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Círculos financeiros e circuito do petróleo: instrumentos financeiros para investimento em atividades e fornecedores da Petrobras

Círculos financieros y circuito petrolero: instrumentos financieros para inversión en actividades y proveedores de Petrobras

Resumo

Após a abertura de capital da Petrobras, na década de 1990, a empresa petroleira de capital misto passou a intensificar o uso de instrumentos financeiros para viabilizar suas principais atividades via mercado de capitais. Entre eles, destacamos a capitalização por meio de oferta pública de ações, as estruturações financeiras (project finance), os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) e os fundos de investimento em participações (FIP). Pela análise do uso desses instrumentos pela Petrobras, buscamos mostrar como a empresa incrementa seus recursos e expande suas atividades no circuito do petróleo, bem como antecipa capitais a sua extensa cadeia de fornecedores de produtos e serviços. Verificamos que o emprego desses instrumentos cria e reforça compromissos do circuito do petróleo no território nacional com um amplo conjunto de agentes privados ligados aos serviços financeiros, levando ao aprofundamento da lógica da valorização financeira na orientação das atividades produtivas da empresa estatal e também impondo-a a outras empresas e lugares que, direta ou indiretamente, participam desse circuito.

Palavras-chave:
Financeirização; Produção de petróleo; Fundos de investimento; Território brasileiro; Mercado de capitais

Resumen

Con la oferta pública de Petrobras en los 1990, la compañía petrolera de capital mixto intensificó el uso de instrumentos financieros para hacer viables sus actividades principales a través del mercado de capitales. Entre estos, destacamos la capitalización a través de ofertas públicas de acciones, project finance, fondos de inversión en derechos de crédito (FIDC) y fondos de inversión de capital (FIP). A partir del análisis del uso de estos instrumentos por parte de Petrobras, buscamos mostrar cómo esta empresa incrementa sus recursos y expande sus actividades en el circuito petrolero, además de anticipar capital a su extensa cadena de proveedores de productos y servicios. Encontramos que el uso de estos instrumentos genera y refuerza compromisos del circuito petrolero en el territorio nacional con una amplia gama de agentes privados vinculados a los servicios financieros, lo que lleva a profundizar la lógica de valoración financiera en la orientación de las actividades productivas de la empresa estatal, imponiéndose también a otras empresas y lugares que, directa o indirectamente, participan en este circuito.

Palabras Clave:
Financiarización; Producción de petróleo; Fondos de inversión; Territorio brasileño; Mercado de capitales

Abstract

After Petrobras went public in the 1990s, the State-owned oil company intensified the use of financial instruments to fund its main activities through the capital market. Among these, we highlight capitalization through public offerings of shares, project finance, credit rights investment funds (FIDC) and equity investment funds (FIP). By analyzing the use of these instruments by Petrobras, we seek to show how this company increases its resources and expands its activities in the oil circuit, as well as anticipates capital to its extensive chain of product and service suppliers. We verified that the use of these instruments creates and reinforces commitments between agents of the oil circuit in the national territory and a wide range of private agents linked to financial services. This leads to a deepening of the logic of financial valuation in guiding the productive activities of Petrobras, also imposing it on other companies and places that participate in the oil circuit directly or indirectly.

Keywords:
Financialization; Oil production; Investment fund; Brazilian territory; Capital market

Introdução

Em razão da centralidade da variável finanças no período da globalização, torna-se cada vez mais importante analisar como as empresas, principalmente aquelas ligadas aos circuitos produtivos mais globalizados, buscam novos meios e instrumentos para financiar suas atividades de produção. Afinal, se no atual período da história a circulação prevalece sobre a produção propriamente dita (Santos, 2009SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2009. , p. 168), ela é reafirmada pelos capitais em sua expressão financeira, visto o poder de comando destes sobre as atividades produtivas, que passam a responder cada vez mais às demandas de rendimento de investimentos realizados globalmente. Se as grandes empresas progressivamente se estruturam na lógica de redes globais de mercadorias (Coe; Yeung, 2015COE, N. M.; YEUNG, H. W. Global Production Networks: Theorizing Economic Development in an Interconnected World. Oxford: Oxford University Press, 2015. ; Henderson et al., 2002HENDERSON, J.; DICKEN, P.; HESS, M.; COE, N.; YEUNG, H. W.-C. Global production networks and the analysis of economic development. Review of international political economy, v. 9, n. 3, p. 436-464, 2002. doi: https://doi.org/10.1080/09692290210150842.
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), suas prioridades não são mais distribuir seus produtos e parcelas de atividades, mas antes acelerar, organizar e interligar trabalhos parcelares que são realizados de forma dispersa no território, sobretudo pela informação (Pereira; Kahil, 2006PEREIRA, M. F. V.; KAHIL, S. P. O território e as redes: considerações a partir das estratégias de grandes empresas. In: GIRARDI, L. H. O. G.; CARVALHO, P. F. (Org.). Geografia: ações e reflexões. Rio Claro, SP: Ageteo/IGCE/Unesp, 2006. p. 217-229.) e pelas finanças.

Não se trata de reduzir a importância das análises na “espacialidade da produção-distribuição-troca-consumo como movimento circular constante” (Moraes, 2017MORAES, A. C. R. Os circuitos espaciais da produção e os círculos de cooperação no espaço. In: DANTAS, A.; ARROYO, M.; CATAIA, M. (Org.). Dos circuitos da economia urbana aos circuitos espaciais de produção: um diálogo com a teoria de Milton Santos. Natal: Sebo Vermelho, 2017. p. 25-52., p. 27) e como essas etapas se expressam num ramo da produção específico que tem determinado produto como elemento central (Santos, 1986SANTOS, M. Circuitos espaciais da produção: um comentário. In: BARROS, S. A construção do espaço. São Paulo: Nobel, 1986. p. 121-134.). Pelo contrário, é compreender como os circuitos espaciais produtivos, como é o do petróleo - especialmente discutido no texto -, cada vez mais estabelecem diversos círculos de cooperação no espaço que, muitas vezes, precedem e são condição do próprio início das atividades produtivas, como é o caso dos investimentos financeiros.

Entende-se os círculos de cooperação no espaço como formas de conexão entre agentes e lugares que, mesmo não atuando diretamente na atividade dominante, participam ofertando serviços, equipamentos e capitais necessários ao seu desenvolvimento, envolvendo relações entre as empresas, os poderes públicos e as instituições e organizações (Castillo; Frederico, 2010CASTILLO, R. A.; FREDERICO, S. Espaço geográfico, produção e movimento: uma reflexão sobre o conceito de circuito espacial produtivo. Sociedade & Natureza, v. 22, n. 3, 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/sociedadenatureza/article/view/11336 . Acesso em: 27 ago. 2021.
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). Nesse sentido, pode-se dizer que seu papel é fazer com que um grande conjunto de agentes, que não necessariamente mantêm relações entre si no processo produtivo, aja de forma coordenada, de modo a comumente estimular e favorecer a ampliação das redes e do alcance dos circuitos espaciais produtivos (Antas Jr., 2013ANTAS JR., R. M. Considerações sobre agentes relevantes nos círculos de cooperação do complexo industrial da saúde no território brasileiro. In: XIV ENCUENTRO DE GEÓGRAFOS DE AMÉRICA LATINA, 14., 2013, Lima. Anais... Lima, 2013. ). No período atual, as principais formas de fazer cooperarem essas etapas produtivas, os diversos agentes e lugares direta ou indiretamente ligados aos processos produtivos são realizadas sobretudo via fluxos imateriais, mediante mensagens, ordens, capitais e informações (Santos; Silveira, 2001SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século 21. Rio de Janeiro: Record, 2001. ).

