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O mercado como um contexto: delimitando o problema concorrencial de uma aquisição empresarial* * A primeira versão deste texto foi apresentada no seminário do NuCEC (Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia), realizado no IFCS, UFRJ. Agradeço aos interlocutores que estavam presentes nessa ocasião, principalmente Federico Neiburg, Fernando Rabossi, Eugênia Motta e André Dumans Guedes, que, por meio de seus comentários, sugestões e críticas, tornaram este texto mais coerente e conciso. Agradeço também a Louise Scoz, que me ajudou a decidir os contornos do artigo, e aos dois pareceristas anônimos que sugeriram importantes complementos à versão final.

The market as a context: delimiting the competition problem of a corporate acquisition

Resumo

Este artigo descreve o procedimento de delimitação de mercado realizado pelo conselheiro-relator do processo administrativo referente à aquisição da empresa Webjet por parte da Gol no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A definição do “mercado relevante” é considerada etapa analítica essencial na maioria dos casos conduzidos por órgãos antitruste – ou órgãos de defesa da concorrência – em diversos países, tendo como objetivo identificar um possível prejuízo à concorrência derivado de uma fusão empresarial analisada. A descrição desse procedimento permite explicar como são concebidos os mercados a partir de práticas legal-administrativas consideradas externas a eles. Argumenta-se que o “mercado relevante”, ou mercado da política antitruste, pode ser compreendido como um contexto: em parte como uma fronteira nativa das restrições concorrenciais enfrentadas pelas empresas, mas sobretudo como um enquadramento legal, necessário à aplicação da lei. Conclui-se contrastando essa perspectiva, legal e externa dos mercados, com a concepção performativa dos mercados entendidos como arranjos sociotécnicos.

Palavras-chave
lei; mercado; política antitruste; técnica de contextualização

Abstract

This article describes the procedure of market delimitation performed by the Reporting Commissioner responsible for the administrative proceedings regarding the acquisition of the company Webjet by Gol Airlines at the Administrative Council of Economic Defense (Cade). The “relevant market” definition is considered to be an essential analytic step in the majority of cases held by antitrust bodies – or competition policy bodies – in most countries, aiming at identifying a possible harm to competition derived from the corporate merger under analysis. The description of this procedure allows explaining how markets are conceived from legal administrative practices considered external to them. It is argued that the “relevant market”, or the antitrust policy market, can be understood as a context: in part as a native border of competitive constraints faced by firms, but mostly as a legal frame, necessary to the enforcement of the law. It concludes by contrasting this legal and external perspective of markets with the performative conception of markets understood as socio-technical arrangements.

Keywords
antitrust policy; contextualization technique; law; market

Da crise internacional aos slots

No dia 10 de outubro de 2012, após o conselheiro-relator ler em voz alta 128 páginas do seu voto, o Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão responsável pela implementação da política de defesa da concorrência ou antitruste no Brasil, decidiu unanimemente pela aprovação da aquisição da empresa aérea Webjet pela Gol. A decisão, contudo, exigia que a adquirente Gol assinasse um termo de compromisso que a obrigava a seguir alguns critérios de “eficiência”. A principal preocupação do conselheiro-relator, o economista Ricardo Ruiz, era com o aumento de slots controlados pela Gol no aeroporto Santos Dumont. Os slots são as autorizações para pouso ou decolagem, regulados e distribuídos pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Com o controle acionário da Webjet, a Gol incorporaria seus slots e poderia decidir não utilizá-los, reduzindo a oferta de voos e aumentando o preço das passagens para os viajantes. Para impedir isso, o conselheiro decidiu impor à Gol a utilização de todos os seus slots no Santos Dumont com uma alta regularidade de voos. Tendo a Gol assinado o termo, comprometendo-se a ofertar voos suficientes, a aquisição foi aprovada.

Poucas semanas após a decisão, representantes sindicais, ex-funcionários e parlamentares posicionaram-se criticamente com relação à aprovação, que traria, segundo eles, consequências graves para todo o setor aéreo. Representantes dos trabalhadores recorreram ao Cade na tentativa de anular a decisão, argumentando que, uma semana após o julgamento, a Gol subiu o preço da passagem Guarulhos-Santos Dumont em 211%. Outras tarifas também teriam tido aumento proporcional no mesmo período (Doca, 201223 DOCA, G. Sindicato acusa Gol de ter subido tarifas em até 297%. O Globo, Rio de Janeiro, 26 nov. 2012. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/sindicato-acusa-gol-de-ter-subido-tarifas-em-ate-297-6840136>. Acesso em: 13 jan. 2014.
http://oglobo.globo.com/economia/sindica...
). Parte dos 850 ex-pilotos, ex-comissários e outros funcionários da Webjet que foram demitidos dia 23 de novembro pela Gol protestaram nos aeroportos de diferentes capitais do país (ver Figura 1), alegando que a Gol havia prometido manter 16 aviões da Webjet em operação e fazer somente demissões pontuais. O Ministério Público do Trabalho se disponibilizou a tentar reverter as demissões dos funcionários promovendo reuniões entre a companhia e o sindicato da categoria (Demissão…, 201222 DEMISSÃO de 850 na Webjet provoca protestos. Época Negócios, São Paulo, 27 nov. 2012. Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2012/11/demissao-de-850-na-webjet-provoca-protestos.html>. Acesso em: 15 jan. 2014.
http://epocanegocios.globo.com/Informaca...
).

Figura 1.
Trabalhadores demitidos da Webjet protestam no aeroporto Santos Dumont contra o Cade. Foto retirada do jornal O Globo (Doca, 201223 DOCA, G. Sindicato acusa Gol de ter subido tarifas em até 297%. O Globo, Rio de Janeiro, 26 nov. 2012. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/sindicato-acusa-gol-de-ter-subido-tarifas-em-ate-297-6840136>. Acesso em: 13 jan. 2014.
http://oglobo.globo.com/economia/sindica...
).

As demissões tiveram também grande repercussão política, visto que outra fusão que ainda estava sob análise do Cade, entre as empresas Azul e Trip – também do setor aéreo – poderia produzir as mesmas consequências.1 1 A fusão da Azul e da Trip foi aprovada em março do ano seguinte, tendo o Cade imposto à Azul exatamente as mesmas condições de utilização de slots no Santos Dumont que exigiu da Gol. Organizou-se uma reunião da Comissão de Assuntos Sociais do Congresso com parlamentares, trabalhadores do setor aeroviário e o conselheiro-relator do caso para discutir as demissões e a atual situação econômica do setor. O senador Cyro Miranda (PSDB-GO) afirmou que a fusão consistiu em apenas “mais um conchavo para alijar alguém do mercado” (Segundo…, 201245 SEGUNDO aeronautas, Gol comprou Webjet para eliminar concorrência. Jornal do Senado, 12 dez. 2012. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2012/12/12/segundo-aeronautas-gol-comprou-webjet-para-eliminar-concorrencia/>. Acesso em: 15 jan. 2014.
http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoe...
). Eudes Carneiro, do Ministério do Trabalho, argumentou que as demissões não possuíam justificativa plausível, dado que o Brasil vinha superando a “crise econômica mundial”. O representante da Gol, por outro lado, defendeu-se explicando que a alta dos combustíveis e do dólar forçaram essa decisão, segundo ele, imprevisível. A 23ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro multou a Gol por esta não haver negociado suficientemente as demissões com o sindicato. A decisão final do Cade foi mantida.

As críticas sobre a decisão do Cade apontam para uma série de elementos que parecem não ter sido considerados no voto do conselheiro-relator. Da indignação de senadores, ex-trabalhadores, funcionários do Ministério do Trabalho e representantes sindicais depreendia-se a pergunta: como um julgamento sobre duas das maiores empresas do setor de aviação civil nacional, setor este que é tido como extremamente concentrado e com preços de passagens muito elevados (Monteiro, 200937 MONTEIRO, C. Estado e mercado no transporte aéreo brasileiro pós-reformas. Política e Sociedade, Florianópolis, v. 8, n. 15, p. 117-143, out. 2009.), se restringe a uma condição sobre a frequência de voos em apenas um aeroporto do país? Dito de outra forma, como, num cenário de crise internacional em que estão envolvidos empregos de funcionários, o preço das passagens, variações cambiais e o transporte aéreo de todo um país, a aprovação dessa aquisição pode se limitar ao uso de alguns meros slots? Seria o conselheiro-relator tão insensível ou inconsequente a ponto de desconsiderar toda essa conjuntura em seu julgamento?

Parte importante da explicação para essa delimitação aparentemente tão restrita do problema está na noção de mercado utilizada na política antitruste. No Cade, para que seja possível apreciar a união entre duas empresas, considera-se indispensável uma delimitação ou definição de um “mercado relevante”. Para especialistas em direito ou economia da concorrência essa definição é suficiente, em muitos casos, para uma avaliação dos possíveis prejuízos à concorrência gerados com a união de duas ou mais empresas. Pode-se dizer que a definição do “mercado relevante” é a definição do contexto no qual a aquisição de uma empresa por outra poderá gerar algum dano à concorrência, seja para consumidores ou para outros concorrentes. Este artigo, baseado numa etnografia sobre as práticas de conhecimento do Cade, descreve como esse contexto foi definido no caso Gol-Webjet e como essa prática legal-administrativa colabora para a compreensão antropológica dos mercados.2 2 O trabalho de campo que embasa este artigo consistiu numa etnografia feita entre março de 2012 e agosto de 2013 sobre o trabalho de análise e julgamento dos processos administrativos do Cade, como parte de uma pesquisa de doutorado no PPGAS/MN/UFRJ.

