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Aprendendo com a lhama: sobre os amplos contornos de contribuições culturais e expansão geográfica

Resumo

A lhama (Lama glama) é a maior espécie animal domesticada da América do Sul e atualmente é encontrada em todo o mundo. Os povos andinos a utilizam há milênios para transporte de carga, obtenção de lã e carne, uso espiritual etc. Para conhecer sua história, precisamos aprender sobre os povos que conhecem e se relacionam com esse animal, e como esses relacionamentos se transformaram ao longo do tempo. O artigo considera ainda outras espécies relacionadas, incluindo alpaca, guanaco e vicunha, e apresenta três eras da interação lhamas/humanos: a da domesticação em sítios andinos pré-colombianos; a da dispersão e mistura, dos anos 1530 à década de 1890; e, finalmente, modismos e interesse global.

domesticação; cultura; história animal; lhama; biopolítica

Abstract

The llama (Lama glama) is the largest domesticated animal species from South America and is today found worldwide. Andean peoples have used the llama for millennia for meat, wool, packing, spiritual etc. In order to know the history of the llama, we must learn about the peoples that have known the animal and the ways those relationships have changed over time. While also considering closely related species, including alpaca, guanaco, and vicuña, this article posits three eras of llama/human entanglements: the era of domestication in pre-Columbian Andean sites; the era of dispersal and co-mingling, from 1530s to the 1890s; and finally popular fads and global appeal.

domestication; culture; animal history; llama; biopolitics

À primeira vista, as lhamas parecem quase cômicas, como se tivessem sido criadas para uma animação da Disney. A lhama tem pernas e pescoço compridos, corpo com pelagem abundante, olhos muito grandes e orelhas eretas, como se prestasse atenção. O padre jesuíta e naturalista chileno Juan Ignacio Molina (1810MOLINA, Juan Ignacio. Ensayo sobre la historia natural de Chile. Santiago: Maule, 1810., p.289) escreveu, em 1786, que as lhamas fazem seus primos camelos parecerem monstros. Nas últimas décadas, as lhamas se tornaram incrivelmente populares nos EUA. Embora o ápice da população de lhamas nos EUA tenha ocorrido na década de 1980, persiste a ideia de um animal mágico e fantástico. Por exemplo, as lhamas ultrapassaram os unicórnios como os brinquedos mais procurados na Feira Internacional de Brinquedos de 2020 nos EUA (Lieber, 14 Apr. 2020). Também são encontradas com frequência em parques rurais para crianças, casamentos, festivais de música e, inclusive, em protestos de movimentos sociais (O’Brien, 5 Aug. 2020). Estão até na mídia, por ajudar na luta contra a pandemia: seus anticorpos estão sendo usados para potenciais tratamentos da covid-19 (McFarling, 11 Aug. 2020). Pesquisadores encontraram em uma lhama preta chamada Wally promissores nanocorpos – menores que anticorpos – que se mostraram mais estáveis e efetivos do que os anticorpos de humanos para neutralizar o vírus SARS-CoV-2.

Ao contrário dos unicórnios, porém, as lhamas não são imaginárias. Elas não surgiram magicamente apenas para o deleite das crianças ocidentais (e, na verdade, dos adultos) ou para curar uma pandemia. As lhamas têm milhares de anos de história entrelaçada com os povos com que compartilham as terras da América do Sul. Tudo nas lhamas, desde o comprimento e a cor da lã, até a disposição espirituosa e os hábitos reprodutivos, tem sido moldado pelas interações com os povos da cordilheira dos Andes. Poucas fontes, entre as mais conhecidas, reconhecem a história longa e interconectada do animal; de modo geral, a lhama é tratada como uma nova descoberta engraçada ou como uma relíquia antiga. Embora Wally, a lhama da pesquisa, tenha recebido um nome humano, imaginar as lhamas como algo novo ou preso ao passado gera estereótipos que não levam em consideração importantes contribuições dos povos originários da América do Sul à ciência e à cultura modernas. Esclarecendo: os nanocorpos de Wally evoluíram ao longo de séculos de interação com as necessidades e os desejos dos povos andinos, o que significa que esses povos e seus ancestrais merecem um lugar em todas as histórias sobre as lhamas. Assim como as fitas coloridas nas lhamas de brinquedo são uma referência à prática continuada de enfeitar as lhamas de verdade, os atributos que as tornaram populares e onipresentes não surgiram do nada. Os nanocorpos e as fitas têm uma história; uma história centrada na lhama, que está em constante evolução, assim como a própria espécie.

O objetivo deste artigo é apresentar um contexto histórico para a lhama e seus parentes, tanto humanos quanto camelídeos. “Camelídeo” é o nome da família da lhama, do camelo e de seus parentes próximos, domesticados (alpaca) e selvagens (guanaco e vicunha). A transferibilidade genética e similaridade estética torna a história da lhama necessariamente interligada com as histórias dessas espécies da mesma família. De modo semelhante, embora as origens da lhama estejam fortemente relacionadas às sociedades andinas, seu passado remonta a espécies extintas que existiram na América do Norte. Os usos modernos da lhama são diaspóricos, pois se estendem a outros continentes, em especial o europeu e o norte-americano (Wakild, in press). Ao relatar esses movimentos, este artigo toma por base visões relacionais do mundo, como descrito por Emily O’Gorman e Andrea Gaynor (2020, p.716), que concebem o passado e o presente como “dinamicamente coconstituídos por múltiplos organismos” e argumentam que, devido ao surgimento e à evolução desses relacionamentos, nem a paisagem (a cordilheira dos Andes), nem os animais (as lhamas), nem os povos (andinos e outros) podem ser compreendidos isoladamente, mas devem ser contextualizados como coconstituídos. Para O’Gorman e Gaynor, o conceito relacional da história multiespécies oferece uma abordagem centrada em animais não humanos, sem os separar de suas interações e relacionamentos com humanos. A primeira ideia que surge nesse caso é que a lhama é uma lhama por causa do povo andino – a lhama não pode ser entendida em separado desse povo, não importa onde uma lhama individual viva. Uma lhama não pode ser retirada de contexto, como um unicórnio ou um dragão imaginário, sem que isso cause danos aos animais ou humanos envolvidos. O dano ocorre ao ser negada aos andinos a ação e a autenticidade na criação do mundo moderno e ao se falsificarem as experiências reais e vividas dos animais. Ao marginalizar, ignorar e apagar as contribuições dos povos andinos e das lhamas para o tempo presente, negam-se a ambos a capacidade de moldar seus próprios mundos e o poder de contribuir para as tendências globais compartilhadas. Colocar as lhamas na esfera da ficção, em vez de as situar no dramático âmbito da produção de conhecimento, reduz as possibilidades de desenvolvimento das interações multiespécies. Os andinos não eram simplesmente cuidadores de lhamas, tanto quanto você é cuidador(a) da sua mãe; eles são “de” e “para” as lhamas, em um contexto rico e abrangente que expande as compreensões sobre o passado. Uma lhama não existe em isolamento; o que a lhama é hoje se deve aos processos de domesticação, colonialismo, libertação e expansão vivenciados pelos povos andinos.

Para basear essas afirmações, este artigo apresenta um argumento cronológico aproximado, a partir de várias fontes primárias que mostram evidências de uma ampla gama de experiências conformadoras de três eras, de modo geral, de interações lhamas/humanos. As fontes para a história das lhamas são ao mesmo tempo óbvias e elusivas. Meus métodos são históricos no sentido de que tomam produções passadas – escritas, arqueológicas, orais, culturais e outras – como fontes e testemunhos potenciais. Aqui, utilizo fontes que abrangem desde estudos arqueológicos de vestígios antigos até peças de mídia e reportagens modernas. Utilizo e sintetizo trabalhos de outros historiadores e antropólogos, muitos dos quais fizeram estudos profundos em lugares específicos nos Andes, com abordagem tangencial sobre as lhamas, em vez de centrada nelas. Além disso, utilizo escritos científicos, sobretudo de naturalistas e botânicos, e escritos de especialistas em criação de animais, em especial de meados do século XX, quando as populações de lhamas se expandiram de acordo com esses grupos de interesse. A história dos animais enfrenta o desafio de testemunhar uma experiência que não pode ser completamente apreendida – isto é, o papel e a experiência de um tema mais que humano. Segundo Nigel Rothfels (2021)ROTHFELS, Nigel. Elephant trails: a history of animals and cultures. Baltimore: Johns Hopkins Press, 2021., tentativas de incluir os animais na história expandem as ideias de história e explicam mais amplamente o passado, mas essas tentativas são, em última instância, sempre sobre como os humanos têm visto os animais, mesmo quando baseados na ciência ou na descrição deles.

