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Reflexões sobre o turismo em Petrópolis-RJ: impactos da Covid-19 e das chuvas no verão de 2022

Resumo

Entre os anos de 2020 e 2022, Petrópolis-RJ sofreu perdas econômicas e sociais decorrentes das crises geradas tanto pela pandemia da Covid-19 quanto pelas chuvas fortes no verão de 2022. Petrópolis é um município categoria A no mapa do turismo brasileiro e teve a atividade turística praticamente paralisada nesses momentos de crise. O objetivo geral deste artigo é refletir sobre o fenômeno turístico no contexto dessas crises. Com base numa pesquisa bibliográfica e documental e em entrevistas com representantes do trade turístico, foi possível perceber que, apesar de o município ter passado por situações que inviabilizaram temporariamente as atividades turísticas, criaram-se estratégias para contornar as crises: o Conselho Municipal de Turismo permaneceu ativo, consolidaram-se novos segmentos e produtos para além do centro histórico e se fortaleceu o calendário de eventos.

Palavras-chave:
Crises; Covid-19; Vulnerabilidade climática; Turismo; Petrópolis-RJ

Abstract

Between the years 2020 and 2022, Petrópolis endured economic and social losses that were results from the crises generated by the Covid-19 pandemic and by the heavy rains in the summer of 2022. Petrópolis is city category A on the Brazilian tourism map, and it had the tourist activity essentially paralyzed in these moments of crisis. Thus, the general objective of this article is to reflect on the tourism phenomenon in the context of these crises. Based on a bibliographical and documentary research and on interviews with representatives of the tourist trade, it was possible to notice that, despite the municipality having gone through situations that temporarily made tourist activities unfeasible, strategies were created to manage the crises, the tourist board remained active, new segments and products were consolidated beyond the historic center and the calendar of events was strengthened.

Keywords:
Crisis Covid-19; Climate vulnerability; Tourism; Petrópolis-RJ

Resumen

Entre los años 2020 y 2022, Petrópolis-RJ he sufrido pérdidas económicas y sociales derivadas de las crisis generadas tanto por la pandemia de Covid-19 como por las fuertes lluvias del verano de 2022. Petrópolis es un municipio de categoría A en el mapa brasileño del turismo y ha tenido la actividad turística prácticamente paralizada en estos momentos de crisis. Así, el objetivo general de este artículo es reflexionar sobre el fenómeno turístico en el contexto de estas crisis. A partir de una investigación bibliográfica, documental y de entrevistas a representantes del sector turístico, se pudo percibir que, a pesar de que el municipio he atravesado situaciones que temporalmente inviabilizaron las actividades turísticas, se crearon estrategias para sortear las crisis, la junta de turismo se mantuvo activa, se consolidaron nuevos segmentos y productos más allá del centro histórico y se fortaleció el calendario de eventos.

Palabras clave:
Crisis; Covid-19; Vulnerabilidad climática; Turismo; Petrópolis-RJ

Introdução

O município de Petrópolis foi um dos primeiros destinos turísticos do Brasil e, atualmente, um dos principais destinos turísticos fluminenses. A partir de 2020, com a pandemia mundial da Covid-19, as atividades turísticas foram suspensas por causa do isolamento social e o município padeceu com perdas econômicas e sociais. Na metade daquele ano, as atividades turísticas voltaram a ocorrer, embora em ritmo mais lento. Em fevereiro de 2022, quando parte da população já estava imunizada e o turismo em pleno processo de recuperação, o município cotejou nova crise devido ao impacto das chuvas fortes dos dias 15 de fevereiro e 20 de março de 2022.

Ambas as situações ocasionaram crises que demandaram ações articuladas tanto do poder público quanto da iniciativa privada e da sociedade civil. É importante refletir sobre a crise e levar em conta a perda de vidas, moradias, empresas9 9 Vinculadas direta ou indiretamente a esse setor. e empregos, além da instabilidade financeira e das relações sociais, políticas e ambientais decorrentes.

Ao se tratar do turismo, variadas visões foram estabelecidas frente ao pós-crise. No caso da Covid-19, Carneiro e Allis (2021CARNEIRO, J.; ALLIS, T. Como se move o turismo durante a pandemia da Covid-19. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, v. 15, n. 1, 2021. doi: https://doi.org/10.7784/rbtur.v15i1.2212.
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) supõem que seria a oportunidade de se desenvolver um turismo de maneira mais ética e sustentável, justamente por tudo que a humanidade vivenciou durante o período mais agudo da pandemia. Outros autores, como Lobo et al. (2020LOBO, H. A. S.; MEDAGLIA, J.; PERINOTTO, A. R. C.; SILVEIRA, C. E.; MACHADO, A. C. P.; JUSTUS, J. G. Isolamento social e percepção de multidão no âmbito do turismo pós-pandemia da Covid-19: algo será diferente? Turismo y Desarrollo Local, n. 29, p. 196-210, dez. 2020. Available at: https://www.eumed.net/es/revistas/turydes/vol-13-no-29-diciembre-dezembro-2020/turismo-pospandemia . Accessed on: 12 Jul. 2022.
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), acreditam que haverá recuperação do setor aos níveis anteriores, mantendo-se o mesmo modelo de turismo que antes se desenvolvia ou mesmo a coexistência das duas formas de turismo. Adverte-se de que há muitas variáveis a considerar: questões informacionais, de turismo de multidões, éticas e relativas à sustentabilidade, entre outras. Ademais, as crises sempre implicaram mudanças.

Nesse contexto, questiona-se os caminhos que o setor de turismo tem percorrido no município de Petrópolis frente às crises instauradas em 2020 a 2022 e quais as aprendizagens decorrentes deste momento para vislumbrar um futuro melhor e mais sustentável para o setor.

Desta feita, este artigo tem como objetivo refletir sobre o turismo no contexto dos efeitos do impacto (social, político e econômico) da pandemia de Covid-19 e do evento extremo climático que o município de Petrópolis vivenciou em 2022 e, a partir de pesquisa bibliográfica e documental e de entrevistas com representantes do trade turístico, identificar perspectivas para o turismo após esses acontecimentos.10 10 Essa investigação é realizada no âmbito da Rede Internacional Turismo em Tempos de Pandemia, uma análise multi e transescalar que em 2020 iniciou estudos sobre o turismo e os impactos da pandemia da Covid-19. Petrópolis foi um dos municípios selecionados pela equipe da pesquisa no núcleo do estado do Rio de Janeiro e, com o advento dos eventos extremos climáticos de 2022, os estudos incluíram esse tema.

Petrópolis: turismo e vulnerabilidade ambiental

Localizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), o município de Petrópolis fica no topo da Serra da Estrela, abrangendo uma área de 811 km². Atualmente, seu território é composto por cinco distritos: Petrópolis (centro), Cascatinha, Itaipava, Pedro do Rio e Posse (Santos et al., 2017SANTOS, D. F.; LAETA, T.; FERNANDES, M. C.; SOUSA, G. M. Manutenção da planta Köeler para digitalização através de levantamento fotográfico. Revista Brasileira de Geomática, Curitiba, v. 5, n. 2, p. 277-290, 2017. doi: https://doi.org/10.3895/rbgeo.v5n2.5424.
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) (Figura 1).