Além de analisar como os círculos de cooperação no espaço estendem, integram e potencializam os circuitos espaciais produtivos, é igualmente necessário compreender como estes, especificamente na figura dos instrumentos, agentes e lógicas financeiras, passam crescentemente a condicionar as operações e o sentido das empresas centrais que compõem os circuitos. Assim, a financeirização diz respeito aos modos pelos quais empresas transnacionais e circuitos espaciais produtivos globalizados “são crescentemente controladas, monitoradas e disciplinadas pelos mercados financeiros, via noções como as de shareholder value, cálculo de risco e percepção do mercado” (Coe; Lai; Wójcik, 2014COE, N. M.; LAI, K. P. Y.; WÓJCIK, D. Integrating Finance into Global Production Networks. Regional Studies, v. 48, n. 5, p. 761-777, 2014. doi: https://doi.org/10.1080/00343404.2014.886772.
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, p. 767), e como isso é cada vez mais expresso entre as grandes petroleiras (Bridge; Le Billon, 2017BRIDGE, G.; LE BILLON, P. Oil. New Jersey: John Wiley & Sons, 2017. ).

Uma das maneiras de analisar os novos modos de operação das empresas e circuitos espaciais produtivos é verificar a dominação dos instrumentos financeiros sobre as novas formas de relação oferecidas a consumidores e/ou impostas a trabalhadores por empresas não financeiras (Baud; Durand, 2012BAUD, C.; DURAND, C. Financialization, globalization and the making of profits by leading retailers. Socio-Economic Review, v. 10, n. 2, p. 241-266, 2012. doi: https://doi.org/10.1093/ser/mwr016.
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). Assim, procuramos discutir como a Petrobras, Petróleo Brasileiro S.A., empresa que, apesar de centrada na produção de petróleo no território nacional, desenvolve cooperações com um amplo espectro de agentes globalmente distribuídos, tem lançado mão, nas últimas décadas, de novos instrumentos financeiros com vistas a expandir suas atividades, bem como a sustentar seus fornecedores e prestadores de serviços.

Com esse objetivo, elencamos e analisamos as principais modalidades de financiamento adotadas pela Petrobras por meio do mercado de capitais, especialmente nos últimos trinta anos, destacando-se o capital acionário, os project finance, os fundos de investimento em participações (FIP) e os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC). Sendo uma empresa de controle estatal e de negociação pública, há muitas informações abertas sobre suas operações financeiras. Assim, lançamos mão de dados disponibilizados nos relatórios corporativos publicados no portal de comunicação com investidores da Petrobras, bem como nas bases de dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em especial sobre fundos de investimento.

A partir desse levantamento, investigamos dinâmicas, valores e formas de uso desses instrumentos financeiros pela empresa nacional de exploração de petróleo. Com isso, discutimos as motivações e consequências da adoção das novas práticas econômicas orientadas ao mercado financeiro numa empresa cuja atividade-fim é a exploração de recursos naturais no território brasileiro. Por fim, apontamos como tais modalidades de financiamento podem se mostrar elementos empíricos do poder de controle das finanças sobre o circuito espacial produtivo do petróleo e, por isso, sobre o próprio território brasileiro.

O financiamento das atividades da Petrobras pelo mercado de capitais

Compreender a adoção dos novos instrumentos e novas lógicas financeiras por uma empresa como a Petrobras torna-se ainda mais relevante quando se leva em conta a estrutura proprietária e o controle acionário da empresa. Em 2020, o governo brasileiro detinha o equivalente a 36,75% do capital da companhia, incluindo mais de 50,5% das ações ordinárias, com direito a voto.1 1 O percentual de ações do governo federal inclui a parcela detida por meio do BNDES, conforme dados disponíveis em https://www.investidorpetrobras.com.br/. Isso configura uma empresa de capital misto cujo controle é, em última instância, realizado pelo Estado brasileiro. Ao se levar em conta a engenharia financeira realizada pela companhia, depreende-se que os agentes participantes do mercado de capitais têm relevância significativa nas decisões do conselho administrativo da empresa não apenas por meio de seus direitos a voto, mas também por meio da operação e funcionamento de projetos e novos investimentos.

Quando foi criada, em 1954, após um longo debate sobre qual deveria ser a natureza jurídica da empresa, a Petrobras optou por ser uma “sociedade por ações” e, portanto, poderia vender títulos ao público na forma de ações ordinárias nominativas, que poderiam ser adquiridas por organizações governamentais e companhias particulares. Para evitar o controle da empresa por capitais privados, foram previstos mecanismos para mantê-los em posição minoritária, não podendo agentes privados adquirir individualmente mais do que 1% das ações com direito a voto (Carvalho, 1976CARVALHO, G. Petrobrás: do monopólio aos contratos de risco. São Paulo: Forense-Universitária, 1976. ), o que limitava sua presença na composição acionária, nas decisões e no financiamento das atividades. É importante frisar que, entre esses capitais privados, a participação era quase exclusivamente de origem nacional.

Até a década de 1990, a legislação brasileira garantia o regime de monopólio da Petrobras sobre a lavra, exploração e produção de petróleo, interditando a atuação de outras empresas petroleiras no território nacional.2 2 Cumpre notar que, apesar de oficialmente o regime de monopólio da Petrobras ter vigorado até a promulgação da Lei do Petróleo, em 1997, entre 1975 e 1988, foram celebrados contratos de risco com empresas petroleiras privadas internacionais (Carvalho, 1976), o que garantiu uma maior penetração de capitais estrangeiros no circuito do petróleo no território brasileiro. Era igualmente dificultada a penetração de agentes financeiros nesse importante ramo da produção, visto que os únicos meios seriam a compra de um número muito restrito de ações da empresa ou o investimento em empresas privadas que poderiam ser contratadas pela Petrobras para prestar serviços e/ou fornecer bens para produção. Assim, além das ofertas públicas de ações e dos rendimentos oriundos da comercialização de seus produtos, a empresa - e o circuito do petróleo quase todo - contava quase exclusivamente com investimentos do governo federal e suas fontes de financiamento, como fundos alimentados por tributos e bancos públicos.

Capital acionário

No bojo das políticas neoliberais da década de 1990, as frentes de entrada dos agentes financeiros no circuito do petróleo no território brasileiro foram diversificadas. Entre as principais, está claramente a alteração do estatuto social da Petrobras, fruto da publicação da conhecida Lei do Petróleo, de 1997, que autoriza a negociação de suas ações nas bolsas de valores onde estiverem listadas, permitindo a negociação por investidores privados nacionais e internacionais de ações ordinárias e preferenciais, sem e com direito a voto. Como se vê no Gráfico 1, depois dessas mudanças, lançam-se os American depositary receipts (ADR)3 3 Emissão de recibo correspondente à negociação de ações de empresas listadas em bolsas de valores de fora dos EUA na Bolsa de Nova York, na prática permitindo a negociação de ações estrangeiras nesse mercado. na Bolsa de Nova York e há uma intensa movimentação de agentes privados, inclusive estrangeiros, para a compra dos ativos financeiros da empresa, alguns deles autorizando a participação em seu conselho de administração (Lessa, 2006LESSA, C. Prefácio. In: FEROLLA, S. X.; METRI, P. Nem todo o petróleo é nosso. São Paulo: Paz e Terra, 2006. p. 11-22.). Desse processo emerge a lógica do shareholder value (Aglietta; Rebérioux, 2005AGLIETTA, M.; REBÉRIOUX, A. Corporate governance adrift: a critique of shareholder value. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2005. ) no interior da empresa (Jesus Júnior; Sarti; Ferreira Júnior, 2017JESUS JÚNIOR, L. B.; SARTI, F.; FERREIRA JÚNIOR, H. M. Petrobras, política de conteúdo local e maximização de valor para o acionista: uma sugestão de interpretação. Economia e Sociedade, Campinas: Unicamp, v. 26, n. 2, 2017. doi: https://doi.org/10.1590/1982-3533.2017v26n2art4.
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) e, por relação, no circuito de produção do petróleo no território brasileiro. No circuito, cresce a participação dos agentes financeiros também em razão da quebra do monopólio, sobretudo com a participação de empresas petroleiras internacionais, já profundamente imbricadas com o mercado de capitais.

