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Espaços residenciais fechados: o acesso diferenciado e desigual à terra na cidade da Matola, em Moçambique

Closed residential spaces: the differentiated and unequal access to land in the city of Matola, Mozambique

Espacios residenciales cerrados: acceso diferenciado y desigual al suelo en la ciudad de Matola, Mozambique

Resumo

O artigo apresenta e caracteriza os espaços residenciais fechados (ERF) na cidade da Matola, tendo em conta o acesso diferenciado e cada vez mais desigual à terra a partir dos processos que levam a sua implantação e ocupação. Com a intensificação de novos processos urbanos na cidade da Matola, verifica-se o crescimento da demanda por terra para implantar ERF, um novo modo de habitar em Moçambique no geral e na cidade da Matola em particular. Sua produção tem fins meramente comerciais e lucrativos, produzindo novos processos de desigualdade socioespacial. A análise é relevante, primeiro, pelo fato de os ERF serem elementos urbanos restritos a minorias, pelo elevado custo monetário de sua aquisição, tornando-os espaços de autossegregação. Segundo, pela contradição gerada pelo fato de, em Moçambique, a terra ser propriedade do Estado e sua venda ser proibida, mesmo sendo sua posse considerada uma condição de produção e a propriedade privada valorizada no modo de produção capitalista.

Palavras-chave:
Espaços residenciais fechados; Terra urbana; Cidade da Matola; Moçambique

Abstract

The main objective of this article is to characterize the closed residential spaces (CRS) in the Matola City, considering the differentiated and increasingly unequal access to land for its implementation and occupation. With the intensification of urban processes in Matola City, there is notable an increase in demand for land and implementation of CRS, which constitute a new way of living in Mozambique in general and in particular in Matola City, whose production is purely commercial and profitable. This analysis becomes relevant, first, because the CRS are urban elements restricted to minorities due to the high monetary values for their acquisition, making them spaces of self-segregation. Second, because the land is owned by the State of Mozambique, the sale of which is prohibited, even though its possession is considered a condition of production and private property is valued in the capitalist mode of production.

Keywords:
Closed residential spaces; Urban land; Matola City; Mozambique

Resumen

Este trabajo presenta y caracteriza los espacios residenciales cerrados (ERF) en la ciudad de Matola, teniendo en cuenta el acceso diferenciado y cada vez más desigual a la tierra para su implantación y ocupación. Con la intensificación de los procesos urbanos en la ciudad de Matola, aumenta la demanda por tierra para la implantación de los ERF que constituyen una nueva forma de habitar en Mozambique en general y en la ciudad de Matola en particular, cuya producción tiene fines puramente comerciales y lucrativos. El análisis adquiere relevancia, en primer lugar, porque los ERF son elementos urbanos restringidos a las minorías debido a los altos valores monetarios para su adquisición, lo que los convierte en espacios de autosegregación. En segundo lugar, porque la tierra es propiedad del Estado en Mozambique, cuya venta está prohibida, aunque su posesión se considere una condición de la producción y la propiedad privada valorizada en el modo de producción capitalista.

Palabras clave:
Espacios residenciales cerrados; Tierra urbana; Ciudad de Matola; Mozambique

Introdução

A produção de espaços residenciais fechados1 1 De acordo com o Decreto n. 17/2013, em Moçambique os ERF são denominados condomínios. Neste artigo, optamos por designá-los como ERF com base em Sposito e Góes (2013). na cidade da Matola, escolhidos para morar por pessoas de elevada renda monetária, conforme salienta Corrêa (2013CORRÊA, R. L. Segregação residencial: classes sociais e espaço urbano. In: VASCONCELOS, P.; CORRÊA, R. L.; PINTAUDI, S. (Org.). A cidade contemporânea: segregação espacial. Contexto, 2013. p. 39-60.), reforça a desigualdade e as condições diferenciadas de reprodução desses grupos, mediante a escolha das melhores localizações no espaço urbano, o que os torna exclusivos em razão dos elevados preços da terra urbana e de seus amplos e confortáveis empreendimentos imobiliários, que transmitem sensação de confiança e distinção social, por portar sistemas de segurança, quer seja em áreas centrais da cidade ou em periferias antes destinadas a segmentos socioeconômicos considerados pobres. Rodrigues (2013RODRIGUES, A. M. Loteamentos murados e condomínios fechados: propriedade fundiária urbana e segregação socioespacial. In: VASCONCELOS, P.; CORRÊA, R. L.; PINTAUDI, S. (Org.). A cidade contemporânea: segregação espacial. Contexto, 2013. p. 147-168., p. 147) qualifica os ERF como “produtos imobiliários específicos calcados na propriedade privada de terra com incorporação da mercadoria segurança”.

