envolviam direta ou indiretamente o universo dos livros e das leituras – entre a “alta” e a “baixa” cultura na Europa moderna. Como mencionado, o tom do cirurgião para definir as pessoas que coexistiam com ele na vila de Cachoeira era lacônico e, não raro, detrator. Contudo, parece-nos claro que boa parte desses saberes era proveniente da interação com as populações nativas locais, africanas e afrodescendentes e que sofreria adequações e apagamentos a partir dos parâmetros científicos vigentes. O caso da taxonomia de viés lineano (que, como mencionado, Sampaio seguia apenas parcialmente) é significativo de um desejo explícito de afastamento em relação aos saberes locais. O uso de teorias médicas, de determinados protocolos experimentais, entre outros,18 18 Isso para não mencionar um ainda mais radical deslocamento nesses encontros, apropriações e esquecimentos de saberes e fazeres: o das palavras e práticas faladas para as palavras e práticas escritas, como, igualmente, lembra-nos Ginzburg (1998) . igualmente demonstra o propósito de traduzir e adequar os conhecimentos e práticas do “vulgo” a um discurso científico que se encontrava em vias de legitimação, universalização e padronização nas últimas décadas do século XVIII.

Assim, um primeiro elemento que chama a atenção é a quantidade de vegetais que afirma ser cultivada e “crescer pelas hortas”. Ao descrever a bucha-de-paulista, nos fala que “esta planta é silvestre”, mas que, no “tempo presente”, já se achava devidamente domesticada, pois “os seus bons efeitos a têm atraído para os cercados, e roças, onde aqueles habitantes a semeiam, e conservam para as suas necessidades”. Em outra altura do tratado, o cirurgião também menciona que a erva babosa, por ele utilizada “assada”, tirando-lhe a casca e aplicando diretamente a polpa em apostemas, como “bom resolutivo”, poderia ser encontrada criada “em hortas e cercados, umas vezes com cultura, outras vezes sem” ( Sampaio 1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.46, 47). Em suma, a aquisição de tais vegetais para a produção de suas mezinhas e a realização de experimentos para a checagem das qualidades medicinais dessas espécies pressupõem que, em muitas ocasiões, teria tido acesso aos simples da terra a partir de relações de colaboração e sociabilidade com a população local, valendo-se de suas “hortas” e “quintais” como fonte material para suas receitas. Desse modo, sua arte de curar parece em parte ter sido um saber coletivo e compartilhado.

Em um dos raros trechos de sua obra em que descreve as terapêuticas de um curandeiro “do vulgo”, a aparentemente corriqueira circulação de produtos, práticas e saberes que envolviam os diferentes agentes coloniais se faz notar de maneira a mais direta na pena do cirurgião da vila de Cachoeira. Embora, uma vez mais, distinga sua explicação e racionalidade das “superstições do vulgo ignorante”, Sampaio (1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.61) afirma:

Foi muito do meu conhecimento um homem chamado Sebastião Gomes, natural desta Vila da Cachoeira e nela muitos anos existente, que felizmente curava a todos os mordidos de cobras que se lhe ofereciam como único uso de lhes atar uma fita acima da parte mordida, e todos saravam como eu presenciei muitas vezes, então o vulgo ignorante atribuía esse acontecimento à superstição diabólica.

Toma-se a raiz do dandá; tritura-se na boca com os dentes, e bem saturada a saliva das sutilíssimas partículas dela pela agitação que se lhe deve dar, fica uma e outra transformada em forma de massa: então se passa a fita (de qualquer qualidade dela) pela boca de sorte que receba entre as suas fibras e poros suficiente qualidade daquela massa; se deixa secar a sombra, e se guarda para se usar quando houver necessidade com a certeza que conserva a eficácia da sua virtude enquanto a fita se conserva.