Gráfico 1
Evolução do capital social da Petrobras (1992-2017)

Num contexto de políticas econômicas de cunho neodesenvolvimentista (Schutte, 2013SCHUTTE, G. R. Brazil: New Developmentalism and the Management of Offshore Oil Wealth. Revista Europea de Estudios Latinoamericanos y del Caribe, n. 95, p. 49-70, 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/23595692?seq=1#metadata_info_tab_contents . Acesso em: 27 ago. 2021.
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), sobretudo a partir da descoberta dos grandes reservatórios de petróleo no pré-sal brasileiro no ano de 2007, amplia-se mais uma vez a participação de agentes financeiros no circuito do petróleo no território brasileiro. Isso ocorre, em grande medida, pela ação do governo federal, que buscou realizar, em 2010, uma nova operação de capitalização da Petrobras. Como descreve Paulo César Ribeiro Lima (2011LIMA, P. C. R. Pré-sal, o novo marco legal e a capitalização da Petrobras. Rio de Janeiro: Synergia, 2011.), esse procedimento financeiro envolveu um conjunto de três ações por parte do Estado, da Petrobras e de agentes financeiros (públicos e privados). A primeira foi a celebração dos contratos de cessão onerosa,4 4 Regime jurídico especial de direito de exploração que foi regulamentado pela Lei n. 12.276/2010. a partir dos quais a União cedeu onerosamente à Petrobras o direito de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural em áreas do pré-sal sem que estas passassem por processos licitatórios, mas limitando a exploração a 5 bilhões de barris (Ribeiro; Novaes, 2014RIBEIRO, C. G.; NOVAES, H. T. Da “Lei do Petróleo” ao leilão de Libra: Petrobras de FHC a Dilma. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, n. 39, p. 34-58, 2014.). A segunda foi o uso de títulos da dívida pública mobiliária federal, em posse da Petrobras e oriundos da aquisição de novas ações pela União, para o pagamento pelas áreas cedidas, o que configura uma antecipação de recursos da União (Sousa, 2011SOUSA, F. J. R. A cessão onerosa de áreas do pré-sal e a capitalização da Petrobras. Brasília, DF: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2011.). E a terceira foi a subscrição e emissão de novas ações do capital social da Petrobras no mercado de capitais, sendo parte significativa adquirida por entes federais e pela União.

Após a conclusão das operações de subscrição e emissão de novas ações, a União ter realizado sua oferta prioritária e ter sido descontada a dívida pelos contratos de cessão onerosa, a Petrobras verificou que, com o encerramento das ofertas do lote suplementar, a capitalização resultou no aumento de cerca de R$ 120 bilhões do capital social da empresa, tornando-a a quarta maior companhia do mundo em valor de mercado. Esse valor tinha como principal fonte a União e outros entes federais (BNDES, BNDESPar, FPS e FFIE), o que se traduziu num aumento de 39,8% para 48,3% de sua participação no capital social da empresa (Sousa, 2011SOUSA, F. J. R. A cessão onerosa de áreas do pré-sal e a capitalização da Petrobras. Brasília, DF: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2011., p. 13) (Gráfico 1). Essa capitalização também significou um aumento, ainda que proporcionalmente menos substancial, de R$ 40,2 bilhões na participação do setor privado (Lima, 2011LIMA, P. C. R. Pré-sal, o novo marco legal e a capitalização da Petrobras. Rio de Janeiro: Synergia, 2011.).

A partir dessas ações, buscou-se potencializar o instrumento financeiro de capitalização via mercado, garantindo melhores condições contábeis à Petrobras, de modo a desenvolver sua capacidade de participação nos contratos de consórcios que viriam a integrar as rodadas de leilão da Partilha da Produção.5 5 Regime de exploração do petróleo estabelecido a partir da promulgação da Lei n. 12.351/2010. Apesar de ainda prever leilões públicos, como o modelo de concessão - ainda vigente em áreas fora do pré-sal -, a partilha garante maior participação da União nos contratos, seja na tomada de decisão, por meio de outra empresa pública chamada Pré-Sal S.A., seja no direito de obtenção de parcela da produção, paga em óleo. A empresa seria obrigada a participar com no mínimo 30% dos recursos totais dos consórcios, garantindo assim seu papel de operadora única6 6 Os artigos que tratavam dessa matéria foram revogados por um projeto de lei elaborado no Senado Federal em 2015 e sancionado em 2016, logo após o estabelecimento do então novo governo federal, de orientação mais claramente neoliberal. dos blocos exploratórios e campos de produção do pré-sal (Sousa, 2011SOUSA, F. J. R. A cessão onerosa de áreas do pré-sal e a capitalização da Petrobras. Brasília, DF: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2011.), o que exigia investimentos ainda mais vultosos por parte da Petrobras.

Com o encerramento da operação de capitalização, a empresa conseguiu, graças ao aumento do volume total de ações negociadas, arrecadar um montante significativo de capital. Em um primeiro momento, todavia, o lançamento desses novos títulos e outras variáveis próprias do mercado de capitais fizeram com que o valor unitário das ações passasse por um processo de desvalorização, o que exigiria futuramente da Petrobras tomar uma postura mais atinente aos ditames dos acionistas privados e empresas de classificação de risco. A redução do valor unitário das ações seria ainda bastante acentuada a partir da notícia das operações de investigação de possíveis ilicitudes em contratos da Petrobras com algumas empresas fornecedoras. Isso levou ao início de um novo ciclo de definições estratégicas da estatal para retomar o grau de investimento privado e valorização de seus títulos, sobretudo pelo atendimento de diretrizes estabelecidas pelas principais agências classificação de risco.

Em suma, a operação de capitalização teve como principal objetivo financiar as novas atividades de exploração e produção que viriam a ser iniciadas pela Petrobras na área do pré-sal, o que, por sua vez, demanda altos investimentos e elevados riscos técnicos, operacionais e financeiros. Contraditoriamente, esse mecanismo foi capaz de reforçar a presença do Estado no capital social da empresa e, mesmo que não proporcionalmente, expandir o número de acionistas privados.

Project finance

O project finance é um instrumento financeiro baseado no antigo conceito de investir diretamente em projetos, direcionando-se a aplicação do capital a um conjunto de atividades específicas, e não a empresas. Isso tem várias consequências, sendo a principal delas a possibilidade de a empresa que recebe as aplicações tratar dos juros e dividendos por fora de seu balanço de pagamentos, liberando receita para outros investimentos. Esse mecanismo demanda uma série de operações complexas, sendo a estrutura de project finance “um exercício de engenharia financeira que permite que as partes envolvidas em um empreendimento possam realizá-lo, assumindo diferentes responsabilidades ou diferentes combinações de risco e retorno, de acordo com suas respectivas preferências” (Bonomi; Malvessi, 2018BONOMI, C.; MALVESSI, O. Project finance no Brasil. São Paulo: All Print, 2018. , p. 21).

Esse financiamento permite que investidores aceitem como garantia as futuras receitas do projeto, bem como a propriedade das instalações construídas. Assim, “pode preservar o fluxo de caixa gerado internamente pela empresa para que seja aplicado em projetos que envolvam tecnologia exclusiva ou sejam de outra forma sensíveis à divulgação de informações a seu respeito” (Finnerty, 2001FINNERTY, J. Project finance: engenharia financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. , p. 34), sendo especialmente útil às empresas de exploração de recursos naturais como minerais e petróleo, na medida em que precisam se atualizar no desenvolvimento de novas técnicas de prospecção e na busca e controle de novas áreas de exploração. Portanto, tais atividades não são comprometidas pelos projetos já bem estabelecidos, com baixo risco e tecnologia padronizada. A internacionalização dos investimentos e a formação de carteiras mundiais de projetos, bem como o “processo mundial de desregulação e privatização dos investimentos de capital do setor público” (Yescombe, 2002YESCOMBE, E. Principles of project finance. San Diego, CA: Elsevier, 2002., p. 5) concorreram para aumentar seu uso, que teve suas primeiras experiências nos anos 1970 motivadas justamente pelos altos riscos e investimentos necessários às atividades de petróleo e gás.