Tanto Corrêa (2013CORRÊA, R. L. Segregação residencial: classes sociais e espaço urbano. In: VASCONCELOS, P.; CORRÊA, R. L.; PINTAUDI, S. (Org.). A cidade contemporânea: segregação espacial. Contexto, 2013. p. 39-60.) como Rodrigues (2013RODRIGUES, A. M. Loteamentos murados e condomínios fechados: propriedade fundiária urbana e segregação socioespacial. In: VASCONCELOS, P.; CORRÊA, R. L.; PINTAUDI, S. (Org.). A cidade contemporânea: segregação espacial. Contexto, 2013. p. 147-168.) enfatizam a propriedade privada da terra para caracterizar os ERF. A questão da propriedade privada da terra é aplicável para alguns países, como o Brasil, mas já não é aplicável para países como Moçambique, onde a terra é propriedade do Estado, com sua compra e venda proibida e seu uso e apropriação regulado por normas específicas. O fato da terra em Moçambique ser estatal, entretanto, não significa que deixa de ser propriedade. Sendo os ERF empreendimentos urbanos, definidos em Moçambique como “conjunto de frações autônomas que constituem um edifício ou conjunto de edificações contíguas funcionalmente que pertencem aos diferentes moradores”, a sua implantação é baseada nos Regulamentos de Solo Urbano e no do Regime Jurídico dos denominados condomínios.

O Decreto n. 60, de 26 de dezembro de 2006, regula o uso e aproveitamento de terras em áreas urbanas (cidades e vilas) legalmente existentes e nos assentamentos humanos ou aglomerados populacionais organizados por um plano de urbanização (Moçambique, 2006MOÇAMBIQUE. Boletim da República. Publicação Oficial da República de Moçambique. 3° Suplemento. Imprensa Nacional de Moçambique. I série, n. 51, 26 dez. 2006. BOLETIM DA REPÚBLICA). O Regulamento do Regime Jurídico de ERF estabelece normas para sua implantação (Decreto n. 17/2013).

Os ERF constituem um novo modo de habitar em Moçambique e surgem na década de 1990 principalmente depois da guerra civil (1976-1992), como resultado do fracasso das autoridades públicas na prestação de serviços, em particular a segurança (Morange et al., 2012MORANGE, M.; FOLIO, F.; PEYROUX, E.; VIVET, J. The spread of a transnational model: “gated communities” in three southern African cities (Cape Town, Maputo and Windhoek). International Journal of Urban and Regional Research, v. 36, n. 5, p. 890-914, 2012. doi: https://doi.org/10.1111/j.1468-2427.2012.01135.x.
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). Na cidade da Matola, com a implantação desse tipo de habitação destinada a pessoas com alto ou médio poder aquisitivo, foram sendo ocupadas algumas áreas da cidade e segregadas legalmente. Analisar esse processo contribui de certa forma para entender as particularidades do processo de produção da cidade da Matola em particular e para processos de urbanização em andamento em vários países africanos.