Figura 1 -
Distritos de Petrópolis, Petrópolis no estado do Rio de Janeiro e o estado do Rio de Janeiro no Brasil

De acordo com Soares (2009SOARES, J. Petrópolis: ontem e hoje. Rio de Janeiro: Texto, 2009.), no século XIX, Dom Pedro II contratou o engenheiro Júlio Frederico Köeler para construir seu Palácio de Verão (atual Museu Imperial) e um plano de urbanização para a localidade. O assim chamado Plano Köeler definiu o núcleo urbano de Petrópolis, território que antes consistia na antiga fazenda Córrego Seco e, somado à área da fazenda Quitandinha, tornou-a uma das primeiras cidades planejadas do Brasil (Antunes; Fernandes, 2020ANTUNES, F. S.; FERNANDES, M. C. Análise geográfica e cartografia histórica: subsídios para entender a organização espacial da área gênese de Petrópolis (RJ). Geousp, v. 24, n. 1, p. 117-135, 2020. doi: https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2020.148942.
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).

Durante o verão, no início do século XIX, Petrópolis se convertia na capital do Império, quando os moradores do Rio de Janeiro e membros da corte subiam a serra para a vilegiatura - período de recreio fora das áreas urbanas -, em busca de temperatura amena e diversão (Daibert, 2010DAIBERT, A. Os primórdios do turismo organizado em Petrópolis. In: SEMINÁRIO DE PESQUISA EM TURISMO DO MERCOSUL, 6., 9-10 jul. 2010, Caxias do Sul, RS: UCS. Anais... Caxias do Sul, RS, 2010. Available at: https://www.ucs.br/ucs/eventos/seminarios_semintur/semin_tur_6/arquivos/09/Os%20Primordios%20do%20Turismo%20Organizado%20em%20Petropolis.pdf . Accessed on: 2 Jul. 2022.
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). Essa motivação climática, a estrutura de hospedagem e outras facilidades para visitantes, acabaram tornando Petrópolis a primeira estância turística climática brasileira (Ignarra, 2001IGNARRA, L. R. Fundamentos do turismo. São Paulo: Pioneira, 2001.).

Além dos visitantes para a vilegiatura, no século XIX, houve a atração de imigrantes europeus e do oriente médio para trabalhar nas obras do Plano Köeler e depois na agricultura. No último quartil do século XIX, o município se torna um importante polo têxtil no país e se mantém assim até 1937. Outra atividade industrial que aflorou neste período, foi a indústria cervejeira (Antunes; Fernandes, 2020ANTUNES, F. S.; FERNANDES, M. C. Análise geográfica e cartografia histórica: subsídios para entender a organização espacial da área gênese de Petrópolis (RJ). Geousp, v. 24, n. 1, p. 117-135, 2020. doi: https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2020.148942.
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).

Mesmo com o fim do Império, Petrópolis continuou a ser um território de destaque político, econômico e cultural, recebendo políticos, personalidades e artistas. Na década em 1940, desponta entre os atrativos mais expressivos petropolitano, o hotel cassino Palácio Quitandinha. Esse cassino foi um dos mais importantes do Brasil, sediando grandes eventos nacionais e internacionais até a proibição do jogo no Brasil, em 1946. No momento presente, é um espaço cultural administrado pelo Serviço Social do Comércio (Sesc) e um condomínio residencial particular (Garcia, 2017GARCIA, L. A história do Quitandinha: da construção aos dias atuais. Petrópolis, RJ: Bem Cultural, 2017.), mas continua a ser um atrativo turístico significativo do município.

Daibert (2010DAIBERT, A. Os primórdios do turismo organizado em Petrópolis. In: SEMINÁRIO DE PESQUISA EM TURISMO DO MERCOSUL, 6., 9-10 jul. 2010, Caxias do Sul, RS: UCS. Anais... Caxias do Sul, RS, 2010. Available at: https://www.ucs.br/ucs/eventos/seminarios_semintur/semin_tur_6/arquivos/09/Os%20Primordios%20do%20Turismo%20Organizado%20em%20Petropolis.pdf . Accessed on: 2 Jul. 2022.
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), explicita que na década de 1940, a região central de Petrópolis estabeleceu-se como um polo de turismo cultural no contexto de turismo massificado, tendo o Museu Imperial como atração mais expressiva. Com o tempo, novas segmentações de turismo como o turismo motivado por compras (no setor têxtil e moveleiro), alta gastronomia, circuitos ecorrurais, cicloturismo e aventura foram se desenvolvendo atingindo outros distritos. Os eventos também passaram a ocorrer como a Bauernfest, Bunka-sai, Ubuntu, Serra Serata, Natal Imperial e casamentos, ampliando o número de visitantes para o destino (Petrópolis, 2019PETRÓPOLIS. Prefeitura. Turismo de negócios movimenta mais de R$ 500 milhões em Petrópolis. Petrópolis, 29 abr. 2019. Available at: https://www.petropolis.rj.gov.br/pmp/index.php/imprensa/noticias/item/12868-turismo-de-neg%C3%B3cios-movimenta-mais-de-r$-500-milh%C3%B5es-em-petr%C3%B3polis.html . Accessed on: 10 Jul. 2022.
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).

Em 2019, o turismo petropolitano representou 6% do produto interno bruto (PIB) do município, que foi de aproximadamente R$ 13.650.000,00. Nesse mesmo ano, a cidade recebeu dois milhões de turistas, o que indica que o turismo é setor significativo economicamente (Petrópolis, 2019PETRÓPOLIS. Prefeitura. Turismo de negócios movimenta mais de R$ 500 milhões em Petrópolis. Petrópolis, 29 abr. 2019. Available at: https://www.petropolis.rj.gov.br/pmp/index.php/imprensa/noticias/item/12868-turismo-de-neg%C3%B3cios-movimenta-mais-de-r$-500-milh%C3%B5es-em-petr%C3%B3polis.html . Accessed on: 10 Jul. 2022.
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).

Para Ambrozio (2008AMBROZIO, J. C. G. O presente e o passado no processo urbano da cidade de Petrópolis. Thesis (Doctorate in Human Geography - Faculty of Philosophy, Letters and Human Sciences, University of São Paulo, São Paulo, 2008. doi: https://doi.org/10.11606/T.8.2008.tde-06012009-163050.
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), as mudanças econômicas e populacionais iniciadas no século XIX e intensificadas no século XX induziram as grandes mudanças territoriais no município e fizeram com que a cidade se expandisse para além do território estipulado no Plano Köeler. Com a falta de terras urbanas que dessem conta desse crescimento econômico e populacional, instalaram-se residências nas encostas e cumeadas do município e, em 1970, abandona-se o Plano Köeler, alterando a forma de ocupar seu território (Antunes; Fernandes, 2020ANTUNES, F. S.; FERNANDES, M. C. Análise geográfica e cartografia histórica: subsídios para entender a organização espacial da área gênese de Petrópolis (RJ). Geousp, v. 24, n. 1, p. 117-135, 2020. doi: https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2020.148942.
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), causando desmatamento e falta de infraestrutura sanitária, favorecendo a intensificação das inundações que já ocorriam em função das características geográficas do lugar.