Em outro momento de seu tratado, a despeito do tom dominante de apagamento e detração, encontramos mais uma referência à circulação e aos aprendizados dos saberes populares. Assim, quando trata da confecção e usos terapêuticos da “massa da mandioca”, definindo-a como um dos “mais poderosos detergentes que no reino vegetal se tem descoberto”, o cirurgião atribui tal descoberta e aplicação à “sagaz inquirição dos curiosos desse país” ( Sampaio, 1969SAMPAIO, Francisco Antonio de. História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencentes à medicina. Anais da Biblioteca Nacional, v.89, 1969. , p.20-21).

No polo oposto das relações estabelecidas por Sampaio, encontra-se Joaquim de Amorim e Castro, juiz de fora e ex-aluno do naturalista Vandelli. As referências a essa relação são esparsas. Sabemos de modo concreto que Amorim e Castro entregou pessoalmente a Sampaio uma das respostas da academia para as cartas que enviou. É provável que essa resposta tenha chegado à Bahia acompanhada de outros papéis administrativos e, quem sabe, instruções e demais livros de natureza científica e instrumental que o magistrado e naturalista trouxera consigo. A circulação de textos e artefatos pela via de pessoas que cumpriam a função dupla e imbricada de administrar espaços ultramarinos em nome do rei era uma realidade usual ( Raminelli, 2008RAMINELLI, Ronald. Viagens ultramarinas: monarcas, vassalos e governo à distância. São Paulo: Alameda, 2008. ; Kury, 2004KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações, 1780-1810. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.1, n.1, p.109-129, 2004. ; Pereira, Cruz, 2012). Aliás, o juiz de fora estava amplamente inserido na perspectiva utilitária e fomentista do Iluminismo, sendo parte de uma elite letrada que foi estudar em Coimbra e voltou para suas respectivas terras natais ou outros espaços ultramarinos19 19 Amorim e Castro nasceu na freguesia do Santíssimo Sacramento do Pilar, no Recôncavo Baiano. para se dedicar ao esquadrinhamento e estudo da natureza colonial.

Na documentação do Arquivo Histórico Ultramarino é possível acompanhar intensa correspondência de Amorim e Castro, além da produção de algumas “memórias” sobre plantas que possuíam significativo apelo econômico, principalmente tabaco e madeiras.20 20 O juiz de fora igualmente se dedicou à produção do tabaco e à aclimatação de novas espécies de outros espaços coloniais como Cuba e o sul dos EUA. Além disso, Amorim e Castro foi responsável por remessas de espécimes, a propósito de promover o “aumento” do Museu da Academia ( Pataca, 2006PATACA, Ermelinda. Terra, água e ar nas viagens científicas portuguesas, 1755-1808. Tese (Doutorado em Ensino e História de Ciências da Terra) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. , p.370 e s.). Sua inserção na Academia de Ciências de Lisboa era expressiva, tornando-se “sócio correspondente” em 1780 e publicando duas “memórias” pela instituição, em 1790 e 1791 ( Lima, 2009LIMA, Péricles P. Homens de ciência a serviço da Coroa: os intelectuais do Brasil na Academia Real de Ciências de Lisboa. 1779-1822. Dissertação (Mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão) – Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2009. , p.101, 159).