Ao explorar rapidamente um amplo conjunto de eras, este artigo tem por objetivo elucidar relacionamentos, eventos e episódios que moldaram de modo significativo tanto os humanos quanto as lhamas. Essas épocas incluem: a era de domesticação e uso em sítios andinos pré-colombianos; a era de dispersão global e mistura, desde aproximadamente a década de 1530 até a década de 1890; e modismos e interesse global na era moderna. Embora seja difícil encontrar dados populacionais primários, sempre que possível são apresentados números e cronologias.

Lã e espécie

Embora atualmente não existam espécies nativas de camelos na América do Norte, a origem de todos os camelos, que fazem parte da família Camelidae, na subordem Tylopode, foi nesse continente, cerca de 45 milhões de anos atrás. As espécies bactriano e dromedário atravessaram a ponte de terra de Bering em direção à Ásia, enquanto a que veio a ser tornar a lhama foi em direção ao sul, para os Andes, cerca de três milhões de anos atrás, durante o Grande Intercâmbio Americano. O surgimento do istmo do Panamá, estreita porção de terra que liga as Américas do Sul e do Norte, misturou faunas distintas em um dos maiores experimentos naturais de todos os tempos. Registros fósseis do período do intercâmbio oferecem evidências de um equilíbrio entre ritmos de especiação, como o surgimento e o desaparecimento de categorias taxonômicas, depois que esse intercâmbio se equilibrou para manter os níveis de diversidade prévios (Terborgh, 1992TERBORGH, John. Diversity and the tropical rain forest. New York: Scientific American Library, 1992., p.139). A lhama é uma entre quatro espécies de camelídeos (lhama, alpaca, guanaco e vicunha), nativas do que hoje são os países Equador, Peru, Bolívia, Argentina e Chile. A lhama e a alpaca foram domesticadas de espécies selvagens – guanaco e vicunha – em torno de 4500 a.C. (Cowie, 2017COWIE, Helen. Llama. London: Reaktion Books, 2017.). Geneticamente, as quatro espécies de camelídeos sul-americanos têm o mesmo pareamento e ordenamento de cromossomos, indicando que não divergiram tanto quanto felinos e caninos, por exemplo. Após décadas de debates, testes de DNA indicaram que a lhama é descendente do guanaco selvagem e a alpaca descende da vicunha selvagem (Casey et al., 2018CASEY, Ciara S. et al. Comparing genetic diversity and demographic history in co-distributed wild South American camelids. Heredity, v.121, p.387-400, 2018.). Mas a hibridização tem sido a regra entre as duas espécies domesticadas, lhama e alpaca; isso nem sempre pode ser identificado ao olhar, e normalmente produzem prole fértil. A natureza profunda molda o panorama humano, porque a ausência ou presença de grandes animais apropriados para a domesticação permite diferentes adaptações e especializações entre os humanos (Wakild, 2018WAKILD, Emily. A panorama of parks: deep nature, depopulation, and the cadence of conserving nature. In: Leal, Claudia; Soluri, John; Pádua, José Augusto (ed.). A living past: environmental histories of Latin America. New York: Berghahn Books, 2018. p.246-265.).

O que podemos aprender com as lhamas? Pensar sobre a lhama é interessante porque ela não simboliza fortemente a ubiquidade e o excesso do Antropoceno, como as galinhas, cujos ossos podem formar uma camada geológica, nem é como o pangolim, tão raro e próximo da extinção que seu exotismo é considerado culpado pela tóxica fetichização dos animais (Bennett et al., 2018BENNETT, Carys E. et al. The broiler chicken as a signal of a human reconfigured biosphere. Royal Society Open Science, v.5, n.5180325, 2018.). Talvez a lhama seja um condimento na culinária do desejo capitalista, não necessário, mas suficientemente especial para fazer com que os demais ingredientes pareçam harmonizados. A lhama é invariavelmente descrita por seus promotores ao longo dos tempos como alcançável, acessível, flexível, fácil e até comum. Logo, a lhama parece ser compreendida, mas não é inteiramente compreensível.

Três abordagens teóricas oferecem uma compreensão sobre a utilidade da lhama. Na primeira abordagem, o conceito de biopolítica de Michel Foucault nos permite situar o animal nos regimes de poder e conhecimento sistemático da vida e, também, em importantes subjetividades. Como arcabouço, a biopolítica oferece uma alternativa à bioética, que busca questões mais amplas e se move para além de respostas arbitrárias e abstratas.1 1 Biopolítica se refere principalmente aos esforços de colocar a vida em ordem, a partir de mecanismos específicos de poder, ou biopoder. O direito de decidir sobre vida e morte, na formulação de Foucault, é transformado no desenvolvimento de subjetivação e supervisão em processos biológicos. A bioética discute mais explicitamente o uso de vida não humana em pesquisa, incluindo as conexões entre valores humanos e política. Como Lemke (2011LEMKE, Thomas. Biopolitics: an advanced introduction. New York: NYU Press, 2011., p.121) propõe, “uma análise da biopolítica demonstra não apenas como a importância da ‘vida’ para a política aumentou, nos últimos séculos, mas também como, a partir disso, a própria definição de política foi transformada”.2 2 Nessa e nas demais citações de textos publicados em outros idiomas, a tradução é livre. Ao basear a análise em um contexto e aproximar domínios que, de outra forma, podem estar separados por fronteiras cognitivas, disciplinares ou administrativas, uma perspectiva biopolítica pode iluminar fenômenos – como a dispersão e a popularidade da lhama no Ocidente – que são moldados por decisões sociais e políticas. Por exemplo, não há nada eminentemente natural quanto a lhamas vivendo em Idaho, um remoto estado no oeste dos EUA com áreas naturais preservadas e baixa densidade populacional. O fato de lá existirem fazendas de criação de lhamas, lhamas como animais de estimação e lhamas utilizadas como animais de carga deve-se, sobretudo, aos desejos biopolíticos de agentes com poder para fazer com que esses animais vivam em um lugar como Idaho. Tais decisões baseadas em desejos têm o apoio de um aparato legal e econômico que torna viável a reprodução dos corpos dos animais. E, ao fazer isso, essas estruturas biopolíticas facilitam a emergência de novas forças de valores culturais e, potencialmente, também novas constituições de corpos de animais.

Na segunda abordagem, a linguagem colonial e pós-colonial usada para falar da lhama não oferece uma visão completa sobre a sua existência ou importância. Usar uma abordagem e uma terminologia europeias, como faço aqui, pode não fazer sentido quando aplicadas a grandes animais andinos. Tais termos inerentemente privilegiam os tipos de relações com animais priorizadas pelos europeus e causadoras de ruptura nos sistemas pré-colombianos existentes. Como observado por David Gade (2013)GADE, Daniel W. Llamas and alpacas as “sheep” in the Colonial Andes: zoogeography meets Eurocentrism. Journal of Latin American Geography, v.12, n.2, p.221-243, 2013., quando os espanhóis chegaram aos Andes viram as lhamas e alpacas como ovelhas e, dessa maneira, perpetuaram a ideia do conhecimento europeu como universal e superior. Dois exemplos do potencial preconceito teórico dessa linguagem são pastagem e domesticação. Tratados amplamente como estados da natureza, em vez de processos de negociação, o uso de animais em pastagem e os processos de pastoreio e movimentação de rebanhos de lhamas diferiam em muito, por exemplo, de rebanhos de ovelhas nos Alpes. Os pastores não se tornaram grupos étnicos diferentes, como ocorreu no Oriente Próximo e, embora passassem a maior parte de suas vidas acima das aldeias de camponeses, continuavam a “pertencer” aos vilarejos (Flannery, Marcus, Reynolds, 1989). A domesticação também recebeu críticas notórias como um espectro de desenvolvimento em vez de um estado perene (Moore, 2016MOORE, Katherine M. Early domesticated camelids in the Andes. In: Capriles, José M.; Tripcevich, Nicholas (ed.). The archaeology of Andean pastoralism. Albuquerque: University of New Mexico Press, 2016. p.17-38.; Goñalons, Yacobaccio, 2006). Nessa linha, a terminologia científica europeia também confunde e, muitas vezes, é inapropriada ao comportamento, à aparência e ao conhecimento das distinções entre as espécies de camelídeos (Flores Ochoa, 1988FLORES OCHOA, Jorge A. Llamichos y paqocheros: pastores del llamas y alpacas. Cuzco: Centro de Estudios Andinos Cuzco; Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología, 1988., p.121). A protonacionalização dos animais no século XIX e os desafios às estruturas europeias têm origem em estudos genéticos e debates sobre vestígios e artefatos antigos.