Petrópolis é um município com alta vulnerabilidade ambiental e as enchentes, inundações e deslizamentos de terras não são eventos recentes em sua história. Elas ocorrem desde antes do decreto de fundação do município, sendo a primeira registrada em 1834, e foram recorrentes no século XIX e XX. No século XXI, também houve inundações em 2001, 2004, 2008, 2011 e 2013, com prejuízos econômicos, sociais e ambientais (Freitas, 2022FREITAS, C. As enchentes em Petrópolis pelas lentes de uma historiadora e uma engenheira sanitarista. Do Império aos dias de hoje. Petrópolis Sob Lentes, 22 fev. 2022. Available at: https://petropolisoblentes.com.br/as-enchentes-em-petropolis-pelas-lentes-de-uma-historiadora-e-uma-engenheira-sanitarista/ . Accessed on: 2 Jul. 2022.
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), e agora, em 2022, um evento climático extremo, objeto desta discussão, em plena recuperação do período pandêmico.

Destarte, após caracterizar o turismo e as vulnerabilidades ambientais do município de Petrópolis, na próxima seção discute-se as crises geradas tanto pela pandemia da Covid-19 quanto pelas chuvas fortes no verão de 2022 e alguns de seus impactos.

A confluência de riscos e crises em Petrópolis a partir de 2020: impactos no turismo

A palavra crise tem origem no vocábulo latino crísis, que significa “momento de decisão, de mudança súbita”, sobretudo no contexto da medicina. Em grego, krísis designa o momento da evolução de uma doença em que ela se define entre o agravamento - e a morte - ou a cura - e a vida. O ideograma chinês weiji (crise) é formado pela junção dos ideogramas “perigo-wei” e “crucial-ji”. No século XIX, a palavra migra do âmbito da saúde para o econômico.

Lefebvre (2009LEFEBVRE, H. Da teoria das crises à teoria das catástrofes. Trad. Anselmo Alfredo, Carolina Massuia de Paula e Thomas Ficarelli. Geousp, Espaço e Tempo, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 138-152, 2009. doi: https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2009.74117.
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) afirma que, ao se julgar acima de tudo e de todos, o ser humano, amparado no racionalismo e na ciência, sobrepôs o ter ao ser na e com a natureza, condição que levou a criar pressupostos para as crises. O que remete às crises contemporâneas como as climáticas e sociais recorrentes no mundo.

Na contemporaneidade neoliberal, o estado de exceção, que seria o sentido da crise, deixa de ter esse significado e passa a ser visto como uma posição normal de vida, como se fosse natural (Sousa Santos, 2020MOURA, A. R.; GUERRA, M. G. G. V. Reflexões de Boaventura de Sousa Santos sobre os impactos do coronavírus. Cadernos de Pesquisa, v. 50, n. 178, 2020. doi: https://doi.org/10.1590/198053147314.
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11 11 SANTOS, B. S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra, PT: Almedina, 2020. apud Moura; Guerra, 2020MOURA, A. R.; GUERRA, M. G. G. V. Reflexões de Boaventura de Sousa Santos sobre os impactos do coronavírus. Cadernos de Pesquisa, v. 50, n. 178, 2020. doi: https://doi.org/10.1590/198053147314.
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). Não se explica mais a crise, mas se a transforma em matriz de significados para esclarecer outras situações, como, por exemplo, mudanças na legislação, aproveitando os momentos de crise para manipular a população.

Discutindo uma publicação recente de Boaventura de Sousa Santos, Moura e Guerra (2020MOURA, A. R.; GUERRA, M. G. G. V. Reflexões de Boaventura de Sousa Santos sobre os impactos do coronavírus. Cadernos de Pesquisa, v. 50, n. 178, 2020. doi: https://doi.org/10.1590/198053147314.
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) questionam o modelo social e econômico necessário para direcionar o mundo pós-pandemia. O neoliberalismo, modelo vigente em muitos países, inclusive o Brasil, mostrou-se com mais dificuldades para resolver a crise provocada pela Covid-19. Nesse caso, a orientação política precisa ser alterada, e a proposta de Sousa Santos postula uma democracia mais participativa, orientada para solidariedade e cooperação, contra o empreendedorismo e a competitividade.

No início de 2020, o município de Petrópolis é acometido pela pandemia de Covid-19, como aconteceu em boa parte do Brasil e do mundo. Com uma população estimada em pouco mais de 300 mil pessoas, entre março de 2020 e julho de 2022, o número de casos de contaminados pela Covid-19 confirmados em Petrópolis foi de 86.027 e o de óbitos, de 1.704 (Tabela 1).

Tabela 1-
Impactos da Covid-19 em Petrópolis

A Covid-19 atingiu 26% da população de Petrópolis, deixando muitas pessoas doentes e mortas. Apesar de em 2021 já haver a vacina, esse foi o ano com maior número casos graves e letalidade, pois, até a vacina chegar à maioria da população,12 12 Em função do posicionamento do governo federal quanto à vacinação e da demora no fechamento dos contratos com empresas fabricantes e fornecedoras de vacinas, houve atrasos e escalonamento por faixa etária na vacinação da população do país, o que estendeu a vacinação por todo o ano de 2021 para alcançar todas as faixas etárias da população. os casos continuaram a ocorrer.

Em 2022, com a população imunizada e o turismo em plena recuperação, no dia 15 fevereiro houve o volume recorde de chuva registrado na história de Petrópolis. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Trigueiro, 2022TRIGUEIRO, A. Cemaden alertou sobre chuva em Petrópolis 2 dias antes, mas sem informar a intensidade: “Impossível fazer a previsão”, diz diretor. G1, Região Serrana, 16 Fev. 2022. Available at: https://g1.globo.com/rj/regiao-serrana/noticia/2022/02/16/cemaden-alertou-sobre-chuva-em-petropolis-2-dias-antes-mas-sem-informar-a-intensidade-impossivel-fazer-a-previsao-diz-diretor.ghtml . Accessed on: 3 Jul. 2022
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), durante seis horas choveu 259 mm, ultrapassando o recorde anterior, de 168,2 mm de chuva que ocorreu em 1952. No mês seguinte, na tarde de 20 de março, uma forte chuva causou sete mortes e deixou dezenas de pessoas desabrigadas - destaca-se que nesse dia o recorde foi novamente batido, com o registro do maior índice pluviométrico de chuvas já medido em Petrópolis, superior a 520 mm (Puente, 2022PUENTE, B. Com mais de 530 milímetros, Petrópolis registra maior chuva da história. CNN Brasil, Rio de Janeiro, 21 mar. 2022. Available at: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/com-mais-de-530-milimetros-petropolis-registra-maior-chuva-da-historia/ . Accessed on: 6 Oct. 2022.
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/co...
).

Esses dois eventos climáticos extremos implicaram 233 mortes, prejuízo de R$ 665 milhões e perda de cerca de 2% do PIB de Petrópolis (Souza, 2022SOUZA, B. Petrópolis tem prejuízo de R$ 665 milhões e perde cerca de 2% do PIB por consequência das chuvas. G1, Rio de Janeiro, 21 fev. 2022. Available at: https://oglobo.globo.com/rio/petropolis-tem-prejuizo-de-665-milhoes-perde-cerca-de-2-do-pib-por-consequencia-das-chuvas-2-25403135 . Accessed on: 29 Jun. 2022.
https://oglobo.globo.com/rio/petropolis-...
).

