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A agricultura familiar fruticultora nos municípios de Itatiba, Louveira, Valinhos e Vinhedo: aspectos socioeconômicos e culturais no contexto regional paulista

Resumo

O artigo discute a importância da agricultura familiar voltada para a produção de frutas para os municípios de Itatiba, Louveira, Valinhos e Vinhedo (SP). Na zona rural desses municípios, há pequenas propriedades formadas a partir da desagregação de grandes fazendas de café. Nessas propriedades, predominam relações do tipo familiar, com a presença da herança cultural da tradição de imigrantes que chegaram e se fixaram nessa região do estado de São Paulo entre fim do século XIX e início do XX. O estudo procura compreender a configuração socioeconômica e cultural dos municípios estudados por meio de análises geográficas e históricas. Para tanto, procedeu-se a uma ampla pesquisa bibliográfica, trabalhos de campo para coleta de dados primários e consulta a bancos de dados como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo para coleta, análise e tabulação de dados secundários.

Palavras-chave:
Fruticultura; Economia rural; Cultura

Abstract

The article discusses the importance of family farming focused on the production of fruit, for the municipalities of Itatiba, Louveira, Valinhos, and Vinhedo (state of São Paulo, Brazil). In the rural areas of these municipalities it is possible to find small rural properties formed from the disintegration of large coffee farms. In these properties, family relationships predominate, with the presence of the cultural heritage coming from the tradition of immigrants who arrived and settled in this region of the state of São Paulo between the end of the 19th century and the beginning of the 20th century. The study seeks to understand the socioeconomic and cultural configuration of the analyzed municipalities by geographic and historical analyses. To this end, broad bibliographic research was carried out, in addition to field research to collect primary data and to consult databases, such as the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) and the Department of Agriculture and Food Supply of the State of São Paulo to collect, analyze, and tabulate secondary data.

Keywords:
Fruit cultivation; Rural economy; Culture

Resumen

El artículo discute la importancia de la agricultura familiar orientada a la producción de frutas para los municipios de Itatiba, Louveira, Valinhos y Vinhedo (SP). En las áreas rurales de estos municipios es posible encontrar pequeñas propiedades formadas a partir de la desintegración de grandes haciendas cafetaleras. En estas propiedades predominan las relaciones de tipo familiar, con presencia del patrimonio cultural proveniente de la tradición de los inmigrantes que llegaron y se establecieron en esta región del estado de São Paulo entre fines del siglo XIX y principios del XX. El estudio busca comprender la configuración socioeconómica y cultural de los municipios estudiados a través de análisis geográficos e históricos. Para ello se realizó una extensa investigación bibliográfica, se realizaron trabajos de campo para recolectar datos primarios y consultas de bases de datos como el Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE) y la Secretaría de Agricultura y Abastecimiento del Estado de São Paulo para la recolección, análisis y tabulación de datos secundarios.

Palabras clave:
Fruticultura; Economía rural; Cultura

Introdução

A produção de culturas como caqui, uva, figo e goiaba tem grande relevância para os municípios de Itatiba, Louveira, Valinhos e Vinhedo (SP). Nessa região do estado, a fruticultura tem contribuído há décadas para a economia regional, além de favorecer a preservação da memória ao perpetuar culturas tradicionais relativas à maciça presença de descendentes de imigrantes europeus, sobretudo italianos, que se fixaram e começaram a trabalhar como colonos em fazendas de café das regiões de Campinas e Jundiaí, em especial a partir de meados do século XIX.

Muitos destes imigrantes chegaram em virtude do fim do período escravocrata que criou a necessidade por mão de obra barata para trabalhar nas lavouras de café. Em 1850, com a assinatura da Lei Eusébio de Queiroz e a proibição da entrada de negros escravizados no Brasil, ficou impedido o tráfico e o comércio livre de escravos. De todo modo, teve início o problema da falta de mão de obra para atender às necessidades das grandes lavouras de café. Nesse contexto, os países europeus acabaram por se tornar os grandes fornecedores de imigrantes que dariam conta de equacionar essa demanda (Bega dos Santos, 1994BEGA DOS SANTOS, R. C. Migração no Brasil. São Paulo: Scipione, 1994. ; Fausto, 2010FAUSTO, B. História do Brasil. 13a ed. 2a reimp. São Paulo: Edusp, 2010. ; Martins, 2013MAIORANO, J. A. A cultura do figo no Brasil. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE A CULTURA DA FIGUEIRA, 2., 12-14 maio 2010, Campinas. Anais... Campinas: Feagri (Unicamp)/Cati, 2010. p. 11-13. Disponível em: Disponível em: https://www.feagri.unicamp.br/simfigo/images/stories/Anais/anais_simfigo2010.pdf . Acesso em: 1 jul. 2020.
https://www.feagri.unicamp.br/simfigo/im...
).

No geral, o governo brasileiro apoiava a economia cafeeira de todas as formas e, particularmente na Itália, houve ampla divulgação do sistema de imigração subvencionada, a partir da década de 1880. Não era um processo de imigração com vistas a ocupar o território, mas um modo de fornecer mão de obra às fazendas de café, sacrificando o imigrante em benefício do fazendeiro (Bega dos Santos, 1994BEGA DOS SANTOS, R. C. Migração no Brasil. São Paulo: Scipione, 1994. ).

Em várias ocasiões, os imigrantes que tiveram a viagem subvencionada pelo governo nacional foram encaminhados a núcleos coloniais oficiais, tornando-se pequenos proprietários. Esses núcleos se consolidavam geralmente em terras não propícias a culturas como café e cana, onde os imigrantes podiam se dedicar ao cultivo de alimentos baratos como milho, arroz, feijão e mandioca, que, apesar de muito consumidos, não tinham mercado significativo, pois todas as grandes fazendas e sítios produziam para consumo. Assim, a produção atendia às necessidades da família dos imigrantes e o excedente era vendido nas pequenas áreas urbanas. No entanto, em sua maior parte, os imigrantes subvencionados que se dirigiram a São Paulo, tiveram suas viagens pagas pelo governo paulista não tendo, neste caso, nenhuma liberdade para decidir aonde ir ou o que fazer. Desembarcados no porto de Santos, os imigrantes eram levados à Hospedaria do Imigrante, onde permaneciam até oito dias, e depois conduzidos às regiões onde havia mais demanda de força de trabalho (Martins, 2013MAIORANO, J. A. A cultura do figo no Brasil. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE A CULTURA DA FIGUEIRA, 2., 12-14 maio 2010, Campinas. Anais... Campinas: Feagri (Unicamp)/Cati, 2010. p. 11-13. Disponível em: Disponível em: https://www.feagri.unicamp.br/simfigo/images/stories/Anais/anais_simfigo2010.pdf . Acesso em: 1 jul. 2020.
https://www.feagri.unicamp.br/simfigo/im...
).

Os italianos foram o principal grupo de imigrantes a fornecer mão de obra para as lavouras de café. Entre 1887 e 1900, 73% dos imigrantes que entraram no estado de São Paulo foram os italianos, embora nem todos tenham se voltado ao desenvolvimento de atividades agrícolas. Eram pessoas muito pobres e tal fato é confirmado, pois os subsídios oferecidos pelo governo representavam um forte elemento de atração (Fausto, 2010FAUSTO, B. História do Brasil. 13a ed. 2a reimp. São Paulo: Edusp, 2010. ).