Naquela que talvez seja sua primeira correspondência para a metrópole, em carta endereçada ao ministro Martinho de Melo e Castro, além de dar conta de ter “chegado molesto” e estar prestes a assumir o cargo que lhe foi designado, relatou a urgência de iniciar suas ações, dando especial ênfase às suas “observações” acerca do achado de uma mina de cobre na região. Um dado revelador é que menciona a certa altura da missiva que “as forças de um naturalista não são suficientes para poder desentranhar da natureza os produtos dignos de toda observação”, sugerindo, na sequência, que deveria receber colaboração de outros agentes (Carta..., 28 mar. 1787). A despeito do tom lacônico, é de inferir que tais atores poderiam ser cirurgiões, a exemplo de Sampaio, militares,21 21 É digno de nota, por exemplo, o fato de que foi o alferes Henrique Dias que achou uma “pedra grande de cobre” e a possível localização da mina a que se referia Amorim e Castro. A tal amostra foi, posteriormente, analisada por Domingos Vandelli, que escreveu de modo entusiasmado: “até agora não se descobriu em parte alguma massa tão grande ... a qual serviria para enriquecer o mais rico museu da Europa, e o Museu de Petersburgo” (Ofício..., 11 mar. 1782; Memória..., s.d.). entre outros, que atuavam localmente fazendo coletas, estudos e experimentos dos três reinos da natureza, ainda que não haja nenhuma referência explícita nesse sentido. Contudo, na sequência da carta, o bacharel de Coimbra fez questão de afirmar as diferenças de formação e de legitimidade de saberes ao escrever que os sistemas da mineralogia e “os mais ramos da História natural [são] inteiramente desconhecidos deste país”. Arrematando que “a natureza oferece neste país mil produções, a mão do naturalista é que faz conhecer o valor delas pelas suas reiteradas observações”. Ou seja, Amorim e Castro marca a diferença entre suas competências e aquelas dos homens sem a devida formação de naturalista.

Contudo, em alguns produtos científicos do juiz de fora, as aproximações com os conhecimentos produzidos pelo cirurgião Sampaio nos parecem ainda mais evidentes. Assim, em 1796, o governador da Bahia expede um ofício no qual acusava o envio de “2 caixões” com remessas de plantas para o Jardim Botânico de Lisboa (Ofício..., 16 jul. 1796). Um deles de responsabilidade do médico formado em Montpellier e sócio-correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, Ignácio Ferreira da Câmara, e o outro enviado pelo juiz de fora de Cachoeira.22 22 Para mais detalhes sobre as ações de Ignácio Ferreira da Câmara, conferir Pereira (2013) . O caixão enviado por Amorim e Castro contém quatro espécies de plantas (mentrasto, tanhará, aroeira e caapeba), devidamente referidas e classificadas segundo a sistemática lineana; três delas estão presentes também no tratado de história natural escrito pelo cirurgião Sampaio.

Sobre o mentrasto, Amorim e Castro e Sampaio parecem concordar acerca de suas propriedades resolutivas, ou seja, capaz de resolver tumores e inflamações de diferentes sortes. Acerca da caapeba, também é possível encontrar fortes aproximações entre os dois textos, especialmente no concernente aos seus efeitos desobstruentes, que ambos mencionam, no tratamento contra hidropisia e “dores no ventre” (Sampaio, 1969, p.16, 54). Outra referência pode ser encontrada numa “memória sobre as diversas qualidades de madeira”, ofertada à rainha em 1790. Ao descrever a “leveza” do tamburê (tamburi? ) , Amorim e Castro o compara ao mulungu (ou argueiro), que define como “a cortiça do Brasil”, mesma propriedade e termos sublinhados por Sampaio em seu História dos reinos (p.11-12).

Ainda que tais referências não sejam diretas, consideramos provável que Amorim e Castro possa ter tido contato com o manuscrito produzido pelo cirurgião, sem contar com contatos diretos e trocas de aprendizados mútuos por meio de instrução oral. Outra possibilidade (que não anula a anterior) é que, após três anos atuando como juiz de fora e naturalista em Cachoeira, Amorim e Castro também travasse contato com informantes “do vulgo” para possibilitar coletas, estudos e comparações entre as diversificadas espécies da flora e da fauna da região em que passou a atuar em nome da Coroa.

