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Por uma antropologia da democracia - e de seus desafios

Towards an anthropology of democracy - and its challenges

Resumo

Quais as especificidades de uma reflexão antropológica sobre a política em contextos democráticos? Com essa pergunta em mente, visamos apresentar o debate existente e propor novos caminhos relevantes para a pesquisa sobre a democracia, enfatizando algumas arenas recentes de disputa. Essas arenas colocam desafios tanto para a democracia em si quanto para pesquisadoras que se dedicam ao tema. Assim, abordamos o caráter alegadamente democratizante das novas mídias como forma de expressão e de auto-organização e a consequente digitalização da política; a crescente disseminação de “fake news” e as dificuldades de comunicação e de produção de verdade política num contexto permeado por teorias de conspiração; as transformações no entendimento do populismo como forma política; por fim, a presença dos religiosos na política brasileira recente nos obriga a prestar mais atenção às dinâmicas morais e aos processos de formação de subjetividades ético-políticas da população.

Palavras-chave:
democracia; novas mídias; teorias da conspiração; populismo

Abstract

What are the specificities of an anthropological reflection on politics in democratic contexts? With this question in mind, we aim to present the existing debate and propose relevant new avenues for research on democracy, emphasizing some recent arenas of dispute. These arenas pose challenges both for democracy itself and for researchers who are dedicated to the subject. Thus, we address the allegedly democratizing character of new media as a form of expression and self-organization and the subsequent digitization of politics; the growing dissemination of “fake news” and the difficulties of communication and the production of political truth in a context permeated by conspiracy theories; transformations in the understanding of populism as a political expression; finally, this volume also grapples with the presence of religious people in contemporary Brazilian politics, which obliges researchers to pay more attention to the moral dynamics and processes of formation of ethical-political subjectivities of the population.

Keywords:
democracy; new media; conspiracy theories; populism

Democracia é uma palavra “pesada”, que traz consigo uma série de pressupostos. Sua origem etimológica grega remete, também, a uma história do pensamento político e à fundação de uma percepção do mundo ocidental, sobretudo o europeu. Esse peso reverbera em muitas das questões de pesquisa que tomam a democracia como parte do problema. Uma delas é a de questionarmos se por democracia entendemos algo distintamente ocidental. Essa é uma das frentes propriamente antropológicas abertas por Graeber (2007)GRAEBER, D. There never was a West: or, democracy emerges from the spaces in between. In: GRAEBER, D. Possibilities: essays on hierarchy, rebellion, and desire. Oakland: AK Press, 2007. p. 329-374., que nos provoca a pensar: o que é a democracia? É uma palavra que designa o que surgiu na Grécia antiga ou é uma prática pela qual sujeitos em situação de igualdade deliberam tendo em vista o seu destino em comum? Isso nos leva a outras perguntas: seria possível encontrar outras formas de democracia moderna que não as historicamente desenvolvidas na Europa e nos EUA? E, mais ainda, será que as definições de democracia (liberal) como um sistema de governo que se ancora em determinadas instituições é algo necessário ou contingente? E se pensarmos as democracias realmente existentes em contraponto aos modelos prescritivos e normativos com base nessa experiência histórica euro-americana? Essa última pergunta pode ser um dos passos para uma antropologia da democracia.

Em sua reflexão de 1994 por ocasião da primeira eleição democrática na África do Sul, Coronil (2019)CORONIL, F. Transitions to transitions: democracy and nation in Latin America. In: SKURSKI, J. et al. (ed.). The Fernando Coronil Reader: the struggle for life is the matter. Durham: Duke University Press , 2019. p. 231-249. coloca a questão da transição para a (e consolidação da) democracia a partir das experiências da América Latina, num esforço de historicizar as dinâmicas que nos levaram a pensar nossa condição como a de uma transitoriedade sem fim: “Despite the great number of transitions to democracy throughout this century in Latin America, it is generally understood that no country in the region has completed its transition to democracy” (Coronil, 2019CORONIL, F. Transitions to transitions: democracy and nation in Latin America. In: SKURSKI, J. et al. (ed.). The Fernando Coronil Reader: the struggle for life is the matter. Durham: Duke University Press , 2019. p. 231-249., p. 238, grifo do autor). O ponto final é imaginado segundo uma idealização da experiência euro-americana, resultando numa retórica da falta para os demais países não centrais, cuja inferioridade estaria atrelada a aspectos internos dessas sociedades (a cultura, o povo, a economia, o clima, etc.) (Coronil, 2019CORONIL, F. Transitions to transitions: democracy and nation in Latin America. In: SKURSKI, J. et al. (ed.). The Fernando Coronil Reader: the struggle for life is the matter. Durham: Duke University Press , 2019. p. 231-249., p. 239). Retornando à reflexão de Graeber (2007GRAEBER, D. There never was a West: or, democracy emerges from the spaces in between. In: GRAEBER, D. Possibilities: essays on hierarchy, rebellion, and desire. Oakland: AK Press, 2007. p. 329-374., p. 347-350), é no período das colonizações do século XIX, com intensa inter-relação e exploração dos diferentes povos e locais do planeta, que a democracia é afirmada como um conceito condizente apenas com a realidade ocidental. Pensar os europeus como a fonte da democracia seria um argumento dos próprios europeus do século XIX, que tinha como contraponto o orientalismo que levava a pensar as populações asiáticas colonizadas como ineptas para a democracia e, portanto, podendo ser governadas apenas por regimes autoritários. É necessário historicizar tanto as noções (e valores, muitas vezes liberais) de democracias euro-americanas que porventura sustentem nossas análises quanto as experiências de outros contextos que estejamos analisando, permitindo que vejamos “certos aspectos políticos e institucionais como uma cristalização temporária de lutas e compromissos democráticos ao invés de características essenciais e eternas da democracia” (Coronil, 2019CORONIL, F. Transitions to transitions: democracy and nation in Latin America. In: SKURSKI, J. et al. (ed.). The Fernando Coronil Reader: the struggle for life is the matter. Durham: Duke University Press , 2019. p. 231-249., p. 240, tradução nossa). Seguindo a sugestão de Coronil (2019CORONIL, F. Transitions to transitions: democracy and nation in Latin America. In: SKURSKI, J. et al. (ed.). The Fernando Coronil Reader: the struggle for life is the matter. Durham: Duke University Press , 2019. p. 231-249., p. 246-247), pesquisar os processos históricos de “transição” para a democracia fora do contexto euro-americano é uma forma de compreender que não estamos todos seguindo um mesmo caminho e chegando num mesmo ponto final (idealizado a partir de uma experiência histórica específica), mas criando na prática e no cotidiano novos conceitos de democracia.

Uma parte relevante da reflexão antropológica sobre o tema, desde a iniciativa coletiva promovida por Paley (2002)PALEY, J. Toward an anthropology of democracy. Annual Review of Anthropology, v. 31, p. 469-496, 2002., dedicou-se a pensar as maneiras pelas quais a democracia enquanto forma de governo, institucionalidade e conjunto de valores políticos relaciona-se com as histórias, experiências e práticas de contextos específicos. Ou, em outras palavras, estudos do impacto e da transformação da democracia em algo particular - e, portanto, transformado - de cada sociedade. Michelutti (2007)MICHELUTTI, L. The vernacularisation of democracy: political participation and popular politics in North India. Journal of the Royal Anthropological Institute, London, v. 13, n. 3, p. 639-656, 2007. e West (2008)WEST, H. “Governem-se vocês mesmos!” Democracia e carnificina no Norte de Moçambique. Análise Social, [s. l.], v. 43, n. 2, p. 347-368, 2008. são dois bons exemplos de análises desse processo, uma no norte da Índia e outra no interior de Moçambique.

Michelutti (2007)MICHELUTTI, L. The vernacularisation of democracy: political participation and popular politics in North India. Journal of the Royal Anthropological Institute, London, v. 13, n. 3, p. 639-656, 2007. nos mostra que para compreender a sociedade indiana em seu momento pós-colonial é necessário nos dedicarmos a uma pesquisa etnográfica sobre a democracia da mesma maneira que temos feito sobre religião e parentesco, observando essa “vernacularização” da democracia no cotidiano das pessoas. Ao nos mostrar como os Yadav, membros de uma casta que tem laços ancestrais com Krishna e são produtores de leite, articulam essas relações em uma greve de produção e em uma manifestação de rua, a autora nos permite perceber que a democracia é moldada por retóricas e relações que estão fora do enquadramento liberal euro-americano e, ao mesmo tempo, alteram as relações previamente existentes naquele contexto, seja politizando o parentesco e a religião, seja influenciando mudanças no padrão de autoridade local e nas formas de mobilização e ação políticas. West (2008WEST, H. “Governem-se vocês mesmos!” Democracia e carnificina no Norte de Moçambique. Análise Social, [s. l.], v. 43, n. 2, p. 347-368, 2008., p. 349), por sua vez, nos traz a diferença entre a concepção dos Mueda e dos reformadores democráticos do Estado no cenário pós-colonial e pós-socialista de Moçambique, no qual democracia “significa que cada um tem o direito de acreditar naquilo em que acredita” (inclusive nos feiticeiros da aldeia) e que o Estado não deve intervir nas disputas locais, mesmo quando se acredita que esses feiticeiros se transformam em leões, atacam a aldeia e matam pessoas. Para o autor, há uma situação complexa na qual certas “linguagens de poder” dos reformadores democráticos são incorporadas nas da população local, formando um mosaico. Porém, observar esse processo a partir do cotidiano etnográfico é perceber que a alteração “democratizante” pretendida, como a de promoção de líderes e autoridades locais em detrimento do envio de autoridades da capital, é percebida localmente como abandono e como perdas: de importância, de relações de proteção e da possibilidade de ser ouvido pela administração central (algo que o envio de representantes políticos da capital permitia). O processo de democratização gera mudanças nas dinâmicas de autoridade e de poder local e tais mudanças são percebidas localmente como resultado da democracia. Porém, são percebidas como consequências negativas, nas quais a democracia torna os Mueda menos integrados com os centros decisórios e mais fracos politicamente.