Essa corrente imigratória italiana marcou a vida econômica e sociocultural de todo o estado de São Paulo, inclusive nas regiões de Campinas e Jundiaí, que receberam significativo número de imigrantes no auge desse processo, dada a necessidade das grandes lavouras de café. De qualquer forma, para essas pessoas, o trabalho na lavoura era passageiro, pois seu real objetivo era acumular algumas economias para comprar seu pedaço de terra. Foram as crises da economia cafeeira, em especial a de 1929, que criaram as condições para a efetivação desse projeto em larga escala. Assim, a presença do imigrante italiano deu novas características à economia agrícola e à organização da sociedade regional, que até então tinha no café a principal cultura. Entre os fatores que concorreram para isso, destacam-se o esgotamento do solo, devido ao modo predatório como se desenvolvia a cultura cafeeira na região, e as sucessivas crises pelas quais passou o café desde o início do século XX, com o golpe de misericórdia em 1929, o que permitiu ao imigrante adquirir seu pequeno pedaço de terra.

Os imigrantes tiveram grande influência na vida agrária do país, em especial em São Paulo. A luta pela propriedade e a fragmentação das grandes fazendas, permitiu a ascensão social e o aparecimento do pequeno proprietário no estado. Pequena propriedade que surge em função da cafeicultura direcionada ao mercado externo. A transferência da terra para novos donos e, principalmente, a decadência da monocultura do café, levou a novas formas de uso da terra em todo o estado e também nas regiões de Campinas e Jundiaí.

Nesse sentido, este artigo busca compreender o modo como a produção de frutas ganhou relevância socioeconômica para os municípios abordados neste estudo, sobretudo pelas mãos dos imigrantes e de seus descendentes, favorecendo, entre outras coisas, a cristalização de novos hábitos culturais, a diversificação da produção agrícola e o fortalecimento da economia rural no estado de São Paulo.

O recorte espacial do estudo recai sobre Itatiba, Louveira, Valinhos e Vinhedo, tendo em vista suas similaridades no que tange ao passado histórico. São municípios formados a partir da desagregação dos territórios de Jundiaí e Campinas, tendo recebido ao longo de sua história grande número de imigrantes italianos, em sua maioria os responsáveis pelo início do plantio da cultura de frutas na região. Para chegar aos resultados apresentados, fizemos ampla pesquisa bibliográfica tendo como referência autores clássicos e contemporâneos, trabalhos de campo nas regiões rurais dos municípios destacados, além de levantamento, análise e tabulação de dados em fontes secundárias como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Fruticultura nos municípios de Itatiba, Louveira, Valinhos e Vinhedo

Como relatado, a fruticultura começou a ganhar notoriedade nas regiões de Campinas e Jundiaí, a partir do momento em que o café entrou em seu período de decadência. Tal situação levou a que parte das propriedades cafeicultoras fossem parceladas e, como consequência, os imigrantes e seus descendentes que na ocasião possuíam alguma economia, puderam ter acesso ao seu pequeno pedaço de terra. Nesse contexto, a monocultura cafeeira foi sendo substituída por um sistema de policultura voltado a atender às demandas de subsistência, com a posterior venda do excedente produzido.

Produtos diversificados, que até então não faziam parte do que se produzia ou consumia na região, passaram a se tornar mais frequentes na paisagem rural e, consequentemente, no cotidiano das pessoas, a exemplo de frutas como a uva, o figo, a goiaba e o caqui, muito relevantes para as economias dos municípios aqui até a atualidade. O potencial fruticultor da região se tornou um fato. Em grande medida, em função do trabalho desenvolvido pelos imigrantes e seus descendentes que se fixaram nas regiões de Campinas e Jundiaí entre o final do século XIX e as primeiras décadas do XX, dando novas características à dinâmica da economia agrícola regional, aos hábitos e costumes percebidos no meio rural onde, até a atualidade, predominam pequenas propriedades com existência de trabalho familiar.

Assim, o processo histórico que levou à fragmentação das grandes propriedades cafeicultoras é fundamental para entendermos o modo como se organizou a estrutura fundiária nos municípios aqui estudados, pois esse processo reforça o importante papel que passou a desempenhar a agricultura familiar na economia e cultura regional a partir de meados da década de 1930.

Os dados do Censo Agropecuário Paulista (São Paulo, 2016/2017) indicaram que, nos municípios em análise, a maior parte das propriedades rurais mede até 50 ha. De modo geral, essa medida não ultrapassa o valor de quatro módulos fiscais, parâmetro da legislação brasileira para definir o sistema de agricultura familiar. Em Itatiba, o módulo fiscal corresponde a 12 ha. Já em Louveira, Valinhos e Vinhedo, foi definido em 10 ha. São pequenas propriedades rurais onde é comum que trabalhem os próprios integrantes da família proprietária da terra, com técnicas tradicionais. Na Tabela 1, a área das unidades de produção dos municípios em tela.

Tabela 1 -
Área das unidades de produção agropecuária nos municípios analisados (ha) (2016/ 2017)

Na atualidade, há que se destacar a alta qualidade da produção frutícola em chácaras e pequenos sítios dos municípios estudados aqui. Essa qualidade levou a um grau de organização que deu aos pequenos agricultores da região visibilidade de parte dos governos estadual e municipal, de modo que estão hoje inseridos no contexto do chamado Circuito das Frutas (Bredariol, 2020BREDARIOL, M. A. Patrimônio natural: preservação ou privatização? Ações do poder público e os interesses privados: o caso da Serra dos Cocais entre Itatiba, Louveira, Valinhos e Vinhedo (SP). Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1158136 . Acesso em: 31 maio 2021.
http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Det...
), polo turístico que congrega municípios que são referência na fruticultura no estado de São Paulo, com acentuada presença de agricultura do tipo familiar.

Integram o Circuito das Frutas os seguintes municípios: Atibaia, Indaiatuba, Itatiba, Itupeva, Louveira, Morungaba, Jundiaí, Jarinu, Valinhos e Vinhedo (Mapa 1). Cada um destes municípios se especializou na produção de tipos específicos de frutas. Atibaia é famosa pelos morangos; Indaiatuba se especializou na produção de uva e acerola; Itatiba se destaca pela produção de caqui; Itupeva destaca-se pela produção de uvas, assim como Louveira e Vinhedo; Morungaba se destaca pela produção de compotas de frutas como uvas, figos, laranjas, pêssegos, entre outras frutas; Valinhos tem alta produção de figos e goiabas, e Jundiaí é referência por sua alta produção de uvas.