No Brasil, o Cade, autarquia judicante vinculada ao Ministério da Justiça, é o braço do poder executivo responsável pela política de defesa da concorrência. Sua tarefa consiste em “zelar pela livre concorrência no mercado” conforme as normas estipuladas na legislação concorrencial.3 3 No Brasil, uma nova lei de concorrência (Brasil, 2011) entrou em vigor em 30 de maio de 2012, substituindo a lei anterior, de 1994 (Brasil, 1994). A nova lei transferiu a responsabilidade pela instrução de processos administrativos da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda para a Superintendência-Geral do Cade. No caso Gol-Webjet, como o requerimento das partes foi feito antes da entrada em vigor da nova lei, julgou-se o processo de acordo com a legislação de 1994. No órgão trabalham servidores públicos e estagiários das mais variadas áreas. Em geral, aqueles que fazem a análise antitruste costumam ter formação em economia ou direito. A superintendência-geral do órgão é responsável pela instrução inicial dos processos administrativos e encaminha ao Tribunal Administrativo os processos considerados complexos para julgamento. O tribunal é formado por seis conselheiros mais o presidente do órgão.

Entre todos os tipos de processos administrativos instruídos pelo Cade, dois são mais frequentes: processos referentes a “atos de concentração” – relativos a fusões, aquisições, joint ventures ou outras uniões contratuais temporárias ou não entre empresas – e processos que investigam “condutas empresariais anticompetitivas” – sendo a mais conhecida delas a prática de cartel. No primeiro caso, exemplificado neste artigo, a análise é feita com o objetivo de se prever potenciais danos que uma concentração possa gerar à concorrência de mercado no futuro. Caso o órgão não encontre indícios de que uma fusão, por exemplo, possa restringir a concorrência num mercado, esta será autorizada. Caso contrário, a concentração empresarial pode ser integralmente proibida. Quando possível, o Cade propõe às empresas, para que uma fusão seja aprovada, a venda de ativos físicos ou financeiros (fábricas, participações acionárias, etc.) ou a assinatura de um “compromisso de desempenho”, como ocorreu no caso da Gol.

Considerada a primeira “etapa” da análise de “atos de concentração” nos órgãos antitruste em todo o mundo, a definição de mercado implica, em larga medida, especificar qual produto ou serviço comercializado será afetado pela concentração, quais os concorrentes desses produtos e onde a venda desses produtos será afetada. Tal procedimento exige um extenso trabalho de coleta e interpretação de informação sobre empresas, setores e consumidores. Porém, embora pareça uma tarefa habitual a um economista, esse tipo de definição, em que há a necessidade de uma especificação exata de fronteiras geográficas e de produtos comercializados, é relativamente raro na análise econômica. Com exceção da área de marketing (ver Araujo; Finch; Kjellberg, 20102 ARAUJO, L.; FINCH, J.; KJELLBERG, H. (Ed.). Reconnecting marketing to markets. Oxford: Oxford University Press, 2010.), são poucas as ocasiões em que a definição precisa de um mercado seja tão fundamental quanto no antitruste (ver Christophers, 201418 CHRISTOPHERS, B. Competition, law, and the power of the (imagined) geography: market definition and the emergence of too-big-to-fail banking in the United States. Economic Geography, Worcester, v. 90, n. 4, p. 429-450, 2014., 201519 CHRISTOPHERS, B. The law’s markets: Envisioning and effecting the boundaries of competition. Journal of Cultural Economy, Abingdon, v. 8, n. 2, p. 125-143, 2015.; Kjellberg, 201032 KJELLBERG, H. Marketing on trial: the SAS Eurobonus case. In: ARAUJO, L.; FINCH, J.; KJELLBERG, H. (Ed.). Reconnecting marketing to markets. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 181-203.).

Se na teoria econômica esse detalhado exercício de definição do mercado é inusitado, nas ciências sociais a descrição minuciosa das relações mercantis tem uma longa trajetória. Sociólogos (Bourdieu, 20057 BOURDIEU, P. The social structures of the economy. Cambridge: Polity Press, 2005.; Granovetter; McGuire, 199831 GRANOVETTER, M.; McGUIRE, P. The making of an industry: electricity in the United States. In: CALLON, M. (Ed.). The laws of the markets. Oxford: Blackwell, 1998. p. 147-173.) e antropólogos (Garcia, 198628 GARCIA, M.-F. La construction sociale d’un marché parfait: le marché au cadran de Fontaines-en-Sologne. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 65, n. 1, p. 2-13, 1986.; Rabossi, 200442 RABOSSI, F. Nas ruas de Ciudad del Este: vidas e vendas num mercado de fronteira. 2004. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.), por meio do uso de análise de redes sociais, relatos etnográficos ou pesquisa historiográfica, têm, há muito tempo, procurado explicar como mercados são construídos e mantidos em funcionamento, tanto em sociedades ditas “tradicionais” (Bohannan; Dalton, 19655 BOHANNAN, P.; DALTON, G. (Ed.). Markets in Africa. Garden City: Doubleday & Co., 1965.) quanto naquelas consideradas “modernas”, “capitalistas” ou “industrializadas” (Fligstein, 200126 FLIGSTEIN, N. The architecture of markets: an economic sociology of capitalist societies. Princeton: Princeton University Press, 2001.).

Desde o surgimento da obra mais famosa de Karl Polanyi (1944)39 POLANYI, K. The great transformation: the political and economic origins of our time. New York: Farrar & Rinehart, 1944., a antropologia econômica vem criticando a noção mais usual na teoria econômica de que mercados são dispositivos naturais de troca, derivados de uma psicologia humana essencialmente indiferente entre sociedades (Dalton, 196121 DALTON, G. Economic theory and primitive society. American Anthropologist, Arlington, v. 63, n. 1, p. 1-25, 1961.). Argumenta-se que, embora tenham existido mercados em sociedades as mais distintas (Braudel, 197611 BRAUDEL, F. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII, os jogos das trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1976.; Polanyi; Arensberg; Pearson, 195740 POLANYI, K.; ARENSBERG, C. M.; PEARSON, H. W. (Ed.). Trade and market in the early empires: economies in history and theory. New York: The Free Press, 1957.), entendidos como locais socialmente definidos de troca, espaços segregados de prática comercial, a noção de mercado como princípio regulador do “sistema econômico” foi uma invenção recente, resultado de transformações políticas, intelectuais e comerciais do século XVIII (Dumont, 197724 DUMONT, L. Homo æqualis I: genèse et épanouissement de l’idéologie économique. Paris: Gallimard, 1977.; Polanyi, 194439 POLANYI, K. The great transformation: the political and economic origins of our time. New York: Farrar & Rinehart, 1944.).

Enquanto nos trabalhos etnográficos mais clássicos sobre mercados esses dois usos do conceito de mercado, como “local específico” e como “princípio da troca”, tenham sido continuamente relativizados e utilizados em conjunto para analisar padrões de comportamento e espaços comerciais (Bohannan; Dalton, 19655 BOHANNAN, P.; DALTON, G. (Ed.). Markets in Africa. Garden City: Doubleday & Co., 1965.),4 4 A primeira consideração mais profunda a respeito do uso do conceito de mercado como “local” e como “princípio”, baseada nas ideias de Karl Polanyi, surge na coletânea Markets in Africa, editada por Paul Bohannan e George Dalton (1965). alguns trabalhos mais recentes têm se posicionado contra noções de mercado mais abstratas ou virtuais, que retiram o mercado dos contextos sociais e culturais em que está inserido (Carrier, 199817 CARRIER, J. G. Abstraction in Western economic practice. In: CARRIER, J.; MILLER, D. (Ed.). Virtualism: a new political economy. Oxford: Berg, 1998. p. 25-48.). Esses críticos do “virtualismo” da ciência econômica (Miller, 199836 MILLER, D. Conclusion: a theory of virtualism. In: CARRIER, J.; MILLER, D. (Ed.). Virtualism: a new political economy. Oxford: Berg, 1998. p. 161-186.) produzem a impressão de que antropólogos estão preocupados com mercados “reais”, localizados, inseridos na vida social (Granovetter, 198530 GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, Chicago, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985.), enquanto que economistas estariam apenas interessados nos modelos abstratos, descontextualizados, de mercados.

A definição de mercado na prática antitruste, realizada principalmente por advogados e economistas, coloca essa impressão em cheque, na medida em que o mercado não está inserido nem desinserido das demais relações sociais, pois o mercado é, ele mesmo, um contexto. A definição de mercado no antitruste é, ao mesmo tempo, um enquadramento nativo, das relações concorrenciais experienciadas pelas empresas, e um enquadramento legal, externo ao mercado, do espaço de aplicação da legislação concorrencial. Nesse sentido, essa concepção legal de mercado impõe uma restrição ou um limite interpretativo não apenas ao analista que busca compreender a realidade impactada pela fusão, mas também às recentes abordagens sociológicas e antropológicas dos mercados.

O artigo divide-se em três partes, além desta introdução. Na próxima seção faz-se uma breve arqueologia do conceito de mercado relevante, traçando suas diferenças com relação às noções de mercado utilizadas na literatura da ciência econômica. Na seção seguinte descrevem-se as etapas analíticas do voto do conselheiro-relator, procurando identificar o modo como a delimitação de mercado foi feita. Nessa seção, utiliza-se como material etnográfico principalmente os autos públicos do processo referente ao ato de concentração da Gol-Webjet e a gravação da oitava sessão de julgamento do Cade. Por fim, compara-se a concepção antitruste, contextual, com a concepção performativa sobre mercados na antropologia contemporânea.