Falar da singularidade na cidade da Matola não significa necessariamente que a urbanização e a produção dos ERF decorrente não está sujeita a ordens globais. Há uma conjuntura de fatores tanto internos como externos, que influenciam diretamente sua produção. Para analisar o processo baseamo-nos na pesquisa qualitativa que, de acordo com Marre (1991MARRE, J. A. L. A construção do objeto científico na investigação empírica. Cascavel, PR: Fundação Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 1991. Disponível em: https://qdoc.tips/download/marre-jacques-a-construao-do-objeto-cientifico-na-investigaao-empirica-pdf-free.html . Acesso em: 6 jan. 22.
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), necessita de recorte e construção de um objeto de estudo. Assim sendo, o nosso recorte é a cidade da Matola, capital da província de Maputo, no sul de Moçambique, com uma superfície de aproximadamente 367 km² (INE, 2012INE. INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA. Estatísticas do distrito: cidade de Matola. Maputo, 2012. Disponível em: http://www.ine.gov.mz/estatisticas/estatisticas-territorias-distritais/maputo-provincia/marco-de-2012/estatisticas-do-distrito-de-cidade-da-matola.pdf/view . Acesso em: 6 jan. 2022.
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), limitada a norte e noroeste pelo distrito de Moamba, a sul pelo distrito de Boane e pela cidade de Maputo, a oeste pelo distrito de Boane e a este pela cidade de Maputo e pelo distrito de Marracuene (Mapa 1).

Mapa 1 -
Cidade da Matola: divisão político-administrativa e classificação dos bairros

A cidade da Matola é composta por três postos administrativos e 42 bairros classificados em rurais (6), periurbanos (11) e urbanos (25). Os bairros classificados como rurais encontram-se na zona norte, onde há uma conjunção de características urbanas e rurais com predominância das últimas.

Para a consecução da investigação que deu origem a este artigo, foram definidas algumas etapas. A primeira consistiu em análise e desenvolvimento da base conceitual por meio de teorias referentes à produção do espaço urbano e processos de urbanização no contexto geral e moçambicano em particular, bem como em espaços residenciais fechados. A segunda etapa baseou-se na análise contextual, a partir da qual se levantaram e compilaram informações relevantes para a pesquisa. Também se analisaram documentos cartográficos existentes no município da Matola e de imagens de satélite2 2 Imagens de satélite dos anos 2002 e 2019 e os registros fotográficos permitiram observar que a urbanização decorrente na cidade da Matola está a acarretar grandes transformações em áreas antes menos concorridas para a habitação. Há mudanças em muitas áreas em termos de uso do solo. Em certas áreas (como as que antes eram ocupadas predominantemente pelos naturais com a prática de agricultura familiar), observa-se a intensificação de ocupação do solo com o surgimento de casas particulares de alto padrão ou em forma de ERF. referentes aos anos de 2002 e 2019, como se explicita ao longo do texto.

A terceira etapa é referente ao trabalho de campo que consistiu em observação direta, realização de entrevistas semiestruturadas com 663 3 Dos 66 entrevistados, três são funcionários do município da cidade da Matola, dois funcionários da Direção Provincial de Indústria e Comércio da Província de Maputo, 11 administradores dos ERF, 14 moradores de ERF, três moradores do entorno dos ERF, um funcionário da empresa Homens de Segurança, 13 seguranças, dos quais nove são de empresas privadas de segurança e quatro sob gestão dos ERF, e 19 moradores da cidade da Matola no geral. sujeitos, coleta de coordenadas geográficas dos ERF identificados e registros fotográficos. O trabalho de campo permitiu, conforme salienta Marre (1991MARRE, J. A. L. A construção do objeto científico na investigação empírica. Cascavel, PR: Fundação Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 1991. Disponível em: https://qdoc.tips/download/marre-jacques-a-construao-do-objeto-cientifico-na-investigaao-empirica-pdf-free.html . Acesso em: 6 jan. 22.
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), expor-se ao objeto de estudo para perceber o fenômeno a partir das experiências, vivências, percepções dos sujeitos sociais, pois esses estão envolvidos na produção do espaço por meio das suas ações.

Para melhor compreender o acesso diferenciado à terra na implantação dos ERF na Matola, sobretudo a partir do século XXI, com a intensificação da urbanização, apresentamos primeiro um breve histórico do processo de urbanização da cidade. Em seguida, abordamos o surgimento e a situação geográfica de 70 espaços residenciais fechados identificados e por fim analisamos o acesso diferenciado à terra urbana na implantação dos ERF mostrando algumas das suas características.