A partir do exposto, o que se revela com o cotejo dos documentos aqui analisados – somado à história do mapa provavelmente produzido pelo pintor do cirurgião Sampaio e, posteriormente, apropriado pelo juiz de fora – é a percepção de que o magistrado e naturalista Amorim e Castro acabaria se valendo dos conhecimentos, estudos e ações de campo de indivíduos como Sampaio para garantir maior volume e repertório para suas “observações” em história natural. A convivência com o cirurgião de Cachoeira provavelmente incrementou o envio de cartas à rainha e demais autoridades dando notícias e produzindo “memórias” das plantas úteis da América lusa e a coleta e envio de espécimes para alimentar os espaços de ciência da metrópole. Assim, considerando a materialidade (e contingências) e as relações de força que envolviam a produção do conhecimento e o que se colocava em jogo – cargos, patrocínio régio, possibilidades de publicação e circulação dos textos e artefatos científicos etc. –, o juiz de fora parece ter sabido jogar com a sua formação em Coimbra e a sua aproximação com Vandelli, sua maior intimidade com o universo dos livros e com a sistemática lineana, sem contar com o fato de estar mais bem situado e gozar de status social mais elevado, o que, igualmente, contaria mais em seu favor na legitimidade e credibilidade de sua produção científica no contexto aqui estudado ( Schaffer, 2018SCHAFFER, Simon. Late Enlightenment crises of facts: mesmerism and meteorites. Configurations, v.26, n.2, p.119-148, 2018. ; Biagioli, 2006BIAGIOLI, Mário. Galileu, cortesão: a prática da ciência na cultura do Absolutismo. Porto: Porto Editora, 2006. ).

Já no caso do cirurgião Sampaio, a despeito de seus consistentes e pertinentes estudos e experiências com as plantas locais e seus usos para as mais diversas enfermidades e de sua atuação em espaços como o hospital e a câmara de Cachoeira, suas 217 folhas manuscritas de história natural acerca do reino vegetal, ao que parece, para os homens de ciências da metrópole, ficaram entre o útil e o inútil. Seu conhecimento adquirido “em primeira mão” e sua capacidade de reconhecer “os enormes erros com que destas mesmas produções têm escrito muitos autores”, conforme escreveu em uma de suas cartas (Sampaio, 2008, p.11), conferiram a ele reconhecimento e prestígio locais. Sem ter o aprendizado formal necessário e condições (acesso a bibliotecas, correspondentes, herbários vivos e exsicatas) para trabalhar nos moldes da botânica de Lineu que, na época, seria considerado um dos fatores de legitimação e pertinência do conhecimento científico, todo o conhecimento que construiu a partir de sua experiência não lhe garantiu o devido reconhecimento pelos homens de ciência de Lisboa.

Enfim, os estudos de caso de indivíduos como o cirurgião Sampaio e, de modo acessório, do naturalista formado em Coimbra Amorim e Castro nos permitem indagar acerca das condições concretas e específicas da produção científica em áreas coloniais. Trata-se de tentar entender de que maneira leituras, práticas e treinamentos, instruções e modelos de fazer ciência adequavam-se a uma práxis própria da experiência local, descortinando complexos processos de produção e circulação de saberes e fazeres, diferentes interações entre indivíduos de diversos estratos e inserções sociais, relações de força e de hierarquias, condições materiais de produção que, para muito além das concepções difusionistas, descortinam o caráter dinâmico e contingente das ciências e dos homens de ciências no contexto das luzes luso-brasileiras.

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa conta com o apoio de bolsa de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – nível 10 e do programa de Pós-doutorado Nota 10 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

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    » http://edition-open-access.de/proceedings/10/8/index.html