Mercado de troca e mercado relevante

Como tem sido apontado por vários economistas e sociólogos, o estudo dos mercados foi bastante negligenciado no desenvolvimento da teoria econômica. Segundo o prêmio Nobel de economia George Stigler (196746 STIGLER, G. Imperfections in the capital market. Journal of Political Economy, Chicago, n. 75, p. 287-292, 1967., p. 291, tradução minha): “A teoria econômica preocupa-se com mercados […] É, portanto, uma fonte de constrangimento que tão pouca atenção tenha sido dada à teoria dos mercados.” Para alguns críticos, a literatura econômica sempre lidou com o conceito de mercado, porém de modo implícito (Swedberg, 199448 SWEDBERG, R. Markets as social structures. In: SMELSER, N.; SWEDBERG, R. (Ed.). The handbook of economic sociology. Princeton: Princeton University Press, 1994. p. 255-282., p. 257), sendo que uma reflexão mais explícita sobre o conceito se inicia somente com a chamada “revolução marginalista” (ou neoclássica) na teoria econômica, em meados do século XIX. É nesse momento que a relação de troca se torna o foco central das preocupações de economistas, vindo substituir a ênfase na “produção”, mais presente no trabalho de economistas políticos clássicos. A partir desse momento, quando economistas referem-se a mercados, eles têm em mente o que Geroski (1998)29 GEROSKI, P. A. Thinking creatively about markets. International Journal of Industrial Organization, v. 16, n. 6, p. 677-695, 1998. denomina de “mercado de troca” (trading market), cuja expressão máxima se deu com o trabalho do matemático e economista francês Antoine Cournot. Segundo ele:

Economistas entendem pelo termo mercado não um local de mercado [marketplace] particular onde coisas são compradas e vendidas, mas toda a região em que compradores e vendedores estão em tamanha livre conexão uns com outros que os preços de bens similares tendem à igualdade facilmente e rapidamente. (Cournot, 1838 apud Marshall, 200933 MARSHALL, A. Principles of economics: unabridged eight edition. New York: Cosimo, 2009., p. 270, tradução minha).

A definição de Cournot, que se tornou uma referência na área, buscava estender o conceito de mercado para algo além de um local específico. Sua inovação foi defini-lo como um espaço geográfico em que a concorrência entre os vendedores seria “perfeita” e onde todos os compradores e vendedores possuiriam igual informação sobre os produtos e seus preços.5 5 Concorrência perfeita, nesse caso, é o pressuposto de que o mercado é dividido entre um número tão grande de vendedores que nenhum deles tem a capacidade de alterar significativamente o preço do produto (o mercado de pão francês seria um bom exemplo). Informação perfeita é significa que todos os atores no mercado, automaticamente e sem custo algum, possuem todas as informações sobre os concorrentes, produtos e preços praticados no mercado (Swedberg, 1994). Isso significa que um mercado seria qualquer região ou área em que os preços de produtos semelhantes estivessem convergindo para um mesmo valor (Swedberg, 199448 SWEDBERG, R. Markets as social structures. In: SMELSER, N.; SWEDBERG, R. (Ed.). The handbook of economic sociology. Princeton: Princeton University Press, 1994. p. 255-282., p. 259). Essa noção mais abstrata, que implica um certo ideal de funcionamento, fica clara na definição do economista Alfred Marshall (200933 MARSHALL, A. Principles of economics: unabridged eight edition. New York: Cosimo, 2009., p. 270, tradução minha): “Um mercado é mais perfeito quanto mais forte for a tendência para que o mesmo preço seja pago pela mesma coisa ao mesmo tempo em todos as partes do mercado.” A igualdade de preços entre produtos similares, para Marshall, indicava a presença de um mercado consolidado, isto é, um mercado perfeito.

A partir da crise de 1929, um novo campo de estudos na ciência econômica, denominado organização industrial, inicia aos poucos uma transformação nas teorias sobre mercados, adotando uma postura mais empírica que detalhava as complexidades de setores industriais existentes.6 6 Há uma enorme quantidade de trabalhos que em conjunto são considerados contribuições para esse campo, como os estudos de Joseph Schumpeter, John Kenneth Galbraith, John Bates Clark e Joe Bain. Criticando a literatura anterior que, para eles, partia de postulados irreais sobre o funcionamento dos mercados, Edward Chamberlin em Harvard e Joan Robinson em Cambridge pesquisaram práticas e estratégias empresariais e concluíram que as relações de concorrência entre empresas são fundamentais para se compreender o modo como mercados são constituídos e transformados. Se os autores neoclássicos anteriores observavam mercados como relações de troca, estes procuravam concebê-los a partir das relações concorrenciais.7 7 Weber pode ser visto como um precursor dessa perspectiva do ponto de vista sociológico. Para ele, “pode-se dizer que existe um mercado onde quer que haja concorrência, mesmo que apenas unilateralmente, por oportunidades de troca entre uma pluralidade de partidos potenciais” (Weber, 2005, p. 635, tradução minha).

Como resultado de vários estudos, observou-se que mercados raramente estão em concorrência perfeita. Mais comum é encontrar mercados em concorrência imperfeita (ou concorrência oligopolista, como foram chamados), onde poucos vendedores disputam consumidores por meio de estratégias de diferenciação de seus produtos. Segundo esses autores, a diferenciação de produtos é fundamental para as empresas evitarem a concorrência de outras. Através do desenvolvimento de marcas e patentes, do uso da publicidade, da reputação dos vendedores e dos “contatos pessoais” entre compradores e vendedores, as empresas criam seus próprios mercados, diferenciando-se das demais, atraindo consumidores que acreditam estar adquirindo produtos que não são substituíveis por outros.

Entretanto, se um mercado é constituído por relações de concorrência, como podemos distingui-lo ou caracterizá-lo, tendo em vista que ele pode estar sendo criado ou transformado a cada nova tentativa de diferenciar produtos ou a cada novo desejo dos consumidores? A tarefa torna-se muito mais árdua do que na perspectiva neoclássica, já que naquela bastava delimitar espaços da troca comercial onde preços tendiam a se homogeneizar. Conhecer um mercado exige agora conhecer também a “subjetividade da curva de demanda” (Baldwin, 20073 BALDWIN, W. Edward Hastings Chamberlin. In: JONG, H.; SHEPERD, W. (Ed.). Pioneers of industrial organization. Cheltenham: Edward Elgar, 2007. p. 199-208.): como compradores se comportam e fazem escolhas entre produtos; o que os consumidores consideram como produtos substitutos; até onde um consumidor está disposto a se locomover para comprar algo. Além disso, para entender seu funcionamento é necessário compreender a perspectiva dos vendedores: a “oferta”. Por isso, os estudos também passaram a incluir “todas as ponderações que ele [vendedor] leva em conta na determinação de suas políticas e práticas empresariais” (Mason, 193934 MASON, E. Price and production policies of large-scale enterprises. American Economic Review, Pittsburgh, v. 29, p. 64-79, 1939., p. 69, tradução minha).

Para que seja possível compreender um mercado, entendido como um conjunto de relações de concorrência, o economista necessita, portanto, investigar o contexto do qual vendedores e compradores consideram que fazem parte. Isto é, o contexto no qual as empresas acreditam, efetivamente, atuar e concorrer com outras, além da percepção das opções de escolha que os compradores possuem no mercado. Essa noção se aproxima do modo como antropólogos e sociólogos têm buscado explicar mercados.8 8 Não é por acaso que Harrison White (2004) e Michel Callon (1998) utilizam o trabalho de Edward Chamberlin como referência para desenvolverem suas próprias teorias sobre o mercado. Pode-se dizer que na concepção dos estudos de organização industrial, o mercado é o contexto nativo construído pela percepção dos próprios agentes econômicos do ambiente em que eles atuam, vendendo ou comprando – um “mercado de segunda ordem” ou “metamercado”.9 9 Agradeço a José Ossandón e a Juan Pablo Pardo-Guerra por me apontarem essa característica do procedimento. Contudo, esse mercado estudado pelos economistas passou a ser também um outro contexto: o contexto necessário à implementação da lei antitruste.

O desenvolvimento de estudos sobre os mercados foi também, em grande medida, promovido pelas próprias necessidades da política antitruste norte-americana. No ano de 1914, nos Estados Unidos, foi promulgado o Clayton Act, estatuto legal que condena práticas restritivas à concorrência, inclusive certas aquisições de controle acionário de outras companhias. Na seção 7, o estatuto proíbe fusões e aquisições em qualquer “linha de comércio” ou “atividade” em qualquer “seção do país” que tenha por efeito reduzir substancialmente a concorrência ou que possa criar um monopólio. Ou seja, a partir desse momento, tornou-se necessária, para que uma prática seja condenada ilícita, a identificação do contexto no qual a “redução substancial da concorrência” ocorre: isto é, a “linha de comércio” e a “seção do país”. A partir de 1948, a jurisprudência concorrencial norte-americana passou a utilizar os conceitos de “mercado relevante do produto” (product relevant market) e mercado relevante geográfico (geographic relevant market) como substitutos respectivos dessas noções.10 10 O julgamento do caso United States vs. Columbia Steel Corporation em 1950 foi essencial nesse processo de construção jurisprudencial (Werden, 1992).

Consolidou-se, assim, uma noção de mercado particular à política antitruste como aquele que é relevante (pertinent, no direito concorrencial francês) para a avaliação de um possível “prejuízo à concorrência”. Caso, dentro do limite desses mercados, a concorrência seja reduzida substancialmente com a fusão, o pedido das empresas deverá ser rejeitado. Tecnicamente falando, as políticas antitruste investigam a possibilidade de que a futura empresa possa “exercer o poder de mercado”, prejudicando consumidores (Possas, 200241 POSSAS, M. L. Os conceitos de mercado relevante e de poder de mercado no âmbito da defesa da concorrência. In: POSSAS, M. L. (Org.). Ensaios sobre economia e direito da concorrência. São Paulo: Singular, 2002. v. 1, p. 75-95.). O “exercício do poder de mercado”

consiste no ato de uma empresa unilateralmente, ou de um grupo de empresas coordenadamente, aumentar os preços (ou reduzir quantidades), diminuir a qualidade ou a variedade dos produtos ou serviços, ou ainda, reduzir o ritmo de inovações com relação aos níveis que vigorariam sob condições de concorrência irrestrita, por um período razoável de tempo, com a finalidade de aumentar seus lucros. (Brasil, 20019 BRASIL. Ministério da Fazenda. Ministério da Justiça. Portaria Conjunta SEAE/SDE nº 50, de 1º de agosto de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, 17 ago. 2001, Seção 1, p. 12-15. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/upload/2001portariaConjunta50-1_guia_para_analise_economica_de_atos_de_concentracao.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2011.
http://www.cade.gov.br/upload/2001portar...
, p. 4).