Talvez o uso de termos andinos para descrever animais andinos faça mais sentido. A antropóloga Marisol de la Cadena (2015DE LA CADENA, Marisol. Earth beings: ecologies of practice across Andean worlds. Durham: Duke University Press, 2015., p.100) elaborou os conceitos de tirakuna e apukuna como “seres-terra” para reconhecer as mútuas e difusas interações entre mundos indígenas e a terra, entre humanos e natureza. As práticas dos povos andinos − que mobilizam o conhecimento sobre seus mundos locais − ultrapassam, nesse enquadramento, os modos históricos ou políticos e a existência fractal de seres-terra: sendo ao mesmo tempo parte de como as pessoas são definidas e algo mais que a natureza dessas representações. Certamente, a persistência das cosmovisões indígenas não as torna atemporais e imutáveis. Na realidade, a flexibilidade e a adaptabilidade dos modos de ver e saber indígenas constituíram o que os tornou aptos a prosseguir. De modo similar, Nicolás Cuvi (2018CUVI, Nicolas. Indigenous imprints and remnants in the Tropical Andes. In: Soluri, John; Leal, Claudia; Pádua, José Augusto. A living past: environmental histories of Modern Latin America. Oxford: Berghahn Books, 2018., p.67) ressalta que o Equador e a Bolívia, dois países andinos, se tornaram os primeiros no mundo a reconhecer, em suas Constituições, os direitos da natureza e o direito a viver bem, ao incorporar os conceitos de sumak kawsay e sumac qamana. Essa formalização de conceitos indígenas em documentos políticos representa muitas coisas; em primeiro lugar, a cosmovisão alternativa que persiste, apesar dos projetos eurocêntricos de colonialismo, desenvolvimento e modernização na América Latina. Cuvi observa os vestígios e traços dos atores indígenas em animais, sementes, solos, florestas e outros elementos que persistem no presente. Essas marcas geográficas incluem a lhama e a alpaca, das quais existem hoje cerca de três milhões de cada, principalmente no Peru e na Bolívia. As comunidades andinas continuaram a usá-las desde os tempos pré-colombianos, mas algumas raças, incluindo uma variedade de pernas curtas, não sobreviveram. Em consequência dessa persistência e, em alguns casos, da reintrodução de raças, foram criados pântanos com plantas suculentas, que existem somente devido à manutenção dos animais pelos povos indígenas, não pelo Estado. Talvez nenhum termo andino tenha maior significado de persistência e ressonância do que ayllu, uma unidade fundamental de organização social que inclui linhagens familiares, pessoas com origens comuns e direitos agrícolas, incluindo o direito ao pastoreio. Apesar dessa complexidade e de mudanças da era inca para a era colonial, ayllu permanece como um poderoso conceito para a compreensão dos relacionamentos de reciprocidade e de uso de recursos nos Andes (Flannery, Marcus, Reynolds, 1989, p.28-30). Assim, ayllu conecta lugar com relacionamentos e inclui o mundo não humano, e, portanto, a lhama como um ser-terra nesse domínio.

Na terceira linha de pensamento, a lhama constitui uma commodity vivente e pertence às biografias coletivas e conceitualizações elaboradas por geógrafos e antropólogos interessados na economia do cuidado e na economia da cultura (Parreñas, 2018PARREÑAS, Juno S. Decolonizing extinction: the work of care in orangutan rehabilitation. Durham: Duke University Press, 2018.; Lorimer, 2010LORIMER, Jaime. Elephants as companion species: the lively biogeographies of Asian elephant conservation in Sri Lanka. Transactions of the Institute of British Geographers, v.35, n.4, p.491-506, 2010.; Roe, Greenhough, 2021). Entre essas, o conceito de mobilidade permite compreender como relacionamentos de poder restringiram os movimentos dos animais. Por exemplo, Hodgetts e Lorimer (2020)HODGETTS, Timothy; LORIMER, Jamie. Animals’ mobilities. Progress in Human Geography, v.44, n.1, p.4-26, 2020. argumentam que a mobilidade animal foi espacializada por humanos, e não criada por uma única experiência geográfica vivida. Assim, considerar a mobilidade para além do movimento oferece uma abordagem conceitual por meio da qual se pode analisar o afeto e o cuidado como parte da experiência vivida do animal. Os autores também estão interessados no poder espacial distribuído diferencialmente por meio de agrupamentos relacionais, para além de topologias regionais. A atenção à questão do biopoder por meio de sistemas socioecológicos inclui agregações de corpos de animais e circunstâncias coletivas que se tornam territorializadas. Em suma, movimentos de animais no passado podem nos ajudar a explicar a dispersão da lhama, incluindo o poder e a conectividade de hábitos culturais e de habitats.

A análise de Bénédicte Boisseron (2018)BOISSERON, Bénédicte. Afro-dog: blackness and the animal question. New York: Columbia University Press, 2018. sobre as conexões entre racismo e especismo revela que estender fronteiras intersecionais entre as categorias raça e animal pode torná-las mutuamente visíveis. A autora argumenta que “sobredeterminar raça ou animalidade pode, em última instância, levar ao apagamento de ambos; a alternativa seria resgatar sua condição de correspondência” (p.8). Ao iluminar o modo como a “história dos animais e dos negros no Atlântico negro é ‘conectada’, em vez de ser simplesmente comparável” (p.8-9; destaque no original), a discussão pode ser reorientada em direção a uma história de empoderamento que detalhe não apenas subjugação e humilhação, mas também emergentes alianças interespécies. Embora não seja explicitamente conectada à raça da mesma maneira que o afro-cão, a lhama oferece a oportunidade de familiarizar o mundo moderno com a sabedoria e os insights das práticas dos indígenas andinos, em toda sua persistência, sua maleabilidade e seu poder.

Como podemos aprender sobre a lhama? As fontes sobre animais na história mostram-se ubíquas e complicadas. Embora historiadores possam escutar todos as variadas maneiras como as pessoas descrevem as lhamas – usando dados científicos e arqueológicos, crônicas coloniais, imagens e artefatos, publicações comerciais etc. – nunca conseguem obter a perspectiva da lhama. Qualquer história que alguém conte sobre uma lhama é, em última instância, sobre aquela pessoa, e história humana (Rothfels, 2021ROTHFELS, Nigel. Elephant trails: a history of animals and cultures. Baltimore: Johns Hopkins Press, 2021.). Sintetizar material secundário e disponibilizá-lo para questões exclusivas da história animal pode oferecer janelas e espelhos que expandam o escopo da história e a extensão dos animais no seu âmbito. Mas todas as fontes têm limites, e a necessidade dos estudiosos é maior do que o número de fontes disponíveis, em especial nas sociedades pré-colombianas, que têm poucos documentos escritos. Entretanto, a lhama é o que os pesquisadores encontram frequentemente nos arquivos quando pesquisam para contar outras histórias. Ouvir essas lhamas e perscrutar suas vozes e presenças ilumina novas compreensões sobre o passado.