Mapa 1 -
Municípios que compõem o Circuito das Frutas

Segundo Bardin-Camparotto et al. (2013BARDIN-CAMPAROTTO, L.; PEDRO JUNIOR, M. J.; BLAIN, G. C.; MORAES, J. F. L.; HERNANDES, J. L. Polo turístico do circuito das frutas do estado de São Paulo: fisiografia e clima. Campinas: IAC, 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.iac.sp.gov.br/publicacoes/arquivos/iacbt213.pdf . Acesso em: 3 maio 2020.
http://www.iac.sp.gov.br/publicacoes/arq...
), o polo do Circuito das Frutas surgiu nos anos 2000, mas só foi institucionalizado em 2002, pelo Decreto Estadual n. 47.180, sendo comum na região a visitação de turistas a propriedades rurais par a conhecer o processo de produção de frutas, vinhos e doces artesanais, além de haver um calendário de festas que é um atrativo aos visitantes. Os autores notam ainda que a região tem belezas naturais e clima agradável, com potencial para a prática de esportes de aventura, ecoturismo e turismo rural; há ali hotéis, opções de alimentação e comércio variado de frutas e artesanato. Nas zonas rurais dos municípios aqui retratados, é forte a presença da agricultura familiar.

Além das tradicionais propriedades produtoras de frutas, existem propriedades onde há a criação de gado bovino e ovino em pequena escala, além da produção de hortaliças e áreas onde predomina o plantio de eucalipto. A cultura de frutas se mostra bastante importante para os municípios aqui abordados. [...] Caqui, goiaba, figo e uva estão entre as culturas mais cultivadas e são motivo da realização de grandes festas em Itatiba, Louveira, Valinhos e Vinhedo na época da colheita, gerando renda não só por conta da venda dos produtos, mas também, por meio do turismo gastronômico e rural que acaba por atrair visitantes em grande número para a região (Bredariol, 2015BREDARIOL, M. A. Serra dos Cocais: especulação imobiliária, destruição do meio e expropriação dos agricultores familiares - tombamento da área como forma de resistência. Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 2, p. 319-340, 2015. doi: https://doi.org/10.54446/bcg.v5i2.214.
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, p. 329-330).

Muitas das propriedades servem também a atividades de lazer como pesqueiros, ranchos, restaurantes e pequenos alambiques e adegas, que expressam hábitos e tradições ligados ao campo, ainda presentes ali em pleno século XXI (Bredariol, 2015BREDARIOL, M. A. Serra dos Cocais: especulação imobiliária, destruição do meio e expropriação dos agricultores familiares - tombamento da área como forma de resistência. Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 2, p. 319-340, 2015. doi: https://doi.org/10.54446/bcg.v5i2.214.
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).

Bernardi (2009BERNARDI, A. Estratégias de desenvolvimento local e regional: um estudo sobre o Circuito das Frutas e sua articulação com a Região Metropolitana de Campinas, SP. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/287240 . Acesso em: 10 maio 2020.
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) conduziu significativos estudos sobre o chamado Circuito das Frutas. Para a autora, o fato de a região ter se tornado referência na produção de frutas está ligado à presença dos imigrantes que, ao longo do tempo, se habituaram a fazer festas e eventos para promover as produções fruticultoras. Esses imigrantes eram assalariados e quando adquiriram suas terras iniciaram o cultivo de frutas como figo, goiaba e uva, além de preservar costumes como a religião, a realização de festas e a fabricação de vinhos. Atualmente, os descendentes dos imigrantes continuam com a produção de seus antepassados, contribuindo para o aumento da produção agrícola, rentabilidade e fortalecimento de tradições e hábitos culturais deixados pelos imigrantes (Bernardi, 2009BERNARDI, A. Estratégias de desenvolvimento local e regional: um estudo sobre o Circuito das Frutas e sua articulação com a Região Metropolitana de Campinas, SP. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/287240 . Acesso em: 10 maio 2020.
http://repositorio.unicamp.br/jspui/hand...
).

Assim, nota-se que os hábitos e tradições ligados ao trabalho desenvolvido no campo são parte do que entendemos como patrimônio cultural na região. Em Itatiba, Louveira, Valinhos e Vinhedo, apesar das influências do meio urbano e das pressões da lógica mercantil capitalista, ainda é possível perceber que traços culturais permanecem nas áreas rurais. Esses traços são parte da memória social das pessoas que habitam essas áreas, de modo que são transmitidos de geração para geração. Nesse contexto, não seria exagero considerar esses hábitos e tradições patrimônio cultural passível de preservação e proteção.

A cultura da uva

Ao que tudo indica, foi a uva a primeira fruta a ser produzida em escala relevante nas regiões de Campinas e Jundiaí. Apesar de presente em terras brasileiras já desde o início da colonização, a uva nunca teve peso no contexto econômico da colônia. Em São Paulo a viticultura demorou muito a se desenvolver, pois no século XVIII foi aniquilada pela mineração e no século XIX, só havia espaço para a monocultura tropical. Além disso, durante muitos anos, o governo português impôs a proibição do plantio da fruta no Brasil, com vistas a incentivar a indústria de vinhos portugueses. Assim, é só a partir da segunda metade do século XIX que a cultura da uva começa a aparecer no meio rural paulista, ainda de forma secundária, por meio do trabalho dos colonos italianos (Inglez de Souza, 1959aINGLEZ DE SOUZA, J. S. Origens do Vinhedo Paulista. Jundiaí, SP: Prefeitura Municipal/Obelisco, 1959a. , 1959bINGLEZ DE SOUZA, J. S. Mutações somáticas na videira Niagara. Bragantia - Boletim Técnico da Divisão de Experimentação e Pesquisas, Campinas, SP: Instituto Agronômico, v. 18, n. 27, p. 387-421, 1959b. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/brag/v18nunico/27.pdf . Acesso em: 15 jun. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/brag/v18nunico...
).

Como ressaltou Inglez de Souza (1959aINGLEZ DE SOUZA, J. S. Origens do Vinhedo Paulista. Jundiaí, SP: Prefeitura Municipal/Obelisco, 1959a. ), o início da viticultura em São Paulo em proporções dignas de menção foi pelas mãos de imigrantes italianos que se haviam estabelecido no município de Jundiaí, o que concorreu para marcar uma maior diversificação da produção no campo. O plantio da uva pelos imigrantes residentes em Jundiaí tinha fins estritamente domésticos. No entanto, chamava atenção a produtividade da cultura em São Paulo, em especial, da labrusca Isabel, sendo que, a partir dos cultivos estabelecidos em Jundiaí, em especial nas terras do Núcleo Colonial Barão de Jundiaí, a cultura se estendeu a toda região circunvizinha. Era nas terras do citado núcleo colonial e no bairro do Caxambu que estavam os mais velhos parreirais de Jundiaí, todos formados pelo trabalho dos imigrantes italianos (Inglez de Souza, 1959aINGLEZ DE SOUZA, J. S. Origens do Vinhedo Paulista. Jundiaí, SP: Prefeitura Municipal/Obelisco, 1959a. ).

No entanto, como frisou o próprio Inglez de Souza (1959aINGLEZ DE SOUZA, J. S. Origens do Vinhedo Paulista. Jundiaí, SP: Prefeitura Municipal/Obelisco, 1959a. ), antes mesmo de ganhar destaque em Jundiaí, a uva tinha já certa visibilidade em municípios vizinhos como Itatiba, por exemplo, onde se produziam uvas para vinho desde meados da década de 1880. O autor verificou que, em 1889, o estado de São Paulo obteve uma produção de vinhos da ordem de 1.750.000 litros, concentrada nos municípios de São Paulo, Itatiba, Mogi das Cruzes, São Roque, Cunha e Sorocaba, não se destacando Jundiaí nesse conjunto.