Como a probabilidade de exercício de poder de mercado só pode ser estimada sabendo-se exatamente o produto (ou serviço) e o local onde a empresa concorre, a definição do mercado relevante tornou-se uma ferramenta legal de maior importância para a implementação das legislações antitruste. Na década de 1930, diversos economistas passaram a atuar como experts em julgamentos antitruste norte-americanos, produzindo pareceres para o governo ou para empresas sobre aquilo que julgavam ser a correta delimitação do mercado (Werden, 199250 WERDEN, G. The history of antitrust market delineation. Marquette Law Review, Milwaukee, v. 76, n. 1, p. 123-215, Fall 1992.). Tal contextualização passou então a ser considerada a etapa mais decisiva e controversa dos procedimentos de análise antitruste. Isso porque uma definição mais ou menos ampla de um mercado pode decidir o futuro de várias empresas.

Em 1962, quando o Cade foi criado, inexistia o conceito de mercado relevante nos diversos estatutos nacionais que legislavam sobre práticas anticompetitivas. Penalizavam-se administrativamente os “atos contrários à ordem moral e econômica”, os “crimes e contravenções contra a economia popular” e os “domínios de mercados nacionais” que tivessem como objetivo a eliminação da concorrência (Forgioni, 201327 FORGIONI, P. Os fundamentos do antitruste. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.). A partir dos anos 1990, com a promulgação de novas legislações concorrenciais e com a presença de mais economistas como conselheiros do órgão, o conceito passou a ser utilizado com frequência (Onto, 200938 ONTO, G. Da irrelevância do mercado ao mercado relevante: economistas, teoria econômica e política antitruste no Brasil. 2009. Dissertação (Mestrado em Administração Pública)–Escola de Administração de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2009.). O “Guia de análise de concentrações horizontais”, publicado em 2001, numa portaria conjunta da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) e da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do governo federal, estabeleceu os critérios e as definições de todas as etapas da análise de fusões e aquisições de empresas feitas pelos órgãos de defesa da concorrência, explicando o procedimento de definição de mercado relevante de modo praticamente idêntico ao guia similar norte-americano:

A definição de um mercado relevante é o processo de identificação do conjunto de agentes econômicos, consumidores e produtores, que efetivamente limitam as decisões referentes a preços e quantidades da empresa resultante da operação. Dentro dos limites de um mercado, a reação dos consumidores e produtores a mudanças nos preços relativos – o grau de substituição entre os produtos ou fontes de produtores – é maior do que fora destes limites […] O mercado relevante se determinará em termos dos produtos e/ou serviços (de agora em diante simplesmente produtos) que o compõem (dimensão do produto) e da área geográfica para qual a venda destes produtos é economicamente viável (dimensão geográfica). (Brasil, 20019 BRASIL. Ministério da Fazenda. Ministério da Justiça. Portaria Conjunta SEAE/SDE nº 50, de 1º de agosto de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, 17 ago. 2001, Seção 1, p. 12-15. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/upload/2001portariaConjunta50-1_guia_para_analise_economica_de_atos_de_concentracao.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2011.
http://www.cade.gov.br/upload/2001portar...
, p. 9).

Na teoria e na prática antitruste não existe um único meio para se delimitar um mercado. Podem ser utilizados desde procedimentos estatísticos (econométricos) usados para se estimar o grau de substituição entre produtos, até pesquisas sobre os processos produtivos das empresas sob investigação. Cada caso exige uma abordagem particular, tendo em vista que empresas produzem e oferecem produtos e serviços com características singulares. Segundo a jurista Paula Forgioni (201327 FORGIONI, P. Os fundamentos do antitruste. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013., p. 213, grifo da autora), a delimitação baseia-se em “métodos que acabam por […] fornecer indicativos que, utilizados de forma conjugada, auxiliam […] nessa tarefa”. Algumas informações que auxiliam os responsáveis de análise de fusões a definir mercados são: (i) hábitos dos consumidores; (ii) custos de transporte dos produtos; (iii) características comerciais dos produtos (embalagens, marcas, p. ex.); (iv) características dos processos produtivos; e a (v) evolução dos preços e das quantidades vendidas no passado. Esse tipo de informação ajuda a estabelecer em quais relações de concorrência as empresas estão imersas, definindo quem são seus consumidores e concorrentes, atuais e potenciais.

Para órgãos antitruste, a dificuldade em definir um mercado reside em parte na exigência analítica de se recortar ou delimitar claramente quais produtos que competem um com o outro (e, por isso, podem ser considerados substitutos) e aqueles que não competem, além de especificar geograficamente as áreas (bairros, municípios, estados) em que esses produtos concorrem entre si. A definição é ainda mais controversa, pois é realizada principalmente com informações fornecidas pelas próprias empresas requerentes. Como desejam proceder a uma fusão, as empresas tendem a argumentar a favor de uma definição de mercado que as favoreça, fornecendo à autoridade antitruste informações que não as prejudiquem. Por isso, costuma haver divergências entre a definição do mercado relevante produzida pelas requerentes e aquela produzida pela autoridade antitruste.

É interessante fazer aqui um pequeno desvio para a etimologia da palavra “relevante”. No latim medieval, as palavras relevans e relevare, significando “levantar” ou “tornar mais visível”, implicavam uma forma de ação e não um estado ou uma qualidade do mundo. Já no século XVI, a palavra relevant ganha no vocabulário jurídico escocês o sentido de “juridicamente pertinente” (Cunha, 201020 CUNHA, A. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.). A etimologia nos remete à qualidade construída da noção de relevância ou pertinência. Relevante não é apenas aquilo que sobressai ou que é saliente (Ferreira; Ferreira; Anjos, 200925 FERREIRA, A. B. de H.; FERREIRA, M. B.; ANJOS, M. dos. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 4. ed. Curitiba: Positivo, 2009.), mas aquilo que é tornado relevante.

É essa qualidade explicitamente fabricada do mercado no antitruste, como contexto produzido daquilo que é pertinente para a análise jurídica, que o faz apenas parcialmente relacionado aos mercados descritos por sociólogos e antropólogos. O mercado, nesse caso, tem um fim específico, legal, que não se restringe apenas a um princípio de funcionamento ou ao contexto das relações de concorrência nativas. Na próxima seção, ilustro como esse mercado foi definido na aquisição da Webjet pela Gol.

A definição do mercado no caso Gol-Webjet11 11 Nesta seção, utilizam-se como material etnográfico os autos públicos do processo, especialmente o voto do conselheiro Ricardo Machado Ruiz (Cade, 2012, f. 1808-1936), além da gravação da 8ª Sessão Ordinária de Julgamento do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica e do acompanhamento da sessão pelo pesquisador. A explicação da delimitação de mercado aqui apresentada necessariamente simplifica certos argumentos e exclui alguns dados e informações do voto escrito pelo conselheiro, a fim de que seja mais facilmente compreendido o processo de progressiva delimitação ou contextualização característico da análise antitruste.

No início de julho de 2008, a Gol e a Webjet fecharam um acordo para estabelecer as linhas gerais de um futuro contrato de aquisição, que teria ainda que ser aprovado pelo Cade e pela Anac, conforme a legislação concorrencial vigente. Pelo acordo, decidiu-se que a Gol pagaria 96 milhões de reais aos controladores da Webjet e assumiria dívidas de aproximadamente 215 milhões de reais da empresa. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o presidente da Gol, Constantino de Oliveira Junior, anunciou durante uma teleconferência que a marca Webjet iria desaparecer após a aquisição da companhia pela Gol e que o programa de milhagem Smiles seria estendido aos passageiros da adquirida. Além disso, a Gol renovaria toda a frota da outra companhia (24 aeronaves), considerada velha, em no máximo dois anos (Matos, 201135 MATOS, C. Cliente Webjet pode ter Smiles da Gol antes da aquisição. Folha de S. Paulo, São Paulo, 11 jul. 2011. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/941875-cliente-webjet-pode-ter-smiles-da-gol-antes-da-integracao.shtml>. Acesso em: 13 jan. 2014.
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/941...
).

Em justificativa ao Cade, a empresa argumentou que a fusão traria benefícios ao consumidor, mediante uma provável redução de tarifas ou por meio de um aumento da oferta de itinerários e destinos. Isso seria possível graças à criação de “sinergias” operacionais entre as duas empresas, considerando que as duas atuavam de forma complementar com um mesmo modelo de negócios (conhecido como low cost, low fare12 12 O modelo low cost, low fare constitui estratégia empresarial que busca oferecer passagens mais baratas por meio da redução do custo de operação da companhia aérea. Empresas que seguem esse modelo costumam apresentar um serviço de bordo reduzido, menor variedade de assentos nas aeronaves e processos automatizados para a emissão de bilhetes ou check-in. ). A aquisição geraria ganhos de eficiência (custos menores) na compra de combustível, na troca de peças e na manutenção de aeronaves (Cade, 201212 CADE. Ato de Concentração 08012.008378/2011-95. Voto do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713731178.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713...
, f. 1810). Essa maior eficiência e capacidade operacional também reduziria a probabilidade de demissões, segundo o presidente.

O voto do conselheiro, lido integralmente na oitava sessão de julgamento, em outubro de 2012, começou, seguindo o rito, com uma descrição das características das empresas que solicitaram autorização para unificar suas operações.