Procedimento metodológico

Visando atingir os objetivos propostos, esta pesquisa tem caráter qualitativo, com recorte temporal do início da pandemia da Covid-19 (março de 2020) até o final do segundo semestre do ano de 2022. A primeira fase da pesquisa se baseou na revisão bibliográfica sobre o município, em especial dados relativos à trajetória histórica, planejamento urbano e turismo. Reportagem veiculadas na mídia digital, decretos municipais e as atas de reuniões do Conselho Municipal de Turismo (Comtur) destacaram-se entre os materiais consultados.

Na segunda etapa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas definidas a partir dos critérios: capacidade de articulação com o turismo petropolitano e influência nas políticas públicas e privadas do setor de turismo. Na primeira fase de entrevistas, ocorridas em 2020, entrevistou-se a presidente do Comtur (outubro de 2020) e representantes da Associação de Guias de Petrópolis (AGP) (novembro de 2020), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) (novembro de 2020) e do Convention & Visitor Bureaux de Petrópolis (C&VB) (fevereiro de 2021). Na segunda rodada de entrevistas, foram novamente entrevistados representantes da AGP (julho 2022) e da Academia (julho de 2022) - todos membros do Comtur.

Ao longo da pesquisa, analisaram-se os dados coletados a partir de categorias que permitiram classificar e agrupar elementos, ideias ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger a totalidade (Minayo, 1994MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.). Estabeleceram-se três categorias: políticas públicas, impacto e estratégias e oportunidades.

O turismo e o impacto (social, político e econômico) da pandemia de Covid-19 e do evento extremo climático ocorrido em Petrópolis em 2022

Com base nas categorias: políticas públicas, impacto, estratégias e oportunidades, são apresentados os resultados verificados após a coleta dos dados.

(a) Políticas públicas

Considerando as políticas públicas um campo de estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas (Mead, 1995MEAD, L. M. Public policy: vision, potential, limits. Policy Currents, v. 68, n. 3, 1995.), bem como relativo àquilo “[...] que o governo escolhe fazer ou não fazer” (Dye, 1984DYE, T. R. Understanding public policy. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1984.), foi realizado um estudo sobre (I) as políticas de prevenção ao contágio do novo coronavírus no âmbito do município e a participação social no processo de decisão no período de crise, (II) o auxílio aos trabalhadores do turismo (especialmente os guias de turismo) e (III) a administração pública e a descontinuidade em plena crise(s).

(I) Políticas de prevenção ao contágio do novo coronavírus no âmbito do município e participação social no processo de decisão no período de crise.

Diante da gravidade da situação, logo nos primeiros dias após o início da pandemia, registrou-se o Decreto n. 1.088, de 13 de março de 2020, com medidas temporárias de prevenção ao contágio do novo coronavírus no âmbito do município. Essas medidas eram renovadas/modificadas por meio de novos decretos, conforme o cenário epidemiológico e as condições para o tratamento da doença. Estabelecimentos comerciais, educacionais, culturais e de lazer tiveram suas atividades suspensas, deixando apenas em funcionamento os serviços essenciais para evitar aglomerações. Houve a criação de posturas municipais e fiscalizações sanitárias para garantir o cumprimento das ações legais implementadas (Petrópolis, [2022]).

Muitas das ações afetaram diretamente o turismo: cancelamento de eventos, fechamento de parques e atrativos turísticos e implementação de barreiras sanitárias que impediam ou limitavam o acesso de moradores de outras cidades a Petrópolis, entre outras.

Em junho de 2020, teve início a flexibilização das medidas de prevenção instauradas, possibilitando a abertura do comércio e serviços para a retomada das atividades cotidianas do município, incluindo o setor hoteleiro. No segundo semestre de 2020, as barreiras sanitárias diminuíram as restrições de acesso, desde que os turistas apresentassem vouchers de hospedagem ou de lojas do polo de moda petropolitano (Petrópolis, [2022]).

Com o aumento no número de mortes e de internações, em março de 2021, novamente houve um pacote de medidas emergenciais restritivas para tentar conter os casos de Covid-19 no município. Abril de 2021 foi o pior mês quanto ao número mortos e infectados. As atividades econômicas estavam em funcionamento, com exceção dos eventos, boates, danceterias e similares. Em resposta às pressões populares, mantiveram-se o uso de máscaras e o distanciamento de pessoas, sem medidas de restrição de acesso ao município (Petrópolis, [2022]PETRÓPOLIS. Secretaria de Saúde. Perfil Epidemiológico em 30 de maio de 2022. Petrópolis, [2022]. Available at: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYWE5ZmQxZTAtMjEyZS00MmI5LThhMDYtMWM2OTM0ZDcwMGZkIiwidCI6IjM0ZGVkMjVkLWYwZDktNDFlZS04MWNiLTRhMTNjNGMxODViNiJ9 . Accessed on: 1 Jul. 2022.
https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiY...
).

Sobre as restrições impostas para conter a pandemia, o vice-presidente do Petrópolis C&VB fez o seguinte relato:

Ficamos muito tempo fechados, não havia cronograma de reabertura. Uma vitória do trade foi flexibilizar a barreira sanitária para quem tivesse o voucher de loja ou hotéis. Faltou leitura de mercado, das necessidades de cada setor. Lacraram a cidade e foram cuidar da saúde (Entrevista, vice-presidente do C&VB, fev. 2021).

A fala desse entrevistado representa o olhar do grupo de comerciantes do setor insatisfeitos com o poder público pela falta de cooperação nas decisões. Descontentamento semelhante foi observado também na entrevista da presidente do Comtur, em outubro de 2020, que afirmou que o Conselho de Turismo também não havia sido consultado sobre os decretos municipais e suas medidas. Destacou que os atores do setor, principalmente representantes dos restaurantes, operaram forte pressão para flexibilizar as restrições que impediam que os turistas entrassem na cidade (ainda mais porque, inicialmente, os restaurantes ficaram de fora das flexibilizações nas barreiras, mediante a apresentação de vouchers que comprovassem o uso de hospedagem ou compra no polo de moda). Esse processo de impedir/dificultar o livre acesso ao município se encerrou em meados de junho de 2021, quando as barreiras foram desativadas (Machado, 2021MACHADO, L. Barreiras sanitárias são desativadas em Petrópolis, no RJ; UTIs Covid têm ocupação abaixo de 70% desde o início do mês. G1, Petrópolis, 16 jun. 2021. Available at: https://g1.globo.com/rj/regiao-serrana/noticia/2021/06/16/barreiras-sanitarias-sao-desativadas-em-petropolis-no-rj-utis-covid-tem-ocupacao-abaixo-de-70percent-desde-o-inicio-do-mes.ghtml . Accessed on: 6 Oct. 2022.
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).

Além da falta de consulta aos atores envolvidos para as decisões, identificou-se certa dificuldade de acesso às informações por esses coletivos. Este trecho da ata de reunião do Comtur ilustra a questão.

O Sr. Guilherme Lacombe perguntou se havia alguma previsão de reabertura para o Parque Nacional da Serra dos Órgão (Parnaso), pois membros da Abih que trabalham com turismo de aventura foram prejudicados com o fechamento. A Sra. Amanda Alvarez falou que não havia sido informada sobre a reabertura do parque. A Sra. Luciana Viveiros falou que o Parnaso, assim como o Museu Imperial, eram federais, portanto, eram regidos pelo Governo Federal. Sugeriu que o Sr. Guilherme Lacombe buscasse mais informações com o Ministério do Turismo. O Sr. Guilherme Lacombe informou que isso já havia sido feito e nenhuma resposta foi dada, por isso, gostaria de saber se havia alguma posição no âmbito municipal (Ata, reunião Comtur Petrópolis, jul. 2020).