Urbanização na cidade da Matola

O processo de produção da cidade da Matola antecede o ano de 1963, que é mencionado como sendo da impulsão de tal processo, levado a cabo por Abel Baptista, ex-presidente da câmara municipal da vila Salazar, atual cidade da Matola (Maputo, 2017MAPUTO. Governo da Província. Matola: perfis distritais. 2017. Disponível em: https://www.pmaputo.gov.mz/ . Aceso em: 7 nov. 2021. GOVERNO DA PROVÍNCIA
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). Algumas ocorrências que podem ser citadas são, por exemplo, as fichas de pedido de regularização de parcelas e/ou terrenos existentes no arquivo do município da Matola que antecedem o ano de 1910, a inauguração da primeira unidade fabril da Companhia Industrial da Matola (CIM) em 1952, inauguração do refeitório do pessoal da CIM em 1956 e a implantação da cooperativa dos criadores de gado em 1956, entre outros (Moçambique, [s.d.]MOÇAMBIQUE. Livro de ouro do mundo português. [S.l.]: [s.d.].).

A partir de 1963, o processo de urbanização ganhou novos contornos com a implantação de infraestrutura e equipamentos urbanos de relevância como o cemitério da Matola, igreja paroquial de São Gabriel, missão de Liqueleva, as escolas secundárias da Matola e Machava, a escola industrial da Matola, o cinema 700, a fábrica de Cimentos de Moçambique (CM), o complexo dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM). Toda a infraestrutura e os equipamentos mencionados estão na zona sul da cidade, onde teve início sua ocupação, justificada pela presença do porto, que passou a facilitar a importação e exportação de matérias-primas para as indústrias predominantes na cidade e no país, assim como para o exterior. O porto industrial da cidade da Matola é especializado em carvão, alumínio, cereais e açúcar (VENTURA et al., 2013VENTURA, A. G.; PAZERO, R.; HOELICH, S.; BENNATON, A.; LLOP, J. M. Perfil dos dados básicos das cidades de Moçambique. Projeto de melhora das capacidades institucionais em gestão do desenvolvimento e da consolidação de autoridades locais e redes de AL do Brasil e Moçambique como atores de cooperação descentralizada. Brasília, DF, 2013.).

No início da década de 1970, observa-se a expansão da indústria4 4 O município da Matola tem o maior parque industrial do país, que vai dos agro-industriais às confecções metalomecânicas e aos materiais de construção. Conta com cerca de 50 estabelecimentos industriais de diversos ramos de atividade (VENTURA et al., 2013, p. 28). para o posto administrativo da Machava, o que possibilitou a implantação de novos bairros como Fomento e Liberdade (Maputo, 2017MAPUTO. Governo da Província. Matola: perfis distritais. 2017. Disponível em: https://www.pmaputo.gov.mz/ . Aceso em: 7 nov. 2021. GOVERNO DA PROVÍNCIA
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). Depois da independência, sobretudo no período da guerra civil houve a chegada maciça de pessoas na cidade da Matola o que acarretou a atribuição de áreas para construção e implantação do fornecimento de água, eletricidade e remoção de lixo em alguns bairros (Coelho, 2004COELHO, V. A. F. D. S. Cooperação descentralizada e participativa entre Portugal e Moçambique: o exemplo do município da Matola. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional) - Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2004.). Depois da guerra civil, a cidade da Matola passou a ganhar nova dinâmica no que concerne à urbanização, marcada por expansão em direção as periferias. Entretanto, é a partir do século XXI quando se observa a intensa valorização e diferenciação entre áreas antes não ocupadas, principalmente na zona norte da cidade e ao longo das principais vias.

Surgimento e situação geográfica dos espaços residenciais fechados

É difícil apontar uma data precisa a partir da qual são instalados os primeiros espaços residenciais fechados na cidade da Matola. Entretanto, das entrevistas realizadas aos administradores dos ERF, somente o administrador do ERF Matola Village mencionou o ano de 1998 como o do início da construção e o administrador do ERF do Petromoc, o ano de 1999. Outros entrevistados mencionaram o ERF Little Québec (mais conhecido como ERF da Mozal) como sendo o primeiro ERF a ser implantado na cidade da Matola, mas sem o conhecimento do ano da sua implantação.