A Petrobras encontrou no project finance7 7 A Petrobras passou um período sem acessar os mercados financeiros tradicionais devido à moratória da dívida externa praticada pelo governo Sarney em 1986, só voltando a fazer captações e operações em 1992 e usando o sale-leaseback (Ward, 2006). A preparação da empresa para incorporar as novas possibilidades financeiras teve início com a criação de uma coordenação de financiamento de projetos subordinada à Divisão de Assuntos Gerais (Diage), passando em 1998 à criação da Associação de Estruturação Financeira e Novos Negócios (Anef), tornando-se no ano seguinte a Assessoria de Financiamento de Projetos (Asfip), seguida da criação da Gerência Executiva de Financiamento de Projetos, em 2000. um modo de financiar a produção e exploração de novos campos, principalmente os localizados em mar, onde os riscos e custos envolvidos ainda eram muito altos. Uma primeira tentativa de estruturação financeira foi realizada, sem sucesso, para financiar o campo de Bijupirá-Salema em 1998 (Ward, 2006WARD, A. K. Projeto Barracuda e Caratinga: um estudo de caso de gestão de risco em financiamento de projetos no setor de petróleo. Dissertação (Mestrado em Administração) - Ibmec, São Paulo, 2006. ), cuja experiência serviu para organizar um projeto para a exploração do campo de Marlim. A estruturação visou contornar “restrições políticas, regulatórias, legais, financeiras e estratégicas” (Bonomi; Malvessi, 2018BONOMI, C.; MALVESSI, O. Project finance no Brasil. São Paulo: All Print, 2018. , p. 354) relativas à condição de empresa estatal do setor energético, e o próprio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) teve participação importante para eliminar barreiras e realizar a estruturação financeira do empreendimento.8 8 A BNDES Participações participa como acionista SPE estabelecida. O modelo excluía os investimentos do balanço da estatal, pois dava como garantia a própria produção futura de petróleo do campo, e envolveu a constituição da Companhia Petrolífera Marlim S.A., uma sociedade de propósito específico (SPE)9 9 O project finance envolve uma entidade jurídica distinta (Finnerty, 2001, p. 2), tendo no Brasil a forma de uma SPE, geralmente configurada como sociedade anônima, delimitando o objeto do empreendimento. encarregada de adquirir equipamentos e contratar serviços com os recursos captados - sendo, portanto, o ponto de contato entre as operações de produção e o poder de decisão dos agentes financeiros.

A partir de então, fica clara a postura da empresa quanto às novas formas de captação, aderidas às já tradicionais como o crédito bancário. A constituição dos project finance, em combinação com os bancos e demais agentes financeiros que atuam tanto na formulação da engenharia financeira quanto no fornecimento de fundos e na compra de participações, torna-se parte do planejamento e das decisões tomadas pela empresa. Vários project finance passam a ser estruturados no âmbito da Petrobras: segundo levantamento de Yescombe (2002YESCOMBE, E. Principles of project finance. San Diego, CA: Elsevier, 2002., p. 23), o volume captado por esse tipo de instrumento no país passou de U$ 336 milhões em 1996 para expressivos U$ 9,2 bilhões em 2000, “baseado sobretudo em alguns grandes projetos de óleo e gás”. O Quadro 1 apresenta os principais projetos de estruturação financeira realizados pela Petrobras, a maioria voltada à exploração e à produção de petróleo.

Quadro 1
Project finance da Petrobras

Uma das estruturações financeiras de maior destaque foi o projeto Gasene, que tratou da construção do maior gasoduto brasileiro, objetivando integrar as malhas nordeste e sudeste do país - ligando os gasodutos de Cabiúnas (RJ) e Catu (BA) - e aumentar a capilaridade da distribuição de gás nacional (Mendes, 2012MENDES, R. Opções reais em project finance: uma aplicação na indústria petrolífera. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2012. , p. 103). Com baixa taxa de retorno, o projeto perderia prioridade na carteira da Petrobras. A estruturação, com financiamento pelo BNDES, China Development Bank e por notas promissórias internacionais, permitiu geração de receita própria para pagamento dos credores por meio da criação da Transportadora Gasene S.A., sem participação acionária. A Gasene garantiu suas receitas por meio de um contrato de transporte de gás com a Petrobras intermediado pela Transportadora TAG, com operação e manutenção pela Transpetro.

Outras estruturações envolveram: exploração de campos de petróleo (Marlim, Nova Marlim, Marlim Leste, Albacora, Barracuda e Caratinga, PCGC, EVM); plataformas (Mexilhão, Roncador e Jubarte); reformulação de infraestruturas e equipamentos (Campos, Revap), transporte (Malhas, Gasene, Urucu-Manaus, Cabiúnas) e aquisições de parcelas de termelétricas (Termomacaé, Termobahia). Podemos ver a proliferação dessa forma de financiamento por várias atividades da empresa entre 1999 e 2006. Com isso, projetos de exploração e produção, renovação de equipamentos e ampliação de infraestrutura poderiam ser levadas a cabo sem se tornar entraves orçamentários, mesmo apresentando baixo rendimento e longo prazo de retorno.

Em 2005, após a CVM emitir a Instrução n. 408/2004, obrigando a Petrobras a incluir em suas demonstrações contábeis consolidadas as SPE cujas atividades eram controladas direta ou indiretamente pela empresa, observou-se que parte dos riscos envolvidos em seus negócios estava segregada nas SPE (Szuster et al., 2007SZUSTER, N.; MARQUES, J. A. V. C.; SANTOS, O. M.; HOORY, R.; AMARL, M. A.; ALVEZ, C. R. R. O fim do off-balance sheet em project finance: um estudo dos aspectos contábeis da consolidação das sociedades de propósito específico. In: XXXI ENCONTRO DA ANPAD, 31., Rio de Janeiro . Anais... Rio de Janeiro , 2007.). Isso permitiu o desenvolvimento de projetos de longo prazo e alto custo em diversos pontos do território, dotando a empresa de maior infraestrutura e movimentando uma série de serviços e produções que passaram a integrar o circuito do petróleo.

Fundos de investimento

A partir de 2006, duas principais motivações levam ao desuso dos project finance pela Petrobras: a elevação dos preços do petróleo no mercado mundial, conferindo grandes receitas e permitindo a liberação de capital para atividades sem comprometer novos investimentos; e a descoberta do pré-sal, que provocou o redirecionamento dos esforços e investimentos da empresa, fazendo com que fontes alternativas de financiamento fossem procuradas. Pode-se notar que, enquanto as primeiras estruturações financeiras são relativas à Bacia de Campos, as últimas apresentam uma diversificação maior, inclusive com o projeto de Mexilhão sendo localizado na Bacia de Santos, onde a Petrobras passa a atuar mais intensamente após a descoberta do pré-sal. Nesse cenário, a Petrobras recorre novamente ao mercado de capitais e novos instrumentos e agentes financeiros começam a ganhar peso em sua estrutura financeira, como os fundos de investimento, nomeadamente, os FIP e os FIDC. Ampliam-se, com isso, os círculos de cooperação financeira.

Os FIDC foram criados no Brasil em 2001, ganhando espaço apenas dois anos depois, quando cresceram como alternativa para captar recursos para atividades produtivas em ambiente de escassez de crédito bancário (Anbima, 2006ANBIMA. Produtos de captação: FIDC - fundo de investimento em direitos creditórios. Rio de Janeiro: Anbima/Cetip, 2006. , p. 17). Como dispensam a criação de uma sociedade anônima específica, esses fundos implicam uma desoneração de vários custos para a empresa patrocinadora. Além disso, são lastreados em uma carteira cujo risco é inferior ao da própria empresa, sendo alternativas de financiamento interessantes para empresas pequenas e médias e até mesmo para empresas de capital fechado, uma vez que apresentam custo baixo, não oneram o limite de crédito junto aos bancos e atrelam os recursos aos prazos contratuais (Ferreira; Coelho, 2008FERREIRA, E.; COELHO, J. M. Metodologia de financiamento para pequenos produtores do mercado brasileiro de petróleo e gás natural, baseado nas experiências canadense e americana na quantificação, valoração e certificação de reservas. In: RIO OIL & GAS, 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2008. , p. 4). Com isso, a financeirização do circuito do petróleo é potencializada e se estende ainda mais pelo território, na medida em que empresas de menor porte, cujos produtos e serviços não se encontravam atrelados à valorização no mercado de capitais, acabam recorrendo também ao instrumento de fundos creditícios, conectando-se às pretensões de seus investidores.