História profunda e domesticação

Enquanto a paleontologia explica que a lhama surgiu do antigo Tylopoda ou tilópode norte-americano, alguns povos andinos têm outras explicações para a origem do animal. A expansão, contração e extensão das civilizações andinas previamente ao contato com os europeus contextualizam as origens da alpaca e da lhama. A mitologia inca, ao situar seu surgimento nos lagos e estatuetas resgatadas do fundo do lago Titicaca, sugere associações dos rebanhos com Mama Cocha, a deusa inca Mãe das Águas, e a rituais relacionados a pedidos de chuva (Delaere, Capriles, 2020). As origens das oferendas rituais do lago reforçam a ideia de esse sítio ter importância religiosa e ritual e de peregrinação. Porém, a lhama tem origens que remontam a muito antes do império inca. Na década de 1990, arqueólogos desenterraram múmias de alpacas e lhamas em perfeito estado de conservação em El Yaral, no Peru, datadas de mais de mil anos (Pringle, Delin, 31 Mar. 2001). Os animais haviam sido sacrificados ritualisticamente e enterrados com contas, lã e peças de prata. O sacrifício periódico dos animais era comum nas cerimônias religiosas pré-incaicas e incaicas, porque o sangue e a carne simbolizavam a fertilidade dos futuros rebanhos (Flannery, Marcus, Reynolds, 1989). Entendia-se que muitas divindades, incluindo o sol, o trovão e a lua, tinham seus próprios rebanhos de camelídeos, e a divindade Urcuchillay era representada como uma lhama multicolorida. A lhama era associada a sítios e cerimônias religiosas em múltiplas localizações, durante longos períodos dos tempos antigos.

Nos tempos pré-incaicos, um amplo panorama de culturas floresceu nos Andes e cada uma delas forneceu elementos que foram adicionados ao aparato cultural herdado pelos incas (McEwan, 2006MCEWAN, Gordon F. The Incas: new perspectives. New York: Norton, 2006.). Entre essas, a cultura chavín foi muito relevante para a história da lhama e da alpaca. Culto religioso com um centro cerimonial no norte do Peru, apresenta uma síntese de diversas crenças religiosas tradicionais, até aproximadamente 1400 a.C. Embora chavín não pareça ter alcançado Cusco, região que se tornaria central no império inca, sua influência chegou até Ayacucho. As culturas nazca e mochica, no litoral sul, receberam influência da complexidade da cultura chavín e podem ter se desenvolvido como estados com governos centrais por volta de 540. A cultura tiwanaco construiu uma cidade em um platô no entorno do lago Titicaca, onde vivia uma população de até um milhão de habitantes, cuja alimentação era proveniente de cultivos de altitude, como batata e oca, e da carne de lhama e alpaca, animais que encontravam pasto de alta qualidade no altiplano em torno do lago. Estima-se que a cultura tiwanaco expandiu-se em direção ao norte, no atual Peru e, através da Bolívia, em direção ao sul, alcançou o norte do atual Chile. Plataformas elevadas e templos dominavam as cidades e toda a extensão do estado, que incluía aterros, e havia estruturas monumentais, além de cerâmica refinada. A expansão e a consolidação econômica se apoiavam nessas construções e no estabelecimento de colônias, em variadas zonas ecológicas. Mas essa expansão tinha por base, de modo crucial, as caravanas de lhamas que percorriam picos e vales, cada animal carregando até 40kg de carga, transportando bens para troca e redistribuição (McEwan, 2006MCEWAN, Gordon F. The Incas: new perspectives. New York: Norton, 2006., p.38). A cultura wari, localizada cerca de 1.000km ao norte do lago Titicaca, perto de Ayacucho, surgiu em torno de 200 a.C. e cresceu rapidamente entre 500 e 900. A economia do império wari também se baseava no cultivo de animais, com lhamas e porcos sendo fontes de carne, e na agricultura, com uma variedade de produtos baseada sobretudo em tubérculos. As culturas wari e tiwanaku introduziram o estado imperial, e seu colapso deixou um período de fragmentação política, em meio ao qual surgiram os incas. Segundo a versão inca da sua própria história, essa teve início com um pequeno grupo de montanheses que se deslocou para o vale de Cusco, por volta de 1200. Os ancestrais emergiram para o mundo saindo de três cavernas, liderados por Manco Capac, o primeiro governante inca. Outras histórias situam sua origem em uma ilha no lago Titicaca. Quando Manco Capac e seus irmãos e irmãs chegaram a Cusco, se assentaram e passaram a se expandir até a chegada de Pachacuti, que reorganizou e reconstruiu o império, estendendo seus domínios pelos quatro cantos do mundo – os suyus – e ampliando também seu alcance e o uso de lhamas.

As quatro espécies de camelídeos encontradas na América do Sul têm parentesco próximo, mas são geograficamente distintas. Na natureza, a vicunha e o guanaco se desenvolveram em nichos menores, mas a aridez, as grandes altitudes e a combinação de vegetação esparsa e solo rochoso, além da capacidade de suportar ampla variação diária de temperatura, sobressaem como semelhanças importantes. A geografia ímpar dos Andes proporciona tal ambiente para esses animais. O antropólogo John Murra (2017)MURRA, John V. Reciprocity and redistribution in Andean civilizations: the 1969 Lewis Henry Morgan Lectures. Chicago: HAU Books, 2017. Available at: https://haubooks.org/reciprocity-and-redistribution. Access on: 10 June 2021.
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, em conhecida descrição das áreas imperiais andinas como “arquipélagos verticais”, transmitiu uma imagem dos sistemas de distribuição dos recursos ao longo das encostas íngremes e de diferentes zonas ecológicas. Juntamente com batata, algodão, cacau e pescado, a lhama desempenhou também um papel crucial nesse sistema de distribuição (em parte viabilizado por processos de congelamento e secagem desses recursos para armazenamento e uso futuro) e possibilitou o aparecimento de sofisticados impérios em altitudes onde é difícil habitar, em contraste com o surgimento de sociedades sofisticadas e estratificadas nas planícies ribeirinhas, como na Mesopotâmia. A lhama atendia a dois propósitos: como animal de carga para transporte de bens essenciais; e como carne seca para alimentação, transportada junto com sua lã e outros produtos. Para compreender a dimensão e a eficiência dos impérios nos Andes, é fundamental o insight de Murra de que o arquipélago era conectado por ilhas, sem que houvesse tentativa de controlar o território entre elas. Assentamentos multiétnicos eram a norma, e a complexidade e continuidade do império inca eram ligadas a ideias de reciprocidade e permuta de trabalho, em vez de bens ou tributos. Os animais tinham um importante papel nesse sistema, como transportadores e recipientes transacionais. O cientista político James C. Scott (2009)SCOTT, James C. The art of not being governed: an anarchist history of Upland Southeast Asia. New Haven: Yale University Press, 2009. observou que os Andes são únicos no mundo ao oferecer o exemplo de um império (vários, inclusive o inca) que desenvolveu um centro de poder e uma densidade populacional em altitudes acima de 3.400m. Scott conclui que, de modo geral, povos se deslocaram para as montanhas a fim de evitar a imposição do poder do Estado sobre si, se distanciando dos Estados que desejavam sujeitá-los à taxação e a outros tipos de organização social, enquanto os Andes oferecem um importante exemplo contrário, porque o Estado aprendeu a habitar as altas montanhas e governar a partir desse lugar, com a ajuda das lhamas e alpacas.

O estudo magistral de Karen Spalding (1984SPALDING, Karen. Huarochiri: an andean society under Inca and Spanish rule. Redwood City: Stanford University Press, 1984., p.12-14) sobre o sul do Peru, Huarochiri, ilustra como as encostas íngremes dos Andes pareciam rigorosas e ameaçadoras para um europeu ou norte-americano, mas as alterações realizadas com terraços e irrigação, assim como o cultivo agrícola do altiplano, ou puna, em solo frequentemente congelado, haviam criado as bases da sociedade andina. O núcleo desse mundo está nos vales que se encontram entre 2.700 e 3.700 metros acima do nível do mar e que podem ser trabalhados com cuidado e atenção para prover uma população. Caçavam-se vicunhas e guanacos selvagens, e acima da zona agrícola a puna fornecia pastagem para alpacas e lhamas, que por sua vez serviam como fonte de lã e carne, e para o transporte de carga. Ossos de camelídeos são comumente encontrados em sítios nos altiplanos centrais, inclusive junto a vestígios de bens cerimoniais e luxuosos. A permuta de alimentos e objetos impressiona devido não haver evidências de redes de comércio ou mercados de qualquer tipo. A produção era organizada por relações que asseguravam a manutenção dos rebanhos de lhamas. A família era a unidade produtiva básica, e os jovens, especialmente as moças, cuidavam das lhamas, fiavam a lã e confeccionavam tecidos finos (Spalding, 1984SPALDING, Karen. Huarochiri: an andean society under Inca and Spanish rule. Redwood City: Stanford University Press, 1984., p.25).