As imagens de satélite, devido a sua qualidade e nitidez, só puderam ser utilizadas a partir do mês de maio do ano 2002. Com base nas imagens de satélite do ano 2002, observou-se que os ERF Little Québec, Cimentos de Moçambique, Parque dos Eucaliptos 1 e 2 já se encontravam com as residências erguidas e cobertas naquele ano, enquanto os ERF Casa Blanca, do Petromoc, Matola Village e Esperança no bairro Matola A estavam em obras. Nesses espaços, algumas residências já se encontravam em estágio avançado de construção, inclusive com cobertura finalizada.

Apesar da imprecisão das datas na implantação dos ERF, foram identificados em 2020 na cidade da Matola 70, dos quais quatro são estatais e 66 são privados. Os bairros onde há espaços residenciais fechados são: Matola Gare (19), Matola A (14), Matola C (11), Matola D (8), Infulene A (5), Mussumbuluco (3), Matola J (3), Malhampsene (2), Acordos de Lusaka (2), Matola G (1), Fomento (1) e Intaka (1), sendo o bairro Matola Gare o que concentra maior número de ERF e os bairros Intaka, Matola G e Fomento com menor número de ERF. O maior número de ERF no bairro Matola Gare está concentrado em Tchumene I área concebida para acomodar a elite tanto política como econômica, conforme o Mapa 2.

A maior parte dos ERF está concentrada na zona sul, ao longo da Av. Samora Moisés Machel (também conhecida por Estrada Nacional n. 4 [EN-4] ou Witbank, uma via que liga Moçambique e África do Sul por meio da fronteira de Ressano Garcia) e nas proximidades do rio Matola, que limita a cidade da Matola e o distrito de Boane. Apenas o ERF Intaka Village fica ao longo da via N-1 - Boquisso, que liga os bairros Intaka, Mali, Boquisso A, Boquisso B e Mucatine, no quadrante nordeste da cidade da Matola.

De acordo com a classificação dos bairros em rurais, periurbanos e urbanos, todos os 70 espaços residenciais fechados identificados estão em bairros urbanos ou periurbanos.

Mapa 2 -
Cidade da Matola: situação geográfica dos ERF, 2020

O acesso diferenciado à terra na implantação dos ERF na cidade da Matola

De um modo geral, na cidade da Matola a terra pode ser adquirida por meio da concessão do município ou compra5 5 Existe mercado informal de terras em Moçambique, embora pela lei a terra seja propriedade estatal e a sua venda proibida. com os naturais ou com alguém que tenha adquirido e que esteja a vender. O acesso à terra via município é demorado, mas vantajoso uma vez que o município atribui terrenos em espaços parcelados (ordenados), com arruamento, embora muitas vezes com falta ou escassez de infraestrutura e equipamentos urbanos. Na atribuição de terrenos, o município leva em consideração os tipos de uso (residencial, social, comercial, industrial ou agropecuário).

Quanto aos terrenos atribuídos para habitação particular, sua regularização é autorizada pela Vereação de Planeamento Territorial e Urbanização (VPTU); já a dos terrenos para a implantação dos ERF e outros usos é autorizada pelo presidente do município. A demora no acesso por meio do município faz com que muitos cidadãos adquiram terrenos de formas consideradas ilegais, sem a observância de critérios de parcelamento, ocasionando a não reserva de áreas para a implantação de infraestrutura e equipamentos urbanos necessários à população.

Sendo a terra em Moçambique propriedade do Estado, cuja venda é proíba, quando se trata de implantar ERF (regulamentados pelo Decreto n. 17/2013), a análise dos processos correspondentes no município da Matola permitiu observar que estão sendo implantados: (a) em áreas antes ocupadas pelos naturais e sem a documentação exigida para a posse de terra como Duat, (b) em áreas que desde o período colonial estavam destinadas à habitação tanto dos colonizadores como dos indígenas, (c) em áreas antes destinadas à agropecuária, designadas por “zonas verdes”,6 6 Todos os cidadãos que pretendiam ocupar as zonas verdes entravam com pedido para a prática de agropecuária. Um aspecto que chama atenção nesses pedidos está relacionado ao ponto 2, referente às zonas de atribuição de terrenos nas zonas verdes do despacho de sr. Presidente do dia 27 de agosto de 1982, que proíbe a criação de suínos, patos e gansos. Em processos analisados, os requerentes mencionam nos seus planos de atividade a criação dos animais proibidos no ponto 2, e os espaços lhes foram concedidos. e (d) também em áreas que constituem reservas do Estado etc. Essas quatro formas de “aquisição de terra”, a seguir analisadas quanto à ocupação pelos respectivos ERF, mostram o acesso diferenciado de parcela da sociedade à terra.