Os recursos reunidos se destinam a aplicações em direitos creditórios que podem ser distribuídos em forma de condomínio aberto ou fechado10 10 O investimento em forma de condomínios se baseia na distribuição de cotas a serem adquiridas do patrimônio de fundo, que terão seu valor corrigido conforme se valorizem os ativos. O fundo pode organizar essa distribuição de maneira aberta, permitindo a entrada ou saída de investidores a qualquer momento, ou fechada, captando e depois mantendo os mesmos cotistas até o fim do prazo de duração do fundo. e, assim, uma grande empresa pode financiar “seus fornecedores de bens e serviços a partir da constituição de um FIDC, com base nos créditos que estes têm contra ela” (Anbima, 2006ANBIMA. Produtos de captação: FIDC - fundo de investimento em direitos creditórios. Rio de Janeiro: Anbima/Cetip, 2006. , p. 23). Com a possibilidade de antecipar recursos a custos mais baixos que os bancários, os fornecedores também podem reduzir seus gastos, o que futuramente pode levar à diminuição do preço de seus produtos e serviços.

Como observado no Quadro 2, foram criados três diferentes FIDC de curta duração para financiar fornecedores da Petrobras entre 2006 e 2012. A grande empresa tem a possibilidade de levantar capital para seus fornecedores e clientes a partir da constituição desse tipo de fundo, assegurando a antecipação de recursos a um custo mais baixo do que o crédito bancário. Assim, a Petrobras pode articular e tornar eficiente sua rede de fornecedores sem para isso precisar mobilizar seu próprio capital na forma de adiantamentos. A viabilização desse custo dos fornecedores pode inclusive resultar num “recuo dos preços de produtos e serviços fornecidos para a empresa sacada” e na “fidelização do fornecedor” (Silva, 2010SILVA, R. M. Securitização de recebíveis: uma visão sobre o mercado dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC). Dissertação (Mestrado em Engenharia da Produção) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010. , p. 54). Isso concorre para fortalecer e dinamizar os vínculos entre as grandes empresas petroleiras e sua ampla rede de fornecedores.

Quadro 2
Fundos usados para financiamento de atividades da Petrobras

O FIDC de maior valor, no entanto, é o FIDC Não-Padronizado do Sistema Petrobras.11 11 Os FIDC Não-Padronizados foram criados no fim de 2006, pela instrução da CVM n. 444, para “desmobilizar os ativos ilíquidos do balanço das instituições cedentes dos recebíveis por parte dos originadores”, remunerar melhor os investidores e “assegurar maior eficiência à gestão de caixa das empresas do grupo ao conciliar o excesso de recursos em algumas delas com a necessidade de captação de outras” (Andima, 2015, p. 40). A diferença para o fundo padronizado é a maior flexibilidade quanto ao risco dos títulos de crédito que podem ser adquiridos. No caso da Petrobras, esse FIDC ganhou função bastante específica, pois seus cotistas são unicamente empresas do próprio grupo Petrobras, funcionando não para captação no mercado de capitais, mas como mecanismo interno para transferência de recursos, constituindo uma “maneira de transferência de recursos entre empresas do mesmo grupo econômico, o que não é permitido por outra via” (Silva, 2010SILVA, R. M. Securitização de recebíveis: uma visão sobre o mercado dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC). Dissertação (Mestrado em Engenharia da Produção) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010. , p. 14).

Conforme tratamos de fundos que fornecem capital não só às atividades mas também à infraestrutura da Petrobras, cabe ser mencionada a existência de um Fundo de Investimento Imobiliário específico para a Petrobras, criado pela Rio Bravo Investimentos com vistas à construção de infraestruturas para a Petrobras, o RB Logística Participações. O objetivo do fundo é levantar recursos para aplicar em empreendimentos imobiliários visando sua locação para a Petrobras e/ou empresas coligadas ou controladas.

Finalmente, os FIP ganharam bastante relevância após 2006, permitindo à Petrobras captar investimentos para alguns de seus empreendimentos considerados de baixo retorno financeiro - ao menos no curto prazo -, mas necessários à expansão das atividades da empresa e à renovação técnica. Entre os FIP, há dois para investimento em empresas de gás e petróleo (Brasil Petróleo 1 e 2), um para o projeto de transporte de gás Nova Transportadora do Sudeste e um para a aquisição de sondas, este tendo destaque para a inovação técnica da empresa. Os dois últimos fomentaram a criação de empresas que passaram a atuar no financiamento de sondas e de gasodutos para a Petrobras.

Quadro 3
Empresas envolvidas no financiamento de atividades da Petrobras

Quando as atividades de produção e exploração se desenvolvem majoritariamente em mar, as sondas são embarcadas em navios devidamente adaptados - os chamados navios-sonda. As sondas são equipamentos complexos e centrais nas atividades de exploração e produção de petróleo, pois realizam a perfuração de poços. Em geral, esse equipamento é fornecido por firmas globais tecnicamente especializadas - parapetroleiras ou empresas de serviços petrolíferos (oil service companies) - que, além de tecnicamente capacitadas, também têm estrutura financeira suficiente para compartilhar os riscos com as empresas petroleiras (Bridge, 2008BRIDGE, G. Global production networks and the extractive sector: governing resource-based development. Journal of Economic Geography, v. 8, n. 3, p. 389-419, 2008. doi: https://doi.org/10.1093/jeg/lbn009.
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).

Os navios-sonda são um exemplo frisante de como o circuito do petróleo pode ter relações com outros circuitos espaciais produtivos, como o naval, compondo uma ampla rede fornecedores. As dinâmicas do circuito naval foram profundamente alteradas no território nacional após o advento do pré-sal, o reforço da política de conteúdo local e o aumento das encomendas da Petrobras por novas embarcações de apoio, plataformas, navios aliviadores e navios-sonda (Azevedo, 2018AZEVEDO, M. N. A reestruturação do circuito espacial de produção de embarcações: uma análise dos estaleiros de Niterói e São Gonçalo (1970-2017). Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.). No contexto da Petrobras, entre as diversas formas de inter-relação entre os circuitos do petróleo e naval, constituiu-se um círculo de cooperação financeiro composto por um amplo número de agentes (Figura 1), agregados a partir da mobilização de instrumentos financeiros, como os FIP.

Conforme Martins (2014MARTINS, E. Avaliação financeira com alta alavancagem e estrutura de capital variável: um estudo de caso no setor de sondas de perfuração. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) - Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2014. , p. 20), “tornou-se necessário para a Petrobras, como operadora das reservas do pré-sal, investir no desenvolvimento de sondas” de perfuração. Assim, foi criada uma empresa focada nesses empreendimentos, a Sete Brasil S.A., que iniciou operações em 2011, com o objetivo de investir, via joint ventures com operadoras de sondas, na construção de navios-sonda para perfuração nas águas ultraprofundas do pré-sal e a gestão desses ativos, cujos investidores e empresas são observados na Figura 1. Conforme Jesus (2016JESUS, C. G. Notas sobre a desconcentração regional da indústria da construção naval brasileira no princípio do século XXI. RDE - Revista de Desenvolvimento Econômico, v. 2, n. 34, p. 685-703, 2016. doi: http://dx.doi.org/10.21452/rde.v2i34.4449.
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, p. 696), a empresa forneceria 28 sondas para a exploração do pré-sal, mas não teve “dinheiro para continuar as obras e se tornou inadimplente com estaleiros e fornecedores [...]”, apontando que, à época, estava sendo negociada uma solução para o “novo cenário de petróleo barato”, acabando por entrar em recuperação judicial em 2016.