A lhama e sua parente, a alpaca, faziam parte das instituições culturais do maior dos impérios das Américas, o império inca. Os animais trabalhavam ao longo do sistema incaico de estradas (mais de 40.000km) transportando bens e fornecendo lã e carne (Bloch, 26 June 2015). Além da sua importância nutricional e ritual, os andinos usavam reprodução seletiva para criar uma constelação de características favoráveis, incluindo lã macia, fina, e de crescimento rápido. Projeções microscópicas de lã mumificada mostram que as fibras da lã eram mais finas do que a melhor caxemira atual (Pringle, Delin, 31 Mar. 2001). Além disso, esses animais produziam lã comprida em menor tempo, como verificado pela sua idade. Às vezes, a lhama era usada como oferenda durante festividades e celebrações promovidas pelo governo, seguindo o calendário das estações climáticas em homenagem às divindades, como a da chuva, por exemplo. Alguns estudiosos argumentaram que no império inca a lhama era o animal preferido para o sacrifício; para essa finalidade, seu valor era menor, apenas, do que o de seres humanos. Sacrifícios rituais e sepultamentos também podem ter significado autoridade sobre terras recentemente conquistadas (Valdez, Bettcher, Huamani, 2020). Em recente escavação no lago Titicaca, encontrou-se uma estatueta representando uma lhama esculpida em um molusco de cor coral. Estima-se que tenha mais de 500 anos. Encontrada dentro de uma caixa de pedra, em um recife cerca de 5,5m abaixo da superfície, é possível que a pequena imagem representasse um pedido de fertilidade para um rebanho ou de uma boa colheita. Um bracelete de ouro na estatueta sugere que o metal representava o lado humano de uma díade humano-camelídea. Oferendas rituais encontradas submersas no lago Titicaca e em altos picos das montanhas têm sido associadas a sacrifícios humanos (Delare, Capriles, 2020). Mas, por mais importantes que sejam essas alterações das características animais, também são muito importantes os aspectos culturais que motivavam as pessoas a fazer essas modificações.

Sistemas políticos, comunitários e geográficos estruturavam a sociedade andina. Evidências culturais sugerem valores indicativos de costumes e tradições. O geógrafo Karl Zimmerer indica que os idiomas andinos quíchua e aimará têm atualmente quase dez milhões de falantes nativos, e mesmo assim não existe uma palavra que expresse o termo “colheita” ou “planta alimentícia”, porque cada cultivo tradicional específico tem um nome único. A especificidade domina o léxico, sem que haja necessidade de um conceito tão indiscriminadamente generalizado. De modo similar, o conceito de criação domesticada também é estrangeiro. Um produto derivado da redistribuição do trabalho no império inca era a diversidade agrícola: à medida que os agricultores cultivavam seus próprios terrenos e também os do império inca, a variedade tornava-se um mecanismo para novos cultivos. Atividades alternativas, como o trabalho em minas de extração de ouro e prata ou a produção têxtil baseada na lã extraída de rebanhos de lhamas e alpacas, forneciam produtos complementares (Zimmerer, 1996, p.26).

A questão da domesticação permanece, pelo menos para contrastar com a produção agrícola e a introdução de ovelhas com a chegada dos europeus. Quanto a isso, a produção acadêmica não é unânime, tampouco clara, porém é ampla. De acordo com Zeder (2006)ZEDER, Melinda. Archaeological approaches to documenting animal domestication. In: Zeder, Melinda A. et al. (ed.) Documenting domestication: new genetic and archaeological paradigms. Oakland: University of California Press, 2006. p.171-179., esses estudos cumulativos “produzem um convincente corpo de evidências na forma de abundância de dados, perfis etários e mudanças morfológicas, demonstrando que povos andinos do centro e centro-sul da cordilheira estavam todos em um processo similar que, em última instância, resultou na domesticação da alpaca e da lhama, talvez em múltiplos tempos e em múltiplos lugares”. Em épocas pré-europeias, os camelídeos encontravam-se amplamente distribuídos por montanhas, litoral e terras baixas, e formavam um elemento essencial da vida social e econômica andina. Apesar disso, os especialistas não concordam sobre o tempo que levou o processo, ou se ocorreu em um ou muitos sítios. Há debates sobre a nomenclatura e sobre onde as taxonomias específicas das espécies se originaram. Jane Wheeler, proeminente especialista em genética camelídea e arqueologia, afirma que existiram, previamente, muitas raças com lã cujas fibras apresentavam componentes que não existem mais entre os animais atuais (Wheeler, 1984, 1995; Wheeler, Russel, Redden, 1995; Kadwell et al., 2001KADWELL, Miranda et al. Genetic analysis reveals the wild ancestors of the llama and alpaca. Proceedings of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences, v.268, n.1485, p.2575-2584, 2001.).3 3 Durante os últimos trinta anos, Wheeler foi pioneira em pesquisa sobre ancestralidade camelídea e resolveu de modo significativo questões de linhagem e relacionamentos entre espécies. Seu trabalho é prolífico e envolve abordagens acadêmicas e aplicadas.

Os rituais festivos e a cerâmica dos incas nos permitem conhecer melhor as relações sociais com os animais, tanto nos tempos incaicos quanto no presente. Tamara Bray desenvolve pesquisa sobre a cerâmica como equipamento culinário para analisar não apenas as propriedades físicas do material, mas também seu uso e significado cultural. Ela demonstra que os camelídeos compõem cerca de 10% da dieta camponesa, de acordo com modernos estudos etnográficos, e propõe que no império inca havia um componente similar (Bray, 2003, p.8). Antes da presença europeia, camelídeos e porcos eram a principal fonte de carne, reservada em geral para ocasiões especiais. Por exemplo, Bray demonstra que o governante inca Atahualpa, antes de se encontrar com Pizarro, enviou-lhe carne de lhama cozida e seca como um gesto de respeito e honra.

O que os animais são hoje resulta, em grande parte, de como foram criados, pastoreados e reproduzidos. Murra (2017MURRA, John V. Reciprocity and redistribution in Andean civilizations: the 1969 Lewis Henry Morgan Lectures. Chicago: HAU Books, 2017. Available at: https://haubooks.org/reciprocity-and-redistribution. Access on: 10 June 2021.
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, p.14) destaca o detalhe de que famílias individuais registravam de 1.500 a 2.000 cabeças de lhamas e alpacas e, com frequência, agrupavam-nas em múltiplas famílias, resultando em rebanhos imensos. Mas Murra e outros desconsideram que a lhama tivesse um papel significativo para o estabelecimento de um sofisticado aparato de Estado. Ele argumenta que “não há animais no Novo Mundo ou na África que forneçam energia para puxar e empurrar e arrastar, e nenhum objeto tecnológico equivalente, em termos simbólicos, à roda para os europeus” (p.71). O autor afirma ainda que o método “sem animais, sem roda” de “alcançar civilizações” significa que o único modo de construir um Estado é “arrancar à força a energia das pessoas” (p.71). Assim, de acordo com Murra, era exclusivo dos Andes esse modo por meio do qual as pessoas eram organizadas, manipuladas, persuadidas e convencidas a produzir energia para o império.

A reverência religiosa também deve ter moldado os animais, se não diretamente, por associação. Por exemplo, as comunidades andinas há muito mantêm mecanismos para preservar privilégios e expectativas particulares. Mumificar e vestir ricamente os corpos de seus líderes mortos é um exemplo; homenagear os ancestrais por meio de oferendas de chicha e coca é outro exemplo. Nos Andes, ao longo dos séculos, cerimônias e festividades asseguraram boas colheitas e a ampliação dos rebanhos de lhamas. Padres espanhóis do final do século XVI observaram que as oferendas eram pedidos de proteção e ajuda contra doenças e pela sua cura (Spalding, 1984SPALDING, Karen. Huarochiri: an andean society under Inca and Spanish rule. Redwood City: Stanford University Press, 1984., p.61). Mas, se os animais prediletos fossem mumificados ainda jovens, antes de terem a oportunidade de reproduzir, por exemplo, a prática pode ter sido cientificamente contraproducente com relação aos objetivos religiosos.