Áreas antes ocupadas pelos naturais

Um dos bairros que podemos citar como exemplo de que algumas áreas estavam na posse dos naturais sem a documentação exigida para a posse de terra como direito de uso e aproveitamento de terra (Duat), sendo usadas para implantação de ERF é Matola Gare, em Tchumene I. O próprio Estado retirou a posse de terra de alguns naturais em favor daqueles que passariam a ser seus ocupantes e mesmo de investidores nacionais e/ou estrangeiros. O ERF Vila Camejo, por exemplo, está implantado em uma área que antes pertencia a algumas famílias naturais que foram retiradas e a área parcelada e cedida a outros intervenientes para a implantação do ERF (Figura 1).

Figura 1 -
Área antes e depois da construção do ERF Vila Camejo - 2002 e 2019

Em 2002, antes da construção do ERF, as características da área eram tipicamente rurais. A EN-4, que liga Moçambique a África do Sul pela fronteira de Ressano Garcia, ainda não tinha sido ampliada. Predominavam árvores, caminhos para circulação e algumas unidades habitacionais dispersas. Seu proprietário atual é de nacionalidade portuguesa, e a construção/implantação do ERF teve início em 2011. As casas construídas são de dois pisos, conforme a Foto 1.

Foto 1 -
Espaço residencial fechado Vila Camejo

A construção do espaço residencial está sendo efetivada por etapas. A construção das unidades habitacionais teve início na parte frontal próximo a EN-4. Na parte de traz, a área ainda está sem uso e aproveitamento do solo. O sistema de segurança é garantido por um muro sem cerca elétrica. A segurança privada é contratada e gerida pelos próprios moradores. No projeto estão previstas mais construções que incluem moradias e áreas de lazer.

Áreas residenciais desde o período colonial

Quanto às áreas que desde o passado assumiram funções residenciais, um exemplo é o bairro Matola A (na área central da cidade) (Mapa 1). Desde o período colonial, o bairro Matola A desempenha funções mistas (residencial, industrial, comercial, serviços etc.). Mesmo sendo bairro residencial desde o período colonial e onde fica o maior parque industrial do país (VENTURA et al., 2013VENTURA, A. G.; PAZERO, R.; HOELICH, S.; BENNATON, A.; LLOP, J. M. Perfil dos dados básicos das cidades de Moçambique. Projeto de melhora das capacidades institucionais em gestão do desenvolvimento e da consolidação de autoridades locais e redes de AL do Brasil e Moçambique como atores de cooperação descentralizada. Brasília, DF, 2013.), estão implantados ali 14 ERF, ocupando o segundo lugar em número de implantações (sendo o primeiro o bairro Matola Gare).

Os terrenos no bairro Matola A têm dimensões maiores e alguns proprietários os subdividiram. Há proprietários que venderam seus terrenos, ou parte deles, para diversos interessados. Por sua vez, alguns dos antigos e novos proprietários construíram casas particulares ou utilizaram os terrenos para outros fins, enquanto outros construíram ERF. Tem-se o exemplo da área onde foi construído o ERF Arco Íris (Figura 2).

Figura 2 -
Área antes e depois da construção do ERF Arco Íris - 2002 e 2019

Com a construção do espaço residencial fechado Arco Íris houve mudanças no tipo de uso. De uma área com pequenas infraestruturas e predominância de árvores, passou para uma área totalmente habitacional e de acesso restrito (Foto 2).

Foto 2 -
Espaço residencial fechado Arco Íris

O espaço residencial tem sete unidades habitacionais de um piso, contando com um sistema de segurança que envolve muro externo com cerca elétrica, muros interiores também com cercas elétricas e segurança privada não armada sob gestão dos próprios moradores (informação recolhida no espaço residencial no dia 24 de abril de 2020).