De acordo com o voto, a empresa Gol Linhas Aéreas Inteligentes S.A. foi criada em 2001 com uma estratégia de massificar o transporte aéreo no Brasil e na América do Sul. O forte crescimento da empresa, resultante de uma estratégia de tarifas menores, forma de pagamento diferenciada e publicidade agressiva, estimulou a entrada de um novo perfil de consumidores no mercado. A compra da Varig em 2007, aprovada pelo Cade em 2008, e o encerramento das atividades da Transbrasil contribuíram para o aumento da sua participação no mercado de transporte aéreo de passageiros e de carga.

Diferentemente da Gol, a empresa Webjet Linhas Aéreas S.A., criada em 2005, não tinha atuação internacional. Subsidiária do Grupo GJP, que controlava agências de turismo, viagens (CVC) e outras empresas do setor hoteleiro, a Webjet conectava os principais destinos do Brasil utilizando aeronaves Boeing 737-300, similares àquelas da Gol, e possuía, ao final de 2008, 3,17% da participação do mercado de transporte aéreo de passageiros no país (Cade, 201212 CADE. Ato de Concentração 08012.008378/2011-95. Voto do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713731178.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713...
, f. 1818).

Após uma breve descrição da evolução do setor de aviação civil brasileiro e de seu acentuado crescimento recente, o conselheiro iniciou um relato sobre o funcionamento da “indústria de transporte aéreo” no país, que, segundo ele, apresentava uma “estrutura oligopolista”.13 13 Essa estrutura é definida a partir de um “número modesto de firmas que atua em escala nacional, em particular nos grandes mercados metropolitanos e regionais, possuem frotas com dezenas de aviões, operam múltiplas rotas, tem agressivas políticas de marketing e fidelização de clientes” (Cade, 2012, f. 1827). Exibindo tabelas com informações sobre a quantidade de horas e quilômetros voados e de assentos oferecidos por cada empresa, entre outros dados, concluiu-se que a indústria era “concentrada”, sendo que apenas seis concorrentes respondiam por praticamente 90% de toda a atividade no mercado interno. Um mercado oligopolista – poucos concorrentes – é algo comum em vários países, podendo ser considerado uma característica do setor aéreo, devido aos altos custos e riscos desse tipo de negócio.

Um gráfico apresentou também informações sobre o mercado externo onde atuavam as duas maiores empresas brasileiras desse setor (TAM e Gol) e variados concorrentes estrangeiros. Como a empresa Webjet apenas participava no mercado interno, o conselheiro afirmou que sua análise se restringiria apenas a esse mercado, visto que a aquisição da Webjet não alteraria em nada as relações concorrenciais que a Gol mantinha com a TAM e outras empresas estrangeiras nas rotas internacionais. Assim, como primeira delimitação analítica, o conselheiro excluiu de consideração o mercado externo. As viagens internacionais e o mercado de passagens que as movimentam estavam, portanto, fora do contexto desse caso.

Sobre o mercado interno, explicou que este possuía duas empresas “líderes” – TAM e Gol – com quase 75% de participação no mercado de passageiros transportados em 2012 e quatro outras empresas de menor porte – Webjet, Azul, Trip e Avianca – com aproximadamente 24% do mercado. A redução paulatina da presença de empresas regionais como a Pantanal e a Total demonstrava, segundo o conselheiro, como esse setor favorecia empresas com forte presença ou abrangência nacional. A constituição de uma grande empresa nesse setor não podia ser considerada uma tarefa trivial, dado que se “requer anos para a montagem de uma malha competitiva, além [de] elevados investimentos” (Cade, 201212 CADE. Ato de Concentração 08012.008378/2011-95. Voto do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713731178.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713...
, f. 1831). A dificuldade que as empresas aéreas possuem em manter a rentabilidade em patamares mínimos, devido a mudanças bruscas de custos (preço do combustível), necessidade de elevado giro dos equipamentos e descontinuidades na demanda dos passageiros, fazia com que casos de concentração e cooperação entre as empresas nesse setor fossem frequentes.14 14 O voto aponta vários exemplos de acordos ou uniões entre empresas aéreas internacionais (KLM e Air France, Iberia e British Airways, Lufthansa e Swiss Air) e nacionais (TAM e Lan, US Airways e TAM, KLM e Varig, TAP e TAM), muitas delas julgadas pelo Cade, tendo em vista realçar o caráter instável e necessariamente oligopolista desse mercado.

Uma segunda contextualização analítica consistiu em excluir da análise o serviço de transporte aéreo de carga, considerado concorrencialmente distinto do serviço de transporte aéreo de passageiros. O voto apresentou duas tabelas produzidas pela Anac com receitas anuais de 2009 e 2010 das empresas aéreas transportadoras de carga no Brasil. Com base no valor da receita financeira das empresas, definiu-se a participação de mercado da Webjet, que não ultrapassava 0,5% do faturamento de todo o setor em 2010. Segundo o conselheiro, a “atuação ínfima da Webjet” no transporte de cargas e a grande quantidade de empresas atuantes não gerava preocupações concorrenciais nesse setor, sendo, portanto, irrelevante sua análise para o caso julgado (Cade, 201212 CADE. Ato de Concentração 08012.008378/2011-95. Voto do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713731178.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713...
, f. 1843).

Após esses “comentários iniciais”, iniciou-se a seção do voto intitulada “Do mercado relevante”, propriamente dita. Primeiramente, o conselheiro enfatizou que, de acordo com inúmeros estudos já realizados sobre esse setor, a observação das “rotas de viagem”, ou seja, pontos de origem e destino oferecidos pelas companhias aéreas, devia ser considerada como fundamental na determinação dos “mercados relevantes” para a análise antitruste. Isso significa que, apesar de concorrerem em todo o território nacional, as empresas concorrem essencialmente pela preferência dos passageiros em cada uma das rotas de viagem disponíveis no país. A oferta de diferentes opções de rotas com horários alternativos que empresas aéreas oferecem aos passageiros é o que caracterizaria fundamentalmente a concorrência desse setor. A jurisprudência do órgão antitruste, seguindo esses estudos, tem definido que cada rota – cada trecho aéreo que conecta duas cidades ou aeroportos – configura um mercado distinto do setor de transporte aéreo de passageiros; um provável mercado relevante. Porém, quais seriam as rotas relevantes para a análise desse caso?

Conforme explicado anteriormente, mercados relevantes são aqueles que geram algum tipo de preocupação concorrencial, sendo neles mais provável o exercício do poder de mercado. Uma das primeiras opções que analistas antitruste utilizam para identificar esses mercados é procurar as “sobreposições” geradas em todos os mercados afetados. Isso consiste em saber quais os mercados em que ambas as empresas fusionadas atuam. Haja vista que a concorrência no setor aéreo de passageiros se dá por meio das opções de rotas, podendo estas serem consideradas inclusive cada uma um mercado, o conselheiro precisava determinar quais eram as rotas oferecidas ao mesmo tempo pela Gol e pela Webjet. Isso porque na fusão entre as duas empresas essas rotas seriam as únicas a serem afetadas, já que seriam ofertadas por menos concorrentes. Utilizando novamente dados da Anac, o conselheiro identificou 86 rotas sobrepostas no primeiro semestre de 2010 e 112 rotas sobrepostas no segundo semestre desse ano, possibilitando uma primeira aproximação ao número de mercados relevantes para análise.15 15 A seleção de rotas apenas no período de alguns semestres ilustra como o mercado relevante é também uma contextualização temporal, além de material e espacial das relações de concorrência. Esses períodos específicos, que incluem toda a sazonalidade (variação) anual pela qual uma companhia aérea organiza seus voos, são tidos como representantes do conjunto de voos ofertados pelas requerentes no passado recente, sendo suficientes para a análise das rotas sobrepostas.

Contudo, embora essas rotas fossem oferecidas tanto pela Gol quanto pela Webjet, foram utilizados outros “filtros”, como denominou o conselheiro, para definir quais dessas rotas poderiam ser mais afetadas com a união empresarial. Os filtros usados foram os índices numéricos C1, C4 e HHI, que são adotados na prática antitruste em diversas jurisdições para se avaliar o “grau de concentração” dos mercados. Nesse caso, os índices auxiliaram a responder quais rotas seriam ofertadas por um número tão pequeno de empresas de modo a prejudicar as opções de escolha dos passageiros e possibilitar um aumento indiscriminado do preço das passagens por parte das empresas concorrentes.

Primeiramente excluíram-se as rotas cuja oferta conjunta da Gol e Webjet não chegaria a 20% do total ofertado no mercado, ou seja, rotas nas quais outros concorrentes possuiriam ao menos 80% das opções de voo daquele trecho (índice C1). Com um número menor de rotas, um segundo indicador foi calculado, que gerou a eliminação das rotas nas quais a participação de mercado detida pelas quatro maiores empresas ofertantes era menor do que 75% (índice C416 16 “O índice C4 mede o % [porcentual] de mercado detido pelas quatro maiores empresas do mercado. Conforme estabelece o Guia [de análises de concentrações] Horizontal [is] da SEAE, quando esta soma for igual ou superior a 75% do mercado há fortes evidências de que tais empresas possam exercer de forma coordenada o poder mercado. Nestas condições, o Guia sugere que a análise do mercado em questão seja aprofundada” (Cade, 2012, f. 1861). ). Por último, selecionaram-se apenas aquelas rotas que apresentaram uma variação do índice HHI (Herfindahl-Hirshman Index) superior a 1500 pontos. Um índice HHI acima desse numeral indica uma diminuição da concorrência e um aumento do poder de mercado.17 17 Sobre o cálculo do HHI, o voto explica que: “HHI é uma medida de tamanho das empresas em relação à indústria e um indicador do grau de concorrência entre elas. […] [O índice é calculado] como as somas dos quadrados das participações de mercado das 50 maiores empresas dentro da indústria, em que as participações de mercado são expressas em números de 0 a 100. O resultado é proporcional à participação de mercado média, ponderada pela participação de mercado individual de cada firma. […] A grande vantagem do HHI é dar mais peso às grandes empresas em uma análise de concentração de mercado” (Cade, 2012, f. 1862). A seleção das rotas por meio dos índices tornou possível, segundo o conselheiro,

[…] identificar os mercados afetados pela operação e potencialmente problemáticos, ou seja, rotas em que a participação conjunta das Requerentes [Gol e Webjet] evidenciam um significativo incremento na concentração do mercado com potencial impacto concorrencial. (Cade, 201212 CADE. Ato de Concentração 08012.008378/2011-95. Voto do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713731178.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713...
, f. 1862).