Nesses termos, percebem-se dificuldades na coordenação da gestão das políticas públicas do turismo municipal entre o setor público e o privado, falhas na comunicação e na coordenação vertical entre as ações do poder público federal (responsável pelo Parnaso e pelo Instituto Brasileiro de Museus), com a instância de governança municipal, visto o Comtur não ter conhecimento sobre importantes atrações turísticas do município.

(II) Auxílio aos trabalhadores do setor de turismo (especialmente aos guias de turismo)

Tanto no âmbito federal quanto estadual se estabeleceram algumas ações para a manutenção dos empregos e a perenidade dos empreendimentos, incluindo os do turismo (Costa et al., 2021COSTA, M. A. M.; MORAES, C. C. A.; ABREU, L. M.; BOTELHO, E. S.; FOGAÇA, I. F.; TRENTIN, F.; LIMA, M. G.; SOARES, C. A. L.; ELICHER, M. J.; QUEIRÓS, J. M. Rio de Janeiro: cenário turístico carioca em tempos de pandemia. Geo Uerj, Rio de Janeiro, n. 39, 2021. doi: https://doi.org/10.12957/geouerj.2021.61340.
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). No entanto, algumas categorias profissionais reivindicavam uma renda emergencial dos governos estadual e municipal, mas não foram contempladas, entre elas, a dos guias de turismo (trabalhadores autônomos cuja renda depende da visitação turística).

Em entrevista realizada em novembro de 2020 com a diretora da AGP, foi relatada a insatisfação da categoria com a falta de políticas públicas de apoio financeiro (sobretudo auxílio emergencial). Apesar da mobilização e da pressão junto ao poder público municipal por meio de ofício relatando a situação de vulnerabilidade econômica que sofriam os trabalhadores do setor, não tiveram suas demandas atendidas.13 13 Há também registro dessa informação na ata da reunião do Comtur de Petrópolis em maio de 2020. De acordo com registro na ata do Comtur, só em abril de 2021 se executou uma ação de auxílio à categoria, a partir de uma parceria entre a Turispetro e a Companhia Petropolitana de Trânsito e Transportes. Por meio dessa ação, os guias de turismo foram contratados para orientar turistas e visitantes nas barreiras sanitárias.

Assim, diante de pouco apoio do poder público municipal, os trabalhadores do setor buscaram soluções criativas com custo zero, tais como a realização de lives streaming, campanhas de arrecadação de cestas básicas e rifas criadas para socorrer os guias de turismo que se viam desamparados, sem trabalho e renda (Trabalho desenvolvido..., 2020TRABALHO DESENVOLVIDO por guias de turismo de Petrópolis durante a pandemia concorre a prêmio. Tribuna de Petrópolis, 15 fev. 2020. Available at: https://tribunadepetropolis.com.br/noticias/trabalho-desenvolvido-por-guias-de-turismo-de-petropolis-durante-a-pandemia-concorre-a-premio/ . Accessed on: 10 Jul. 2022.
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).

Ressalta-se que essa pressão aconteceu não apenas na escala municipal, pois houve uma grande mobilização por parte da Liga Independente dos Guias de Turismo do Rio de Janeiro para sensibilizar o governo estadual acerca da situação calamitosa desses profissionais e pressioná-lo para aprovar um programa de renda emergencial. Contudo, a categoria não obteve êxito com o governo estadual, restando aos guias pleitear o auxílio emergencial do governo federal e as linhas de crédito (empréstimos) em programas federais (Fungetur ou Pronampe, por exemplo) e estaduais (Supera Rio).

Sobre a opção por empréstimo, a diretora da AGP, em 2020, realizou o seguinte relato:

[...] eu sinto que o Estado poderia ter feito mais. Lançaram uma verba através da AgeRio,14 14 Sobre a dificuldade para acessar a linha de crédito disponível para o setor de turismo na Agência Estadual de Fomento (AgeRio), ver Trentin, Costa e Moraes (2022). para empresas de turismo, mas cheio de critérios para a pessoa conseguir. Como um guia de turismo, que está há meses sem trabalhar, sem garantias que vai conseguir ganhar dinheiro, que vai obter alguma renda… como este guia de turismo vai acessar um empréstimo para pagar daqui um ano? Tanto eu, quanto a maioria dos guias, nós não tivemos coragem de pegar um empréstimo. Como é que nós estaremos daqui a um ano? Eu vou estar trabalhando, assim como eu estava no ano passado? (Entrevista, Neves, diretora da AGP, nov. 2020).

Esse relato mostra a insegurança com relação ao futuro no contexto pandêmico e a insatisfação com o formato da política pública econômica apresentada.

(III) A administração pública e a descontinuidade em plena crise

Quando se sobrepõem crises num município (Covid e chuvas excessivas), a situação em si já é complicadora para a gestão pública desenvolver seu trabalho. Mas, quando a crise também se relacionada a incertezas na política, o cenário fica ainda mais complexo. Num intervalo de dois anos, Petrópolis teve três prefeitos: Bernardo Rossi em 2020 (primeiro ano da pandemia), Hingo Hammes (de janeiro a novembro de 2021) e Rubens Bomtempo (inicia em dezembro de 2021). Isso decorreu do impedimento que Bomtempo teve para assumir a prefeitura após a eleição de 2020, por estar sub judice por ato de improbidade administrativa em seu governo anterior. Temporariamente, assumiu Hammes, o presidente da Câmara Municipal. Em dezembro de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça cancelou a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de suspensão dos direitos políticos de Bomtempo, e ele assumiu a prefeitura. Essa fragmentação implicou descontinuidade de ações em curso e instabilidade política num momento delicado, que exigia ação, cooperação e coordenação. No setor de turismo, a instabilidade é percebida pela troca de equipe no órgão municipal de turismo e na presidência do Comtur.

Diante da situação indefinida do executivo, cujo tempo de gestão era indeterminado, somadas as dificuldades da crise pandêmica, a capacidade de planejamento e ação dos gestores públicos ficou ainda mais debilitada. Bomtempo assumiu a prefeitura em plena crise sanitária e, logo depois, teve que tratar dos problemas que as chuvas excessivas ocasionaram (crise ambiental), que não é apenas de responsabilidade municipal, mas, também, federal e estadual.

Cada um dos poderes tem competência constitucional na preservação do meio ambiente, no planejamento e na defesa permanente contra calamidades públicas, em especial, as inundações. A coordenação de ações que reduzam os riscos e dotem o espaço de condições de maior resiliência é de responsabilidade dos três poderes.