NOTAS

  • 1
    Partimos do pressuposto de que conhecimento botânico e conhecimento sobre plantas não são a mesma coisa. O conhecimento sobre as plantas acompanha o ser humano em todas as culturas e civilizações. Consideramos “botânica”, para fins deste artigo, uma especialidade científica que toma forma na Europa, a partir do século XVI, mas que se estabelece de forma relativamente homogênea a partir do século XVIII.
  • 2
    Para ficar aqui com parte dos autores com os quais nossa análise dialoga mais diretamente, conferir: Dias (2005DIAS, Maria Odila L. da S. Aspectos da ilustração no Brasil [1968]. In: Dias, Maria Odila L. da S. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2005. p.38-126. ; publicado originalmente em 1968); Domingues (2012)DOMINGUES, Ângela. Monarcas, ministros e cientistas: mecanismos de poder, governação e informação no Brasil colonial. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2012. ; Kury (2004KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações, 1780-1810. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.1, n.1, p.109-129, 2004. , 2015KURY, Lorelai. O naturalista Veloso. Revista de História, n.172, p.243-277, jan.-jun. 2015. ); Brigola (2003)BRIGOLA, João Carlos. Coleções, gabinetes e museus em Portugal no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. ; Pereira e Cruz (2016)PEREIRA, Magnus R.M.; CRUZ, Ana Lúcia B. da (org.). Os naturalistas do Império: o conhecimento científico de Portugal e suas colônias, 1768-1822. Rio de Janeiro: Versal, 2016. ; Pereira (2017)PEREIRA, Magnus R.M. Plantas novas que os doutos não conhecem: a exploração científica da natureza no Oriente português, 1768-1808. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.24, n.3, p.665-685, 2017. e Pataca (2006)PATACA, Ermelinda. Terra, água e ar nas viagens científicas portuguesas, 1755-1808. Tese (Doutorado em Ensino e História de Ciências da Terra) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. .
  • 3
    Entre os poucos estudos que se debruçam mais detidamente sobre a produção científica de Sampaio, podemos mencionar Cergueira (2018)CERGUEIRA, João B. Francisco Antônio de Sampaio: a história natural e a cirurgia na vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. In: Silva, Maria Elisa Lemos N. da; Batista, Ricardo dos Santos (org.). História e saúde: políticas, assistência, doenças, e instituições na Bahia. Salvador: Eduneb, 2018. p.105-140. e Conceição (2016CONCEIÇÃO, Gisele C. da. Natureza ilustrada: estudos sobre a filosofia natural no Brasil ao longo do século XVIII. In: Polónia, Amélia et al. História e ciência: ciência e poder na Primeira Idade Global. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2016. p.142-179. , 2018CONCEIÇÃO, Gisele C. da. Francisco Antônio de Sampaio e sua História Natural da Vila de Cachoeira: circulação, reconfiguração e validação de conhecimento na segunda metade do século XVIII. Revista de História, n.177, p.1-38, 2018. ).
  • 4
    A documentação do Conselho Ultramarino nos mostra a atuação desses agentes, a exemplo do cirurgião aqui estudado, que, mesmo não possuindo formação universitária, se dedicaram à produção de textos, coletas e experiências usando os três reinos da América lusa. Caso conhecido e paradigmático nesse sentido é o de João Pereira Manso (1750?-1820), autodidata como o cirurgião de Cachoeira, que desenvolveu uma série de estudos e ações em campos como a mineralogia e a química, além de aperfeiçoar maquinários para a produção de sal, porcelanas e cachaça, atuando nas capitanias de Minas Gerais, onde nasceu, Rio de Janeiro (onde estudou no Seminário de Nossa Senhora da Lapa) e São Paulo ( Filgueiras, 1993FILGUEIRAS, Carlos A. L. João Manso Pereira, químico empírico do Brasil colonial. Química Nova, v.16, n.2, p.155-160, 1993. ).
  • 5