Figura 1
Principais agentes da construção de navios-sonda e financeiros na Setebrasil

Podemos observar que, como os project finance, os FIDC tiveram vida limitada, à exceção do já mencionado FIDC-NP do Sistema Petrobras, cuja função é diferenciada. Os FIP, por sua vez, sobrevivem apesar de a aquisição das sondas ter atingido grandes complicações. Usando contratos de cessão onerosa como os firmados em 2010, a engenharia de capitalização acabou abrindo outro flanco de financiamento, alternativo tanto ao financiamento público direto quanto à ampliação proporcional dos acionistas privados na composição do capital social da Petrobras, estabelecendo assim uma tensa relação entre agentes financeiros estatais (sobretudo o BNDES) e mercado de capitais. O que observamos, portanto, é um movimento em fases, por maio das quais a Petrobras adota inovações financeiras, explora suas possibilidades e usa da engenharia financeira para investir em suas atividades até encontrar novas formas de captação.

Controle financeiro do circuito do petróleo

Podemos relacionar as características da atividade de exploração de petróleo com as condições de mercado (preços) praticadas, como observa Dicken (2001DICKEN, P. Global Shift: mapping the changing contours of the World Economy. New York: Guilford, 2001., p. 254), que associa períodos de altos preços a uma onda de exploração e, inversamente, uma redução dos empreendimentos quando há queda de preços, com investidores retirando seu capital das atividades de maior risco. Conforme se esgotam as fontes mais acessíveis e há necessidade de avanço em áreas pouco exploradas, as condições de extração são invariavelmente dificultadas e se tornam mais custosas e arriscadas, sendo que, conforme Mendes (2012MENDES, R. Opções reais em project finance: uma aplicação na indústria petrolífera. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2012. , p. 99), as incertezas técnica (volume de reservas) e econômica (preço do barril) são os dois tipos básicos envolvidos na exploração e produção de um campo de petróleo.

Isso reforça o avanço e o desenvolvimento de novas fronteiras exploratórias, entre as quais é possível reconhecer a expansão em direção a tipos de petróleo conhecidos como “não convencionais”.12 12 Além de menores valores nos mercados internacionais, esses petróleo chamados “não convencionais” têm extração mais custosa, com altos riscos ambientais, técnicos e financeiros, entre os quais se destacam o shale oil e o shale gas estadunidense, as areias betuminosas do Canadá e o petróleo ultrapesado da Venezuela. Além disso, há também um avanço da produção para ambientes pouco ou nada explorados, que, apesar de considerados “convencionais” (de alto valor no mercado global), também demandam custos elevados de investimento e envolvem altos riscos técnico e financeiro, como é o caso da exploração no Ártico (Bridge; Le Billon, 2017BRIDGE, G.; LE BILLON, P. Oil. New Jersey: John Wiley & Sons, 2017. ) e em águas ultraprofundas, que têm o pré-sal brasileiro como principal exemplo.

No cenário atual do setor de petróleo e gás, as etapas de exploração e produção (E&P) ganharam maior importância, envolvendo fortes investimentos em inovação tecnológica e serviços e produtos industriais de alta complexidade, interligando o circuito com setores como o naval, de máquinas e de serviços técnicos especializados (Kupfer et al., 2000KUPFER, D.; HAGUENAUER, L.; YOUNG, C. E. F.; DANTAS, A. T. Impacto econômico da expansão da indústria do petróleo. Relatório final. Grupo indústria e competitividade-Instituto de Economia/UFRJ, 2000. Disponível em: Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/288823334_IMPACTO_ECONOMICO_DA_EXPANSAO_DA_INDUSTRIA_DO_PETROLEO . Acesso em: 27 ago. 2021.
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). Em razão das complexidades do ambiente de exploração onde se encontram as novas reservas, como é o caso do pré-sal brasileiro,13 13 Os atuais reservatórios do pré-sal brasileiro se encontram a profundidades de 6.000 a 7.000 m, sendo 2.000 m de lâmina d’água e 3.000 a 4.000 m de rocha. Além disso, estão a cerca de 300 km da costa brasileira, exigindo complexas operações logísticas e novas infraestruturas de escoamento de gás natural, plataformas e equipamentos adaptados a tais condições, bem como sistemas mais precisos de controle e segurança. utiliza-se equipamentos e serviços de elevado custo, que envolvem profundo risco financeiro e alto desafio tecnológico. São esses: os serviços de aquisição de dados das reservas, que adotam conjuntos de métodos exploratórios avançados, como sísmica e análise geofísica; os navios-sonda, capazes de realizar as perfurações de poços em águas ultraprofundas; os equipamentos marinhos (subsea), que são instalados no substrato marinho; e as plataformas especializadas nesses ambientes, geralmente as de tipo FPSO (floating production storage and offloading).

Durante a experiência neodesenvolvimentista, o governo federal buscou fortalecer a indústria nacional ligada ao setor de petróleo com base na maior integração e capacidade de resposta das empresas nacionais às demandas das atividades de E&P em ultraprofundidade. Exemplos foram a adoção da política de conteúdo local, o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp) e o Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef). A Petrobras teve importante papel nesse processo, sobretudo como principal operadora de campos de produção no Brasil. Isso foi reforçado com a Lei da Partilha, que até 2019 a manteve como única operadora na área do pré-sal. Assim, uma empresa de caráter estatal associada às atividades de E&P foi crucial, na medida em que “os equipamentos e serviços exigidos ao longo do ciclo produtivo têm sua origem no operador, que é o responsável pela transformação das reservas em produto, aquele que define as especificações e os requisitos de nível de serviço para a cadeia como um todo” (Fernández y Fernández; Musso, 2011FERNÁNDEZ Y FERNÁNDEZ, E.; MUSSO, B. Oportunidades e desafios da agenda de competitividade para construção de uma política industrial na área de petróleo: propostas para um novo ciclo de desenvolvimento industrial. In: FÓRUM NACIONAL VISÃO DE BRASIL DESENVOLVIDO, 23., 16-19 maio 2011, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2011. , p. 4), se se considera o grande poder de compra de uma empresa como a Petrobras, fundamental para a dinâmica da industrialização do país (De Negri et al., 2010DE NEGRI, J. A.; DE NEGRI, F.; TURCHI, L.; WOHLERS, M.; MORAIS, J. M.; CAVALCANTE, L. R. (Org.). Poder de compra da Petrobras: impactos econômicos nos seus fornecedores. Brasília: Ipea/Petrobras, 2010. Disponível em: Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/Livro_poderdecompra.pdf . Acesso em: 27 ago. 2021.
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).

Conforme Dicken (2001DICKEN, P. Global Shift: mapping the changing contours of the World Economy. New York: Guilford, 2001.), o Estado é central para as indústrias extrativas e todas as redes de produção global, sobretudo por sua atuação como regulador. No entanto, as corporações transnacionais têm buscado aumentar alianças estratégicas com o setor privado, especialmente para empreendimentos orientados à pesquisa - que envolvem rápidas mudanças tecnológicas e operam em riscos altos, demandando constante interação entre empresas. Isso tem sido fonte considerável de tensão entre Estado e empresas, além do fato de que “as estruturas espaciais/territoriais das empresas e dos sistemas de empresas raramente, se de alguma forma, coincidem com as unidades político-territoriais” (Dicken; Malmberg, 2009DICKEN, P.; MALMBERG, A. Firms in territories: a relational perspective. Economic Geography, v. 77, n. 4, p. 345-363, 2009. doi: https://doi.org/10.2307/3594105.
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, p. 354).

Além do controle acionário majoritário, atesta-se a presença do Estado nesse caso pela forte participação de outros organismos públicos nas atividades da empresa, sendo o principal deles o BNDES, que tem se empenhado em desenvolver e implementar os novos instrumentos financeiros na Petrobras, atuando desde a aquisição de parte do capital social da empresa até a participação em project finance e em alguns dos fundos. Por outro lado, como vimos, esses instrumentos acabam criando outros pontos a partir dos quais o investimento e a aplicação do capital na Petrobras são comandados, controlados e vigiados.