Zonas verdes

As zonas verdes estavam destinadas à prática da agropecuária e geralmente não era permitido edificar ali infraestruturas definitivas. A construção dessas infraestruturas devia ser requerida à Direção de Construção e Urbanização. Antes do despacho final de autorização para concessão de terreno, a ficha de pedido passava por dois pareceres: um urbanístico e outro agrícola. Um dos ERF implantados na área que antes estava destinada à agropecuária é o ERF Flor da Pedra (Figura 3).

Figura 3 -
Área antes e depois da construção do ERF Flor da Pedra - 2002 e 2019

Em 2002, eram produzidas na área hortícolas, e havia algumas árvores e infraestrutura. Com a implantação do ERF Flor da Pedra, o uso passou de agrícola a habitacional (Foto 3).

Foto 3 -
Espaço residencial fechado Flor da Pedra

O pedido para construção e gestão do espaço residencial fechado foi submetido ao município da cidade da Matola no ano de 2015. O sistema de segurança é garantido por muro com cerca elétrica, reforçado com arame. Os homens de segurança são contratados pelos próprios moradores e não se trata de uma empresa privada de segurança armada. As casas dos moradores no espaço residencial também têm muros com cerca elétrica. Alguns moradores têm segurança privada pessoal e cães.

Reservas do Estado

As áreas que constituem reservas do Estado para a implantação de infraestrutura e equipamentos urbanos também são atribuídas aos investidores tanto nacionais como estrangeiros. Um dos exemplos é a reserva do Estado no bairro Intaka, que estava destinada a habitação e foi cedida ao Fundo de Fomento para Habitação (FFH), que, em parceria com a imobiliária chinesa Henan Guoji Ltda, estão a efetivar um projeto imobiliário de um ERF designado Intaka Village, para a construção de cinco mil casas (Figura 4).

Figura 4 -
Área antes e depois da construção do ERF Intaka Villlage - 2002 e 2019

85% do capital investido é estrangeiro e 15% nacional. O projeto abarca habitações de 1, 2, 3 e 4 quartos e apartamentos de 1, 2 e 3 quartos. Foram edificadas ainda 27 lojas que ocupam parte da área frontal (entrevista cedida por responsável do espaço residencial fechado Intaka Village no dia 3 de abril de 2020). A Foto 4 apresenta a entrada à esquerda, uma vista parcial das residências unifamiliares ao centro e das lojas à direita.

Foto 4 -
Espaço residencial fechado Intaka Village

Na primeira fase, foram construídas 374 casas. Na segunda, 142 e, na terceira, 166, todas prontas para habitar. O projeto ainda está no processo de implementação, e nem todas as residências haviam sido comercializadas no momento do levantamento de campo. O sistema de segurança é garantido por muro com grade e homens de segurança pertencentes à empresa Pro-Segurança, com sede na cidade de Maputo.

Considerações finais

Desde o período colonial, a cidade da Matola foi produzida de forma diferenciada, pelo fato de a maior parte da infraestrutura básica necessária à vida cotidiana estar implantada na zona sul em relação à zona norte.

A urbanização foi intensificada em fins do século XX, principalmente a partir de 1963, com a implantação de infraestrutura e equipamentos urbanos de relevância, concentrados na zona sul. Com base em análise de imagens de satélites que datam de 2002, observa-se que até esse ano, a cidade da Matola continha vastas áreas de uso quase exclusivamente agrícola e casas dispersas. Entretanto, já estavam implantados alguns espaços residenciais fechados que, de acordo com os entrevistados desta pesquisa, começaram a surgir em fins da década de 1990.

A aquisição de terra para a implantação de ERF processa-se de várias maneiras. A terra pode ser adquirida via município, em áreas reservadas para a implantação de infraestrutura e equipamentos urbanos, em áreas na posse dos naturais onde o município parcela/ordena a terra, atribui uma parte aos naturais e o resto dos terrenos é repassado aos interessados. Em áreas antes destinadas à agropecuária (zonas verdes), que desde o passado assumiram funções residenciais etc., sendo já ocupadas principalmente na zona sul da cidade. Nessas áreas, os promotores imobiliários compram terrenos ou benfeitorias com os antigos ocupantes e implantam os ERF, que transmitem sensação de privacidade auxiliada por sistemas de segurança garantidos por muros com ou sem cercas elétricas, portões manuais ou automáticos que funcionam por controle remoto, presença de homens de segurança, que controlam a entrada e saída dos moradores, trabalhadores e visitantes.