Esses casos nos levam a repensar, em primeiro lugar, se a adoção das práticas, valores e instituições caracterizadas como democráticas por parte do Estado encontra adesão por parte da população, e, em segundo lugar, se essa possível adesão popular ocorre de acordo com a prescrição ou a normatividade almejada a partir de um ideário euro-americano. A eleição é uma fonte privilegiada de observação dessa gestão da diferença no cotidiano da política.

Trabalhos hoje clássicos como os de Palmeira (2004)PALMEIRA, M. Eleição municipal, política e cidadania. In: PALMEIRA, M.; BARREIRA, C. (org.). Política no Brasil: visões de antropólogos. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2004. p. 137-150. e Heredia e Palmeira (2006)HEREDIA, B.; PALMEIRA, M. O voto como adesão. Teoria e Cultura, Juiz de Fora, v. 1, n. 1, p. 35-58, 2006. compõem o quadro no qual vemos as eleições brasileiras em sua dimensão ritual. Ainda que a reflexão sistemática sobre democracia não tenha sido o enfoque privilegiado da antropologia da política nacional, boa parte das análises estão direcionadas à política em regimes e contextos democráticos. O olhar etnográfico permitiu que fosse observado como se dão as relações no cotidiano e de que maneira o ingresso no “tempo da política” as altera, gerando efeitos sociais de faccionalismo e de pertencimento nas comunidades estudadas. A política eleitoral promove relações de conflito que possuem mediadores autorizados e um desfecho esperado com a apuração dos votos, capaz de evidenciar qual das facções possuiu maior adesão local. Spencer (2007SPENCER, J. Anthropology, politics, and the state: democracy and violence in South Asia. Cambridge: Cambridge University Press, 2007., p. 72 et seq., tradução nossa) observou fenômeno muito semelhante com uma comunidade budista no Sri Lanka, chegando a dizer que as eleições, enquanto ritual, eram uma “performance da democracia”, na qual as regras de polidez e a paz cotidianas eram deixadas de lado temporariamente e se assumia a centralidade do conflito como próprias do pluralismo e (ant-)agonismo democrático, fazendo com que votar fosse uma maneira de se diferenciar moralmente dos demais. Distanciando-se das posições que chama de histórico-culturalistas, Spencer (2007SPENCER, J. Anthropology, politics, and the state: democracy and violence in South Asia. Cambridge: Cambridge University Press, 2007., p. 93-94) afirma que seu interesse não está em observar como certas instituições (como as eleições) são interpretadas localmente, mas em como geram efeitos a ponto de considerar que a própria “política” é um dos resultados desse processo e não uma dimensão preexistente. O trabalho de Koch (2017KOCH, I. What’s in a vote? Brexit beyond culture wars. American Ethnologist, [s. l.], v. 44, n. 2, p. 225-230, 2017. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/amet.12472 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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, p. 228, tradução nossa), por outro lado, ao pesquisar sobre o referendo que decidiu sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, nos permitiu perceber justamente como essa prática política foi interpretada localmente. A singularidade do referendo frente às eleições ordinárias demonstrou como o voto foi utilizado para fazer valer a insatisfação (com o governo e, também, com as eleições, vistas como não tendo efeito ou resultado na vida das pessoas). O desencantamento com a democracia e com a experiência de cidadania foi expresso por meio de uma prática democrática, evidenciando as “moralidades cotidianas”. Koch (2017KOCH, I. What’s in a vote? Brexit beyond culture wars. American Ethnologist, [s. l.], v. 44, n. 2, p. 225-230, 2017. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/amet.12472 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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, p. 249, tradução nossa) nos permite observar que em um país central da formulação do pensamento ocidental moderno o entendimento local sobre eleição possui muitas semelhanças com o de países periféricos, e que também ali há “tentativas de inserir expectativas e moralidades cotidianas nas disputas da política eleitoral”. Porém, observar o desenvolvimento das eleições em contextos periféricos marcados historicamente pela dominação colonial desloca ainda mais nosso entendimento dessa prática ritual. É assim que Rafael (2022RAFAEL, V. The sovereign trickster: death and laughter in the age of Duterte. Durham: Duke University Press, 2022., p. 6-17), por sua vez, reconstrói o percurso histórico filipino e coloca em cena a estratégia colonial estado-unidense de contrainsurgência por meio do voto e das eleições. Apesar do estabelecimento de meios democráticos, os fins eram antidemocráticos, isto é, a introdução de eleições pela ocupação colonial dos EUA “era parte de um conjunto de práticas de governo desenhadas para regular a participação política de maneiras que garantiriam a ordem colonial enquanto preservavam a desigualdade social essencial àquela ordem” (Rafael, 2022RAFAEL, V. The sovereign trickster: death and laughter in the age of Duterte. Durham: Duke University Press, 2022., p. 10).

Todos os trabalhos acima citados evidenciam que não é possível analisar as eleições como momento ritual e extraordinário sem que haja compreensão sobre o cotidiano, a vida ordinária. Isso se dá por duas razões: ou para que seja possível diferenciar as ações, decisões sobre e os efeitos sociais das eleições em sua extraordinariedade ou para que seja possível verificar as continuidades e permeabilidades entre esse momento e as dinâmicas sociais e morais da vida cotidiana. É nessa direção que um de nós (Dullo, 2022DULLO, E. A political ritual without closure: serial liminality and the escalation of conflict in Brazil’s street demonstrations. Bulletin of Latin American Research, [s. l.], v. 41, n. 5, p. 695-709, 2022. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/blar.13236 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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) argumentou sobre os efeitos de longo prazo do ciclo de manifestações que ocorreram no Brasil de 2013 a 2018, enfatizando o alargamento do tempo da política para cobrir todo o período, subvertendo a distinção entre vida ordinária e momento extraordinário, resultando em uma temporalidade de “imprevisibilidade radical” e em alterações nas socialidades políticas fora do momento eleitoral. Essa constatação sobre a prática eleitoral é válida para diversas outras práticas e concepções da política democrática, como a cidadania, evidenciando a centralidade da pesquisa empírica em profundidade (sendo a etnografia uma delas) sobre as socialidades e moralidades cotidianas. Esse é um dos pontos fortes de pesquisas como as de Rosana Pinheiro-Machado e Lucia Scalco (2020PINHEIRO-MACHADO, R.; SCALCO, L. M. From hope to hate: the rise of conservative subjectivity in Brazil. HAU: journal of ethnographic theory, [s. l.], v. 10, n. 1, p. 21-31, 2020., 2021PINHEIRO-MACHADO, R.; SCALCO, L. M. Humanising fascists? Nuance as an anthropological responsibility. Social Anthropology, [s. l.], v. 29, n. 2, p. 329-336, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/1469-8676.13048 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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, 2022PINHEIRO-MACHADO, R.; SCALCO, L. M. The right to shine: poverty, consumption and (de) politicization in neoliberal Brazil. Journal of Consumer Culture, [s. l.], v. 0, n. 0, 2022. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1177/14695405221086066 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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), em que uma etnografia de longa duração permite acompanhar os impactos de mudanças político-econômicas na subjetividade e nas decisões políticas da juventude periférica brasileira a ponto de transitarem da esperança (e apoio aos governos do PT) ao ódio (com apoio ao governo Bolsonaro). O argumento das autoras (Pinheiro-Machado; Scalco, 2021PINHEIRO-MACHADO, R.; SCALCO, L. M. Humanising fascists? Nuance as an anthropological responsibility. Social Anthropology, [s. l.], v. 29, n. 2, p. 329-336, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/1469-8676.13048 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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) sobre a responsabilidade antropológica com a nuance (ou com a sutileza da complexidade da vida social) está alinhado com o que estamos afirmando aqui.

Compreender com sutileza a complexidade da vida social contemporânea em seu cotidiano democrático envolve novos e renovados desafios. Nos tópicos abaixo iremos abordar alguns deles, como o caráter alegadamente democratizante das novas mídias como forma de expressão e de auto-organização e a consequente digitalização da política, cujos impactos algorítmicos estão por serem melhor conhecidos. Associadas a isso, vemos a crescente disseminação de “fake news” e as dificuldades de comunicação e de produção de verdade política num contexto permeado por teorias de conspiração, que segmentam a população. Além disso, esse cenário parece alimentar(-se) (d)as transformações no entendimento do populismo como forma política, colocando em questão se essa forma vem necessariamente atrelada a um conteúdo (anti-)democrático. Por fim, a presença dos religiosos na política brasileira recente nos obriga a prestar mais atenção aos processos de formação de subjetividades ético-políticas da população, reconhecendo que a cidadania é um conjunto de práticas coletivas que formam subjetividades e se sustentam em comunidades morais.