O project finance, por exemplo, permite contornar restrições nos contratos de dívida da empresa (Finnerty, 2001FINNERTY, J. Project finance: engenharia financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. , p. 305), vinculando os projetos às condições desse novo contrato, mais específico e condicionado pelos agentes financiadores. É uma forma, entre outras, de permitir que uma empresa sob controle estatal salte vinculações regulatórias, na medida em que o financiamento do projeto corre em paralelo ao gerenciamento da empresa. Os fundos, por outro lado, levam operações de diferentes segmentos da empresa à atenção de investidores interessados em obter os recursos pré-calculados e, portanto, surge uma pressão sobre a gerência da empresa de petróleo, mas também das demais empresas financiadas, para que retornem esses capitais investidos em tempo e valores adequados. De maneira bastante mais complexa, o recorrente lançamento de ações da empresa no mercado de capitais leva à gerência a necessidade de corresponder adequadamente aos anseios dos investidores, na medida em que o preço, ainda que não siga diretamente os resultados corporativos, exerce pressões frequentes sobretudo quanto ao lucro e ao balanço da empresa, seguidos com atenção pelo conjunto de investidores.

Isso leva para dentro da empresa de controle estatal uma série de monitoramentos e formas de pressão e associação oriundas do mercado de capitais. Se, por um lado, a disponibilização de capitais investidos pode aumentar as possibilidades da empresa na medida em que permite liberar recursos de suas atividades, por outro, provoca a vinculação dos projetos aos anseios dos financiadores. Analogamente, os próprios fornecedores e demais participantes do circuito do petróleo acabam dentro da lógica de valorização financeira que, ao mesmo tempo em que lhes permite se capitalizarem, os atrela aos caprichos dos investidores e à necessidade de respondê-los. É uma mudança também na relação com os credores, na medida em que, diferentemente do crédito bancário, com o qual se estabelece uma relação direta, essas formas de financiamento envolvem investidores e intermediários diversos, incluindo mesmo empresas cuja atividade principal não é financeira, investidores individuais e fundos de pensão - até mesmo o próprio fundo de pensão da Petrobras, o Petros.

Por fim, é imprescindível mencionar as diversas consequências da Operação Lava Jato que, desde 2014, adquiriu fundamental importância no funcionamento e na vida financeira da Petrobras, o que causou uma profunda “crise reputacional” da empresa (Pinto, 2020PINTO, E. C. Nacionalismo energético, Petrobras e desenvolvimento brasileiro: a retomada interditada. Oikos , Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 142-163, 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.revistaoikos.provisorio.ws/seer/index.php/oikos/article/view/639/328 . Acesso em: 27 ago. 2021.
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). Isso fica patente pelo rápido rebaixamento das notas de avaliação da empresa segundo as principais agências de classificação de risco (Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s), o que colocou a Petrobras abaixo do nível de investimento recomendável. A empresa pública passou a ser pressionada a fazer diversos ajustes de governança (Pinto, 2020PINTO, E. C. Nacionalismo energético, Petrobras e desenvolvimento brasileiro: a retomada interditada. Oikos , Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 142-163, 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.revistaoikos.provisorio.ws/seer/index.php/oikos/article/view/639/328 . Acesso em: 27 ago. 2021.
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), principalmente a partir da gestão de Aldemir Bendine (2015-2016), quando se operaram mudanças significativas nos seus planos estratégicos e políticos. A adoção de práticas mais atinentes aos critérios desses importantes agentes do mercado de capitais, como a redução do nível de endividamento da empresa, redundou no aprofundamento da política de desinvestimentos e venda de ativos.

Outra consequência da investigação foi o escrutínio de grande parte das operações financeiras da empresa, fossem elas lícitas ou não, provocando um recuo na adoção de novos instrumentos de investimento e a interrupção de alguns em curso. As contradições estabelecidas na relação entre o Estado, o mercado de capitais e o circuito do petróleo são exemplificadas, no contexto da operação, pela paralisação das negociações da Petrobras para a ampliação do setor naval e a organização de uma indústria de construção de sondas e plataformas (Colombini, 2020COLOMBINI, I. Crise da geopolítica do petróleo no Brasil e o “mundo invisível” das para-petroleiras. Oikos, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 122-141, 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.revistaoikos.org/seer/index.php/oikos/article/view/638/327 . Acesso em: 27 ago. 2021.
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). Isso fica ainda mais evidente nas relações entre a empresa nacional de petróleo, o BNDES e a Sete Brasil, considerando que, após o início da investigação do suposto envolvimento do presidente e do diretor de operações da empresa naval no recebimento de propina nos contratos de sondas, os credores dos financiamentos de curto prazo retiraram investimentos da empresa, e milhares de trabalhadores ficaram sem receber salário ou foram demitidos (Schutte, 2016SCHUTTE, G. R. Petrobras em marcha forçada. Textos para Discussão, São Paulo: NEEDDS-UFABC, v. 1, p. 1-96, 2016. Disponível em: Disponível em: https://silo.tips/download/petrobras-em-marcha-forada . Acesso em: 27 ago. 2021.
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).

Assim como a Sete Brasil, outras operações financeiras foram postas em questão. A enorme complexidade desses novos tipos de instrumento financeiro - adotados generalizadamente por grandes empresas de atuação nacional e internacional - implica tramas judiciais por vezes bastante cinzentas, envolvendo operações em centros offshore, que figuram em vários dos casos analisados. Conforme Coe, Lai e Wójcik (2014COE, N. M.; LAI, K. P. Y.; WÓJCIK, D. Integrating Finance into Global Production Networks. Regional Studies, v. 48, n. 5, p. 761-777, 2014. doi: https://doi.org/10.1080/00343404.2014.886772.
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), as offshore jurisdiction são hoje um dos desafios à compreensão da atuação das empresas transnacionais. A participação de empresas de diversos países nas estruturações financeiras e nos fundos da Petrobras - como a Cayman Cabiúnas Investment Co., sediada nas ilhas Cayman e a Barracuda-Caratinga BV, sediada nos Países Baixos - são resultado da internacionalização e das engenharias financeiras por trás dessas iniciativas de financiamento, que buscam fugir de taxas e impostos e viabilizar conexões com investidores estrangeiros. Deixam pelo caminho, no entanto, um complexo rastro de negociações que podem incluir investimentos de capital de procedência ilícita e apresentar diversos pontos de escoamento do dinheiro da empresa.

São, assim, muito diversas as contradições que envolvem a adoção de instrumentos financeiros pela Petrobras. O Estado brasileiro vem participando ativamente, com participação dos bancos públicos e outras entidades, no aprofundamento da financeirização das atividades da empresa e, portanto, do território brasileiro. Capitais estrangeiros provenientes de uma complexa rede se somam aos investimentos nacionais públicos e privados e acabam por dificultar a compreensão das demandas corporativas e das consequentes decisões tomadas no âmbito da Petrobras, cobrada a apresentar resultados positivos e a mergulhar ainda mais fundo nas inovações financeiras.

Considerações finais

O que apontamos aqui como financeirização das atividades da Petrobras se desenvolveu sobretudo nas três últimas décadas, com início nos anos 1990 e passando por um ciclo de inovações na gestão do capital da empresa, que sofreram uma forte interrupção com seu envolvimento pela Operação Lava Jato, iniciada em março de 2014. A adoção dos instrumentos financeiros coloca a empresa em contato com uma rede mundial de investimentos, mas também fomenta o setor de serviços financeiros no país, a exemplo dos administradores de fundos de investimento, que, como mostra Caio Alves (2017ALVES, C. Z. J. Finanças, centros de gestão e complexos corporativos metropolitanos: análise dos fundos de investimento em Buenos Aires e São Paulo. In: COSTA, W. M.; VASCONCELOS, D. B. (Org.). Geografia e geopolítica da América do Sul: integrações e conflitos. São Paulo: FFLCH/USP, 2017. p. 152-171.), têm alta concentração no território e mostram a primazia da metrópole de São Paulo, tanto mais fortalecida conforme esse tipo de instrumento se torna fundamental para a atividade das grandes corporações brasileiras.

