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Mudança de paradigma científico

A change in the scientific Paradigm

11 Estão comercializados, no entanto, vários produtos que resultam de aplicações de biotecnologias, entre eles sabão em pó (produzido com enzimas obtidas por essa tecnologia), queijos etc. Esses dados de instituições credenciadas mostram que, se o Brasil não está hoje na vanguarda, estará em breve. Grande parte das pesquisas se desenvolve no setor público. A questão dos transgênicos — vou usar a palavra — tornou-se um debate mundial. E não poderia ser diferente. Estamos em um momento de mudança de paradigma científico, semelhante ao que se deu quando Edward Jenner (1749-1823) descobriu a vacina contra a varíola, retirando as pústulas das vacas. Naquele momento, a introdução da nova tecnologia também assustou as pessoas, que passaram a temer a possibilidade de adquirirem, com a vacina, feições animalescas de vacas e bois. Aqui mesmo, tivemos a Revolta da Vacina, refletindo a dificuldade, por parte da sociedade da época, de acompanhar o processo liderado por Oswaldo Cruz. Enquanto a sociedade não compreender o que a ciência está fazendo, o que se pesquisa nos laboratórios, haverá choques desse tipo. Foi anunciado recentemente o mapeamento do genoma* de dois organismos, sendo um deles obtido por pesquisadores brasileiros, um ano e meio antes do tempo previsto. O mapeamento do genoma humano também foi obtido antes do tempo previsto. Para maiores informações, consulte a home-page da CTNBio, na parte de alimentos transgênicos e as perguntas mais freqüentes (FAQ) http://www.mct.gov.br/ctnbiotec.

22 E a sociedade, será que está preparada para uma evolução tão rápida da tecnologia? É óbvio que têm de existir mecanismos de controle. Ainda bem que o Brasil tem uma regulamentação de biossegurança. Pode não ser perfeita, pode demandar um aprimoramento — afinal, ainda não completou cinco anos! —, mas temos uma lei, diferentemente de outros países que estão sem controle. É fundamental que haja o controle social, sim! É fundamental que haja o controle governamental, sim! É uma irresponsabilidade afirmar que transgênico é bom ou que é ruim. Por isso a CTNBio existe e por isso é feita a análise caso a caso. Se fosse bom, não precisava de lei; se fosse ruim, era só proibir. Mas não podemos perder o trem da história. Já foram seqüenciados os genomas de 32 bactérias, uma levedura, a mosca da fruta Drosophila melanogaster (Science, 287:2185, 2000) e um verme (C. elegans) por um consórcio envolvendo Estados Unidos/Europa/Japão. A planta Arabidopsis thaliana já está quase seqüenciada. No Brasil, o primeiro organismo a ser seqüenciado foi a bactéria Xylella fastidiosa (Nature, 406:151-7, 2000) realizada pela rede ONSA (Organization for Nucleotide Sequence and Analysis), com auxílio da Fapesp. Após o anúncio da obtenção da seqüência do genoma integral da Xylella, três outros projetos brasileiros foram aprovados: o do genoma humano de câncer, o de cana-de-açucar, e o da bactéria Xanthomona citri. Quanto ao Projeto Genoma Humano internacional, recentemente (em julho de 2000) foi anunciada a obtenção de inúmeras seqüências esparsas que atualmente estão sendo alinhadas para a obtenção do código genético humano total. Esta conquista foi devido a parceria do NIH National Institute of Health (NIH) com a Celera Genomics, empresa americana fundada por Craig Venter (consulte o site da empresa: http://www.celera.com )

Mudança de paradigma científico

A change in the scientific Paradigm

Depoimento de/General comments by
Leila Oda

Núcleo de Biossegurança Fundação Oswaldo Cruz

Av. Prado Junior, 48 apt. 1116

22011-040 Rio de Janeiro — RJ Brasil

l.oda@uol.com.br

Gostaria de parabenizar essa iniciativa de aproximar ciência e sociedade. É fundamental decodificar a tecnologia científica para que possamos, cada vez mais, contar com algum retorno da sociedade no nosso dia-a-dia do saber científico.

O Brasil hoje tem uma lei de biossegurança graças à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Várias pessoas iniciaram essa discussão na Fiocruz. Quando ocorreu a I Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, em 1995, lembro que levamos debaixo do braço um projeto de lei, costurado pela Fiocruz e a Embrapa, e o entregamos nas mãos do então deputado Sérgio Arouca, que liderou a discussão desse projeto no Congresso.

O Brasil tem uma lei de biossegurança e adota, de forma bastante diferenciada da grande maioria dos países, controle rigoroso da tecnologia chamada, na linguagem popular, transgênica. Na realidade, não é uma lei para transgênicos, mas para regular os procedimentos em engenharia genética. A CTNBio regula os procedimentos dessa tecnologia nova, que vem despontando em várias áreas. No Brasil, ao contrário do que ocorre em outros países, alimentos geneticamente modificados ainda não são comercializados.

Naquele momento, durante a I Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia — que foi um desdobramento da Eco-92 —, entendeu-se que seria necessário adotar, para essa tecnologia, um controle adicional com base no princípio precautório. Para saber mais, consulte a home-page da Convenção da Diversidade Biológica (CDB): http://www.biodiv.org. O Brasil foi o primeiro a adotar esse princípio, que se consolidou com a adoção do protocolo internacional, o chamado Protocolo de Cartagena ou de Biossegurança (http://www.mct.gov.br/ctnbiotec/cartagena.htm), diferentemente dos Estados Unidos, que há seis anos começou a colocar seus produtos no mercado, sem ter regulamentação específica. A própria Europa tem diretivas. Lá, somente agora, após cinco anos com produtos transgênicos no mercado, é que foi adotado o monitoramento pós-comercialização, que o Brasil já previu em seu aparato regulamentador. Isto mostra que ocupamos uma posição de vanguarda no que diz respeito ao controle desses produtos. Estamos, é óbvio, aprendendo com quem já está fazendo. Não podemos fechar os olhos para o que está sendo feito no mundo, mas, em relação à regulamentação de produtos advindos da moderna biotecnologia, ou seja, da engenharia genética, estamos na frente.