Foram identificados, portanto, como mercados relevantes para a análise dessa concentração empresarial, 26 rotas no primeiro semestre de 2010, 27 no segundo semestre de 2010 e 18 rotas no primeiro semestre de 2011,18 18 O conselheiro descartou a necessidade de restringir ainda mais os mercados relevantes utilizando outras variáveis como, por exemplo, diferentes tipos de passageiros (passageiros business e turismo) ou diferentes combinações das rotas (voos diretos e voos com escala). muitas delas coincidentes.

Definidos os mercados relevantes – ou “potencialmente problemáticos” – nos quais as partes requerentes teriam grande porcentual das vendas, a análise do conselheiro se utilizou de outros indicativos para verificar quais dessas rotas teriam a possibilidade de serem “contestadas” por empresas concorrentes. A investigação de “barreiras à entrada” nessas rotas consiste num novo “filtro”, uma nova delimitação, que reduz o número de mercados relevantes.19 19 Embora a “definição de mercado” ou “delimitação do mercado relevante” seja considerada uma etapa da análise, considero neste artigo algumas etapas posteriores (denominadas de análise de barreiras, análise de rivalidade, etc.) como também parte dessa delimitação, pois agem como novos “filtros” daquilo que é preocupante de um ponto de vista concorrencial e legal. Uma análise de barreiras busca saber qual a possibilidade de uma empresa existente e concorrente que não oferecia alguma dessas rotas vir a oferecê-la para os consumidores no curto prazo. Também implica investigar se alguma nova empresa ainda não existente poderia vir a ingressar nesses mercados. Como explicado no voto, saber quais os mercados serão mais concentrados, com menos empresas ofertando certos produtos, não torna essas rotas necessariamente mais propícias ao chamado “exercício de poder de mercado” por um dos poucos concorrentes. A facilidade de entrada de concorrentes externos torna mais provável a contestação – uma concorrência por preços – de um eventual aumento significativo de preços por parte dos concorrentes atuais.

Alguns tipos de barreiras de mercado analisadas pelo conselheiro e que costumam impedir a entrada de novos concorrentes nas rotas foram: barreiras regulatórias – as regras referentes à distribuição dos slots –, barreiras físicas – limitações da infraestrutura aeroportuária disponível –, barreiras econômicas – custos envolvidos na manutenção de uma empresa de transportes aéreos, como aquisições de aeronaves, publicidade e marketing –, barreiras técnicas – aeroportos com permissão limitada a tipos específicos de aeronaves – e programas de fidelidade, que incentivam clientes a comprarem passagens de uma única companhia. Todos esses aspectos, caso existam, podem reduzir a probabilidade que outra empresa passe a concorrer com as empresas fusionadas nas rotas “concorrencialmente preocupantes”.

Resumindo a análise, o conselheiro considerou escassa a possibilidade de entrada de um novo concorrente nos mercados – uma nova empresa que fosse capaz de competir com as já existentes nas rotas consideradas com oferta mais concentrada.20 20 Essa era a alegação principal das requerentes para justificar um impacto irrelevante da fusão. Entretanto, julgou provável que a entrada nessas rotas poderia ocorrer pelas empresas já instaladas, tendo em vista que possuíam capacidade operacional para concorrer com a Gol e evitar aumentos de preços de passagens aéreas. Apesar dessa constatação, o conselheiro manteve-se cauteloso com relação a certas características da infraestrutura aeroportuária, pois, nos principais aeroportos do país – Congonhas (SP), Guarulhos (SP), Santos Dumont (RJ), Galeão (RJ), Confins (MG) e Brasília (DF) –, um grande número de slots era controlado pelas empresas já existentes, sendo improvável a criação de novos espaços, físicos e temporais, de decolagem e aterrisagem.21 21 Um ponto enfatizado no voto, previamente apontado pela Anac, diz respeito à situação da infraestrutura dos aeroportos no país. Considera-se que o maior empecilho concorrencial para a entrada de novos concorrentes nesse setor não reside nos altos custos necessários para um concorrente passar a ofertar voos, mas sim no fato de os aeroportos não possuírem mais “espaços físicos e temporais para decolagem e aterrissagem de aeronaves” que possam atender a demanda de passageiros. Essa situação acaba beneficiando as empresas que já possuem slots e exigem das autoridades reguladoras uma atenção particular ao seu uso eficiente. Como explicou o conselheiro:

O raciocínio é simples e objetivo: para se ter uma entrada na rota das empresas fusionadas que registram elevada concentração, é necessário que os concorrentes tenham disponibilidade de slots nos aeroportos de origem e destino, ou seja, em um par de aeroportos. (Cade, 201212 CADE. Ato de Concentração 08012.008378/2011-95. Voto do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713731178.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713...
, f. 1902).

Após um extenso relato sobre as características de cada aeroporto em cujas rotas já tinham sido identificadas concentrações elevadas, conclui-se que os aeroportos de Congonhas em São Paulo e Santos Dumont no Rio de Janeiro eram aqueles que apresentavam maiores restrições para a entrada de um concorrente, visto que não podiam ser expandidos fisicamente e não possuíam slots ociosos (não utilizados). Desse modo, apenas as rotas identificadas que possuíam origem e destino nesses dois aeroportos foram consideradas relevantes para a análise. O aeroporto de Congonhas, contudo, foi excluído da análise, apesar de ser o aeroporto mais movimentado e menos ocioso do país. Isso porque os slots que a Gol incorporaria com a aquisição da Webjet eram “poucos e distribuídos nos finais de semana, onde existe ampla disponibilidade de slots” (Cade, 201212 CADE. Ato de Concentração 08012.008378/2011-95. Voto do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713731178.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713...
, f. 1902). Ou seja, a mudança concorrencial nas rotas atuais com origem ou destino nesse aeroporto seria mínima com a aquisição.

Sobre o aeroporto Santos Dumont, onde a Webjet possuía parcela considerável dos slots, o conselheiro verificou ser impossível a entrada de outra empresa nas faixas de horário então sob o controle da Webjet. A Gol passaria a controlar mais slots de rotas que já estavam muito concentradas, sem que outra empresa pudesse ofertar essas rotas, pois não havia disponibilidade para mais pousos e decolagens nesse aeroporto. Assim, as rotas concentradas do aeroporto Santos Dumont eram as únicas em que havia a “probabilidade do exercício do poder de mercado” por parte da empresa fusionada (Cade, 201212 CADE. Ato de Concentração 08012.008378/2011-95. Voto do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713731178.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713...
, f. 1917).

A solução proposta pelo conselheiro foi aprovar a aquisição da Webjet pela Gol condicionando-a ao cumprimento de obrigações previstas num “Termo de Compromisso de Desempenho” que pudesse “permitir que as estruturas obtidas pela Gol sejam operadas com eficiência e em benefício do consumidor”. Segundo o termo, a empresa devia utilizar todos os slots que possuía no aeroporto Santos Dumont com uma eficiência mínima de 85%, seja para pouso ou decolagem. Caso a empresa não utilizasse os slots com esse índice de eficiência, avaliado trimestralmente pela Anac, ela teria que devolvê-los à agência reguladora. Esse forte incentivo para ofertar voos frequentes nos slots controlados visava gerar um uso mais eficiente da infraestrutura aeroportuária tida como escassa e já saturada. Ainda, a necessidade de ofertar voos e utilizar os slots tendia a impedir, ao menos, o aumento de preços de passagens nessas rotas já concentradas.22 22 Sem o termo, a Gol poderia optar por utilizar pouco seus slots e ofertar menos voos, cobrando passagens mais elevadas e utilizando suas aeronaves ocasionalmente.

O voto do conselheiro ilustra o modo como a delimitação de mercado relevante pode ser descrita como um procedimento de contextualização, em que limites vão sendo continuamente redefinidos – do mercado externo ao interno, do mercado de cargas ao de passageiros, das rotas sobrepostas às rotas com elevada concentração, dos principais aeroportos do país ao Santos Dumont –, de modo que o escopo da aplicação da lei e as restrições concorrenciais das empresas vão se tornando visíveis.

Considerações finais

Em 1986, o historiador Jean Christophe Agnew descreveu em seu livro o processo pelo qual os sentidos da noção de mercado foram se transformando até o século XVIII (Agnew, 19861 AGNEW, J. C. The market and the theater in Anglo-American thought, 1550-1750. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.). Segundo ele, na Antiguidade, mercados eram locais segregados e marginais onde se podia realizar a troca de mercadorias. Delimitados por pedras sagradas em zonas rurais, entre vilarejos e tribos, ou contidos nas ágoras de cidades-estados gregas, mercados eram considerados espaços transgressores, poluidores de formas mais centrais de troca (como a troca de dádivas) e de comportamentos. Mercadores (metics), pessoas que praticavam tais trocas comerciais, eram igualmente marginais, sendo a eles proibida a posse de direitos de propriedade e a cidadania.