    Ainda que por diversas vezes se autointitulasse médico, era, formalmente, cirurgião. Conseguira a chancela em 1762, comprovando, por certidão, ter “aprendido e praticado” a arte e sendo aprovado em exame por unanimidade (Carta..., s.d.). O fato de não ter formação universitária e extrapolar, como veremos, suas funções formais como cirurgião lhe renderam pelo menos duas multas aplicadas pelo Protomedicato. Agradecemos a Laurinda Abreu a generosa localização e transcrição da carta de cirurgião obtida por Sampaio.
  • 6
    As cartas de Sampaio à Academia foram publicadas em Martins (2008)MARTINS, Anna Paula (org.). Eu observo e descrevo, de Francisco Antonio de Sampaio. Rio de Janeiro: Dantes, 2008. .
  • 7
    O que não significa que o texto e as imagens não tenham circulado, mesmo tendo permanecido manuscritos; realidade, aliás, usual no contexto estudado.
  • 8
    Agradecemos a Nelson Sanjad por essa observação na ocasião da apresentação preliminar dessa pesquisa no seminário “Plantas e história: conhecimento, usos e circulação”, realizado na Fiocruz, em agosto de 2019.
  • 9
    Para a percepção da busca de legitimidade e credibilidade na produção em um momento em que não existia a categoria profissional e social do cientista e a produção científica se imiscuía de modo indissociável às dinâmicas sociais e relações de poder próprias do Antigo Regime, a exemplo de concepções como “honra”, “visibilidade/credibilidade social”, privilégios e mercês, conferir Biagioli (2006)BIAGIOLI, Mário. Galileu, cortesão: a prática da ciência na cultura do Absolutismo. Porto: Porto Editora, 2006. , Shapin (1995)SHAPIN, Steven. Cordelia’s love: credibility and the social studies of science. Perspectives on Science, v.3, n.3, p.255-275, 1995. e Schaffer (2018)SCHAFFER, Simon. Late Enlightenment crises of facts: mesmerism and meteorites. Configurations, v.26, n.2, p.119-148, 2018. . Não é demais lembrar que o referido “microscópio” bem poderia ser um conjunto de lentes de aumento, como espécies de lupas, que eram frequentemente usadas nos estudos e taxonomia da flora ( Nickelsen, 2006NICKELSEN, Kärin. Draughtsmen, botanists and nature: the construction of eighteenth-century botanical ilustrations. Dordrecht: Springer, 2006. ).
  • 10
    Acreditamos que possa ter lido diretamente o Systema naturae em edição anterior à décima, de 1758, que é quando Lineu introduziu a categoria mammalia , em substituição à quadrupedia , utilizada por Sampaio ( Schiebinger, 1993SCHIEBINGER, Londa. Why mammals are called mammals: gender politics in eighteenth-century natural history. The American Historical Review, v.98, n.2, p.382-411, 1993. ).
  • 11
    Para abordagens que aproximam as descrições de Sampaio da metodologia lineana e apresentam suas especificidades, conferir também Conceição (2018)CONCEIÇÃO, Gisele C. da. Francisco Antônio de Sampaio e sua História Natural da Vila de Cachoeira: circulação, reconfiguração e validação de conhecimento na segunda metade do século XVIII. Revista de História, n.177, p.1-38, 2018. e Kury e Nogueira (2018)KURY, Lorelai; NOGUEIRA, André. Francisco Antônio de Sampaio: de cirurgião a homem de ciências (Vila de Cachoeira, Bahia, c.1780). História Unisinos, v.22, n.4, p.515-525, 2018. . Assim, sobretudo no que diz respeito ao tomo dos animais, concordamos com Conceição quando observa a aproximação metodológica e discursiva de Sampaio em relação ao naturalista sueco, mesmo em momentos em que não encontrava descrição exata dos animais que constavam na obra de Lineu.
  • 12
    Julgamos plausível supor o contato direto com o texto das instruções e/ou o aprendizado via circulação de conhecimento oral, uma vez que na região de Cachoeira estavam inseridos indivíduos bastante próximos dos circuitos ilustrados de Vandelli, a exemplo do próprio juiz de fora Amorim e Castro, que fora aluno do naturalista italiano na Universidade de Coimbra e que sabemos, pelas cartas à academia, que travava contato direto com Sampaio.
  • 13
    Em uma das cartas à academia, o cirurgião menciona que contava com os préstimos de um pintor para a realização das estampas que apresentou junto com os textos manuscritos.