Além disso, já em 1888, os vinhos produzidos em Itatiba foram considerados os melhores da Província de São Paulo, ao ser apresentados na Primeira Exposição de Assucar e Vinhos Nacionais. Os vinhos produzidos em Itatiba foram feitos a partir da uva Isabel e julgados por Frederico Maurício Draenert (1889DRAENERT, F. M. Os vinhos nacionais na Primeira Exposição de Assucar e Vinhos: Relatorio apresentado ao Centro da Industria e Commercio de Assucar. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. , p. 20), que relatou:

Os melhores vinhos naturaes o puros, tintos e brancos, da provincia de S. Paulo, são os de Itatiba, bem que o tinto n. 17 ainda é demasiadamente ácido, defeito que pode ser corrigido [...]. Quase todos os vinhos de S. Paulo são muito ácidos, propriedade devida em parte ás más sortes de vides americanas, do grupo Vitis Lubrusca, introduzidas e cultivadas, e em parte ás condições climatéricas, como já ficou explicado no “Relatório sobre a viticultura no Brazil”. Entretanto com alguma arte na pratica de vinificação o excesso dos ácidos pode ser diminuído para obter um bom vinho de pasto. Si os vinhos de Itatiba, contivessem 0,2 a 0,3% de menos acidez, apresentariam o typo de excelentes vinhos nacionais, tanto quanto é possível julgal-os pela analyse chimica.

De qualquer forma, ainda nesse período, o principal produto agrícola de Itatiba era, sem sombra de dúvida, o café. É fato notório que os vinhedos só começaram a surgir com representatividade na região de Jundiaí, ao fim da primeira década do século XX, em consequência do recuo e decadência da cultura cafeeira.

Inicialmente, esses pequenos vinhedos atrelavam-se a culturas como milho e feijão nas pequenas propriedades dos ex-colonos, que puderam obter sua posse pelo retalhamento das fazendas onde, muitas vezes, até já haviam trabalhado. Aos poucos, a cultura da uva se impôs na paisagem rural de Jundiaí e região, adquirindo grande relevo (Mattos, 1952MARTINS, J. S. O cativeiro da terra. 9a ed. São Paulo: Contexto, 2013. ).

Comprovando a aptidão vitícola da região, na década de 1940, Homem de Melo (1945HOMEM DE MELO, M. D. Estudo sôbre a comercialização de figos e uvas em São Paulo. Bragantia - Boletim Técnico da Divisão de Experimentação e Pesquisas, Campinas, SP: Instituto Agronômico, v. 5, n. 8, p. 439-556, 1945. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/brag/v5n8/01.pdf . Acesso em: 11 jun. 2020.
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) constatou que, no estado de São Paulo, a mais notável região com produção de uvas em escala comercial estava na zona servida pela Estrada de Ferro Paulista, compreendendo os municípios de Campinas, Jundiaí, Itatiba e arredores, onde a fruta era produzida não só para consumo in natura, mas também para a fabricação de vinhos, sendo a produção voltada ao abastecimento de grandes cidades como São Paulo e o Rio de Janeiro, além de todo o interior paulista. O autor já mostrava inclusive a grande produção de uvas encontradas à época no distrito de Louveira (Homem de Melo, 1945HOMEM DE MELO, M. D. Estudo sôbre a comercialização de figos e uvas em São Paulo. Bragantia - Boletim Técnico da Divisão de Experimentação e Pesquisas, Campinas, SP: Instituto Agronômico, v. 5, n. 8, p. 439-556, 1945. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/brag/v5n8/01.pdf . Acesso em: 11 jun. 2020.
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).

É válido lembrar que apesar de, a princípio, ter havido cultivo de uvas com vistas a fabricação de vinhos na região, ao longo do tempo, a produção orientou-se ao plantio da uva de mesa que se mostrava mais rentável aos produtores, tendo em conta a alta competitividade apresentada pelas uvas para vinicultura produzidas no Rio Grande do Sul (Mattos, 1952MARTINS, J. S. O cativeiro da terra. 9a ed. São Paulo: Contexto, 2013. ).

Chegaram a existir na região algumas cantinas conhecidas pela qualidade de seus vinhos, no entanto, a proximidade de grandes mercados consumidores de uvas de mesa, como as cidades de São Paulo e o Rio de Janeiro, fez com que a produção se especializasse neste tipo de produto, transformando a produção de uva para vinicultura, uma atividade essencialmente doméstica. Com o passar do tempo, a cultura de Niágara branca e rosada substituiu as variedades vinícolas Isabel e Seibel, espalhando-se pela região e adquirindo grande relevância econômica (Navarra, 1977MING, L. C.; MENEZES, M. N. A.; GUERRA, G. A. D. Figo, história e cultura. In: LEONEL, S.; SAMPAIO, A. C. (Org.). A figueira. São Paulo: Ed. Unesp, 2011. p. 9-55. Disponível em; Disponível em; https://repositorio.unesp.br/handle/11449/113695 . Acesso em: 6 maio 2020.
https://repositorio.unesp.br/handle/1144...
).

Hoje ainda existem vinícolas na região, mas a produção é de pequena escala e bastante artesanal. De fato, ao longo do tempo, a região destacou-se como grande produtora de uvas de mesa, com especial notoriedade para a variedade Niágara. Assim, a pequena produção de vinhos coloca-se como mais uma forma de ganho de capital nas propriedades, que acabam atraindo para a região um turismo do tipo rural.

Como bem verificou Mattos (1952MARTINS, J. S. O cativeiro da terra. 9a ed. São Paulo: Contexto, 2013. ), no auge de sua expansão, a partir de Jundiaí, a cultura da vinha se estendia ao norte para a região de Vinhedo, antigo distrito de Rocinha, associando-se a diferentes atividades rurais. A influência de Campinas dava a essa área uma característica especial, pois entre os vinhedos encontravam-se pastagens e estábulos voltados à produção de gado leiteiro. Próximo a Valinhos, esses vinhedos apareciam associados a plantações de figo. Na direção de Itatiba, os vinhedos firmavam-se como presença constante na paisagem rural se associando a velhas fazendas de café. Por fim, ao sul de Vinhedo, encontravam-se as zonas vitícolas de Louveira, formados à base da famosa Niágara para produzir uva de mesa. Nessa região, o autor ainda encontrou velhas fazendas procurando acompanhar a evolução da economia agrária, onde a cultura da vinha estava associada ao café, além da banana e da cana-de-açúcar (Mattos, 1952MARTINS, J. S. O cativeiro da terra. 9a ed. São Paulo: Contexto, 2013. ).