Assim, além do turismo, o levantamento de Gomes e Coelho, A. (2022GOMES, M.; COELHO, A. Em 2021, Prefeitura de Petrópolis reduziu gastos em ações de prevenção de desastres em relação ao ano anterior. G1, Região Serrana, 15 abr. 2022. Available at: https://g1.globo.com/rj/regiao-serrana/noticia/2022/04/15/prefeitura-de-petropolis-rj-reduziu-gastos-em-acoes-de-prevencao-de-desastres.ghtml . Accessed on: 2 Jul. 2022.
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) no portal da transparência municipal mostrou que as consequências das chuvas poderiam ter sido evitadas com mais investimentos financeiros do poder público, cujas verbas já estavam previstas no orçamento. Ao ser questionado o prefeito em exercício sobre a redução dos gastos em ações de prevenção de desastres, Bomtempo respondeu que as decisões sobre os investimentos em 2021 ficaram a cargo do prefeito interino. Hammes respondeu que assumiu o mandato temporário durante um momento crítico da pandemia e precisou investir quase 40% do orçamento municipal na saúde (Gomes; Coelho, A., 2022GOMES, M.; COELHO, A. Em 2021, Prefeitura de Petrópolis reduziu gastos em ações de prevenção de desastres em relação ao ano anterior. G1, Região Serrana, 15 abr. 2022. Available at: https://g1.globo.com/rj/regiao-serrana/noticia/2022/04/15/prefeitura-de-petropolis-rj-reduziu-gastos-em-acoes-de-prevencao-de-desastres.ghtml . Accessed on: 2 Jul. 2022.
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), o que evidencia a crise política instalada ali.

(b) Impacto

A Rede Internacional Turismo em Tempos de Pandemia entende que impacto é uma força emanada de uma ação ou de um acontecimento capaz de ter implicações diretas ou indiretas “para o que” ou “para quem” é atingido, sendo importante considerar que, sentidos socialmente, seus efeitos se desdobram dialeticamente em ações, reações ou contra-ações por parte da sociedade/grupo social/comunidade atingidos. No município de Petrópolis, a pandemia e as chuvas extremas tiveram grande impacto ambiental, econômico, político e social, e o setor de turismo não foi imune a essa realidade.

De acordo com estudo realizado pela TurisPetro (Petrópolis, 2021PETRÓPOLIS. Prefeitura. Desempenho do Turismo de Petrópolis: indicadores 2020. Petrópolis, RJ: TurisPetro, 2021. Available at: https://www.petropolis.rj.gov.br/turispetro/downloads/observatorio/Desempenho_do_Turismo_de_Petropolis_2020.pdf . Accessed on: 10 Jul. 2022.
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), a visitação dos principais atrativos da região central do município15 15 Museu Imperial, Museu Casa de Santos Dumont, Centro de Experiência Cervejaria Bohemia, Palácio Rio Negro, Museu Casa do Colono, Palácio Amarelo e Igreja da Confissão Luterana. variou cerca de 85%, com exceção do Palácio Rio Negro, cuja variação alcançou 56%, devido à não contabilização dos meses em que ficou fechado para reforma. No ano de 2021, houve um saldo positivo, com a visitação de 322.770 turistas nos atrativos estudados, superando o número de visitações de 2019 (Petrópolis, 2021PETRÓPOLIS. Prefeitura. Desempenho do Turismo de Petrópolis: indicadores 2020. Petrópolis, RJ: TurisPetro, 2021. Available at: https://www.petropolis.rj.gov.br/turispetro/downloads/observatorio/Desempenho_do_Turismo_de_Petropolis_2020.pdf . Accessed on: 10 Jul. 2022.
https://www.petropolis.rj.gov.br/turispe...
). No entanto, segmentos como o turismo pedagógico, de significativo fluxo turístico entre segunda e sexta-feira, dependente das atividades escolares, em 2019, somou 143.838 visitantes; em 2020, 2.023; e, em 2021, 4.058 (Petrópolis, 2021PETRÓPOLIS. Prefeitura. Desempenho do Turismo de Petrópolis: indicadores 2020. Petrópolis, RJ: TurisPetro, 2021. Available at: https://www.petropolis.rj.gov.br/turispetro/downloads/observatorio/Desempenho_do_Turismo_de_Petropolis_2020.pdf . Accessed on: 10 Jul. 2022.
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), dados que demonstram o impacto da pandemia e da suspensão das aulas em escolas públicas e privadas do estado no segmento.

Outro segmento importante, o turismo de natureza, realizado no Parnaso, também foi afetado, uma vez que a área protegida fechou suas visitações de março a dezembro de 2020, reabrindo só em fevereiro de 2021. Em 2019, ocorreram 24.504 visitações e em 2020, 3.887 (considerando apenas os meses antes do fechamento por causa da Covid-19).

Com a retomada do turismo no ano de 2021, em dezembro, dois meses antes da inundação de 2022, tinha-se a impressão de que o setor voltava à “normalidade”. No evento Natal Imperial de dezembro de 2021, cerca de 300 mil turistas visitaram o município, e o setor hoteleiro registrou 85% de ocupação durante a alta temporada, mostrando relevante índice de retorno às atividades turísticas (Natal Imperial..., 2022NATAL IMPERIAL atrai mais de 300 mil pessoas para Petrópolis; programação segue até 9 de janeiro. Diário de Petrópolis, Petrópolis, 2 jan. 2022. Available at: https://www.diariodepetropolis.com.br/integra/natal-imperial-atrai-mais-de-300-mil-pessoas-para-petropolis-programacao-segue-ate-9-de-janeiro-203142 . Accessed on: 6 Oct. 2022.
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). Esse momento foi ressaltado com entusiasmo nas entrevistas realizadas, pois foi um momento em que o trade comemorava a retomada dos turistas.

A diretora da AGP, por exemplo, lembrou que muitas escolas iniciaram o contato para agendar visitas aos atrativos da cidade no fim de 2021 e início de 2022 - um alento para a categoria, pois o turismo pedagógico significa a possibilidade de trabalhar nos dias úteis. No entanto, após ampla divulgação na mídia dos eventos extremos de precipitação de fevereiro de 2022, todos os agendamentos foram cancelados ou adiados. Relatou ainda que se esforça para passar uma imagem positiva do município, contudo, “a sensação é que os turistas ainda estão com medo de vir até Petrópolis, por mais que divulguem que a cidade já voltou à vida normal”.

É fato que, com as chuvas de verão, os turistas sempre recearam “subir a Serra”, mas as chuvas de 2022 inviabilizaram qualquer atividade relativa ao turismo no curto prazo. O caos instalado nas semanas seguintes às chuvas causou um grande transtorno na vida dos moradores: destruiu infraestruturas, dificultou o acesso ao município e o funcionamento de diversos comércios.

O turismo de compras também foi afetado, tendo como exemplo o que aconteceu na rua Teresa, especializada em moda e que atrai muitos turistas para Petrópolis, gerando milhares de empregos diretos (Petrópolis, 2019PETRÓPOLIS. Prefeitura. Turismo de negócios movimenta mais de R$ 500 milhões em Petrópolis. Petrópolis, 29 abr. 2019. Available at: https://www.petropolis.rj.gov.br/pmp/index.php/imprensa/noticias/item/12868-turismo-de-neg%C3%B3cios-movimenta-mais-de-r$-500-milh%C3%B5es-em-petr%C3%B3polis.html . Accessed on: 10 Jul. 2022.
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). Com a inundação das chuvas de fevereiro (Figura 2), os estabelecimentos comerciais tiveram grandes perdas materiais e mortes. Os estabelecimentos da rua Teresa, que já haviam padecido com a Covid-19, tiveram outra fatalidade com o evento de precipitação extrema em fevereiro de 2022. Muitos empreendimentos se reergueram e, em março de 2022, foram novamente atingidos.

Figura 2 -
Impacto das chuvas de fevereiro na rua Teresa

O patrimônio histórico também padeceu com as inundações. Na avaliação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, constatou-se que foram atingidos importantes patrimônios nacionais, como a Casa Princesa Isabel, que teve seus muros derrubados, a Praça da Águia, o primeiro andar do Palácio Rio Negro e os jardins do Palácio de Cristal, que foram inundados (Figura 3).