  • 14
    No caso dos vegetais, teria dito em uma de suas cartas que os desenhava “em estampas debuxadas à face dos mesmos originais no seu natural” ( Sampaio, 2008SAMPAIO, Francisco Antonio de. Cartas à Academia das Ciências de Lisboa. In: Martins, Anna Paula (org.). Eu observo e descrevo, de Francisco Antonio de Sampaio. Rio de Janeiro: Dantes, 2008. , p.12). Ao longo das páginas de seu tratado de história natural, são comuns expressões como “na sua natural grandeza”; “toda na sua grandeza e figura natural em que Deus as criou”; “ramo com folhas e flores fielmente debuxado”, entre outras.
  • 15
    De acordo com Fernandez e Oliveira (2007)FERNANDEZ, Henry L.A.; OLIVEIRA, Ana C.A.R. Aspectos da “vila de Cachoeira” no final do século XVIII: apontamentos e reflexões. Revista do Centro de Artes, Humanidades e Letras, v.1, n.1, p.1-13, 2007. , o provável mapa descrito por Sampaio achava-se em um manuscrito produzido por Amorim e Castro em 1792, intitulado “Memória sobre as espécies de tabaco que se cultivam no Brasil, com as observações sobre a sua cultura, comércio, artes, com a descrição botânica das novas espécies, estampas iluminadas e mapa da Vila da Cachoeira”. Fazendo, atualmente, o referido mapa parte do acervo da Biblioteca Pública de Nova York.
  • 16
    De fato, construções textuais análogas são bastante recorrentes no curso de seu História dos reinos ; para mais percepções nesse sentido, além de outras, conferir as páginas 55, 61 e 67, para o tomo dos vegetais, e p.23, 54 e 68, acerca dos animais.
  • 17
    Além das análises dos processos de negociações, relações de força e circulação de conhecimentos e práticas de diferentes agentes coloniais desenvolvidas por K. Raj (2010)RAJ, Kapil. Relocating modern science: circulation and the construction of knowledge in South Asia and Europe, 1650-1900. New York: Palgrave MacMillan, 2010. e sua crítica da produção científica a partir de uma via de mão única “centro/periferia”, igualmente consideramos aqui importantes as considerações de C. Ginzburg (1998)GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. em relação aos processos de circularidade cultural e possibilidades de (re)interpretação e intervenção nas realidades sociais e cognitivas por meio dos contatos – que inclusive envolviam direta ou indiretamente o universo dos livros e das leituras – entre a “alta” e a “baixa” cultura na Europa moderna.
  • 18
    Isso para não mencionar um ainda mais radical deslocamento nesses encontros, apropriações e esquecimentos de saberes e fazeres: o das palavras e práticas faladas para as palavras e práticas escritas, como, igualmente, lembra-nos Ginzburg (1998)GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. .
  • 19
    Amorim e Castro nasceu na freguesia do Santíssimo Sacramento do Pilar, no Recôncavo Baiano.
  • 20
    O juiz de fora igualmente se dedicou à produção do tabaco e à aclimatação de novas espécies de outros espaços coloniais como Cuba e o sul dos EUA.
  • 21
    É digno de nota, por exemplo, o fato de que foi o alferes Henrique Dias que achou uma “pedra grande de cobre” e a possível localização da mina a que se referia Amorim e Castro. A tal amostra foi, posteriormente, analisada por Domingos Vandelli, que escreveu de modo entusiasmado: “até agora não se descobriu em parte alguma massa tão grande ... a qual serviria para enriquecer o mais rico museu da Europa, e o Museu de Petersburgo” (Ofício..., 11 mar. 1782; Memória..., s.d.).
  • 22
    Para mais detalhes sobre as ações de Ignácio Ferreira da Câmara, conferir Pereira (2013)PEREIRA, Rodrigo Osório. O império botânico: as políticas portuguesas para a flora da Bahia Atlântica colonial, 1768-1808. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013. .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    9 Fev 2020
  • Aceito
    29 Jul 2020
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