A Niágara de bagas brancas e arredondadas é originária do processo de cruzamento entre as espécies Vitis labrusca L. e V. vinífera L. Introduzida no Brasil em meados de 1894, a partir de 1910 começou a ser largamente cultivada nos vinhedos brasileiros, em especial, no estado de São Paulo, onde adquiriu destaque econômico. Em 1933 surgiu em Jundiaí, no então distrito de Louveira, na propriedade de um descendente de imigrantes italianos, uma cepa de Niágara branca que ostentava em seus ramos, cachos de bagas vermelhas. Nasceu assim, por mutação somática, a famosa Niágara rosada, que ao longo do tempo se tornou a uva mais cultivada do estado. A Niágara rosada é, dessa maneira, uma variedade brasileira, embora proveniente de uma variedade norte-americana. Mais tarde ocorreram outras mutações genéticas que levaram ao surgimento de novas variedades: a gigante branca (1937), a branca oval (1938), a rosada gigante (1941), a Niágara rajada (1947) e a Niágara maravilha, de bagas rosadas e olivadas (Inglez de Souza, 1959aINGLEZ DE SOUZA, J. S. Origens do Vinhedo Paulista. Jundiaí, SP: Prefeitura Municipal/Obelisco, 1959a. , 1959bINGLEZ DE SOUZA, J. S. Mutações somáticas na videira Niagara. Bragantia - Boletim Técnico da Divisão de Experimentação e Pesquisas, Campinas, SP: Instituto Agronômico, v. 18, n. 27, p. 387-421, 1959b. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/brag/v18nunico/27.pdf . Acesso em: 15 jun. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/brag/v18nunico...
).

A partir da mutação somática que deu origem à Niágara rosada, a região de Jundiaí se firmou como a maior produtora dessa variedade no Brasil, que é até hoje expressiva no contexto econômico regional.

O Censo agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Brasil, 2017BRASIL. Censo agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: Disponível em: https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resultadosagro/index.html . Acesso em: 28 jun. 2020.
https://censoagro2017.ibge.gov.br/templa...
) colocou a região, que compreende os municípios aqui analisados, em destacada posição no tocante à produção de uvas de mesa no estado de São Paulo (Figura 1). O município de Louveira figurou entre os dez maiores produtores do estado, tendo produzido um total de 3.524 t de uvas de mesa. No mesmo período, Itatiba produziu 843 t, Vinhedo 794 t e Valinhos 213 t. Quanto ao valor da produção, os quatro municípios perfizeram R$ 16.362.000,00, o que mostra a força e a importância da agricultura familiar voltada para a produção de uvas de mesa para esses municípios.

Figura 1 -
Uva de mesa: quantidade (t) produzida no estado de São Paulo - 2017

Outro ponto a destacar é que, por conta de a Niágara rosada ser originária da região, tem havido esforços dos poderes públicos e agricultores locais em um trabalho conjunto com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), para a obtenção do selo de indicação geográfica da fruta, o que a tornaria ainda mais competitiva no mercado. De modo geral, produtos como uva e vinho são muito expressivos no contexto dos registros de indicação geográfica no Brasil.

Como mostrou Verdi (2019TECCHIO, M. A.; PEREIRA, R. T.; MOTTA, V. M. Caqui: panorama nacional da produção. Campo & Negócios, Uberlândia, 17 maio 2019. Disponível em: Disponível em: https://revistacampoenegocios.com.br/caqui-panorama-nacional-da-producao/ . Acesso em: 7 jun. 2020.
https://revistacampoenegocios.com.br/caq...
), existem hoje no Brasil seis áreas de indicação geográfica para vinhos: o Vale dos Vinhedos, Pinto Bandeira, o Vale da Uva Goethe, Altos Montes, Monte Belo e Farroupilha, todas na região Sul, além de duas para uvas de mesa finas, destacando-se o Vale do Submédio São Francisco e Marialva. No caso da Niágara rosada, a delimitação da área para a atribuição da indicação geográfica da variedade compreende a região denominada Velha Jundiaí, composta pelos municípios de Itatiba, Itupeva, Jarinu, Jundiaí, Louveira e Vinhedo, onde ocorreu a mutação somática da Niágara branca para a rosada, predominando o cultivo até a atualidade (Mapa 2) (Verdi, 2019TECCHIO, M. A.; PEREIRA, R. T.; MOTTA, V. M. Caqui: panorama nacional da produção. Campo & Negócios, Uberlândia, 17 maio 2019. Disponível em: Disponível em: https://revistacampoenegocios.com.br/caqui-panorama-nacional-da-producao/ . Acesso em: 7 jun. 2020.
https://revistacampoenegocios.com.br/caq...
).

Mapa 2 -
Delimitação geográfica da área produtora da Niágara rosada de Jundiahy

A processo de produção da Niágara rosada foi bem-sucedido devido às condições de clima e solo da região, além de técnicas de manejo da cultura bastante específicas, o que torna a fruta bem aceita pelos consumidores. Além disso, nos municípios da região de Jundiaí, a uva associa-se à história e às referências culturais tradicionais herdadas dos imigrantes italianos que chegaram para trabalhar nas lavouras de café. Muitas das tradições que envolvem o cultivo da fruta são representadas em festas para comemorar a colheita, nas celebrações religiosas, entre outros aspectos, o que faz da uva, além de cultura destacada economicamente, um elemento histórico que caracteriza e contribui para cristalizar os hábitos culturais percebidos nessa região do estado de São Paulo.

A cultura do figo

A produção de figo na região dos municípios em tela tem grande notoriedade socioeconômica, visto que gera emprego e renda para os pequenos agricultores e agricultores familiares ali estabelecidos. Assim como no caso da uva, a cultura do figo ganhou relevância econômica na região pelas mãos dos imigrantes italianos.

Segundo Conti (2010CONTI, J. H. Perpetuação do negócio figo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE A CULTURA DA FIGUEIRA, 2., 12-14 maio 2010, Campinas. Anais... Campinas: Feagri (Unicamp)/ Cati, 2010. p. 83-85. Disponível em: Disponível em: https://www.feagri.unicamp.br/simfigo/images/stories/Anais/anais_simfigo2010.pdf . Acesso em: 1 jul. 2020.
https://www.feagri.unicamp.br/simfigo/im...
) e Ming, Menezes e Guerra (2011MATTOS, D. L. Contribuição ao estudo da vinha no estado de São Paulo: a região de Jundiaí. Boletim Paulista de Geografia, n. 11, p. 33-52, 1952. Disponível em: Disponível em: https://agb.org.br/publicacoes/index.php/boletim-paulista/article/viewFile/1365/1224 . Acesso em: 22 maio 2020.
https://agb.org.br/publicacoes/index.php...
), o figo chegou à região de Campinas, mais precisamente ao antigo distrito de Valinhos, no ano de 1901, pelas mãos do imigrante italiano Lino Busatto que, quando se estabeleceu no lugar, deu início ao cultivo do figo branco, também conhecido como pingo-de-mel. No entanto, o italiano queria provar os figos diferentes da sua terra e solicitou o envio de mudas da Itália. Estas chegaram em 1901 e, quando começaram a frutificar, agradaram o paladar dos vizinhos de Busatto. Como consequência, distribuíram-se muitas mudas da variedade europeia, o que levou à rápida expansão da cultura na região. Assim, devido à iniciativa de Busatto, já em 1910 aumentou sensivelmente a área cultivada, e Valinhos passou a ser conhecida como a Terra do Figo, com plantações que não paravam de crescer (Conti, 2010CONTI, J. H. Perpetuação do negócio figo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE A CULTURA DA FIGUEIRA, 2., 12-14 maio 2010, Campinas. Anais... Campinas: Feagri (Unicamp)/ Cati, 2010. p. 83-85. Disponível em: Disponível em: https://www.feagri.unicamp.br/simfigo/images/stories/Anais/anais_simfigo2010.pdf . Acesso em: 1 jul. 2020.
https://www.feagri.unicamp.br/simfigo/im...
; MING; MENEZES; GUERRA, 2011MING, L. C.; MENEZES, M. N. A.; GUERRA, G. A. D. Figo, história e cultura. In: LEONEL, S.; SAMPAIO, A. C. (Org.). A figueira. São Paulo: Ed. Unesp, 2011. p. 9-55. Disponível em; Disponível em; https://repositorio.unesp.br/handle/11449/113695 . Acesso em: 6 maio 2020.
https://repositorio.unesp.br/handle/1144...
).