Democracia e novas mídias

Poucos desenvolvimentos técnicos tiveram tanto impacto na democracia moderna quanto o advento das mídias digitais, especialmente na esteira da sua popularização com os smartphones a partir da segunda década do presente século. A sequência de manifestações de rua nos anos que se seguiram à Primavera Árabe na Tunísia em 2010 assumiu inicialmente uma feição contestadora numa direção mais progressista do espectro político, em movimentos como o 15M na Espanha e o Occupy nos EUA. Logo, porém, essa tendência foi revertida pela ascensão de movimentos conservadores de extrema direita nesses e em outros países. O caso das chamadas “jornadas de junho” de 2013 no Brasil é emblemático: inicialmente um movimento amplo com muitos slogans à esquerda, sua energia antissistema foi gradualmente canalizada para a chamada “nova direita”, cuja apoteose ocorreu em 2018 com a eleição de Jair Bolsonaro para presidente.

A literatura sobre as transformações recentes nas democracias é volumosa, e aponta tanto para particularidades do contexto sociopolítico de cada país quanto para padrões que são surpreendentemente gerais. Neste último caso, além das mutações do capitalismo neoliberal pós-2008, as novas mídias têm se destacado como foco analítico importante, ao oferecerem formas inéditas e transversais de mediação cibernética para os processos político-eleitorais. Estudos sobre essa convergência tecnopolítica costumam ancorar-se na teoria política e outros campos das ciências sociais, ficando o componente técnico em segundo plano (e.g. Empoli, 2019EMPOLI, G. da. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. Traduzido por Arnaldo Bloch. São Paulo: Vestígio, 2019.; Gerbaudo, 2018GERBAUDO, P. The digital party: political organisation and online democracy. London: Pluto Press, 2018.). A antropologia pode, por outro lado, não apenas oferecer um olhar que atravesse o divisor “social” versus “técnica”, mas lançar luz sobre a crescente confusão de fronteiras entre domínios estruturantes da política democrática como fato-ficção e público-privado (Chun, 2016CHUN, W. Updating to remain the same: habitual new media. Cambridge: MIT Press, 2016.), entre a política e outras esferas sociais e, como já mencionado, entre o cotidiano e o extraordinário.

Com a ascensão do modelo da internet plataformizada na última década e meia, tornaram-se mais comuns estudos sobre o uso de mídias sociais e aplicativos de mensagens na prática e no discurso políticos. Inicialmente concentradas no Occupy, Primavera Árabe e outros movimentos populares que se seguiram à crise de 2008 (Donovan, 2019DONOVAN, J. Toward a militant ethnography of infrastructure: cybercartographies of order, scale, and scope across the Occupy Movement. Journal of Contemporary Ethnography, [s. l.], v. 48, n. 4, p. 482-509, 2019.; Postill, 2014POSTILL, J. Democracy in an age of viral reality: a media epidemiography of Spain’s Indignados movement. Ethnography, [s. l.], v. 15, n. 1, p. 51-69, 2014. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1177/1466138113502513 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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), etnógrafas do digital logo se voltaram para a reanimação de nacionalismos “antiglobalistas” e para a ascensão da extrema direita por meio de diferentes plataformas na Europa (Maly, 2019MALY, I. New right metapolitics and the algorithmic activism of Schild & Vrienden. Social Media + Society, [s. l.], v. 5, n. 2, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1177/2056305119856700 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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), Ásia (Kudaibergenova, 2019KUDAIBERGENOVA, D. T. The body global and the body traditional: a digital ethnography of Instagram and nationalism in Kazakhstan and Russia. Central Asian Survey, [s. l.], v. 38, n. 3, p. 363-380, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1080/02634937.2019.1650718 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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), África (Lemke; Challa, 2016LEMKE, J.; CHALA, E. Tweeting democracy: an ethnographic content analysis of social media use in the differing politics of Senegal and Ethiopia’s newspapers. Journal of African Media Studies, [s. l.], v. 8, n. 2, p. 167-185, 1 June. 2016. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1386/jams.8.2.167_1 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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) e alhures. Vem crescendo, também, o interesse pelo modo como as novas mídias reconfiguram a política no campo progressista, em especial nos ativismos de base identitária como nos feminismos (Bjork-James, 2015BJORK-JAMES, S. Feminist ethnography in cyberspace: imagining families in the cloud. Sex Roles, [s. l.], v. 73, n. 3, p. 113-124, 2015. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1007/s11199-015-0507-8 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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), o movimento Black Lives Matter (Bonilla; Rosa, 2015BONILLA, Y.; ROSA, J. #Ferguson: digital protest, hashtag ethnography, and the racial politics of social media in the United States. American Ethnologist, [s. l.], v. 42, n. 1, p. 4-17, 2015. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/amet.12112 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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) e o fenômeno “woke” (Delfino, 2021DELFINO, J. White allies and the semiotics of wokeness: raciolinguistic chronotopes of white virtue on Facebook. Journal of Linguistic Anthropology, [s. l.], v. 31, n. 2, p. 238-257, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/jola.12310 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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).

Com a ascensão meteórica de Jair Bolsonaro ao poder, o caso brasileiro assumiu destaque em meio a esses processos globais. Recentemente, pesquisas etnográficas e reflexões antropológicas emergiram em torno do papel das novas mídias nas jornadas de junho de 2013, bem como no crescimento das várias vertentes da nova direita no país - conservadora, ultraliberal, militarista, cristã - em blogs e sites como Orkut e, com a popularização dos smartphones, em plataformas de mídia social (Facebook, Instagram), vídeo (YouTube) e aplicativos de mensagens (WhatsApp) (Cesarino, 2020CESARINO, L. Como vencer uma eleição sem sair de casa: a ascensão do populismo digital no Brasil. Internet & Sociedade, [s. l.], v. 1, n. 1, p. 91-120, 2020.; Junge et al., 2021JUNGE, B. et al. (ed.). Precarious democracy: ethnographies of hope, despair, and resistance in Brazil. New Brunswick: Rutgers University Press, 2021.; Leirner, 2022LEIRNER, P. O Brasil no espectro de uma guerra híbrida: militares, operações psicológicas e política em uma perspectiva etnográfica. 2. ed. São Paulo: Alameda Editorial, 2022.; Rocha, 2019ROCHA, C. “Imposto é roubo!” A formação de um contrapúblico ultraliberal e os protestos pró-impeachment de Dilma Rousseff. Dados, Rio de Janeiro, v. 62, n. 3, e20190076, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/001152582019189 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Nemer, 2022NEMER, D. Tecnologia do oprimido: desigualdade e o mundano digital nas favelas do Brasil. Vitória: Milfontes, 2022.). Podemos esperar, num futuro próximo, pesquisas sobre plataformas emergentes como TikTok e Telegram.

Em boa parte dessa literatura, contudo, a dimensão propriamente tecnopolítica das novas mídias tende a permanecer num segundo plano. Como resultado, poucas antropólogas têm assumido protagonismo teórico-analítico nos debates sobre esses temas em campos interdisciplinares como new media studies e humanidades digitais, bem como em seus desdobramentos aplicados, por exemplo, na área de regulação e governança da internet (De Lauri; Sandvik, 2021DE LAURI, A.; SANDVIK, K. Public anthropology in the digital era. In: CALLAN, H. (ed.). The international encyclopedia of anthropology. [S. l.]: Wiley, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1002/9781118924396.wbiea2505 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Postill, 2018POSTILL, J. Populism and social media: a global perspective. Media, Culture & Society, [s. l.], v. 40, n. 5, p. 754-765, 1 July 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1177/0163443718772186 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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). Menos ainda têm demonstrado ambição de integração teórica mais geral a partir do próprio campo antropológico. Essa timidez pode se dever a uma hipertrofia da etnografia como meio epistemológico primordial da disciplina, em contraposição ao imperativo integrativo que caracterizou a antropologia dos “quatro campos” em suas origens (Cesarino, 2021CESARINO, L. Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade. Civitas: revista de ciências sociais, Porto Alegre, ano 21, n. 2, p. 304-315, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.15448/1984-7289.2021.2.39872 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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).