Figura 3 -
Palácio de Cristal

O representante da Academia no Comtur lembrou que os principais atrativos turísticos estão num eixo urbano propício a enchentes e, portanto, sempre podem sofrer com outros eventos climáticos extremos, se não houver políticas para evitar ou reduzir inundações e deslizamentos.

O impacto das fortes chuvas foi tema de pauta da reunião do Comtur de março de 2022. O representante da Tursipetro apresentou algumas ações realizadas no âmbito da Secretaria de Turismo: levantamento de dados sobre atrativos turísticos atingidos, verificação do impacto das chuvas nos atrativos e seu funcionamento, participação em reuniões com organismos públicos e outras entidades para desenvolver a campanha #AbracePetrópolis (visando fortalecer a imagem do destino) e reunião com a AgeRio sobre ações econômicas para os empreendimentos turísticos atingidos, entre outras (Ata reunião Comtur, mar. 2022).

Ainda sobre o impacto das chuvas, é possível verificá-lo nos dados da rede hoteleira que, nos meses anteriores às chuvas, estavam com ocupações em torno de 90%, (em plena recuperação das consequências da pandemia da Covid-19). Contudo, em abril de 2022 (um mês após as segundas chuvas), essa ocupação se reduziu a 25%. Como desdobramentos, observam-se, por exemplo, a diminuição no número de contratações de trabalhadores e o aumento de demissões nos setores de alimentação e hospedagem por falta de turistas (Principais setores..., 2022PRINCIPAIS SETORES da economia em Petrópolis cobram agilidade nas ações de recuperação. Tribuna de Petrópolis, 10 maio 2022. Available at: https://tribunadepetropolis.com.br/noticias/principais-setores-da-economia-cobram-acoes-de-recuperacao-da-cidade/ . Accessed on: 2 Jul. 2022.
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).

(c) Oportunidades e estratégias

Como foi visto no referencial teórico desta pesquisa, uma crise pode significar o “momento de decisão, de mudança súbita”, “de morte ou de cura”. Assim, buscou-se investigar, por meio dos dados levantados, as perspectivas para o turismo após esses acontecimentos, tendo como base as aprendizagens decorrentes desse momento que permitam vislumbrar um futuro melhor e mais sustentável para o turismo no município.

Em que pese a gravidade das crises vividas por Petrópolis, é possível perceber que algumas oportunidades foram criadas no que tange à possibilidade de consolidar uma nova imagem do município, impulsionar os distritos, criar novos produtos turísticos e reforçar segmentos turísticos, entre outros.

Em 2020, houve uma edição da Bauernfest no formato virtual que envolveu patrocinadores, recursos tecnológicos e importantes ações de promoção do município. Sobre esse evento virtual, o registro feito na ata do Comtur de julho do ano de 2020 evidenciou também o impacto cultural da ação:

O Sr. Marcos Carneiro falou que, para a Agfap, foi muito importante a realização da ação, pois os grupos folclóricos estavam parados, sem ensaio, desde março, início da pandemia. Na ação, alguns casais, que fazem parte da associação, apresentaram as danças para compor a programação cultural da Bauernfest em casa. Com mais de 60 mil acessos na página da Prefeitura no YouTube, o evento registrou o interesse da população pela cultura germânica, que engloba música, dança, gastronomia, história, entre outras curiosidades (Ata, reunião Comtur, jul. 2020).

Sobre as estratégias, é possível citar a participação do município de Petrópolis nos projetos, selos e protocolos sanitários criados pelos governos estadual e federal, tais como o Selo Turismo Consciente, o projeto Rio - o seu Melhor Presente e o Selo de Conformidade com Medidas Preventivas da Covid-19, entre outras políticas (Costa et al., 2021COSTA, M. A. M.; MORAES, C. C. A.; ABREU, L. M.; BOTELHO, E. S.; FOGAÇA, I. F.; TRENTIN, F.; LIMA, M. G.; SOARES, C. A. L.; ELICHER, M. J.; QUEIRÓS, J. M. Rio de Janeiro: cenário turístico carioca em tempos de pandemia. Geo Uerj, Rio de Janeiro, n. 39, 2021. doi: https://doi.org/10.12957/geouerj.2021.61340.
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).

Outras tendências de segmentos e novos produtos turísticos foram fortalecidos durante a pandemia, em especial aqueles localizados na zona rural e nos distritos. Nossos entrevistados ressaltaram que o turismo foi mais afetado no centro da cidade, tanto pela pandemia como pelas chuvas.

Um novo fenômeno relatado em entrevista pelo representante da Academia no Comtur foi o fato de que vários condomínios, que tinham características de turismo de segunda residência (em Itaipava, Araras, Vale das Videiras, entre outros), passaram a ser a moradia principal diante da possibilidade do trabalho remoto. De acordo com o entrevistado, “se antes as pessoas estavam em isolamento da Covid-19, agora estão no homeoffice, buscando qualidade de vida em Petrópolis”. Então, para atender essa nova demanda, novos empreendimentos foram inaugurados, principalmente na área da gastronomia e nos produtos artesanais, o que estimula também o desenvolvimento do turismo nos distritos que tinham menor participação nessa atividade.

Nesse sentido, percebe-se uma quebra no paradigma de Petrópolis ter como principal apelo turístico o título de Cidade Imperial, para se transformar em destino de Serra Multidestino, sendo eventualmente essa a tendência mais positiva para o pós-pandemia e os extremos climáticos experimentados.

Entre as oportunidades identificadas, na área central do município, há ações como a criação de roteiros a pé, vendidos por um preço acessível para atender aos turistas que retomaram a visita e encontraram fechados os principais atrativos. Ainda em fase inicial, o walking tour cervejeiro é outro exemplo de produto criado, cujo subproduto é um passaporte para ser carimbado em cada atrativo, estimulando a visitação das cervejarias e dos brewpubs concentradas no centro. Ainda na área central, também se reinaugurou a Catedral de São Pedro, com tour guiado a partir do Palácio de Cristal.

O setor de eventos é um grande destaque na percepção das lideranças entrevistadas. De acordo com a diretora da AGP, o adiamento da Bauernfest 2022 foi uma estratégia para dar à cidade tempo para se recuperar da chuva.

Os eventos ajudam muito, a Bauernfest vai acontecer em agosto, de 12 a 28. Esse adiamento foi muito bom. O evento aumenta a procura pela cidade, e os guias acabam ficando com trabalho. Eu, por exemplo, estou todos os finais de semana de agosto com grupos agendados para guiamento (Entrevista, representante AGP, jul. 2022).

Na ata de reunião do Comtur do mês de junho de 2022, a representante da Turispetro comunicou que: “a expectativa é de que até o fim do ano ocorram aproximadamente 50 eventos, entre eles eventos de pequeno, médio e grande porte, aquecendo a economia do município”.16 16 A Turispetro disponibiliza o calendário de eventos municipais em: https://www.petropolis.rj.gov.br/turispetro/eventos. Ainda nesse documento, consta que Petrópolis havia recebido o título de Capital Estadual do Casamento e que estariam trabalhando pelo reconhecimento em nível nacional.

