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ROLIM, Francisco Cartaxo. Dicotomias religiosas: ensaio de sociologia da religião. Petrópolis: Vozes, 1997. 213 p.

ROLIM, Francisco Cartaxo. Dicotomias religiosas: ensaio de sociologia da religião. 1997. Petrópolis: Vozes, 213

Francisco Cartaxo Rolim, em toda a sua vida, teve uma profunda ligação com a fé cristã. Foi dominicano, deixando o convento para dedicar-se ao estudo da sociologia da religião. O seu interesse acadêmico, portanto, surge de sua própria vivência. Estudou com profundidade fenômenos religiosos de nosso tempo, como, por exemplo, o pentecostalismo. Inclusive, o seu livro Pentecostais no Brasil, uma interpretação sócio-religiosa, editado em 1985, ainda hoje é fonte de referência para os estudiosos da religião.

Seu texto deixa transparecer que Rolim era uma pessoa ligada à sua igreja. Nas suas reflexões percebemos a esperança de ver a igreja caminhar de forma a ser referência, de ser um instrumento de Deus para a salvação das pessoas e do próprio cosmo. Portanto, a salvação é pensada da forma mais ampla possível Por isso, ao mesmo tempo em que estimula em suas linhas os agentes de pastoral, também critica a sua igreja naquilo que considera a paralisação do projeto maior de Deus para este mundo: o Seu Reino. Entre outras coisas, está interessado em não deixar apagar a chama da esperança por um mundo mais justo e fraterno. Faleceu em 1996, deixando-nos este seu último trabalho editado em agosto de 1997.

É um livro para aqueles que querem ser introduzidos no pensamento de alguns dos autores clássicos e, se for alguém envolvido com trabalhos de base, poderá refletir a sua prática à luz destes pensadores. Formalmente, não é uma introdução ao pensamento dos grandes teóricos. A sua preocupação básica está voltada a perceber aquilo que eles pensaram de mais relevante sobre a religião. E, dentro deste aspecto, Rolim propôs-se a fazer aflorar destes pensadores uma perspectiva: a das dicotomias religiosas.

Para todos que se interessam pelo tema, trata-se de um livro de agradável leitura. É escrito por um professor. Sua reflexão é profunda, metodologicamente clara e, sobretudo, para nós, de alguma forma também seus alunos, a exposição é didática. Como bom professor, ao longo do texto, vai situando perguntas, entrando em diálogo com os autores estudados, deixando-nos inquietos, curiosos. Consiste em estratégia de quem sabe que não há outra forma de aprender senão questionando, problematizando.

Ele separa os diversos autores estudados nas três correntes do pensamento sociológico, acentuando as suas singularidades e contextualizando-as histórica, cultural e politicamente. Do positivismo, traz Durkheim; da corrente histórico-relativista, Weber; da concepção dialético-materialista, Lukács e Bloch. Outros três autores são analisados: Dilthey, Wach e Troeltsch. A presença destes se justifica, pois são portadores de idéias intermediárias onde Rolim, por um lado, apontará os laços de influência, e, por outro, os argumentos de crítica a determinadas posições feitas por aqueles. Estas três vertentes teóricas são escolhidas, conforme Rolim, “porque sobrevivem, implícita ou explícitas, em não poucas formulações religiosas e doutrinárias, crenças e práticas religiosas atuais” (p. 12).

As teorias dos pensadores são apresentadas com densidade. Primeiro, por ser um livro pensado a partir das aulas de sociologia da religião, o autor primou em trazer aquilo que lhe pareceu fundamental no contexto histórico da construção das idéias. Isto enriquece o trabalho e ajuda os leitores a situarem as potencialidades e limitações dos pensadores analisados, dando pinceladas de como esses saberes foram sendo construídos, influenciando-se mutuamente e se diferenciando. Convém ressaltar ainda que, ao situar historicamente os autores, Rolim acaba por dar pinceladas interessantes sobre a emergência da modernidade, contextualizando os clássicos com o próprio clima de fé no iluminismo racionalista, para uns, ou descrença nesta fé, para outros.

Segundo, o autor coloca os pensadores na perspectiva da análise das dicotomias religiosas: sagrado e profano, corpo e alma, entre outros. Se, por um lado, isto permite uma certa introdução ao pensamento dos clássicos para situar melhor a reflexão sobre as dicotomias, por outro lado, não deveríamos tomar as reflexões de Rolim como uma análise completa dos pensadores estudados, até porque sua perspectiva maior foi trazer à luz as concepções destes em relação à religião. É certo que cada um destes autores pesquisou e escreveu sobre outros temas, com insights valiosos ainda hoje para pesquisadores da área.