Algumas exceções aparecem na antropologia linguística, como o trabalho de Jan Blommaert sobre comunicação política digital, infelizmente interrompido pelo seu desaparecimento precoce em 2021 (Blommaert, 2020BLOMMAERT, J. Political discourse in postdigital societies. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, n. 59, p. 390-403, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/01031813684701620200408 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Maly, 2019MALY, I. New right metapolitics and the algorithmic activism of Schild & Vrienden. Social Media + Society, [s. l.], v. 5, n. 2, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1177/2056305119856700 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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). Outras propostas para pensar a digitalização da política a partir do cânone da disciplina incluem a recuperação de etnografias e temas clássicos, como as teorias de multidão (crowd theory) (Hayden, 2021HAYDEN, C. From connection to contagion. Journal of the Royal Anthropological Institute, London, v. 27, n. S1, p. 95-107, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/1467-9655.13482 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Sundaram, 2020SUNDARAM, R. Hindu nationalism’s crisis machine. HAU: journal of ethnographic theory, [s. l.], v. 10, n. 3, p. 734-741, 2020.Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1086/712222 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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), drama social (Postill, 2012POSTILL, J. Digital politics and political engagement. In: HORST, H.; MILLER, D. (ed.). Digital anthropology. New York: Routledge, 2012. p. 165-184.), cismogênese, segmentaridade e noção de pessoa (Cesarino, 2019CESARINO, L. Identidade e representação no bolsonarismo. Corpo digital do rei, bivalência conservadorismo-neoliberalismo e pessoa fractal. Revista de Antropologia, São Paulo, ano 62, n. 3, p. 530-557, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.165232 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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), ou ritual, tabu e mito (Cesarino, 2020CESARINO, L. Como vencer uma eleição sem sair de casa: a ascensão do populismo digital no Brasil. Internet & Sociedade, [s. l.], v. 1, n. 1, p. 91-120, 2020., 2022CESARINO, L. O mundo do avesso: verdade e política na era digital. São Paulo: Ubu, 2022.; Loperfido, 2021LOPERFIDO, G. (ed.). Extremism, society, and the state: crisis, radicalization, and the conundrum of the center and the extremes. New York: Berghahn Books, 2021.; Luhrmann, 2016LUHRMANN, T. The paradox of Donald Trump’s appeal. SAPIENS, [s. l.], 29 July 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.sapiens.org/culture/mary-douglas-donald-trump/ . Acesso em: 10 dez. 2022.
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). Considerando que a teoria política de base liberal tem se mostrado insuficiente para abarcar as transformações tecnopolíticas recentes nas democracias contemporâneas, o potencial teórico-analítico - e não apenas etnográfico - da antropologia nessa frente é enorme, e ainda pouco aproveitado.

Já na frente etnográfica, excetuado o pioneirismo de pesquisas de campo online como a de Adriana Dias (2007)DIAS, A. Os anacronautas do teutonismo virtual: uma etnografia do neonazismo na internet. 2007. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2007.403920 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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sobre o neonazismo brasileiro, o interesse nas mediações digitais da política cresceu no Brasil nos últimos anos. Muitas antropólogas atuando no país, originalmente interessadas em outros temas, viram seu campo de pesquisa empírica ser repentinamente atravessado pela política: famílias, igrejas, escolas, comunidades, cultura e entretenimento. A popularização - o que algumas entendem como uma democratização - das novas mídias via smartphones e pacotes de dados baratos, ou mesmo gratuitos para alguns aplicativos, tem sido reconhecida como veículo importante para essa “politização” do cotidiano, especialmente no que tange à contaminação recíproca entre a política e outras esferas sociais (Junge, 2019JUNGE, B. ‘Our Brazil has become a mess’: nostalgic narratives of disorder and disinterest as a ‘once-rising poor’ family from Recife, Brazil, anticipates the 2018 elections. The Journal of Latin American and Caribbean Anthropology, [s. l.], v. 24, n. 4, p. 914-931, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/jlca.12443 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Spyer, 2018SPYER, J. Mídias sociais no Brasil emergente. São Paulo: Editora da PUCSP, 2018.). Como alguns dos artigos deste número temático também mostram, esse “colapso de contextos” (Costa, 2018COSTA, E. Affordances-in-practice: an ethnographic critique of social media logic and context collapse. New Media & Society, [s. l.], v. 20, n. 10, p. 3641-3656, 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1177/1461444818756290 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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) tem preponderado na relação da política com domínios outrora considerados de ordem privada, como religião, moralidades cotidianas, entretenimento, estilo de vida, etc. - introduzindo, possivelmente, afinidades eletivas com pautas da direita.

Por outro lado, há um interesse etnográfico renovado no papel das novas mídias em outras regiões do espectro político brasileiro, como o campo progressista e da esquerda. Boa parte dos estudos nessa linha no Brasil vem sendo desenvolvida em teses e dissertações recentes, ou em andamento.1 1 Para um levantamento, recomendamos a consulta às diferentes iterações de GTs de antropologia digital nas últimas RBA, reuniões da Associação Brasileira de Antropologia. Essa temática tem envolvido, principalmente, identidades e políticas de reconhecimento ligadas a feminismos, masculinidades e questões de gênero (Pelucio, 2020PELUCIO, L. Um match com os conservadorismos: masculinidades desafiadas nas relações heterossexuais por meios digitais. Educação, v. 8, n. 2, p. 31-46, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.17564/2316-3828.2020v8n2p31-46 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Yamamoto, 2021YAMAMOTO, D. Mobilizações feministas na internet e a formação de redes de solidariedade online. Ponto Urbe: revista do núcleo de antropologia urbana da USP, São Paulo, n. 29, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.4000/pontourbe.10997 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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), raça e racismo algorítmico (De Rocco, 2020DE ROCCO, A. T. Relações de representatividade e consumo, a mulher negra e os cabelos crespos no Youtube. Culturas Midiáticas, [s. l.], v. 13, n. 1, p. 150-168, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.22478/ufpb.1983-5930.2020v13n1.48315 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Silva, D., 2020SILVA, D. da C. P. Performances de gênero e raça no ativismo digital de Geledés: interseccionalidade, posicionamentos interacionais e reflexividade. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, [s. l.], v. 20, n. 3, p. 407-442, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/1984-6398202014801 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Silva, T., 2020SILVA, T. (org.). Comunidades, algoritmos e ativismos digitais: olhares afrodiaspóricos. São Paulo: LiteraRUA, 2020.), identidades e sexualidades não normativas (Barbosa; Silva, 2017BARBOSA, B.; SILVA, L. da. Transexualidade, violência e ciberespaço: um estudo etnográfico digital. Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, v. 7, n. 14, p. 419-435, 2017. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.5752/P.2236-0603.2017v7n14p419-435 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Mônaco; Klidzio, 2021MÔNACO, H.; KLIDZIO, D. O digital é político: ativismo bissexual e apropriações das mídias digitais. Revista Eletrônica Interações Sociais, Rio Grande, v. 5, n. 1, p. 153-168, 2021. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.furg.br/reis/article/view/13089 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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), e também ativismos em campos como saúde e deficiências (Moreira, 2022MOREIRA, M. C. Configurações do ativismo da parentalidade atípica na deficiência e cronicidade. Ciência & Saúde Coletiva, [s. l.], v. 27, n. 10, p. 3939-3948, 2022. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-812320222710.07572022 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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).

Há, ainda, uma frente importante de etnografias acerca da influência de processos de digitalização sobre áreas adjacentes a processos políticos, mas que, em determinados contextos como o eleitoral, podem se misturar e se sobrepor. É o caso de entregadores de aplicativos, webcamming e outras formas emergentes de trabalho digital (Caminhas, 2021CAMINHAS, L. R. Webcamming erótico comercial: nova face dos mercados do sexo nacionais. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 64, n. 1, e184482, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.11606/1678-9857.ra.2021.184482 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Grohmann et al., 2022GROHMANN, R. et al. Platform scams: Brazilian workers’ experiences of dishonest and uncertain algorithmic management. New Media & Society, [s. l.], v. 24, n. 7, p. 1611-1631, 2022. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1177/14614448221099225 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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), segurança pública, sistema de justiça e novas formas de vigilância (Bruno et al., 2019BRUNO, F. et al. Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. São Paulo: Boitempo, 2019.), educação, mídia e esfera pública (da Hora, 2020DA HORA, L. Mudança estrutural da esfera privada? Big data e os desafios à antropologia política da modernidade. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v. 32, n. 57, p. 806-826, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.7213/1980-5934.32.057.AO03 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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), religião e espiritualidades (Bispo, 2018BISPO, R. Na corrente midiática da fé: comunicação de massa e dinâmicas contemporâneas do testemunho evangélico. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 24, n. 52, p. 249-277, set./dez. 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-71832018000300010 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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) e, especialmente com a eclosão da pandemia da Covid-19 em 2020, saúde e bem-estar (Segata et al., 2021SEGATA, J. et al. A Covid-19 e suas múltiplas pandemias. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 27, n. 59, p. 7-25, jan./abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-71832021000100001 . Acesso em: 26 nov. 2022.
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).

Finalmente, a maneira pela qual as novas mídias vêm influenciando os modos de produção de verdades públicas, com consequências diretas sobre a democracia de base liberal, tem merecido atenção crescente de antropólogas e etnógrafas, no Brasil e alhures. Temas ligados à desinformação como conspiracionismos e negacionismos científicos e historiográficos ganharam ainda mais proeminência com a pandemia da Covid-19, quando proliferaram em ambientes online teorias da conspiração como o QAnon nos EUA (Forberg, 2022FORBERG, P. From the fringe to the fore: an algorithmic ethnography of the far-right conspiracy theory group QAnon. Journal of Contemporary Ethnography, [s. l.], v. 51, n. 3, p. 291-317, 2022. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1177/08912416211040560 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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) e movimentos de ciências alternativas como tratamento precoce e movimentos antivacina no Brasil (Cesarino, 2022CESARINO, L. O mundo do avesso: verdade e política na era digital. São Paulo: Ubu, 2022.; Petrarca; Oliveira, 2021PETRARCA, F.; OLIVEIRA, W. de. Jalecos brancos e o ‘dragão covidiano’: as alianças em torno do tratamento precoce. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 57, n. 3, p. 324-336, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.4013/csu.2021.57.3.06 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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). Ao que tudo indica, esses e outros públicos ligados à desinformação estão se sedimentando enquanto camadas permanentes da esfera pública nas democracias contemporâneas, demandando portanto cada vez mais atenção etnográfica e teórico-analítica.