Nesse contexto de “oportunidades”, convém lembrar que, antes mesmo do início da vacinação em território nacional, a questão do Turismo de Proximidade já era tema corrente em palestras, lives streaming e documentos oficiais. Vide, por exemplo, o protagonismo que o assunto recebeu no documento Guia de Retomada Econômica do Turismo, do Ministério do Turismo, no ano de 2021. Tratando-se desse segmento, a localização geográfica de Petrópolis é um ponto forte para consolidá-lo, pois facilita o deslocamento de turistas residentes na RMRJ pelo transporte rodoviário pela BR-040.

Por fim, é importante citar que o Comtur permaneceu ativo durante a pandemia, fazendo reuniões virtuais. Entre as ações realizadas, destacam-se a regularidade das reuniões mensais, a presença de Grupos de Trabalho ativos e a execução de recursos financeiros do Fundo Municipal de Turismo. Sobre esse último ponto, investiram na contratação de uma fundação universitária para a realização do Plano Diretor Municipal de Turismo para o período de 2022 até 2030. No âmbito do Comtur, observou-se que esse plano é um assunto que gera uma expectativa otimista no colegiado.

Considerações finais

Este artigo analisou os caminhos que o setor de turismo tem percorrido frente às crises de 2020 a 2022 em Petrópolis, e as aprendizagens decorrentes desse momento poderão ensejar um futuro melhor e mais sustentável para o setor, considerando os efeitos do impacto social, ambiental, político e econômico das crises. Sob esse prisma, trilharam-se três categorias: políticas públicas, impacto, estratégias e oportunidades.

No primeiro tópico, percebeu-se que uma das questões latentes ligava-se à coordenação e à participação do trade turístico nas decisões legais para o combate à Covid-19, em especial aos decretos restritivos. Essa foi uma questão polêmica, pois as barreiras sanitárias impediam a entrada de turistas, do que decorreram inúmeros impacto. O trade lamentava, por exemplo, o fato de o poder executivo não ter discutido coletivamente o conteúdo desses decretos e batalhou para que houvesse flexibilizações (por meio de vouchers) no decorrer do processo. Sem entrar no mérito da importância de preservar vidas versus salvar a economia, verificou-se que, nesse caso, houve um posicionamento desfavorável à democracia mais participativa.

Ainda a respeito das barreiras, observou-se ali uma ambiguidade, pois, ao mesmo tempo em que barravam os turistas, elas foram usadas como uma forma de a prefeitura se “redimir” junto aos guias de turismo, porque alguns foram contratados (e remunerados) pelo executivo municipal para abordar os veículos que paravam ali. Lembrando que a categoria é organizada por meio da AGP, uma entidade forte, que participa ativamente do Comtur e que fez duras críticas à falta de apoio do governo municipal aos guias no início da pandemia.

Tratando-se da definição de políticas públicas, sempre há grupos de interesses variados que procuram defender suas necessidades. Outrossim, cabe considerar que políticas públicas devem ser conduzidas por processos de governança democrática, construindo canais de cooperação entre o governo e a sociedade civil organizada. E que, embora em momentos de crise, muitas vezes seja instituído o estado de exceção para dar agilidade às decisões, a coordenação da política deve levar em conta que a cooperação torna os processos mais produtivos e que essa integração pode ter melhores resultados.

Aqui cabe ressaltar que o próprio Comtur, que é a arena participativa das decisões relativas ao turismo, manteve-se muito atuante durante o período desta pesquisa, e o colegiado também não foi consultado sobre os decretos.

Quanto às questões da insegurança e descontinuidade do poder executivo (três prefeitos em exercício durante o período da pesquisa), observou-se que a falta de perspectiva referente ao tempo de duração do mandato do prefeito Hingo Hammes, por exemplo, afetou negativamente o planejamento e a execução das ações e implicou substituições de representação no Comtur. Além do mais, outra crise sobreveio após denúncias de irregularidades que levaram à abertura de duas comissões especiais (uma no Senado Federal e outra na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) para fiscalizar a conduta dos órgãos envolvidos na recuperação do município após as fortes chuvas de fevereiro e março de 2022.

Com relação ao impacto, cumpre lembrar que, quanto mais o território depende economicamente do turismo, maior terá sido o impacto negativo das restrições da pandemia. Petrópolis é um município categoria A no mapa do turismo brasileiro e sofreu grande impacto por causa da pandemia: fechamento de casas comerciais, paralisação das atividades em hotéis e pousadas, restaurantes fechados ou apenas fazendo entregas, demissões, redução drástica na demanda turística e cancelamento de eventos, entre outros.

Em que pesem as dificuldades enfrentadas nos meses mais críticos da pandemia, chamou atenção o empenho dos representantes do Comtur, que mantiveram o conselho ativo, fazendo reuniões virtuais mensalmente, com debates e deliberações referentes ao turismo e às crises enfrentadas no município. O Conselho fortaleceu os Grupos de Trabalho e tomou decisões importantes relativas ao planejamento municipal, como o empenho na construção do Plano Diretor de Turismo e as discussões sobre o ordenamento turístico.

Sobre as estratégias e oportunidades, apesar da importância dos eventos como forma de voltar a colocar o município na mídia, aumentar o fluxo de turistas, movimentar a economia local e gerar empregos, os eventos devem ser entendidos como oportunidades, valorizados e incentivados. No entanto, a ressalva é que a política de turismo não depende só dos eventos, por mais que seja uma estratégia fundamental na crise (como foi a criação da Oktoberfest em Blumenau ou a proposta do Programa Rio de Janeiro a Janeiro (Brasil, 2018BRASIL. Ministry of Culture. Rio de Janeiro a janeiro: calendário oficial 2018. Available at: https://www.riodejaneiroajaneiro.com.br/ . Accessed on: 4 Jul. 2022.
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) para a capital do estado na crise de 2016) há que desenvolver outras ações das políticas públicas para o setor.

Outro apontamento importante diz respeito à posição contrária, de parte da população, no fomento aos eventos, pois argumentam que os investimentos nesse setor deveriam ser alocados em outras áreas do município, reclamam do caos no trânsito nos dias dos eventos ou aproveitam para questionar a destinação das verbas que o município recebeu após as chuvas. Essas críticas foram observadas em postagens/comentários sobre os eventos nas redes sociais, o que nos leva a questionar se essa seria a estratégia mais conveniente para o município.

Com isso, durante a pesquisa, verificou-se a oportunidade de mudar a imagem do turismo no município, que se apresenta a partir dos novos segmentos e nichos de mercado que se expandem em seu território para além da área central e histórica. Nesse contexto, Petrópolis deixa de ser identificada como Capital Imperial para ser um destino de Serra, um multidestino relacionado ao turismo ambiental, ecorrural e gastronômico, que ultrapassa o turismo cultural. Isso pode ser considerado uma oportunidade decorrente das crises.

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Editora do artigo:

Rita de Cássia Ariza da Cruz

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PETRÓPOLIS. Secretaria de Saúde. Perfil Epidemiológico em 30 de maio de 2022. Petrópolis, [2022]. Available at: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYWE5ZmQxZTAtMjEyZS00MmI5LThhMDYtMWM2OTM0ZDcwMGZkIiwidCI6IjM0ZGVkMjVkLWYwZDktNDFlZS04MWNiLTRhMTNjNGMxODViNiJ9 Accessed on: 1 Jul. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2022
  • Aceito
    13 Out 2022
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