Na década de 1940, Homem de Melo (1945HOMEM DE MELO, M. D. Estudo sôbre a comercialização de figos e uvas em São Paulo. Bragantia - Boletim Técnico da Divisão de Experimentação e Pesquisas, Campinas, SP: Instituto Agronômico, v. 5, n. 8, p. 439-556, 1945. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/brag/v5n8/01.pdf . Acesso em: 11 jun. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/brag/v5n8/01.p...
) já destacava a relevância da cultura do figo para toda a região de Campinas e Jundiaí, com grandes áreas plantadas e fornecendo a fruta in natura ou em calda para grandes mercados consumidores como São Paulo e Rio de Janeiro, aonde os produtos chegavam por meio da Estrada de Ferro Paulista. Além disso, o autor já verificava na região um tipo muito particular de exploração agrícola, com o predomínio de pequenas propriedades de 3 a 5 alqueires, com produção quase exclusiva de figo e uva, restando pequenas áreas para culturas como arroz, feijão e milho. Homem de Melo verificou inclusive que, por serem frutas com cultivo especial e muito diferentes das culturas mais comuns desenvolvidas no estado, a uva e o figo levavam os produtores a adotar técnicas agrícolas superiores à média dos demais agricultores. De fato, a população rural dessa parte do estado tinha melhor nível de instrução, devido a sua maior densidade e à proximidade dos sítios das margens de estrada, com melhor acesso às escolas da região (Homem de Melo, 1945HOMEM DE MELO, M. D. Estudo sôbre a comercialização de figos e uvas em São Paulo. Bragantia - Boletim Técnico da Divisão de Experimentação e Pesquisas, Campinas, SP: Instituto Agronômico, v. 5, n. 8, p. 439-556, 1945. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/brag/v5n8/01.pdf . Acesso em: 11 jun. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/brag/v5n8/01.p...
).

A expansão do figo como cultura agrícola relevante marcou toda a região circunvizinha de Valinhos, concorrendo para diversificar a produção frutícola nessa região do estado. Navarra (1977NAVARRA, W. S. O uso da terra em Itatiba e Morungaba: permanência e mudança na organização do espaço agrário (1956-1966). Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1977.) estudou o uso da terra em Itatiba e Morungaba entre as décadas de 1950 e 1960 e constatou que, no bairro rural do Mombuca, em Itatiba, era comum haver pomares em pequenas propriedades agrícolas, com produção de frutas como peras, maçãs, caquis e, em especial, figos, tendo em vista a grande influência de Valinhos. A autora verificou igualmente que em Itatiba o desenvolvimento da fruticultura tinha forte relação com o trabalho dos imigrantes italianos e de seus descendentes, característica que permanece até hoje (Navarra, 1977NAVARRA, W. S. O uso da terra em Itatiba e Morungaba: permanência e mudança na organização do espaço agrário (1956-1966). Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1977.).

A boa aceitação da fruta e o aprimoramento nas técnicas agrícolas, fez com que o figo alcançasse cada vez maior produtividade. Segundo Maiorano (2010INGLEZ DE SOUZA, J. S. Mutações somáticas na videira Niagara. Bragantia - Boletim Técnico da Divisão de Experimentação e Pesquisas, Campinas, SP: Instituto Agronômico, v. 18, n. 27, p. 387-421, 1959b. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/brag/v18nunico/27.pdf . Acesso em: 15 jun. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/brag/v18nunico...
), o auge da cultura da figueira na região de Valinhos foi em meados dos anos 1970, pela implantação da energia elétrica nas propriedades rurais, permitindo a melhora o processo de produção. Para se ter ideia, em 1972, teve início o processo de exportação da fruta na região, com um volume total de 4 mil quilos. Anos mais tarde, em 2008, as regiões de Valinhos e Campinas exportaram um total de 1.644.854 quilos de figo roxo (Maiorano, 2010INGLEZ DE SOUZA, J. S. Mutações somáticas na videira Niagara. Bragantia - Boletim Técnico da Divisão de Experimentação e Pesquisas, Campinas, SP: Instituto Agronômico, v. 18, n. 27, p. 387-421, 1959b. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/brag/v18nunico/27.pdf . Acesso em: 15 jun. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/brag/v18nunico...
).

Valinhos e Campinas concentram até hoje a maior parte da produção de figo no estado. A análise dos dados do Censo agropecuário (Brasil, 2017BRASIL. Censo agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: Disponível em: https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resultadosagro/index.html . Acesso em: 28 jun. 2020.
https://censoagro2017.ibge.gov.br/templa...
) permitiu verificar que, naquele ano, os dois municípios foram responsáveis por 88% da produção de figo roxo em São Paulo. Valinhos é o maior produtor, sendo que a maior parte é para consumo in natura.

O Censo agropecuário (Brasil, 2017BRASIL. Censo agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: Disponível em: https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resultadosagro/index.html . Acesso em: 28 jun. 2020.
https://censoagro2017.ibge.gov.br/templa...
) também classificou os municípios de Valinhos, Itatiba e Vinhedo, como primeiro, terceiro e quarto principais produtores de figo de todo o estado de São Paulo, respectivamente (Figura 2). Segundo os dados deste Censo, Valinhos apresentou uma produção de 1.300 t, Itatiba alcançou 208 t, e Vinhedo, um total de 95 t da fruta. Louveira não apresentou produção considerável de figo, segundo o Censo. Juntos, Valinhos, Itatiba e Vinhedo alcançaram um valor total de produção da ordem de R$ 5.711.000,00.

Figura 2 -
Figo: quantidade (t) produzida no estado de São Paulo - 2017

Por fim, vale destacar que a grande importância da cultura do figo se deve a inúmeros fatores. É desenvolvida em pequenas propriedades, gerando emprego durante todo o ano; tem mercado para consumo in natura no Brasil e no exterior e, industrializada, tem grande aceitação. Quanto à produção, é diária entre cinco e seis meses do ano, gerando de dois a três empregos diretos por hectare cultivado, o que dá à fruta alto valor social, convertendo-a em fonte considerável de receita (Corrêa; Boliani, 2010CORRÊA, L. S.; BOLIANI, A. C. Panorama de pesquisas com figueiras. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE A CULTURA DA FIGUEIRA, 2., 12-14 maio 2010, Campinas. Anais... Campinas: Feagri (Unicamp)/ Cati, 2010. p. 14-27. Disponível em: Disponível em: https://www.feagri.unicamp.br/simfigo/images/stories/Anais/anais_simfigo2010.pdf . Acesso em: 1 jul. 2020.
https://www.feagri.unicamp.br/simfigo/im...
).