Em terceiro e último lugar, um suspiro de esperança é dado na conclusão. Afinal, os textos foram originalmente redigidos tanto para alunos de sociologia da religião como para agentes de pastoral comprometidos com a causa dos pobres. Como fruto de seu estudo acadêmico, chama a atenção da igreja, mostrando que as práticas religiosas são realizadas, conscientemente ou não, a partir dos conceitos religiosos em que nos encontramos embebidos.

São muitos os pontos de interesse que chamam a atenção neste livro. Contudo, alguns temas recebem destaque. Por exemplo, a questão do messianismo – Lukács e Bloch; relação entre cristianismo e marxismo, principalmente em Bloch, bem como sua instigante análise sobre utopia (marxismo) e escatologia (cristianismo). Aqui vale uma palavra a mais. Bloch reúne em seu pensamento a esperança escatológica no Filho do Homem com a utopia em Marx (não a do marxismo mecanicista) e a noção aristotélica de dynamei on (ser em possibilidade) aplicando-a à dimensão histórica. Bloch parte do “ser humano e da vida humana, tendentes para o não-ainda, uma vez que o que é, o que já existe, está cheio de possibilidades” (p.158). A partir desta concepção, com intrincados desdobramentos teóricos, este autor consegue conciliar, de forma muito sólida, a relação entre marxismo e cristianismo. Além do que, é justamente por partir da vida humana como tendente para o não-ainda, mostrando assim a processualidade da história, que ele fará uma crítica ao cristianismo que, ao longo de sua história, foi substituindo sua fé no Jesus – Filho do homem (escatológico), pelo Jesus – Kyrios, entronizado no culto, institucionalizando serviços a Ele, mas que definitivamente perdia a sua força motora de mudanças aqui, nesta sociedade, e não apenas como algo que receberemos no além. Assim, Bloch aproximou marxismo (utopia) e cristianismo (escatologia) pela esperança que ambos professavam em um mundo “igualitário, sociedade onde a justiça existirá garantida pelo amor divino”.

A leitura deste livro ajuda a perceber quanto o cristianismo aderiu ao dualismo sagrado e profano, corpo e alma. Em última instância, para Rolim, é esta a visão que não permite a ala conservadora da igreja perceber a profundidade teológica da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base. Antes, insurgindo-se contra elas, aliam-se ao suporte ideológico positivista e, querendo ou não, aliam-se aos paradigmas do capitalismo, sem conseguirem lhe fazer qualquer crítica profunda, senão de natureza moral. Quer dizer, estão a favor da “ordem e do progresso”, a favor da harmonia da sociedade, em oposição aos que se insurgem contra a ordem estabelecida. No plano religioso, reafirmam as fronteiras do sagrado e do profano.

Por outro lado, a igreja católica, vendo suas fileiras se esvaziarem com o crescimento do pentecostalismo, a mesma igreja que antes os combatia, hoje simplesmente imita os seus métodos. Assim, “quanto mais ela se fecha no círculo do sagrado, tanto mais o emocional cresce e, em consequência, tanto mais lhe escapa a dimensão histórica, e tanto mais distante fica da visão correta do mundo físico, progressivamente submetido aos caprichos de interesses capitalistas” (p. 211).

Rolim questiona também: se a visão dicotômica predominante na igreja e em seus fiéis não implica numa ampla compreensão do ser humano diante do cosmo, de fato a igreja prega o evangelho? Nas palavras do autor, “se a libertação do pecado não se efetiva também no cosmo, será que ela é plena na alma?” (p. 201).

Pareceu-nos que, Rolim, por um lado, com clareza e razão, critica a ala conservadora da igreja. Por outro, no entanto, não estaria sendo demasiado superficial na análise dos condicionantes objetivos do enfraquecimento da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base, atribuindo-lhes quase que exclusivamente a oposição de grande parte da igreja? Dessa forma, suas palavras acabam sendo simplesmente um ato de fé nesta linha teológica e neste programa de atuação. Neste sentido, vale lembrar a lição de Peter Berger, que ensinava ser necessário um “ateísmo metodológico” quando analisava a religião dentro da sociedade. A aparente ausência deste ateísmo acaba fazendo com que a crítica de Rolim caia no lugar comum. Não deveria ser também a dicotomia instituição e organizações superada pela análise da dialética? Não que se despreze o poder da ala conservadora da igreja. Mas onde, objetivamente, encontram-se as fraquezas das CEBs dentro da conjuntura atual?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 1998
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