Na Grécia Antiga, circunscreviam-se as transações mercantis em uma variedade de práticas festivas e cerimoniais, sendo que a entrada no espaço das ágoras requeria juramentos ao deus Hermes, rituais e amuletos especiais. Essa limitação política, social, cultural e temporal das relações de troca evidencia uma tentativa de situá-las dentro de uma estrutura de autoridade e poder (Agnew, 19861 AGNEW, J. C. The market and the theater in Anglo-American thought, 1550-1750. Cambridge: Cambridge University Press, 1986., p. 25), tendo em vista sua capacidade, segundo os gregos, de romper com os fundamentos morais e sociais estabelecidos. Assim, como demonstrado por Agnew (19861 AGNEW, J. C. The market and the theater in Anglo-American thought, 1550-1750. Cambridge: Cambridge University Press, 1986., p. 23), na Europa os mercados surgem como um “limiar da troca” (threshold of exchange), uma fronteira ou contexto definido simbólica e materialmente no qual a troca ocorre e, mais importante, onde ela é permitida.

Embora a noção de mercado tenha ganhado aos poucos outros sentidos a partir do fim da Idade Média e início do Renascimento, generalizando-se como qualquer ato de compra e venda de mercadorias, sem localização no tempo ou espaço, preservou-se o sentido de mercado (agora chamado de marketplace) como espaço bem delimitado nos centros urbanos. Braudel (1976)11 BRAUDEL, F. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII, os jogos das trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1976. denominou estes de mercados “públicos” ou “abertos”, caracterizados precisamente por estarem vigiados, administrados e regulamentados pelas “autoridades urbanas” (Braudel, 197611 BRAUDEL, F. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII, os jogos das trocas. São Paulo: Martins Fontes, 1976., p. 33). A criação de um contexto bem delineado para a prática mercantil teve sempre, na história dos mercados modernos, a função de permitir que certas práticas, preços, produtos e pessoas fossem observados e, por isso, administrados conforme normas sociais e políticas em vigor.

O conceito de mercado relevante não é estranho a esse sentido original da noção de mercado, pois ele é definido tendo em vista permitir a visualização das fronteiras e relações concorrenciais e, com isso, possibilitar o seu governo. Acompanhando em certa medida essa tradição, o mercado é não apenas uma noção econômica, mas sobretudo um conceito legal e administrativo, característica essa não suficientemente enfatizada e analisada na recente literatura de antropologia dos mercados.

No único trabalho desse campo que atenta para a definição de mercados na política antitruste, Brett Christophers (2015)19 CHRISTOPHERS, B. The law’s markets: Envisioning and effecting the boundaries of competition. Journal of Cultural Economy, Abingdon, v. 8, n. 2, p. 125-143, 2015. afirma que a política ou a lei de defesa da concorrência constitui um exemplo claro de como se dá a “performatividade” dos mercados e da economia. Analisando decisões do órgão antitruste do Reino Unido, o autor argumenta que a definição de mercado no antitruste seria um modo de a lei criar as fronteiras ou barreiras entre mercados “reais”. Tal conclusão parece válida não somente se observamos o desenvolvimento dos mercados “reais” no período posterior à decisão de um órgão, como faz Christophers, mas principalmente se descrevemos o raciocínio implícito no procedimento de definição, como demonstrado na seção anterior. Princípios lógicos e teóricos sobre o funcionamento dos mercados são utilizados para “ajustar” a realidade (Callon, 200715 CALLON, M. What does it mean to say that economics is performative?. In: MACKENZIE, D.; MUNIESA, F.; SIU, L. (Ed.). Do economists make markets?: on the performativity of economics. Princeton: Princeton University Press, 2007. p. 311-357.), esta visualizada por meio das informações fornecidas pelas empresas ou coletadas pelas autoridades governamentais. O mercado relevante performa mercados, pois impõe limites à ação empresarial.

Os trabalhos que enfatizam a performatividade, influenciados pelos estudos sociais das ciências, têm, entre seus méritos, problematizar a separação clássica entre o mercado como “princípio” e os mercados como “espaços localizados”, mostrando como os dois se constituem mutuamente naquilo que analiticamente pode ser descrito como uma mesma rede sociotécnica. Argumenta-se que o surgimento e desenvolvimento de mercados só é possível graças ao papel que certos dispositivos de cálculo, teorias econômicas e materialidades organizacionais desempenham na produção de comportamentos calculadores e na qualificação e valorização de objetos (Callon; Millo; Muniesa, 200716 CALLON, M.; MILLO, Y.; MUNIESA, F. (Ed.). Market devices. Malden: Blackwell, 2007.). Nesse conjunto de elementos – agencements – que performam mercados, a lei aparece como fundamental. Como diz Michel Callon (199814 CALLON, M. Introduction: the embeddedness of economic markets in economics. In: CALLON, M. (Ed.). The laws of the markets. Oxford: Blackwell, 1998. p. 1-57., p. 54, tradução minha): “A lei, por exemplo, a lei de concorrência, […] obviamente promove a calculabilidade das decisões ao enquadrar ações e relações autorizadas.”

Porém, se o papel da lei de concorrência e do órgão que a implementa consiste em punir práticas anticompetitivas e evitar o “exercício do poder de mercado”, é evidente, como pude observar, que, para analistas, conselheiros, estagiários e assessores do Cade, a lei performa mercados, formatando-os a partir de certos ideais de eficiência, competitividade e justiça.23 23 A capacidade performativa da lei tem sido reiteradamente enfatizada de modos diversos por vários autores, entre eles Bevilaqua (2010), Bourdieu (1987) e Riles (2003). Porém, dizer que a lei performa mercados não responde a questão sobre o que são mercados a partir das práticas legais. Ou seja, no que consiste o mercado e sua definição para analistas ou organizações que se dizem “fora” do mercado, já que mercados são os próprios contextos que eles mesmos definem?

Num artigo de 1996, Marilyn Strathern questiona a noção analítica de redes conforme utilizada pelos teóricos da actor-network-theory (ANT), noção essa que embasa os estudos da performatividade nos mercados. Segundo ela, o poder do uso da metáfora da rede é também o seu problema, pois “teoricamente, elas não têm limites” (Strathern, 201447 STRATHERN, M. Cortando a rede. In: STRATHERN, M. O efeito etnográfico. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 295-319., p. 305). E continua:

Se elementos diversos compõem uma descrição, eles parecem tão extensíveis ou intrincados quanto é extensível ou intrincada a própria análise […] E no entanto a análise, assim como a interpretação, deve ter um fim; deve se realizar como lugar de parada. (Strathern, 201447 STRATHERN, M. Cortando a rede. In: STRATHERN, M. O efeito etnográfico. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 295-319., p. 305).

Dizer que a lei constitui mais um elemento dos agenciamentos mercantis parece, portanto, tão insuficiente para o antropólogo quanto para os analistas antitruste. Do ponto de vista destes analistas, a tarefa mais importante não é enumerar os elementos necessários para se fazer um mercado, mas sim decidir o que é preciso ser deixado de fora; aquilo que é preciso ser “filtrado”, como diz o conselheiro.

Por isso, ao observar mercados a partir das práticas e das técnicas jurídico-administrativas colaterais a eles (Riles, 201044 RILES, A. Collateral expertise: legal knowledge in the global financial markets. Current Anthropology, Chicago, v. 51, n. 6, p. 795-818, 2010.), torna-se particularmente difícil, ou no mínimo insuficiente, apreendê-los como “arranjos sociotécnicos” que organizam a concepção, produção e circulação de bens (Çaliskan; Callon, 201013 ÇALISKAN, K.; CALLON, M. Economization, part 2: a research programme for the study of markets. Economy and Society, London, v. 39, n. 1, p. 1-32, Feb. 2010.). A abordagem que privilegia a performatividade observa os mercados apenas como o contexto nativo (interno) no qual as empresas atuam. A atenção de Callon (1998)14 CALLON, M. Introduction: the embeddedness of economic markets in economics. In: CALLON, M. (Ed.). The laws of the markets. Oxford: Blackwell, 1998. p. 1-57., seguindo Chamberlin, é precisamente sobre o modo como empresas, por exemplo, buscam definir esse contexto, enquadrando (framing) seus produtos e seus consumidores. Porém os mercados antitruste não podem ser concebidos apenas como esse contexto de concorrentes e consumidores. São sobretudo um contexto legal produzido a partir de uma perspectiva externa ao mercado, enquadrando temporalmente, espacialmente e materialmente as relações e pessoas (físicas ou jurídicas) que podem ser afetadas pela fusão. Os mercados do antitruste não são apenas parte de redes sociotécnicas; eles cortam essas redes (Strathern, 201447 STRATHERN, M. Cortando a rede. In: STRATHERN, M. O efeito etnográfico. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 295-319.).

Como uma técnica ou um instrumento legal (Riles, 200343 RILES, A. Law as object. In: MERRY, S.; BRENNEIS, D. (Ed.). Law and empire in the Pacific: Fiji and Hawai’i. Santa Fe: SAR, 2003. p. 187-212.) de contextualização, o mercado no antitruste também não pode ser acusado de ser uma representação abstrata de um mercado “real” (Carrier, 199817 CARRIER, J. G. Abstraction in Western economic practice. In: CARRIER, J.; MILLER, D. (Ed.). Virtualism: a new political economy. Oxford: Berg, 1998. p. 25-48.), sendo que seu propósito é exatamente o de delimitar apenas alguns aspectos dessa realidade: as relações de concorrência. Como um contexto, o mercado não “elimina as particularidades do mundo” (Miller, 199836 MILLER, D. Conclusion: a theory of virtualism. In: CARRIER, J.; MILLER, D. (Ed.). Virtualism: a new political economy. Oxford: Berg, 1998. p. 161-186., p. 196, tradução minha), mas torna explícitas relações e capacidades (poder de mercado), atuais ou potenciais, que podem ser punidas, autorizadas ou desautorizadas a partir de um ponto de vista legal. Portanto, governar a concorrência envolve procedimentos de delimitação de mercados que constituem, simultaneamente, as fronteiras nativas das relações econômicas e o próprio espaço onde o Estado e a lei podem intervir.