Tais elementos demonstram a grande representatividade da cultura para a economia regional, que, mais de 100 anos depois de sua introdução, faz da região de Valinhos a maior produtora de figos de mesa do estado de São Paulo.

A cultura da goiaba

Assim como no caso da uva e do figo, a história do desenvolvimento da cultura da goiaba na região de Campinas, está ligada aos fluxos migratórios internacionais que se dirigiram ao Brasil durante o século XX. A colônia japonesa já plantava goiaba em Campinas e, em meados da década de 1950, deu início à cultura em Valinhos. Em 1953, o desmembramento do antigo distrito de Valinhos em relação a Campinas levou os nipônicos a se estabelecerem no bairro rural do Macuco, onde primeiramente desenvolveram a cultura do tomate. No entanto, devido aos danos que essa cultura causava ao solo, logo as plantações foram substituídas por goiabeiras. No processo de aprimoramento da cultura, os japoneses desenvolveram técnicas próprias de poda, irrigação e adubação e, em certas ocasiões contaram com apoio técnico do IAC. Tais fatos levaram a que variedades diferenciadas de goiabas se originassem em Valinhos, a exemplo, das variedades sassaoka, kumagai e pedro-sato que fizeram com que, ao longo do tempo, Valinhos se tornasse nacionalmente conhecida pela produção da fruta, de modo que as plantações expandiram-se rapidamente para municípios vizinhos (São Paulo, 2020SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Valinhos, terra do figo e da goiaba, teve apoio da Secretaria de Agricultura em seu desenvolvimento. São Paulo: SAA, 30 jan. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.agricultura.sp.gov.br/noticias/valinhos-terra-do-figo-e-da-goiaba-teve-apoio-da-secretaria-de-agricultura-em-seu-desenvolvimento/ . Acesso em: 6 jul. 2020.
https://www.agricultura.sp.gov.br/notici...
).

Atualmente, a goiaba é uma fruta de destaque no contexto da produção frutícola no Brasil, já que pode ser usada para inúmeros fins. Além de ser consumida in natura, pode ser vendida na forma de doces, compotas, sucos, polpas, sorvetes etc.; essa versatilidade propicia formas de ganhos variados ao produtor. A região de Campinas é bastante tradicional no cultivo da goiaba, que é produzida sobretudo em pequenas propriedades agrícolas. Ali, o inverno é brando e com poucas chuvas, o verão tem temperaturas agradáveis, é longo e conta com bom regime de chuvas, condições climáticas que favorecem o desenvolvimento da goiabeira, sendo comuns e indicadas para plantio as seguintes variedades: pedra branca (ou branca de Valinhos, branca de Kumagai ou simplesmente Kumagai) e Ogawa branca, cultivadas na região de Valinhos a fim de abastecer os mercados interno e externo, para consumo ao natural. A Ogawa branca foi obtida pelo cruzamento da goiabeira comum com a australiana. Os frutos são grandes (300 a 700 gramas), ovalados e têm casca amarela e levemente rugosa. A polpa é espessa e doce e tem poucas sementes. Já a pedra branca originou-se do cruzamento da goiaba australiana com a local comum. Tem forma de pera, pesa entre 400 e 500 gramas, e sua polpa é branca e consistente (Gonzaga Neto; Soares, 1995GONZAGA NETO, L.; SOARES, J. M. A cultura da goiaba. Brasília: Embrapa/SPI, 1995. (Coleção Plantar.) Disponível em: Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/162024/1/A-cultura-da-goiaba.pdf . Acesso em: 6 jul. 2020.
https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/...
).

O estado de São Paulo está entre os maiores produtores de goiaba do Brasil. Segundo a base de dados Produção Agrícola Municipal (PAM), no ano de 2018 o estado figurou entre os 5 maiores produtores da fruta no Brasil, com uma produção de 195.406 t, ficando atrás somente do estado de Pernambuco (IBGE, [s.d.IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção Agrícola Municipal. Rio de Janeiro: IBGE . Disponível em: Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/1613 . Acesso em: 7 jul. 2020. BRASIL
https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/1613...
]).

O Censo agropecuário (Brasil, 2017BRASIL. Censo agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: Disponível em: https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resultadosagro/index.html . Acesso em: 28 jun. 2020.
https://censoagro2017.ibge.gov.br/templa...
) colocou a região de Campinas como uma das principais produtoras de goiaba em São Paulo, destacando-se Valinhos que ficou em 6° lugar entre os dez maiores produtores do estado, com uma produção total de 2.609 t. No mesmo período, Itatiba apresentou uma produção de 49 t, Louveira produziu 2 t e Vinhedo alcançou produção de 24 t de goiaba. Juntos, os quatro municípios chegaram a um valor total de produção da ordem de R$ 4.723.000,00. Na Figura 3, o total produzido em São Paulo.

Figura 3 -
Goiaba: quantidade (t) produzida no estado de São Paulo - 2017

Como os da produção de uva e figo, os números demonstram que a cultura da goiaba tem grande peso social e econômico nos municípios aqui destacados. Ao longo do tempo, técnicas produtivas relativas a hábitos especiais de poda, irrigação e adubação desenvolvidas pela colônia japonesa permitiram alcançar maior produtividade e qualidade na cultura, além de contribuir para o aparecimento de novas variedades da fruta. Tais fatos colocaram o município de Valinhos, por exemplo, como um dos maiores produtores de goiaba no estado. Assim como no caso da uva e do figo, a goiaba passou a ser festejada na época da colheita contribuindo para cristalizar hábitos culturais do campo, além de firmar seu prestígio no aspecto socioeconômico para o desenvolvimento da economia rural na região.

A cultura do caqui

O caqui é uma fruta de origem asiática e foi introduzida no Brasil com o início da imigração japonesa no século XX. Nos anos 1920, os orientais que chegaram ao país trouxeram na bagagem mudas de caqui e conhecimentos sobre seu cultivo, iniciando o processo de produção em fazendas que até então se restringiam à produção do café. Até aquele momento, as únicas variedades de caqui conhecidas no Brasil eram as chamadas adstringentes, que haviam chegado da França no final do século XIX e não tinham sabor muito agradável. As variedades vindas do Japão, no entanto, eram bastante doces e se adaptaram muito bem ao clima e ao solo no Brasil. As variedades de caqui introduzidas no Brasil pelos japoneses têm como características o fato de serem arbóreas rústicas com folhas caducas que caem no período outono-inverno. A partir do mês de agosto, as plantas brotam e florescem com força. No Brasil, a quase totalidade da produção da fruta destina-se ao consumo in natura, no entanto, a fruta pode ser processada e aproveitada na forma industrial-artesanal para fabricação de vinagres, passas e doces. O caqui tem bom mercado interno e boas perspectivas para fins de exportação (IAC, 1998IAC. INSTITUTO AGRONÔMICO DE CAMPINAS. Centro de Frutas: caqui (Diospyros Kaki L. F.). Campinas: IAC , 1998. Disponível em: Disponível em: http://www.iac.sp.gov.br/areasdepesquisa/frutas/frutiferas_cont.php?nome=Caqui . Acesso em: 7 jul. 2020.
http://www.iac.sp.gov.br/areasdepesquisa...
; Vieira, 2019VERDI, A. R. Preservation, innovation and governance: Geographical indication of grapes in Jundiaí (Brazil). In: BIO WEB OF CONFERENCES, 15., 2019, Genebra. Anais... Genebra: EDP Sciences, 2019. doi:https://doi.org/10.1051/bioconf/20191503016.
https://doi.org/10.1051/bioconf/20191503...
).