Dispersão e mistura

A chegada dos espanhóis nos Andes desestruturou – mas certamente não destruiu – quase todos os aspetos da continuidade social e ambiental. As doenças e a chegada da “biota portátil”4 4 [Nota da tradutora] No original em inglês: “portmanteau biota”, conceito apresentado pelo historiador ambiental Alfred W. Crosby em Ecological imperialism: the biological expansion of Europe, 900-1900 (Cambridge: Cambridge University Press, 1986), publicado em português com o título de Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa 900-1900 (São Paulo: Companhia das Letras, 2011). europeia se infiltraram nos ecossistemas e nos corpos em ritmo acelerado. A transformação de sistemas políticos espanhóis acima e apesar do poder inca teve efeitos catastróficos sobre indivíduos, comunidades e recursos. O impacto dessa desestruturação sobre os camelídeos foi tão dramático quanto sobre outros sujeitos, mas os padrões que emergiram tiveram efeitos significativos, no mínimo, de dois modos. Primeiro, a substituição de camelídeos por animais de criação espanhóis, principalmente ovelhas, significou que os camelídeos escaparam da erradicação, mas perderam as especificidades adquiridas por meio das práticas reprodutivas pré-incaicas e incaicas. Segundo, a dispersão e distribuição de camelídeos pelo mundo, tanto em termos de produtos quanto de animais individuais, gerou novos circuitos de poder econômico e trouxe novas ideias sobre os animais (Wernke, 2007WERNKE, Steven A. Negotiating community and landscape in the Peruvian Andes: a transconquest view. American Anthropologist, n.109, p.130-152, 2007.). Fluxos e refluxos e uma genuína curiosidade científica levaram a importantes conclusões sobre os animais e permitiram a persistência e estabilidade proporcionadas em comunidades indígenas pela manutenção continuada dos rebanhos locais.

O colapso do império inca e outros estados após 1532 mudou significativamente o modo de criação de lhamas. O que aconteceu com os genes que produziam lã de tão alta qualidade? Os espanhóis recém-chegados não viram distinção entre os animais que desconheciam; assim, abateram os de maior qualidade para consumir sua carne ou os puseram a trabalhar como transportadores de carga nas minas de prata. Permitiu-se que os animais retornassem ao estado silvestre, sendo caçados para obtenção da pele e, assim, perderam as características da criação incaica (Ebel, 1989EBEL, Stan. The Llama industry in the United States. Veterinary Clinics of North America: Food Animal Practice, v.5, n.1, p.1-20, 1989., p.3). Muitos morreram de doenças transmitidas por ovelhas e gado estrangeiros. O colonialismo dizimou não apenas povos nativos, mas também escolheu cuidadosamente certos atributos dos animais. O império inca e outros criaram vários mecanismos sociais para mesclar e agrupar pequenos rebanhos em outros maiores e para alternar os animais quando percorriam longas distâncias em caravanas. Alguns desses rebanhos serviam de apoio aos governantes imperiais e outros ofereciam reservas que pareciam inesgotáveis. A mistura de rebanhos tornava os animais saudáveis e robustos, além de praticamente imunes aos problemas demográficos de rebanhos menores, incluindo a atrofia genética (Flannery, Marcus, Reynolds, 1989, p.206).

O texto escrito em 1615 por Guamán Poma, com o título de El primer nueva crónica y buen gobierno, contendo quase 1.200 páginas e 400 desenhos, capta em forma de prosa e ilustrações uma ampla variedade de características da cultura inca. Essa incrível crônica permaneceu desconhecida em uma biblioteca na Dinamarca por quase trezentos anos, até ser descoberta em 1908 por um pesquisador alemão. Entre os vários temas abordados nesse texto encontra-se a agricultura, e as lhamas são retratadas em ao menos três desenhos. Observe esse desenho de um governante inca cantando com sua lhama vermelha (pucca) em uma festividade (Figura 1). As notas “y” saindo de suas bocas representam a canção, e a cor vermelha marca o grande prestígio do governante. No texto que acompanha a imagem, o autor descreve uma canção de celebração de um casamento, com a lhama sendo parte do presente oferecido junto com a noiva. A lhama significa que a noiva terá filhos do presenteado.

Figura 1
: Lhama decorada em uma festividade (Guamán Poma, Nueva crónica y buen gobierno [1615], disponível em: http://www5.kb.dk/permalink/2006/poma/320/en/text)

O declínio inicial, assim como os subsequentes, das populações de camelídeos não passou despercebido aos colonizadores espanhóis. De fato, a vicunha tornou-se rapidamente um símbolo de luxo, e sua lã, antes reservada somente aos incas, passou a ser exclusiva das linhagens da realeza espanhola. Logo, não surpreende que uma das primeiras políticas de restrição à caça de um animal tenha sido aplicada à própria vicunha, em 1557, quando a Coroa espanhola impôs que a sua caça fosse interrompida por cinco anos. De modo similar, Simon Bolívar decretou, em 1827, a proibição de matar vicunhas. Essas duas medidas tiveram impacto limitado, pois vários naturalistas e viajantes descreveram versões de um “cerco” chamado chaccu ou chakkum, onde animais selvagens eram encurralados em um cercado temporário e selecionados para a tosa, enquanto outros eram liberados (Cowie, 2017COWIE, Helen. Llama. London: Reaktion Books, 2017., p.78; Flores Ochoa 1988FLORES OCHOA, Jorge A. Llamichos y paqocheros: pastores del llamas y alpacas. Cuzco: Centro de Estudios Andinos Cuzco; Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología, 1988., p.110). Esse ritual anual (menos o sacrifício) foi reinventado em áreas protegidas no Peru, especialmente em Pampa Galeras, onde a tosquia produz lã para as cooperativas (Wakild, 2020WAKILD, Emily. Saving the vicuña: the political, biophysical, and cultural history of wild animals conservation in Peru, 1964-2000. American Historical Review, v.125, n.1, p.54-88, 2020.).

Um uso singular e pouco conhecido das lhamas e seus parentes vem de bezoares ou cálculos formados no trato digestivo dos ruminantes, que são concreções calcinadas, parecidas com pérolas. Segundo Marcia Stephenson (2010)STEPHENSON, Marcia. From marvelous antidote to the poison of idolatry: the transatlantic role of Andean bezoar stones during the late sixteenth and early seventeenth centuries. Hispanic American Historical Review, v.90, n.1, p.3-39, 2010., essas pequenas, e nada glamorosas, pedras gastrointestinais desempenharam um papel enorme na conformação da história social e econômica do início da Europa moderna e da América espanhola. De modo geral, curandeiros e praticantes de medicina na Europa viam os cálculos bezoares como remédios eficazes e excelentes para venenos e doenças graves, incluindo peste, tifo e febres. As pedras se tornaram tão valiosas quanto diamantes, pérolas, esmeraldas e outras pedras preciosas, sendo frequentemente usadas em incrustações junto com ouro ou prata. Os europeus não eram os únicos que admiravam as pedras: autoridades religiosas coloniais constataram que eram idolatradas em toda parte. Soldados espanhóis descobriram a pedra bezoar no Peru em 1568 e descreveram esse importante evento em um livro de medicina escrito por Nicolás Monardes, Historia medicinal de las coasa que se traen de nuestras Indias Occidentales que sirven en medicina. Stephenson (2010)STEPHENSON, Marcia. From marvelous antidote to the poison of idolatry: the transatlantic role of Andean bezoar stones during the late sixteenth and early seventeenth centuries. Hispanic American Historical Review, v.90, n.1, p.3-39, 2010. argumenta que esses gloriosos objetos, provenientes do estômago dos animais andinos, simbolizavam de forma fantástica o relacionamento de comércio, conhecimento, reverência e poder literalmente incorporado nas vísceras dos camelídeos.

As lhamas também atravessaram o Atlântico. A primeira lhama a ser descrita na Europa foi provavelmente um animal chamado allocamelus, levado para a Holanda como propriedade de um mercador holandês. Descrito como uma “ovelha indiana”, o animal foi presenteado ao Sacro Imperador Romano, Fernando I (Cowie, 2017COWIE, Helen. Llama. London: Reaktion Books, 2017., p.7-8). Oferecer lhamas de presente contribuiu para a dispersão de curiosidades americanas, incluindo plantas, animais e humanos, pois agentes do conhecimento europeus buscavam compreender o mundo que, naquele tempo, ficara mais completo. As lhamas tornaram necessárias revisões das ideias científicas, tendo em conta que suas características e atributos especiais desafiavam os emergentes sistemas de classificação dos elementos da natureza.