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  • *
    A primeira versão deste texto foi apresentada no seminário do NuCEC (Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia), realizado no IFCS, UFRJ. Agradeço aos interlocutores que estavam presentes nessa ocasião, principalmente Federico Neiburg, Fernando Rabossi, Eugênia Motta e André Dumans Guedes, que, por meio de seus comentários, sugestões e críticas, tornaram este texto mais coerente e conciso. Agradeço também a Louise Scoz, que me ajudou a decidir os contornos do artigo, e aos dois pareceristas anônimos que sugeriram importantes complementos à versão final.
  • 1
    A fusão da Azul e da Trip foi aprovada em março do ano seguinte, tendo o Cade imposto à Azul exatamente as mesmas condições de utilização de slots no Santos Dumont que exigiu da Gol.
  • 2
    O trabalho de campo que embasa este artigo consistiu numa etnografia feita entre março de 2012 e agosto de 2013 sobre o trabalho de análise e julgamento dos processos administrativos do Cade, como parte de uma pesquisa de doutorado no PPGAS/MN/UFRJ.
  • 3
    No Brasil, uma nova lei de concorrência (Brasil, 201110 BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em: 15 jan. 2014.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ) entrou em vigor em 30 de maio de 2012, substituindo a lei anterior, de 1994 (Brasil, 19948 BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Brasília, 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8884.htm>. Acesso em: 15 jan. 2014.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
    ). A nova lei transferiu a responsabilidade pela instrução de processos administrativos da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda para a Superintendência-Geral do Cade. No caso Gol-Webjet, como o requerimento das partes foi feito antes da entrada em vigor da nova lei, julgou-se o processo de acordo com a legislação de 1994.
  • 4
    A primeira consideração mais profunda a respeito do uso do conceito de mercado como “local” e como “princípio”, baseada nas ideias de Karl Polanyi, surge na coletânea Markets in Africa, editada por Paul Bohannan e George Dalton (1965)5 BOHANNAN, P.; DALTON, G. (Ed.). Markets in Africa. Garden City: Doubleday & Co., 1965..
  • 5
    Concorrência perfeita, nesse caso, é o pressuposto de que o mercado é dividido entre um número tão grande de vendedores que nenhum deles tem a capacidade de alterar significativamente o preço do produto (o mercado de pão francês seria um bom exemplo). Informação perfeita é significa que todos os atores no mercado, automaticamente e sem custo algum, possuem todas as informações sobre os concorrentes, produtos e preços praticados no mercado (Swedberg, 199448 SWEDBERG, R. Markets as social structures. In: SMELSER, N.; SWEDBERG, R. (Ed.). The handbook of economic sociology. Princeton: Princeton University Press, 1994. p. 255-282.).
  • 6
    Há uma enorme quantidade de trabalhos que em conjunto são considerados contribuições para esse campo, como os estudos de Joseph Schumpeter, John Kenneth Galbraith, John Bates Clark e Joe Bain.
  • 7
    Weber pode ser visto como um precursor dessa perspectiva do ponto de vista sociológico. Para ele, “pode-se dizer que existe um mercado onde quer que haja concorrência, mesmo que apenas unilateralmente, por oportunidades de troca entre uma pluralidade de partidos potenciais” (Weber, 200549 WEBER, M. Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. México: Fondo de Cultura Económica, 2005., p. 635, tradução minha).
  • 8
    Não é por acaso que Harrison White (2004)51 WHITE, H. Markets from networks: socioeconomic models of production. Princeton: Princeton University Press, 2004. e Michel Callon (1998)14 CALLON, M. Introduction: the embeddedness of economic markets in economics. In: CALLON, M. (Ed.). The laws of the markets. Oxford: Blackwell, 1998. p. 1-57. utilizam o trabalho de Edward Chamberlin como referência para desenvolverem suas próprias teorias sobre o mercado.
  • 9
    Agradeço a José Ossandón e a Juan Pablo Pardo-Guerra por me apontarem essa característica do procedimento.
  • 10
    O julgamento do caso United States vs. Columbia Steel Corporation em 1950 foi essencial nesse processo de construção jurisprudencial (Werden, 199250 WERDEN, G. The history of antitrust market delineation. Marquette Law Review, Milwaukee, v. 76, n. 1, p. 123-215, Fall 1992.).
  • 11
    Nesta seção, utilizam-se como material etnográfico os autos públicos do processo, especialmente o voto do conselheiro Ricardo Machado Ruiz (Cade, 201212 CADE. Ato de Concentração 08012.008378/2011-95. Voto do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713731178.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
    http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713...
    , f. 1808-1936), além da gravação da 8ª Sessão Ordinária de Julgamento do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica e do acompanhamento da sessão pelo pesquisador. A explicação da delimitação de mercado aqui apresentada necessariamente simplifica certos argumentos e exclui alguns dados e informações do voto escrito pelo conselheiro, a fim de que seja mais facilmente compreendido o processo de progressiva delimitação ou contextualização característico da análise antitruste.
  • 12
    O modelo low cost, low fare constitui estratégia empresarial que busca oferecer passagens mais baratas por meio da redução do custo de operação da companhia aérea. Empresas que seguem esse modelo costumam apresentar um serviço de bordo reduzido, menor variedade de assentos nas aeronaves e processos automatizados para a emissão de bilhetes ou check-in.
  • 13
    Essa estrutura é definida a partir de um “número modesto de firmas que atua em escala nacional, em particular nos grandes mercados metropolitanos e regionais, possuem frotas com dezenas de aviões, operam múltiplas rotas, tem agressivas políticas de marketing e fidelização de clientes” (Cade, 201212 CADE. Ato de Concentração 08012.008378/2011-95. Voto do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713731178.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
    http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713...
    , f. 1827).
  • 14
    O voto aponta vários exemplos de acordos ou uniões entre empresas aéreas internacionais (KLM e Air France, Iberia e British Airways, Lufthansa e Swiss Air) e nacionais (TAM e Lan, US Airways e TAM, KLM e Varig, TAP e TAM), muitas delas julgadas pelo Cade, tendo em vista realçar o caráter instável e necessariamente oligopolista desse mercado.
  • 15
    A seleção de rotas apenas no período de alguns semestres ilustra como o mercado relevante é também uma contextualização temporal, além de material e espacial das relações de concorrência. Esses períodos específicos, que incluem toda a sazonalidade (variação) anual pela qual uma companhia aérea organiza seus voos, são tidos como representantes do conjunto de voos ofertados pelas requerentes no passado recente, sendo suficientes para a análise das rotas sobrepostas.
  • 16
    “O índice C4 mede o % [porcentual] de mercado detido pelas quatro maiores empresas do mercado. Conforme estabelece o Guia [de análises de concentrações] Horizontal [is] da SEAE, quando esta soma for igual ou superior a 75% do mercado há fortes evidências de que tais empresas possam exercer de forma coordenada o poder mercado. Nestas condições, o Guia sugere que a análise do mercado em questão seja aprofundada” (Cade, 201212 CADE. Ato de Concentração 08012.008378/2011-95. Voto do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713731178.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
    http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713...
    , f. 1861).
  • 17
    Sobre o cálculo do HHI, o voto explica que: “HHI é uma medida de tamanho das empresas em relação à indústria e um indicador do grau de concorrência entre elas. […] [O índice é calculado] como as somas dos quadrados das participações de mercado das 50 maiores empresas dentro da indústria, em que as participações de mercado são expressas em números de 0 a 100. O resultado é proporcional à participação de mercado média, ponderada pela participação de mercado individual de cada firma. […] A grande vantagem do HHI é dar mais peso às grandes empresas em uma análise de concentração de mercado” (Cade, 201212 CADE. Ato de Concentração 08012.008378/2011-95. Voto do Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713731178.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
    http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000713...
    , f. 1862).
  • 18
    O conselheiro descartou a necessidade de restringir ainda mais os mercados relevantes utilizando outras variáveis como, por exemplo, diferentes tipos de passageiros (passageiros business e turismo) ou diferentes combinações das rotas (voos diretos e voos com escala).
  • 19
    Embora a “definição de mercado” ou “delimitação do mercado relevante” seja considerada uma etapa da análise, considero neste artigo algumas etapas posteriores (denominadas de análise de barreiras, análise de rivalidade, etc.) como também parte dessa delimitação, pois agem como novos “filtros” daquilo que é preocupante de um ponto de vista concorrencial e legal.
  • 20
    Essa era a alegação principal das requerentes para justificar um impacto irrelevante da fusão.
  • 21
    Um ponto enfatizado no voto, previamente apontado pela Anac, diz respeito à situação da infraestrutura dos aeroportos no país. Considera-se que o maior empecilho concorrencial para a entrada de novos concorrentes nesse setor não reside nos altos custos necessários para um concorrente passar a ofertar voos, mas sim no fato de os aeroportos não possuírem mais “espaços físicos e temporais para decolagem e aterrissagem de aeronaves” que possam atender a demanda de passageiros. Essa situação acaba beneficiando as empresas que já possuem slots e exigem das autoridades reguladoras uma atenção particular ao seu uso eficiente.
  • 22
    Sem o termo, a Gol poderia optar por utilizar pouco seus slots e ofertar menos voos, cobrando passagens mais elevadas e utilizando suas aeronaves ocasionalmente.
  • 23
    A capacidade performativa da lei tem sido reiteradamente enfatizada de modos diversos por vários autores, entre eles Bevilaqua (2010)4 BEVILAQUA, C. Sobre a fabricação contextual de pessoas e coisas: as técnicas jurídicas e o estatuto do ser humano após a morte. Mana, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1, p. 7-29, 2010., Bourdieu (1987)6 BOURDIEU, P. The force of law: toward a sociology of the juridical field. The Hastings Law Journal, San Francisco, v. 38, p. 814-853, July 1987. e Riles (2003)43 RILES, A. Law as object. In: MERRY, S.; BRENNEIS, D. (Ed.). Law and empire in the Pacific: Fiji and Hawai’i. Santa Fe: SAR, 2003. p. 187-212..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2015
  • Aceito
    05 Out 2015
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