Todo esse aparato exige somas avultadas em termos monetários, fazendo com que a maior parte dos promotores imobiliários dos ERF na cidade da Matola sejam estrangeiros (chineses, portugueses, indianos, libaneses, irlandeses etc.), e os compradores, pessoas com alto poder aquisitivo. Observou-se também que há moradores com menor poder aquisitivo, que conseguiram a casa por meio de seu empregador (particularmente, bancos ou empresas estatais). A elite moçambicana atua nesse negócio como intermediária mascarada de sócia ou diretores de empresas com fins específicos, entre outros cargos, para facilitar a implementação do negócio no país, uma vez que a terra em Moçambique é propriedade do Estado, e sua venda é proibida. E ainda, é a elite moçambicana que ajuda na tramitação de documentos, além de usar o nome e a nacionalidade moçambicana para registrar alguns espaços residenciais fechados.

A resultante mais visível desse processo são os muros e todo o aparato de segurança que permitem compreender suas faces menos visíveis: a diferenciação e as desigualdades socioespaciais que vêm sendo produzidas e que, alterando os padrões de produção da cidade, conformam novos desafios a todos os seus moradores.

Referências

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  • 1
    De acordo com o Decreto n. 17/2013, em Moçambique os ERF são denominados condomínios. Neste artigo, optamos por designá-los como ERF com base em Sposito e Góes (2013SPOSITO, M. E. B.; GÓES, E. M. Espaços fechados e cidades: insegurança urbana e fragmentação socioespacial. São Paulo: Ed. Unesp, 2013.).
  • 2
    Imagens de satélite dos anos 2002 e 2019 e os registros fotográficos permitiram observar que a urbanização decorrente na cidade da Matola está a acarretar grandes transformações em áreas antes menos concorridas para a habitação. Há mudanças em muitas áreas em termos de uso do solo. Em certas áreas (como as que antes eram ocupadas predominantemente pelos naturais com a prática de agricultura familiar), observa-se a intensificação de ocupação do solo com o surgimento de casas particulares de alto padrão ou em forma de ERF.
  • 3
    Dos 66 entrevistados, três são funcionários do município da cidade da Matola, dois funcionários da Direção Provincial de Indústria e Comércio da Província de Maputo, 11 administradores dos ERF, 14 moradores de ERF, três moradores do entorno dos ERF, um funcionário da empresa Homens de Segurança, 13 seguranças, dos quais nove são de empresas privadas de segurança e quatro sob gestão dos ERF, e 19 moradores da cidade da Matola no geral.
  • 4
    O município da Matola tem o maior parque industrial do país, que vai dos agro-industriais às confecções metalomecânicas e aos materiais de construção. Conta com cerca de 50 estabelecimentos industriais de diversos ramos de atividade (VENTURA et al., 2013VENTURA, A. G.; PAZERO, R.; HOELICH, S.; BENNATON, A.; LLOP, J. M. Perfil dos dados básicos das cidades de Moçambique. Projeto de melhora das capacidades institucionais em gestão do desenvolvimento e da consolidação de autoridades locais e redes de AL do Brasil e Moçambique como atores de cooperação descentralizada. Brasília, DF, 2013., p. 28).
  • 5
    Existe mercado informal de terras em Moçambique, embora pela lei a terra seja propriedade estatal e a sua venda proibida.
  • 6
    Todos os cidadãos que pretendiam ocupar as zonas verdes entravam com pedido para a prática de agropecuária. Um aspecto que chama atenção nesses pedidos está relacionado ao ponto 2, referente às zonas de atribuição de terrenos nas zonas verdes do despacho de sr. Presidente do dia 27 de agosto de 1982, que proíbe a criação de suínos, patos e gansos. Em processos analisados, os requerentes mencionam nos seus planos de atividade a criação dos animais proibidos no ponto 2, e os espaços lhes foram concedidos.

Editado por

Editor de seção:

Rodrigo Ramos Hospodar Felippe Valverde

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2022
  • Aceito
    27 Jun 2022
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