As políticas econômicas ensaiadas pelos governos brasileiros “neodesenvolvimentistas” se valeram de mecanismos regulatórios, como a política de conteúdo local, que incentivaram empresas fornecedoras do circuito do petróleo. No entanto, foi preciso buscar, sobretudo por meio da Petrobras, instrumentos para que se efetivasse a capacidade de intervenção governamental nesse processo. A adoção desses instrumentos concorreu para aprofundar o processo de financeirização do território brasileiro já apontado por Santos e Silveira (2001SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século 21. Rio de Janeiro: Record, 2001. ). Apesar de esse processo ser caracterizado por sua “baixa intensidade” comparado a países mais centrais do sistema capitalista, o uso desses instrumentos financeiros por uma empresa como a Petrobras revela uma difusão de variáveis próprias de mercados de capitais mais robustos, tais como a redução da dependência das empresas não financeiras com relação aos bancos (Contel, 2019CONTEL, F. Financeirização na América Latina: das dinâmicas globais aos processos locais. In: POLO-ALMEIDA, P.; CARRIÓN, A.; LÓPEZ-SANDOVAL, M. F. (Org.). Debates actuales de la geografía latinoamericana. Quito: Asociación Geográfica del Ecuador, 2019. p. 237-248.).

Por outro lado, as tentativas de aderir às inovações financeiras concorreram para deslocar com mais força o controle da Petrobras do Estado em direção ao mercado financeiro, ainda que o controle majoritário permaneça governamental. Esses novos mecanismos de controle podem aumentar a vulnerabilidade territorial (Arroyo, 2006ARROYO, M. M. A vulnerabilidade dos territórios nacionais latino-americanos: o papel das finanças. In: LEMOS, A. I. G.; SILVEIRA, M. L.; ARROYO, M. (Org.). Questões territoriais na América Latina. Buenos Aires: Clacso, 2006. p. 177-190.), o que é perceptível na redução da participação da Petrobras em quase todas as etapas do circuito espacial produtivo do petróleo no território brasileiro, privatizando-se equipamentos e sistemas técnicos fundamentais para o abastecimento de derivados de petróleo e gás natural, como gasodutos e a subsidiária BR Distribuidora, além da possibilidade de venda de diversas refinarias. Assim, parcelas significativas do território brasileiro ficam suscetíveis às mudanças no emprego em atividades do circuito e no suprimento de derivados de petróleo, cujos preços são agora instáveis e parametrizados pelas principais bolsas internacionais.

Apesar de certos constrangimentos colocados pelas dinâmicas de preços da commodity do petróleo nos últimos anos terem concorrido para fragilizar o encaminhamento dessas políticas, há também que considerar a profunda capacidade de interferência e tensionamento dos agentes e das redes estabelecidas pela ampliação e incorporação de instrumentos de financiamento e capitalização por parte da Petrobras. Se, por um lado, cada vez mais a atividade dos circuitos espaciais produtivos, em especial os mais globalizados como o petróleo, demanda a conformação de complexos círculos de cooperação financeira, eles mesmos têm seus sentidos, formas de organização e dinâmicas crescentemente condicionados pela lógica da valorização financeira, pela racionalidade própria desse mercado e seus agentes e pelas próprias dinâmicas dos fluxos de capitais globalizados que, muitas vezes, não têm vínculo direto com a produção propriamente dita.

Referências

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  • ALVES, C. Z. J. Finanças, centros de gestão e complexos corporativos metropolitanos: análise dos fundos de investimento em Buenos Aires e São Paulo. In: COSTA, W. M.; VASCONCELOS, D. B. (Org.). Geografia e geopolítica da América do Sul: integrações e conflitos. São Paulo: FFLCH/USP, 2017. p. 152-171.
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  • 1
    O percentual de ações do governo federal inclui a parcela detida por meio do BNDES, conforme dados disponíveis em https://www.investidorpetrobras.com.br/.
  • 2
    Cumpre notar que, apesar de oficialmente o regime de monopólio da Petrobras ter vigorado até a promulgação da Lei do Petróleo, em 1997, entre 1975 e 1988, foram celebrados contratos de risco com empresas petroleiras privadas internacionais (Carvalho, 1976CARVALHO, G. Petrobrás: do monopólio aos contratos de risco. São Paulo: Forense-Universitária, 1976. ), o que garantiu uma maior penetração de capitais estrangeiros no circuito do petróleo no território brasileiro.
  • 3
    Emissão de recibo correspondente à negociação de ações de empresas listadas em bolsas de valores de fora dos EUA na Bolsa de Nova York, na prática permitindo a negociação de ações estrangeiras nesse mercado.
  • 4
    Regime jurídico especial de direito de exploração que foi regulamentado pela Lei n. 12.276/2010.
  • 5
    Regime de exploração do petróleo estabelecido a partir da promulgação da Lei n. 12.351/2010. Apesar de ainda prever leilões públicos, como o modelo de concessão - ainda vigente em áreas fora do pré-sal -, a partilha garante maior participação da União nos contratos, seja na tomada de decisão, por meio de outra empresa pública chamada Pré-Sal S.A., seja no direito de obtenção de parcela da produção, paga em óleo.
  • 6
    Os artigos que tratavam dessa matéria foram revogados por um projeto de lei elaborado no Senado Federal em 2015 e sancionado em 2016, logo após o estabelecimento do então novo governo federal, de orientação mais claramente neoliberal.
  • 7
    A Petrobras passou um período sem acessar os mercados financeiros tradicionais devido à moratória da dívida externa praticada pelo governo Sarney em 1986, só voltando a fazer captações e operações em 1992 e usando o sale-leaseback (Ward, 2006WARD, A. K. Projeto Barracuda e Caratinga: um estudo de caso de gestão de risco em financiamento de projetos no setor de petróleo. Dissertação (Mestrado em Administração) - Ibmec, São Paulo, 2006. ). A preparação da empresa para incorporar as novas possibilidades financeiras teve início com a criação de uma coordenação de financiamento de projetos subordinada à Divisão de Assuntos Gerais (Diage), passando em 1998 à criação da Associação de Estruturação Financeira e Novos Negócios (Anef), tornando-se no ano seguinte a Assessoria de Financiamento de Projetos (Asfip), seguida da criação da Gerência Executiva de Financiamento de Projetos, em 2000.
  • 8
    A BNDES Participações participa como acionista SPE estabelecida.
  • 9
    O project finance envolve uma entidade jurídica distinta (Finnerty, 2001FINNERTY, J. Project finance: engenharia financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. , p. 2), tendo no Brasil a forma de uma SPE, geralmente configurada como sociedade anônima, delimitando o objeto do empreendimento.
  • 10
    O investimento em forma de condomínios se baseia na distribuição de cotas a serem adquiridas do patrimônio de fundo, que terão seu valor corrigido conforme se valorizem os ativos. O fundo pode organizar essa distribuição de maneira aberta, permitindo a entrada ou saída de investidores a qualquer momento, ou fechada, captando e depois mantendo os mesmos cotistas até o fim do prazo de duração do fundo.
  • 11
    Os FIDC Não-Padronizados foram criados no fim de 2006, pela instrução da CVM n. 444, para “desmobilizar os ativos ilíquidos do balanço das instituições cedentes dos recebíveis por parte dos originadores”, remunerar melhor os investidores e “assegurar maior eficiência à gestão de caixa das empresas do grupo ao conciliar o excesso de recursos em algumas delas com a necessidade de captação de outras” (Andima, 2015, p. 40).
  • 12
    Além de menores valores nos mercados internacionais, esses petróleo chamados “não convencionais” têm extração mais custosa, com altos riscos ambientais, técnicos e financeiros, entre os quais se destacam o shale oil e o shale gas estadunidense, as areias betuminosas do Canadá e o petróleo ultrapesado da Venezuela.
  • 13
    Os atuais reservatórios do pré-sal brasileiro se encontram a profundidades de 6.000 a 7.000 m, sendo 2.000 m de lâmina d’água e 3.000 a 4.000 m de rocha. Além disso, estão a cerca de 300 km da costa brasileira, exigindo complexas operações logísticas e novas infraestruturas de escoamento de gás natural, plataformas e equipamentos adaptados a tais condições, bem como sistemas mais precisos de controle e segurança.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2020
  • Aceito
    09 Jun 2021
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