A produção brasileira hoje é bastante grande, e a fruta chega a ser exportada. São produzidas mais de dez variedades no Brasil, entre elas a chocolate, fuyu, hachiya e jirô, de sabor doce, e a giombô, kyoto, taubaté e rama forte, que são adstringentes e, portanto, precisam de tratamento pós-colheita para se tornar comestíveis. A adstringência na polpa do caqui é determinada pelo tanino, uma substância que “amarra a boca” e que, na natureza, serve para afastar herbívoros e micro-organismos nocivos (Vieira, 2019VIEIRA, A. L. História, sabor e propriedades nutricionais fazem do caqui uma fruta pra lá de especial. Revista Natureza - Jardinagem, Casa de Campo, Paisagismo, São Paulo, 10 jul. 2019. Disponível em: Disponível em: https://revistanatureza.com.br/tradicao-asiatica/ . Acesso em: 17 jul. 2020.
https://revistanatureza.com.br/tradicao-...
).

Na atualidade, os maiores produtores mundiais de caqui são China, Coreia do Sul e Japão, com 86% da produção mundial e 96% da área cultivada. No Brasil, a área cultivada com caqui corresponde a 8.858 há, com produção concentrada no Sudeste, Sul e Nordeste, sendo São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais os maiores produtores nacionais. A produtividade média do caqui é de cerca de 22,4 t/ha, destacando-se o estado de São Paulo, onde ela alcança 28,5 t/ha, devido ao maior emprego de tecnologia na lavoura. As principais regiões produtoras da fruta em São Paulo são Mogi das Cruzes, Sorocaba, Campinas, Itapetininga e Itapeva, que concentram 93% da produção estadual de caqui (TECCHIO; PEREIRA; MOTTA, 2019SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Instituto de Economia Agrícola. Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável. Projeto LUPA 2016/2017: Censo Agropecuário do Estado de São Paulo. São Paulo: SAA/CDRS, 2019. Disponível em: httpDisponível em: http://www.cdrs.sp.gov.br/projetolupa/index.php . Acesso em: 18 jun. 2020.
http://www.cdrs.sp.gov.br/projetolupa/in...
).

Na região de Campinas, Itatiba vem se firmando como a maior produtora da fruta, com destaque para as variedades Rama-Forte, de casca avermelhada e polpa amarelo-parda de consistência mole, além da Taubaté, de casca avermelhada e polpa amarela e consistência mole, marcada por ser taninosa. Não há muitos registros de como a cultura do caqui se estabeleceu no meio rural do município, no entanto, informações constantes no portal de notícias Revista Rural (Caqui..., 2008CAQUI: um mar vermelho! Revista Rural, São Paulo, n. 123, 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.revistarural.com.br/Edicoes/2008/Artigos/rev123_caqui.htm . Acesso em: 14 jul. 2020.
https://www.revistarural.com.br/Edicoes/...
) dão conta que descendentes de italianos, que a princípio plantavam uva da variedade Niágara, decidiram, a partir da década de 1960, iniciar o plantio de mudas de caqui, cultura que exige pouco investimento, emprega pouca mão de obra e usa poucos defensivos agrícolas. Navarra (1977NAVARRA, W. S. O uso da terra em Itatiba e Morungaba: permanência e mudança na organização do espaço agrário (1956-1966). Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1977.) também já havia encontrado plantações de caqui no bairro rural do Mombuca, em Itatiba, entre os anos 1950 e 1960, quando realizou estudos de campo no município notando o desenvolvimento da cultura em pequenas propriedades agrícolas de descendentes de imigrantes italianos.

O Censo agropecuário (Brasil, 2017BRASIL. Censo agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: Disponível em: https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resultadosagro/index.html . Acesso em: 28 jun. 2020.
https://censoagro2017.ibge.gov.br/templa...
) mostrou a notabilidade de São Paulo na produção de caqui. Naquele ano, o estado produziu um total de 19.507 t da fruta (Figura 4). Deste volume, Itatiba contribuiu com 1.113 t, ficando em 5° lugar entre os dez municípios com maior produção no estado. No mesmo período, Louveira produziu 334 t, Valinhos 220 t e Vinhedo, 37 t. O valor total da produção alcançado pelos quatro municípios foi da ordem de R$ 1.952.000,00, o que denota a dimensão econômica dessa cultura para a região.

Figura 4 -
Caqui: quantidade (t) produzida no estado de São Paulo - 2017

Apesar de não estar diretamente ligada ao processo de imigração italiana na região, como ocorreu com a uva e o figo, a cultura do caqui vem ganhando destaque no contexto socioeconômico regional. De modo geral, é plantado em propriedades familiares herdadas por descendentes de imigrantes italianos chegados a partir do final do século XIX, empregando métodos bastante tradicionais de cultivo. Além disso, como no caso da uva, do figo e da goiaba, já há festas para comemorar a colheita e divulgar o produto, elemento que contribui para fortalecer hábitos culturais rurais, além de valorizar o trabalho do pequeno agricultor.

Considerações finais

A importância da produção de frutas como caqui, uva, figo e goiaba para os municípios de Itatiba, Louveira, Valinhos e Vinhedo vai muito além do aspecto meramente econômico. Apesar de grandes geradoras de valor de produção no campo, tais culturas têm relação direta com o modo de organização da sociedade rural nesses municípios. Como destacado, a maior diversificação da produção agrícola nessa região paulista está diretamente ligada ao início da imigração de italianos e de outras nacionalidades a partir de fins do século XIX. Tais imigrantes vieram para trabalhar nas grandes fazendas de café do estado, incentivados por um programa de imigração subvencionada. No entanto, as inúmeras crises pelas quais passou o café durante o século XX, em especial a Crise de 1929, abriram a possibilidade de que imigrantes que possuíam alguma economia pudessem adquirir seu pedaço de terra, visto que grandes fazendas de café começaram a ser parceladas e vendidas.

A partir daí, observa-se uma série de mudanças na organização da paisagem agrária nas regiões de Campinas e Jundiaí, pois ganharam espaço produtos que antes não eram cultivados, a exemplo de frutas como uva, caqui, figo e goiaba que, ao longo do tempo, tornaram municípios como Itatiba, Louveira Valinhos e Vinhedo altamente conhecidos pela qualidade das frutas produzidas. O destacado papel da produção frutícola na região transcende o aspecto econômico, pois relaciona-se à organização sociocultural, com a transmissão de hábitos e tradições de geração a geração por meio do trabalho executado no campo. Além de propiciar renda, a colheita das frutas enseja grandes festas e serve para consolidar hábitos e tradições do campo, tornando o “rural” uma parte valiosa da história da sociedade e com fortes vínculos com a cultura popular regional.

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Ricardo Mendes Antas Jr.

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BRASIL. Censo agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: Disponível em: https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resultadosagro/index.html Acesso em: 28 jun. 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2021
  • Aceito
    31 Mar 2022
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