Populismo e democracia

Repetidas vezes, o populismo foi pronunciado morto e enterrado. Recentemente, comentadoras decretaram o seu iminente (e desejado) fim durante a pandemia de Covid-19. Porém, se agora nos aproximamos do fim da pandemia, não parece que estejamos experimentando a ruína do populismo. Pelo contrário, ele tornou-se um termo da moda na segunda década do século XXI. Conceito em movimento, se não em permanente transformação, o populismo vem sendo esticado para dar conta de muitas lideranças e movimentos: do candidato presidencial de esquerda na França Jean-Luc Mélenchon ao presidente autoritário da Turquia Recep Tayyip Erdogan, passando pelo salvadorenho autoproclamado “ditador mais legal do mundo” Nayib Bukele e o capitão reformado do exército brasileiro, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Aplicado por todo o espectro ideológico e retrospectivamente ao longo da história, ele corre o risco de se referir a tudo e a nada. E estudiosas têm questionado a própria utilidade do conceito, encorajando as pesquisadoras a voltarem suas análises para conceitos “êmicos” capazes de capturar melhor as especificidades de contextos particulares (e.g. Collier, 2001COLLIER, R. B. Populism. International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences, [s. l.], n. 1, p. 11813-11816, 2001.; Gomes, 2014GOMES, Â. de C. O Estado Novo e o debate sobre o populismo no Brasil. Sinais Sociais, Rio de Janeiro, v. 9, n. 25, p. 9-37, 2014.). Ainda que a utilidade do conceito seja continuamente questionada, sua presença permanece nos discursos público e acadêmico.

Mais importante para a nossa discussão é a relação entre esse conceito escorregadio e a democracia. O populismo é uma ameaça às democracias modernas ou liberais, como muitos especialistas defendem (e.g. Finchelstein, 2014FINCHELSTEIN, F. Returning populism to history. Constellations, [s. l.], v. 21, n. 4, p. 465-482, 2014.; Müller, 2016MÜLLER, J.-W. What is populism? London: Penguin Random House, 2016.; Rosanvallon, 2008ROSANVALLON, P. Counter-democracy: politics in an age of distrust. Translated by Arthur Goldhammer. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.; Urbinati, 2014URBINATI, N. Democracy disfigured: opinion, truth and the people. Cambridge: Harvard University Press, 2014.), ou é inerente à democracia e talvez até expressão do tipo ideal do próprio político (Laclau, 2005LACLAU, E. On populist reason. London: Verso, 2005., p. 225)? Aquelas que consideram o populismo como um perigo para a democracia geralmente o entendem como uma articulação política intrinsecamente antipluralista, que ameaça impor às minorias um governo de maioria, desrespeitando portanto as salvaguardas liberais. Apresentando-se como democratas, atores políticos populistas, uma vez no poder, desencadeiam processos de erosão democrática. Minar a democracia por dentro inclui atacar e deslegitimar a imprensa independente e os demais poderes, tais como autoridades legislativas e judiciárias, ou nomear aliados para cargos-chave da burocracia estatal. Quaisquer que sejam os métodos aplicados, o perigo de tal processo é o enfraquecimento gradual das instituições democráticas e, no limite, a morte da democracia (Levitsky; Ziblatt, 2018LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. How democracies die. New York: Crown, 2018.).

Naturalmente, quando populismo e pluralismo são descritos como incompatíveis por definição, qualquer abordagem para o primeiro implica reconhecer que ele é prejudicial à democracia liberal. Contra esse ponto de vista, muitas estudiosas têm argumentado que populismo e democracia podem funcionar melhor em conjunto do que isoladamente (Arditi, 2004ARDITI, B. Populism as a spectre of democracy: a response to Canovan. Political Studies, [s. l.], n. 52, p. 135-143, 2004.; Canovan, 1999CANOVAN, M. Trust the people! Populism and the two faces of democracy. Political Studies, [s. l.], v. 47, n. 1, p. 2-16, 1999.; Rovira Kaltwasser et al., 2017ROVIRA KALTWASSER, C. et al. Populism: an overview of the concept and the state of the art. In: ROVIRA KALTWASSER, C. et al. (ed.). The Oxford handbook of populism. Oxford: Oxford University Press, 2017. p. 1-24.). Baseado na discussão de Paulina Ochoa Espejo (2015)OCHOA ESPEJO, P. Power to whom? ‘The People’ between procedure and populism. In: LA TORRE, C. de. (ed.). The promise and perils of populism: global perspectives. Lexington: University of Kentucky Press, 2015. p. 59-90. sobre o enquadramento acrítico da democracia e do populismo como fenômenos discretos, Benjamin Moffitt (2016MOFFITT, B. The global rise of populism: performance, political style, and representation. Stanford: Stanford University Press, 2016., p. 145) argumenta que o populismo tem fortes tendências democráticas e antidemocráticas que podem se manifestar simultaneamente e que é impossível, em última análise, predeterminar o quão democrático um projeto político populista pode vir a ser (Moffitt, 2016MOFFITT, B. The global rise of populism: performance, political style, and representation. Stanford: Stanford University Press, 2016., p. 149). Em outras palavras, “o populismo nos diz muito pouco sobre o ‘conteúdo’ democrático de qualquer projeto político” (Moffitt, 2016MOFFITT, B. The global rise of populism: performance, political style, and representation. Stanford: Stanford University Press, 2016., p. 133, tradução nossa). Adotando uma definição minimalista de populismo que entende o fenômeno como uma lógica discursiva e performativa de articulação política, centrada na fronteira antagonística entre “o povo” de um lado e “as elites”, “o sistema”, ou “o establishment” de outro, estas estudiosas argumentam que “uma política populista nunca se esgota em sua dimensão populista” (de Cleen; Stavrakakis, 2019DE CLEEN, B.; STAVRAKAKIS, Y. How should we analyse the connections between populism and nationalism: a response to Rogers Brubaker. Nations and Nationalism, [s. l.], n. 26, p. 314-322, 2019., p. 318, tradução nossa). Nossa atenção então se volta para a articulação entre populismo e outras dimensões dessa política (socialista, autoritária, nacionalista, etc.), sem impor pressupostos teóricos sobre estudos de casos distintos e específicos ao contexto (Hatzikidi, 2023HATZIKIDI, K. Populisms in power: plural and ambiguous. In: PEREIRA, A. (ed.). Right-wing populism in Latin America and beyond. London: Routledge, 2023. p. 50-68.).

Além disso, é importante reconhecer que o populismo é um fenômeno gradativo, não estando simplesmente presente ou ausente. Embora ele possa fornecer um mecanismo discursivo e performativo de articulação política, não é aí que devemos procurar os impulsos ideológicos que informam programas, políticas, e ações específicas. Estes são geralmente guiados por ideias e projetos políticos que precedem sua articulação discursiva populista. Embora, por exemplo, o militarismo e as inclinações autoritárias de Bolsonaro sejam de longa data, a sua política populista é possivelmente circunstancial e oportunista (Ichimaru; Cardoso, 2020ICHIMARU, M.; CARDOSO, S. O bolsonarismo e o populismo: Bolsonaro populista? Revista Rosa, [s. l.], n. 2, nov. 2020. Disponível em: Disponível em: https://revistarosa.com/2/o-populismo-e-o-bolsonarismo . Acesso em: 10 dez. 2022.
https://revistarosa.com/2/o-populismo-e-...
; Nobre, 2020NOBRE, M. Ponto-final: a guerra de Bolsonaro contra a democracia. São Paulo: Todavia, 2020.). Se um estilo populista performativo e discursivo oferece uma forma apelativa de articulação política através dos usos inovadores das tecnologias digitais, antigos componentes ideológicos centrais com raízes profundas na tradição autoritária do Brasil (Schwarcz, 2021SCHWARCZ, L. M. The past of the present. In: HATZIKIDI, K.; DULLO, E. (ed.). A horizon of (im)possibilities: a chronicle of Brazil’s conservative turn. London: University of London Press, 2021. p. 37-55.) e o militarismo são os principais inquilinos do populismo de Bolsonaro, ao qual ele recorre repetidamente numa tentativa para reforçar sua própria compreensão de democracia e de governo popular.

Essas considerações são particularmente pertinentes para teorizar a relação entre democracia e populismo na antropologia. Até agora, as etnografias raramente colocaram esse tema no centro das suas análises, algo que certamente forneceria uma visão necessária sobre como o populismo se manifesta em diferentes conjunturas históricas pelo mundo. Contra abordagens rígidas do conceito, antropólogas encontram-se melhor posicionadas do que outras para oferecerem descrições densas e nuançadas a partir “de baixo”, lançando luz sobre a diversidade do fenômeno. Construindo o populismo como uma “concha vazia, que pode ser preenchida pelos conteúdos políticos mais díspares” (Traverso, 2019TRAVERSO, E. The new faces of fascism: populism and the far-right. London: Verso, 2019., p. 16, tradução nossa), antropólogas podem voltar sua atenção para o modo como um determinado projeto populista se manifesta - quais seus componentes político-ideológicos específicos, como a população interage com ele e lhe dá forma - a fim de descrever um fenômeno complexo pelo que ele é, e não pelo que se supõe que seja.