O que vem a ser a Lei de Biossegurança? A tecnologia de engenharia genética é regulada por uma legislação específica, que se soma à legislação existente para os outros produtos. Por exemplo, a vacina contra hepatite B já vinha sendo fabricada há vários anos por meio da tecnologia convencional. Quando começou a ser produzida pela tecnologia de DNA recombinante, mais moderna, também teve de entrar na Lei de Biossegurança. Ou seja, ela tem de se submeter a todos os mecanismos de controle e avaliação previstos para a tecnologia convencional, adicionando-se a eles os mecanismos previstos pela Lei de Biossegurança.

Esta lei estabelece, em primeiro lugar, um mecanismo de controle dessas práticas por meio da CTNBio, que é o órgão máximo, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Pela comissão devem passar todas as iniciativas, incluindo projetos de pesquisa, produção e comercialização. Qualquer atividade relacionada a essa tecnologia tem de realizar uma consulta prévia à comissão. A consulta começa com a certificação da instituição.

Para poder realizar atividades relacionadas a essa tecnologia, o que a instituição tem de fazer? Em primeiro lugar, criar uma comissão interna de biossegurança, que é o ‘braço direito’ da CTNBio dentro da instituição e monitora as atividades ali. A comissão é avaliada pela CTNBio, inclusive no que diz respeito aos membros participantes, para verificar se está capacitada a realizar o processo de acompanhamento e avaliação. Além disso, a instituição precisa ter o credenciamento inicial, que é o Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB). Ou seja, a instituição — pública ou privada — precisa ter um CQB antes de começar a trabalhar com essa atividade no Brasil.

A CTNBio é formada por 36 membros, entre titulares e suplentes. Do total, 16 membros (oito titulares e oito suplentes) são da comunidade científica, indicados pelas sociedades científicas, como a Sociedade Brasileira de Genética e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Há ainda representantes de seis ministérios (Ciência e Tecnologia, Saúde, Agricultura, Meio Ambiente, Educação e Relações Exteriores), órgãos de defesa do consumidor, órgão de saúde do trabalhador e o setor empresarial de biotecnologia. O presidente da CTNBio é escolhido pelos membros, que votam secretamente, de modo a formar uma lista tríplice que segue para apreciação do ministro da Ciência e Tecnologia.

Como funciona a tramitação dos processos? Temos quatro comissões setoriais específicas, por áreas de atuação (saúde, ambiente, animal e de plantas). Há ainda uma secretaria executiva, que é a única atividade remunerada da CTNBio. Todos os outros ocupam cargos honoríficos. Os processos vão inicialmente para as comissões setoriais, que indicam consultores ad hoc (que podem ser ou não membros da própria CTNBio), encarregados de emitir pareceres, lidos nas setoriais e depois enviados para a plenária geral, quando o processo é votado.

Do total de 120 instituições credenciadas na CTNBio para trabalhar com biotecnologia no país, 78% são públicas e as demais, particulares. Elas estão autorizadas a trabalhar com a técnica, mas não a comercializar, porque a comercialização de plantas transgênicas ainda não está autorizada no Brasil, por motivos judiciais.
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    Estão comercializados, no entanto, vários produtos que resultam de aplicações de biotecnologias, entre eles sabão em pó (produzido com enzimas obtidas por essa tecnologia), queijos etc. Esses dados de instituições credenciadas mostram que, se o Brasil não está hoje na vanguarda, estará em breve. Grande parte das pesquisas se desenvolve no setor público.
    A questão dos transgênicos — vou usar a palavra — tornou-se um debate mundial. E não poderia ser diferente. Estamos em um momento de mudança de paradigma científico, semelhante ao que se deu quando Edward Jenner (1749-1823) descobriu a vacina contra a varíola, retirando as pústulas das vacas. Naquele momento, a introdução da nova tecnologia também assustou as pessoas, que passaram a temer a possibilidade de adquirirem, com a vacina, feições animalescas de vacas e bois. Aqui mesmo, tivemos a Revolta da Vacina, refletindo a dificuldade, por parte da sociedade da época, de acompanhar o processo liderado por Oswaldo Cruz.
    Enquanto a sociedade não compreender o que a ciência está fazendo, o que se pesquisa nos laboratórios, haverá choques desse tipo. Foi anunciado recentemente o mapeamento do genoma* de dois organismos, sendo um deles obtido por pesquisadores brasileiros, um ano e meio antes do tempo previsto. O mapeamento do genoma humano também foi obtido antes do tempo previsto.
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    E a sociedade, será que está preparada para uma evolução tão rápida da tecnologia? É óbvio que têm de existir mecanismos de controle. Ainda bem que o Brasil tem uma regulamentação de biossegurança. Pode não ser perfeita, pode demandar um aprimoramento — afinal, ainda não completou cinco anos! —, mas temos uma lei, diferentemente de outros países que estão sem controle. É fundamental que haja o controle social, sim! É fundamental que haja o controle governamental, sim!
    É uma irresponsabilidade afirmar que transgênico é bom ou que é ruim. Por isso a CTNBio existe e por isso é feita a análise caso a caso. Se fosse bom, não precisava de lei; se fosse ruim, era só proibir. Mas não podemos perder o trem da história.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2000
    Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz Av. Brasil, 4365, 21040-900 , Tel: +55 (21) 3865-2208/2195/2196 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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