Figura2
: Lhama (Buffon et al., 1778BUFFON, Georges Louis Leclerc, comte de et al. Herrn von Buffons Naturgeschichte der vierfüssigen Thiere. v.20, Bd.13. Berlin: Joachim Pauli, 1778. Available at: https://www.biodiversitylibrary.org/page/57611903. Access on: 10 June 2021.
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)

A identificação e descrição da lhama e seus parentes gerou bastante confusão na literatura científica europeia. Uma das contribuições mais interessantes foi a de um homem considerado o primeiro naturalista do Chile, Juan Ignacio Molina. Padre jesuíta com grande curiosidade pelo mundo natural, suas observações foram registradas somente depois que ele, juntamente com a totalidade da Companhia de Jesus, foi forçado a se retirar das Américas, em 1767. Em Bolonha, onde se refugiou após a expulsão, passou a escrever suas observações, formando um compêndio da evolução biológica da região (Molina, 1810MOLINA, Juan Ignacio. Ensayo sobre la historia natural de Chile. Santiago: Maule, 1810., p.289-292). Seus comentários sobre as lhamas são dignos de serem considerados em detalhe, pois apresentam um Chile visto de dentro, de forma profunda e minuciosa. Molina descreveu uma versão chilena de camelídeo, que chamou de Chili-hueque, anteriormente utilizado pelos chilenos nas montanhas, mas que já havia sido substituído pela mula. Ele identificou que esse animal vivia entre 36 e 40 graus de latitude Sul e descreveu os modos como os antigos chilenos haviam moldado sua fisiologia – alongando suas orelhas – ao colocar cordões através delas. Molina descreveu o sacrifício solene dos animais em ocasiões especiais e como a lã era tosquiada e usada para produzir vestimentas, antes da chegada das ovelhas. Por certo, as camadas de memórias de Molina têm certa propensão palimpséstica mas, ainda assim, homenageiam e dão significado aos atributos perdidos e às atividades esquecidas cuja existência se pode verificar por meio de estudos arqueológicos e genéticos. Ele menciona que os pelos do Chili-hueque, antes da chegada das ovelhas, eram tão finos que pareciam de seda.

Molina também escreve a partir de uma posição de detentor de conhecimentos e de boas conexões. Certamente conhecedor dos emergentes debates sobre classificação, ele comparou a lhama e seus parentes aos seus semelhantes eurasianos, observando: “Os ‘camelos americanos’ são como os da África e da Ásia, têm uma doçura natural, podem ser treinados e são aptos a transportar carga, devagar, mas com firmeza e segurança, ao longo de estradas íngremes nas montanhas” (Molina, 1810, p.291). Como ele observa, as diferenças também são notáveis, pois as características que os separam do “camelo verdadeiro”, tais como a capacidade de viver na neve e no gelo, de armazenar gordura embaixo da pele e de ter maior circulação de sangue em suas veias os tornam adequados para os Andes. Suas pernas – mais compridas do que necessário para suportar o corpo – e o rabo curto, além do pelo comprido, ideal para a tosquia, também fazem deles companhias apropriadas para o ambiente andino (p.291).

A lhama moderna

Carisma e companheirismo devem ser adicionados à lista de Molina como características simpáticas da lhama. Embora existam importantes continuidades ao longo dos séculos, ocorreu uma verdadeira mudança quando as lhamas e alpacas passaram, como se refere um promotor, “de uma curiosidade de zoológico para uma indústria multimilionária” (Ebel, 1989EBEL, Stan. The Llama industry in the United States. Veterinary Clinics of North America: Food Animal Practice, v.5, n.1, p.1-20, 1989., p.1). De acordo com Ebel, embora essa indústria tenha deslanchado apenas na década de 1980, as lhamas saíram da categoria de “curiosidade de zoológico” nas décadas anteriores.

Com relação à importação do animal, muitas vezes havia problemas legais. Apesar de empresários como Charles Ledger terem importado mais de 250 alpacas para a Austrália até 1850, somente em 1993 o governo peruano deu permissão oficial para a exportação de lhamas e alpacas (Ebel, 1989EBEL, Stan. The Llama industry in the United States. Veterinary Clinics of North America: Food Animal Practice, v.5, n.1, p.1-20, 1989., p.3). Apesar disso, abundavam anedotas sobre animais talentosos. O catálogo de animais de P.T. Barnum, de 1879, apresentava a lhama, e seu circo geralmente também promovia o animal. William Jennings Bryan, candidato presidencial e secretário do Interior dos EUA, foi presenteado com uma lhama pelo prefeito de Buenos Aires em 1914 (Llama..., 16 Mar. 1914). O animal padeceu na alfândega e foi abatido devido ao temor de doenças. A fazenda San Simeon, na Califórnia, de propriedade do empresário do ramo editorial William Randoph Hearst, foi uma das primeiras a ter um rebanho de 12 animais. Porém, na década de 1930, o aumento do rebanho foi interrompido devido a preocupações similares, relativas à febre aftosa.

Ao passo que existiam lhamas individuais e talentosas em meio a pessoas ricas e bem-relacionadas, uma possível origem da “indústria” camelídea nos EUA encontra-se nos criadores de cavalos árabes Dick e Kay Patterson, que começaram a criar guanacos em 1958. Após transferirem seu rancho para Sisters, no Oregon, e mudar de guanacos para lhamas, na década de 1970 haviam criado um rebanho de mais de quinhentos animais.5 5 Além do estudo de Ebel, outras fontes sobre essa emergência incluem as minutas e celebrações de premiações da Llama Association (Central Oregon, International Llama Registry, Iowa) e os livros sobre reprodução de lhamas Patterson Llama Stud. Houve um forte aumento nos preços, e as fêmeas, que haviam sido vendidas por mil dólares em 1975, estavam sendo comercializadas por dez ou vinte vezes mais em 1989. Vários fatores contribuíram para esse forte aumento, mas não há uma explicação econômica para o rápido crescimento e posterior declínio da criação de lhama e alpaca nos EUA. Um especialista argumenta que a lhama era um excelente animal de estimação e sua companhia era incomparável. A “inteligência, a personalidade e o porte elegante tornam [o animal] encantador” e sua resistência e baixo custo de manutenção o tornam atraente como um “animal de estimação exótico” (Ebel, 1989EBEL, Stan. The Llama industry in the United States. Veterinary Clinics of North America: Food Animal Practice, v.5, n.1, p.1-20, 1989., p.7). À medida que a população de lhamas aumentou e investidores do mercado de luxo e empresários iniciantes compravam e criavam mais animais, desenvolveu-se uma sequência de atividades e eventos. Competições de desempenho, concursos de cabresto e atividades especializadas – condução de carrinho ou carregamento de carga – passaram a atrair um conjunto de pessoas ricas que viam os animais como passatempo ou empreendimento. A maioria dos novos proprietários de lhamas era originária de ambientes urbanos e tinha pouca ou nenhuma experiência com animais de criação. Uma mudança nos subsídios fiscais estimulou investimentos nesses animais, mas mesmo a combinação desse fato com sua personalidade, utilidade e companheirismo não pode explicar como a população de lhamas chegou a quase 145 mil em 2002 (McCausland,14 Apr. 2019). A propriedade de lhamas declinou nas últimas décadas, sendo substituída por brinquedos de plástico, madeira e espuma. Simulações de lhamas passaram a substituir as verdadeiras, no momento em que nossa distância de outras coisas vivas é maior do que nunca. Os efeitos desse boom e seu papel em apoiar a atual expansão da popularidade das lhamas não viventes, brinquedos e personagens de livros infantis ainda não foram inteiramente compreendidos.