Antropologia, democracia e teorias de conspiração

Embora não seja nova, a relação entre democracia e teorias de conspiração tem sido cada vez mais problematizada nos últimos anos. A disseminação fácil e quase imediata de “fake news” na internet facilitou tanto a quantidade como a rapidez com que tais conteúdos chegam às pessoas em todo o mundo, colocando questões importantes sobre seus efeitos sobre o modo como os cidadãos se relacionam com as instituições democráticas e percebem a própria realidade. Na eleição de Rodrigo Duterte nas Filipinas em maio e no referendo Brexit em junho de 2016, o uso generalizado de campanhas de desinformação, incluindo rumores e teorias conspiratórias, teve impacto considerável no voto popular. Mais tarde no mesmo ano, a eleição de Donald Trump nos EUA marcou o início de uma era em que conteúdo circulado de forma não regulada nas redes sociais passou a influenciar cada vez mais a política em todo o mundo.

De fato, a associação de circulação de teorias conspiratórias por parte de autoridades eleitas com países onde as democracias não estavam “consolidadas” e onde as instituições eram “fracas” (Radnitz, 2018RADNITZ, S. Why the powerful (in weak states) prefer conspiracy theories. In: USCINSKI, J. E. (ed.). Conspiracy theories and the people who believe in them. Oxford: Oxford University Press, 2018., p. 347) desmoronou após 2016. Cada vez mais, “democracias sólidas” no mundo ocidental assistem a uma explosão de conspiracionismo não só entre grupos sociais “marginais”, mas também no discurso político oficial. Embora algumas comentadoras ainda expliquem as teorias de conspiração como uma escolha estratégica de políticos excluídos dos centros de poder (Atkinson; DeWitt, 2018ATKINSON, M.; DEWITT, D. The politics of disruption: social choice theory and conspiracy theory politics. In: USCINSKI, J. E. (ed.). Conspiracy theories and the people who believe in them. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 122-134., p. 123-124), a frequência com que autoridades eleitas e mesmo chefes de Estado pelo mundo vêm promovendo tais narrativas evidencia que a posse do poder (ou não) não é uma forma segura de prever se as teorias de conspiração serão ou não utilizadas por políticos.

Há, no entanto, um consenso cada vez maior de que as teorias de conspiração não são apenas uma ameaça potencial à democracia. Elas são, antes de tudo, uma “prática política” (Fenster, 2008FENSTER, M. Conspiracy theories: secrecy and power in American culture. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2008., p. 83, tradução nossa) inserida numa abordagem da política que busca se legitimar revelando o “que realmente está acontecendo”. Em sua discussão sobre teorias de conspiração na América Latina e no Caribe, Luis Roniger e Leonardo Senkman (2019RONIGER, L.; SENKMAN, L. América Latina tras bambalinas: teorías conspirativas, usos y abusos. Pittsburgh: Latin American Research Commons, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.25154/book2 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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, p. 4, tradução nossa) as conceituam tanto como uma “lógica interpretativa da realidade” quanto como “uma teoria do poder que percebe o mundo como objeto de maquinações sinistras”. De fato, as teorias de conspiração oferecem às pessoas uma leitura cognitiva e explicativa da realidade, baseada na lógica. Essa perspectiva tem deslocado a velha abordagem patologizante (Hofstadter, 2008HOFSTADTER, R. The paranoid style in American politics and other essays. New York: Vintage Books, 2008.) que estigmatiza aqueles que as abraçam. A perda ou falta de protagonismo social, a noção de marginalidade geopolítica e desconfiança institucional têm sido apontadas como fatores básicos para explicar uma certa propensão a acreditar em teorias de conspiração, tanto a nível individual como coletivo. Para Roniger e Senkman (2019RONIGER, L.; SENKMAN, L. América Latina tras bambalinas: teorías conspirativas, usos y abusos. Pittsburgh: Latin American Research Commons, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.25154/book2 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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, p. 249, tradução nossa), por exemplo, o fato de as teorias de conspiração terem “impactado de forma profunda” o modo como o mundo é interpretado na América Latina tem a ver com a posição percebida pelos países na periferia e semiperiferia do mundo e, portanto, fora dos centros de tomada de decisão.

Isso não quer dizer, entretanto, que, quando as teorias da conspiração chegam ao mainstream político, seja devido ao fato de que “eleitores com mentalidade conspiratória” (Moore, 2018MOORE, A. On the democratic problem of conspiracy politics. In: USCINSKI, J. E. (ed.). Conspiracy theories and the people who believe in them . Oxford: Oxford University Press , 2018., p. 111, tradução nossa) estejam representados. Tampouco significa que a desconfiança institucional deriva necessariamente de uma real falta de transparência em países com “instituições fracas” (Radnitz, 2018RADNITZ, S. Why the powerful (in weak states) prefer conspiracy theories. In: USCINSKI, J. E. (ed.). Conspiracy theories and the people who believe in them. Oxford: Oxford University Press, 2018., p. 356, tradução nossa). Muito pelo contrário, entender as teorias da conspiração como uma prática política estratégica é reconhecer que elas podem surgir nos mais diversos momentos históricos e contextos sociopolíticos, quando as conjunturas permitem a criação de ressonância entre tais discursos e as realidades vividas. As narrativas de crise são ativamente formadas por empreendedores da conspiração para que façam e deem sentido a momentos críticos. Longe de serem neutras, como sublinhou Quassim Cassam (2019CASSAM, Q. Conspiracy theories. Cambridge: Polity Press, 2019., p. 7, tradução nossa), “teorias da conspiração são estratégias políticas cuja verdadeira função é promover uma agenda política”, sendo seu conteúdo “atrativo para alguns porque se encaixam nos seus compromissos ideológicos ou políticos mais amplos” (Cassam, 2019CASSAM, Q. Conspiracy theories. Cambridge: Polity Press, 2019., p. 48, tradução nossa, grifo do autor).

Como práticas políticas estratégicas, as teorias de conspiração são frequentemente utilizadas por quem está no poder para desviar a atenção de outras questões (Butter; Knight, 2020BUTTER, M.; KNIGHT, P. General introduction. In: BUTTER, M.; KNIGHT, P. (ed.). Routledge handbook of conspiracy theories. London: Routledge, 2020. p. 1-18., p. 7) e para se proteger de críticas (Hernáiz 2008HERNÁIZ, H. A. P. The uses of conspiracy theories for the construction of a political religion in Venezuela. International Journal of Humanities and Social Sciences, [s. l.], v. 2, n. 8, p. 970-981, 2008., p. 973). Tendo o maniqueísmo como seu “principal pilar” (Cubitt, 1989CUBITT, G. Conspiracy myths and conspiracy theories. Journal of the Anthropological Society of Oxford, Oxford, v. 20, n. 1, p. 12-26, 1989., p. 18, tradução nossa), as teorias da conspiração constroem o mundo em termos de oposições binárias morais absolutas, especialmente entre bem e mal (Barkun, 2013BARKUN, M. A culture of conspiracy: apocalyptic visions in contemporary America. Berkeley: University of California Press, 2013.). No entanto, quando tais discursos passam a dar o tom da política oficial, realidades sociais complexas correm o risco de serem banalizadas e reduzidas a uma oposição entre “nós” e “eles”. Essa polarização moral e existencial pode ter efeitos prejudiciais para as democracias. Hernáiz (2008HERNÁIZ, H. A. P. The uses of conspiracy theories for the construction of a political religion in Venezuela. International Journal of Humanities and Social Sciences, [s. l.], v. 2, n. 8, p. 970-981, 2008., p. 977), por exemplo, mostra como a oposição eleitoral entre Hugo Chávez e seus adversários na Venezuela acabou sendo reduzida a uma batalha não entre candidatos, mas entre o futuro do país e as forças do mal que tentam destruí-lo, a saber, o imperialismo, o neoliberalismo e a globalização.

Estudiosas têm, por sua vez, notado a natureza cada vez menos complexa ou elaborada dos conteúdos conspiratórios que circulam on- e off-line. Entre os muitos termos utilizados, esse conspiracionismo sem teoria tem sido descrito como “rumores de conspiração” (Butter, 2020BUTTER, M. The nature of conspiracy theories. Trans. Sharon Howe. Cambridge: Polity Press, 2020., p. 137), “meias-verdades” (half-truths) (Gess, 2022GESS, N. Half-truths: on an instrument of post-truth politics (and conspiracy narratives). In: CARVER, B.; CRACIUM, D.; HRISTOV, T. (ed.). Plots: literary form and conspiracy culture. London: Routledge, 2022. p. 164-178.) e “novo conspiracionismo” (Muirhead; Rosenblum, 2019MUIRHEAD, R.; ROSENBLUM, N. A lot of people are saying: the new conspiracism and the assault on democracy. Princeton: Princeton University Press, 2019.). Todas enfatizam o uso instrumental de tais alegações e a conveniência de “dispensar o ônus da explicação” (Muirhead; Rosenblum, 2019MUIRHEAD, R.; ROSENBLUM, N. A lot of people are saying: the new conspiracism and the assault on democracy. Princeton: Princeton University Press, 2019., p. 3, tradução nossa), uma vez que seu objetivo é semear a dúvida e a desconfiança e não necessariamente promover uma versão específica de uma determinada narrativa. Nesse sentido, a repetição torna-se muito mais importante que detalhes ou provas para fazer passar a mensagem e ganhar credibilidade. Conspirações sem teoria não são menos prejudiciais, pois, uma vez feitas, “as acusações sobrevivem à contestação por fontes confiáveis” (Muirhead; Rosenblum, 2019MUIRHEAD, R.; ROSENBLUM, N. A lot of people are saying: the new conspiracism and the assault on democracy. Princeton: Princeton University Press, 2019., p. 14, tradução nossa), semeando desconfiança e, finalmente, através da repetição, deslegitimando as instituições e os processos democráticos, tais como os resultados eleitorais.

Enquanto sociólogas, cientistas políticas, historiadoras e acadêmicas de estudos culturais há muito advertem para, e talvez até exagerem, os efeitos potencialmente prejudiciais das teorias da conspiração para as democracias modernas, as antropólogas têm adotado uma abordagem diferente. O estudo das teorias da conspiração na antropologia, assim como o do populismo, tem sido bastante limitado até agora. O tema geralmente aparece tangencialmente nas etnografias, e raramente se torna o foco principal. Onde isso ocorreu, as antropólogas tenderam a vê-las como uma espécie de “conversa subalterna” (Spivak, 1988SPIVAK, G. C. Can the subaltern speak? In: NELSON, C.; GROSSBERG, L. (ed.). Marxism and the interpretation of culture. Urbana: University of Illinois Press, 1988. p. 271-313.): o conspiracionismo foi entendido sobretudo como “uma estrutura particular de sentimento […] que gera, assim como registra, as contradições das transformações sociais contemporâneas” (Harding; Stewart, 2021HARDING, S.; STEWART, K. Ansiedades de influência: teoria da conspiração e cultura terapêutica na América do milênio. Trad. Bruno Reinhardt. Ilha: revista de antropologia, Florianópolis, v. 23, n. 3, p. 214-239, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-8034.2021.e80899 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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, p. 235). Através da articulação de teorias da conspiração, as pessoas às margens dos poderes nacionais e globais podiam “expressar imaginários sociais e ansiedades políticas que permanecem indizíveis ou inaudíveis” (Fassin, 2011FASSIN, D. The politics of conspiracy theories: on AIDS in South Africa and a few other global plots. Brown Journal of World Affairs, v. 7, n. 2, p. 39-50, 2011., p. 41, tradução nossa).

Em termos dos usos políticos do conspiracionismo e suas relações com a cidadania, as etnografias têm enfatizado a “busca de transparência” (Comaroff; Comaroff, 2003COMAROFF, J.; COMAROFF, J. Transparent fictions; or, the conspiracies of a liberal imagination: an afterword. In: WEST, H.; SANDERS, T. (ed.). Transparency and conspiracy: ethnographies of suspicion in the new world order. Durham: Duke University Press, 2003. p. 287-299., p. 291, tradução nossa), numa longa genealogia que remonta à polis grega, bem como sua capacidade de explicar e compreender “em termos íntimos”, ou seja, de “acomodar o desconhecido através da recombinação de fragmentos do familiar” (Brown; Theodossopoulos, 2000BROWN, K.; THEODOSSOPOULOS, D. The performance of anxiety. Greek narratives of war in Kosovo. Anthropology Today, [s. l.], v. 16, n. 1, p. 3-8, 2000., p. 3-4, tradução nossa). Por outro lado, explorando o modo como tais narrativas são percebidas e gerenciadas pelos poderes estatais, Nayanika Mathur (2015MATHUR, N. ‘It’s a conspiracy theory and climate change’. Of beastly encounters and cervine disappearances in Himalayan India. HAU: journal of ethnographic theory, [s. l.], v. 5, n. 1, p. 87-111, 2015., p. 104, tradução nossa) aponta “o ato de etiquetar e designar narrativas como ‘teorias da conspiração’” como uma tática-chave do poder. Na sua etnografia sobre a burocracia estatal na Índia himalaia, Mathur salienta a capacidade do Estado de desacreditar e silenciar narrativas denunciando-as como “irracionais e idiotas” (Mathur, 2015MATHUR, N. ‘It’s a conspiracy theory and climate change’. Of beastly encounters and cervine disappearances in Himalayan India. HAU: journal of ethnographic theory, [s. l.], v. 5, n. 1, p. 87-111, 2015., p. 89, tradução nossa) e, finalmente, apagar as especificidades locais através da imposição de um discurso hegemônico “racional”. Apesar de sua relevância para despatologizar o conspiracionismo e lançar luz sobre as complexas realidades que podem levar à adoção de tal retórica, as etnografias mencionadas partem da premissa de que as narrativas conspiratórias circulam entre os subalternos como um mecanismo alternativo de fazer sentido e expressar ansiedades, e não consideram sua adoção pelo discurso estatal e por políticos eleitos.

Já as etnografias mais recentes começam a mudar esse padrão. Em seu estudo sobre nacionalistas de extrema direita na Turquia contemporânea, embora em linha com a abordagem acima mencionada que vê as teorias de conspiração “como instâncias de agência e subjetividade política”, Erol Saglam (2020SAGLAM, E. What to do with conspiracy theories? Insights from contemporary Turkey. Anthropology Today, v. 36, n. 5, p. 18-21, 2020., p. 20, tradução nossa) observa que estas não se desviam necessariamente do discurso oficial do Estado. Permitindo, assim, que seus interlocutores se alinhem “com o Estado/poder em vez de produzirem um antagonismo” (Saglam, 2020SAGLAM, E. What to do with conspiracy theories? Insights from contemporary Turkey. Anthropology Today, v. 36, n. 5, p. 18-21, 2020., p. 20, tradução nossa). Mais etnografias dando atenção à relação entre as democracias contemporâneas e as teorias de conspiração certamente ajudarão a elucidar suas múltiplas conexões e a analisar o que pode estar em jogo e de que maneira, nos diferentes contextos políticos, culturais e históricos estudados.

Cidadania e comunidades morais

Um dos possíveis exemplos de teoria de conspiração que temos vivenciado na democracia brasileira recente é o das tentativas de corromper e doutrinar as crianças, inclusive por meio do aparato estatal escolar. Desde o famigerado “kit gay”, passando pelas discussões de “ideologia de gênero” e Escola sem Partido, o que temos visto é a criação e circulação de uma narrativa de crise e pânico moral (Miguel, 2021MIGUEL, L. F. O mito da “ideologia de gênero” no discurso da extrema direita brasileira. Cadernos Pagu, Campinas, n. 62, e216216, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/18094449202100620016 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Potechi, neste volume). Porém, a atuação dessa ala conservadora passa muitas vezes pela defesa de determinados valores morais específicos, visíveis sobretudo na tomada de posição pública de diversas igrejas cristãs (tanto católica quanto evangélicas), como mostra Sá Leitão (neste volume). No discurso público, há centralidade para a defesa da “família” e da “religião” (Duarte, 2017DUARTE, L. F. D. Valores cívicos e morais em jogo na Câmara dos Deputados: a votação sobre o pedido de impeachment da Presidente da República. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 37, n. 1, p. 145-166, 2017. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/0100-85872017v37n1cap08 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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; Lacerda, 2019LACERDA, M. B. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Zouk, 2019.; Nagamine; Silva; Sales, neste volume). Assim, neste último tópico, iremos nos deter no impacto que a promoção de determinadas posições morais tem gerado no debate público. Para isso, adotamos a presença religiosa como chave de acesso por excelência nesse processo, não por serem as únicas a assumirem posições morais ou promoverem subjetividades específicas, mas porque o fazem explicitamente e com ostensiva visibilidade. Nosso objetivo, com isso, é reforçar algo que foi dito inúmeras vezes acima: analisar antropologicamente a democracia envolve pesquisar as maneiras pelas quais ela é concebida e vivida no cotidiano a partir de posições morais que sustentam práticas coletivas.

Um dos primeiros passos para esse objetivo está em reconhecer que, do ponto de vista dos agentes, há um colapso (ou indiferenciação) entre esferas de valor distintas. Para boa parte das pessoas com quem pesquisamos, deixou de fazer sentido afirmar uma descontinuidade entre a economia e a religião, ou entre qualquer uma delas e a política. Esse não é um fenômeno restrito ao cenário brasileiro, mas presente em distintos contextos nacionais. Um exemplo é o trabalho de Andrea Muehlebach (2012)MUEHLEBACH, A. The moral neoliberal: welfare and citizenship in Italy. Chicago: The University of Chicago Press, 2012. a partir da Itália, no qual a autora observa como se entrelaçam as virtudes católicas da compaixão com o auxílio aos necessitados por meio do trabalho voluntário, visto agora como uma “cidadania ética”. Frente ao desmanche do sistema de bem-estar social, em que além da precariedade material se encontra a formulação de uma pobreza relacional e de abandono, há um afastamento de questões “sociais” (político-econômicas) e um acercamento a questões morais, emocionais e de intimidade - em suma, para a necessidade de prover cuidado [care]. Muehlebach argumenta que essa é uma mudança na qual a noção de família como protagonista aparece com centralidade, articulando o ideário familista católico italiano com a formulação de uma “moral neoliberal” que passa a substituir o sistema estatal de bem-estar social. Tal como outras composições neoliberais, esta é vista como despolitizante, na qual o cidadão é aquele que toma para si a ação pública, mas uma ação que advém das virtudes do coração de pessoas boas para pessoas que estão necessitando de cuidados afetivos e relacionais. Portanto, seria equivocado atribuir a esse cenário uma prioridade à religião (católica) ou à economia (neoliberal) na formulação da cidadania, pois o que está em jogo é o colapso dessas esferas, articuladas por posições morais que se relacionam (seja por sobreposição, por complementaridade, ou por outra maneira).