Durante o auge da produção de lhamas nos EUA, nas décadas de 1980 e 1990, o International Camelid Journal: Llamas (Revista Internacional de Camelídeos: Lhamas, em tradução livre), editou uma publicação bimensal para circular entre seus associados. Em outubro de 1985, a revista publicou uma história um tanto contraditória: uma viagem de “lhameiros americanos” ao Peru para conhecer o berço da domesticação da lhama (Peto, 1985PETO, Guy. Peru: high altitude adventure: gringos Trek Ancient Andean Trails. Llamas: International Camelid Journal, p.17-21, 1985.). Várias passagens do artigo destacam, pelo olhar do viajante, um deslumbramento generalizado com relação aos animais, apesar das grandes diferenças entre os criadores de lhama. O autor, Guy Peto, que em outra parte da publicação tem uma publicidade de página inteira sobre sua propriedade em El Dorado, Califórnia, divulgando sua criação de lhamas, relata a caminhada de sete dias realizada por ele e seus companheiros, guiados por um grupo de peruanos atuando como cozinheiros e transportadores. Peto comenta sobre o clima, a altitude, as paradas para usar folha de coca e tomar pisco, e os pequenos currais de pedra, construídos mesmo em cânions íngremes e estreitos. Ele se orgulha de saber palavras em quíchua (apesar de não saber falar espanhol) e menciona, com grande surpresa, a existência de lhamas em grandes altitudes, observando, por exemplo, a existência de esterco de lhama a quase cinco mil metros de altitude. Peto e seus companheiros de viagem testemunharam o nascimento de um bebê lhama na trilha e ficaram satisfeitos com um jantar de ovelha assada sobre fogo feito com esterco de lhama. As contradições e as interações biopolíticas desse episódio iluminam fenômenos fundamentados em processos de vida e, também, constituídos de decisões sociais e políticas. Essa “aventura peruana” demonstra as contradições e os modos como a fascinação norte-americana com a lhama interpretou erroneamente, compreendeu erroneamente e, simultaneamente, celebrou a herança das suas contrapartes no sul do continente americano.

Apesar da reprodução desses seres-terra, alguns dos quais eram vistos como curiosidades, vale notar a persistência de atributos particulares da cultura relacionada à lhama. Fabricantes de brinquedos não foram os primeiros a vestir lhamas com adornos coloridos: essa é uma tradição disseminada através dos Andes, relatada por Guamán Poma e por Molina, que menciona os cordões atravessados nas orelhas de animais no Chile. Na região peruana de Ayacucho, as lhamas são consideradas pertencentes ao wamani, ou espírito da montanha, e não propriedade dos seus pastores (Flannery, Marcus, Reynolds, 1989, p.30). Em vez das zonas ecológicas de vida, conforme definição de cientistas ocidentais, os povos andinos associam animais relevantes a seres sobrenaturais (wamani) que residem nas paisagens. Como as relações humanas com os wamani necessitam ser renovadas regularmente, a lhama serve como um intermediário essencial para as relações de parentesco entre os humanos e os espíritos das montanhas. Em uma poderosa rede de obrigações, parte do processo de renovação inclui vestir os animais como humanos ou os humanos como lhamas. As lhamas podem ser “casadas” em uma cama matrimonial, podem receber bebida alcoólica, ou podem ser purificadas com um pó que simboliza a neve.

Tais cerimônias têm um óbvio significado cultural, mas suas implicações biológicas são menos claras. O pelo da lhama não retém a cor, nem há evidências de lhamas desenvolvendo um gosto por bebidas alcoólicas. Apesar do impacto momentâneo desses rituais, os animais que são receptivos, ou apenas menos agressivos durante essas cerimônias, se reproduzem durante mais tempo, criando gerações futuras com temperamentos mais dóceis.

Enquanto a lhama “moderna”, ou ocidental, é surpreendentemente plástica e desconstruída (para anticorpos, brinquedos etc.), a lhama pré-moderna era holisticamente imbuída de elementos espirituais. Mas a díade está incompleta. As lhamas agora são parte de uma diáspora: uma população distinta, dispersada forçadamente para novos lugares. Pensar em termos de uma diáspora pode alterar as categorias de animais, de espécies domesticadas, ameaçadas, em risco ou exóticas, para as experiências diárias e cumulativas de animais e das pessoas que detêm conhecimento cultural sobre eles (Wakild, in press).

Considerações finais

Todos os camelídeos, incluindo Wally, uma das lhamas usadas na pesquisa de anticorpos para terapias eficazes contra a covid-19, produzem cadeias simples de proteínas ou nanocorpos que se unem fortemente a vírus para os combater. Pesquisadores em todo o mundo, incluindo Bélgica, Alemanha (Universidade de Bonn) e EUA (Universidades de Chicago, Pittsburgh e Texas), têm usado tecnologias avançadas para analisar e compreender essas partes infinitesimais da lhama visando usá-las contra vírus, da influenza ao HIV, e agora o coronavírus. Por exemplo, os pesquisadores de Wally usam uma avançada fonte de fóton, um conjunto de feixes de raios-X ultrabrilhantes, de alta energia, e aparelhos de difração utilizados em pesquisas multidisciplinares. O pareamento de antigas peculiaridades genéticas das lhamas com “microscopia de crio-elétron” (Salles, 9 Mar. 2021) permite compreender os materiais que formam o nosso mundo. Porém, ainda mais profundo do que usar animais e tecnologia de ponta para produzir conhecimento é o intento de usar essa compreensão para lidar com a emergência de doenças com origem em animais. Os nanocorpos únicos das lhamas oferecem curas potenciais para surtos de zoonoses que sinalizam a ruptura de um conjunto de relacionamentos entre animais humanos e não humanos, fraturados por desigualdades, exploração e colonialismo (Lunstrum, 2021LUNSTRUM, Elizabeth et al. More-than-human and deeply human perspectives on Covid-19, Antipode, v.53, n.5, p.1503-1525, 2021.). Em outras palavras, Wally oferece um rosto para uma série de encontros multiespécies que conformam o mundo moderno.

Estudiosos como Marisol de la Cadena demonstraram que na visão de mundo andina um lugar não é estritamente de onde alguém é, mas também quem a pessoa é. De modo similar, se considerarmos a lhama nessa perspectiva, ela não é, nunca, apenas um animal, mas um ser imbuído de um lugar, e esse lugar é a cordilheira dos Andes, apesar de as lhamas residirem em todo o mundo há várias gerações e séculos. Um lugar é um espaço dinâmico onde uma gama de seres interage: humanos, plantas, animais, rios, montanhas, e até a chuva e a neve. Nessa perspectiva, ignorar a origem e a cultura da lhama significa negar a totalidade desses seres. Esse apagamento limita a capacidade de abarcar a complexidade e as sofisticadas interações entre humanos e nossos parentes animais.

Os animais, como as sociedades humanas, nunca estão estáticos. O animal conhecido pela cultura mochica há 2.500 anos no litoral do Peru não é o mesmo que Patricia Marx (20 Oct. 2014) leva hoje para passear nas ruas da cidade de Nova York como animal de companhia. E, mesmo assim, linhagens de interesse permanecem e categorias específicas – e genéticas – mantêm sua integridade e relevância. As que centralizam esse desequilíbrio e abarcam sua complexidade como uma plataforma para um futuro mais conectado e empático são as que merecem o nosso interesse.

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NOTAS

  • Traduzido por Annabella Blyth.
  • 1
    Biopolítica se refere principalmente aos esforços de colocar a vida em ordem, a partir de mecanismos específicos de poder, ou biopoder. O direito de decidir sobre vida e morte, na formulação de Foucault, é transformado no desenvolvimento de subjetivação e supervisão em processos biológicos. A bioética discute mais explicitamente o uso de vida não humana em pesquisa, incluindo as conexões entre valores humanos e política.
  • 2
    Nessa e nas demais citações de textos publicados em outros idiomas, a tradução é livre.
  • 3
    Durante os últimos trinta anos, Wheeler foi pioneira em pesquisa sobre ancestralidade camelídea e resolveu de modo significativo questões de linhagem e relacionamentos entre espécies. Seu trabalho é prolífico e envolve abordagens acadêmicas e aplicadas.
  • 4
    [Nota da tradutora] No original em inglês: “portmanteau biota”, conceito apresentado pelo historiador ambiental Alfred W. Crosby em Ecological imperialism: the biological expansion of Europe, 900-1900 (Cambridge: Cambridge University Press, 1986), publicado em português com o título de Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa 900-1900 (São Paulo: Companhia das Letras, 2011).
  • 5
    Além do estudo de Ebel, outras fontes sobre essa emergência incluem as minutas e celebrações de premiações da Llama Association (Central Oregon, International Llama Registry, Iowa) e os livros sobre reprodução de lhamas Patterson Llama Stud.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Dez 2021

Histórico

  • Recebido
    1 Fev 2021
  • Aceito
    2 Jun 2021
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