Na Guatemala também tem sido observado o crescimento da tendência global de um cristianismo evangélico e pentecostal no qual não há um afastamento do mundo da política; como afirma O’Neill (2009O’NEILL, K. But our citizenship is in heaven: a proposal for the future study of Christian citizenship in the global south. Citizenship Studies, [s. l.], v. 13, n. 4, p. 333-348, 2009., p. 334, tradução nossa), “cristianismo e democracia continuam enredados no nível da cidadania, formando novas relações sociais, modos de participação política e noções sociais de Pessoa”. Em vez de pensar em pontes que conectam a religião com a política, O’Neill argumenta que as ações religiosas são ações políticas e que fazem com que esses sujeitos se reconheçam como cidadãos ativos. As práticas cristãs da oração, do jejum e do exame de consciência são maneiras de fortalecer moralmente a nação, uma alma por vez. Se orar é agir politicamente, é também uma tecnologia de si capaz de purificar e permitir uma condução ética da vida. Essas tecnologias de autocompreensão e autocontrole introduzidas pelo cristianismo “conectam a moralidade à cidadania” (O’Neill, 2009O’NEILL, K. But our citizenship is in heaven: a proposal for the future study of Christian citizenship in the global south. Citizenship Studies, [s. l.], v. 13, n. 4, p. 333-348, 2009., p. 342, tradução nossa). Entretanto, como o trabalho de Cleonardo Mauricio Jr. (2019)MAURICIO JR., C. ‘Acordamos, somos cidadãos’: os evangélicos e a constituição ética de si na relação com o político. Revista Anthropológicas, Recife, v. 30, n. 1, p. 99-135, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.51359/2525-5223.2019.241380 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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vem demonstrando, nem sempre esse enredamento fica restrito às práticas cristãs e à purificação moral do sujeito, que passa a reivindicar uma participação política em seus próprios termos, fazendo uso de seus valores morais como pressupostos válidos de sua condição de cidadão. Como afirma Maurício Jr. (2019MAURICIO JR., C. ‘Acordamos, somos cidadãos’: os evangélicos e a constituição ética de si na relação com o político. Revista Anthropológicas, Recife, v. 30, n. 1, p. 99-135, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.51359/2525-5223.2019.241380 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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, p. 101), nas relações que estabelecem na igreja, os evangélicos entendem que têm o “dever de se posicionar politicamente, de barrar o avanço de grupos considerados ameaças ao equilíbrio moral da sociedade” de maneira que “passaram a encarar novas demandas éticas informando sua constituição enquanto sujeito moral ideal”.

Se no caso do cristianismo católico ou evangélico a presença de valores é mais explicitada e pesquisada, no caso de religiões de matriz africana isso ainda é um tema a ser ampliado. Certamente há importantes trabalhos que abordam as ações políticas, sobretudo no combate à intolerância e racismo, mas poucos são os que observam como valores morais e religiosos podem ser pensados em relação com princípios e práticas democráticas, como faz Hartikainen (2018)HARTIKAINEN, E. I. A politics of respect: reconfiguring democracy in Afro-Brazilian religious activism in Salvador, Brazil. American Ethnologist, [s. l.], v. 45, n. 1, p. 87-99, 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/amet.12601 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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. A partir de seu trabalho de campo em Salvador, Hartikainen (2018HARTIKAINEN, E. I. A politics of respect: reconfiguring democracy in Afro-Brazilian religious activism in Salvador, Brazil. American Ethnologist, [s. l.], v. 45, n. 1, p. 87-99, 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/amet.12601 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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, p. 87) reflete como a categoria “respeito” utilizada por pessoas de religiões afro-brasileiras no contexto de eventos como a Caminhada Nacional pela Vida e Liberdade Religiosa permite entrever como se “envolvem na política democrática a partir de um lugar religioso”. Diferentemente da formulação de Mauricio Jr. (2019)MAURICIO JR., C. ‘Acordamos, somos cidadãos’: os evangélicos e a constituição ética de si na relação com o político. Revista Anthropológicas, Recife, v. 30, n. 1, p. 99-135, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.51359/2525-5223.2019.241380 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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, Hartikainen (2018HARTIKAINEN, E. I. A politics of respect: reconfiguring democracy in Afro-Brazilian religious activism in Salvador, Brazil. American Ethnologist, [s. l.], v. 45, n. 1, p. 87-99, 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/amet.12601 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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, p. 88, tradução nossa) nos mostra que não se trata de tornar essas pessoas “cidadãos ativos”, mas de “prolongar o modelo de cidadania ativa para acomodar a perspectiva religiosa afro-brasileira”, de maneira que experiências, identidades e visões de mundo alternativas às estabelecidas possam ser validadas. Mais relevante para nossa discussão, entretanto, é como, a partir da noção de “respeito”, há uma valorização da hierarquia religiosa como modelo de relação social. Como mostra a autora (Hartikainen, 2018HARTIKAINEN, E. I. A politics of respect: reconfiguring democracy in Afro-Brazilian religious activism in Salvador, Brazil. American Ethnologist, [s. l.], v. 45, n. 1, p. 87-99, 2018. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1111/amet.12601 . Acesso em: 10 dez. 2022.
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, p. 96, tradução nossa), para uma mãe de santo “a ênfase na igualdade que foi central para o projeto de democratização brasileira resultou em desordem social. A solução para esse problema, entretanto, poderia ser encontrada num retorno parcial a uma ordem social mais tradicional em que os mais jovens escutassem e respeitassem a experiência de vida e a sabedoria dos mais velhos”, alterando os modelos de interação e de socialidade baseadas na igualdade.

Ao observarmos esses trabalhos, fica evidente que a cidadania política é alimentada por posições éticas (religiosas) e que, se queremos compreender a participação política e a produção cotidiana de uma sociedade democrática, precisamos ter atenção às moralidades cotidianas e à produção das subjetividades ético-políticas, bem como às tentativas de fazer valer coletivamente os valores que dão sustentação às suas comunidades morais particulares. Ainda que estudar a cidadania na democracia contemporânea brasileira continue sendo uma maneira de discutir acesso a direitos, como fez Holston (2013)HOLSTON, J. Cidadania insurgente: disjunções da democracia e da modernidade no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. acerca das propriedades e residências na periferia de São Paulo, ou Caldeira (2000)CALDEIRA, T. P. do R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34: Edusp, 2000. acerca dos direitos humanos no violento contexto de redemocratização, consideramos que o recente deslocamento rumo a uma moralização da política e da esfera pública como um todo vem colocando novos desafios. Concordamos, portanto, com Lazar (2016)LAZAR, S. Citizenship. In: THE OPEN encyclopedia of anthropology. [S. l.: s. n.], 2016. Disponível em: Disponível em: http://doi.org/10.29164/16citizenship . Acesso em: 10 dez. 2022.
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em sua tentativa de desnaturalizar uma concepção liberal de cidadania e de deslocar o foco do status e dos direitos para as práticas de construção de e participação em uma coletividade que é também moral. As maneiras pelas quais os valores são difundidos na vida social merece particular atenção, como faz Montero (neste volume) ao discutir “como valores religiosos e cívicos vêm sendo articulados no ensino público nestas últimas décadas”.

Valores caros ao ideário democrático, como diversidade, pluralismo, liberdade, igualdade e, inclusive, o de participação ativa na política foram objeto de escrutínio dos artigos publicados neste volume, ao discutir casos de homofobia e liberdade de expressão, ensino religioso, tramitação de lei sobre direitos das gestantes, o desenvolvimento em paralelo da Igreja Universal do Reino de Deus e da redemocratização brasileira. Por fim, a própria existência se coloca como um elemento crucial para repensarmos as possibilidades, potencialidades e limites da democracia no Brasil. Os artigos de Flavia Medeiros e de Roberto Efrem Filho, cada um a seu modo, discutem situações nas quais a vida dos cidadãos é colocada em risco, e a violência e a morte se fazem presentes. Longe de constituírem exceções externas à configuração democrática nas sociedades contemporâneas, a necropolítica, como coloca Medeiros (neste volume), também pode ser uma forma de governo, frente à qual lutas por justiça e direitos humanos, como relatado por Efrem Filho (neste volume) para o MST, são cruciais.

Referências

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    Para um levantamento, recomendamos a consulta às diferentes iterações de GTs de antropologia digital nas últimas RBA, reuniões da Associação Brasileira de Antropologia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023
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