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Coisas que não existem: o papel do som do vento em À sombra do medo

Things that do not exist: the role of the wind in Under the shadow

Resumo

O objetivo central deste artigo consiste em analisar os usos expressivos do som do vento na produção anglo-jordaniana-qatariana À sombra do medo (2016). Na maioria dos filmes, o vento possui presença discreta, apenas para dar impressão de verossimilhança e reforçar o senso de imersão do espectador na diegese. O filme estudado constitui uma exceção, na qual o sopro do vento incorpora um personagem sobrenatural e conduz o espectador, através do desenho de som, a uma experiência de tensão, desconforto e medo, além de simbolizar a repressão política no país. A análise fílmica será precedida por uma breve revisão histórica do papel do som do vento nos filmes.

Palavras-chave
sound design; horror; cinema iraniano; gênio; vento

Abstract

The main goal of this essay is to analyze the expressive uses of the sound of the wind in the Anglo-Jordanian-Qatar production Under the shadow (2016). In most films, the wind has a discreet presence, just to give the impression of verisimilitude and to reinforce the viewer’s sense of immersion in the diegesis. The studied film is an exception, in which the wind incorporates a supernatural character and leads the viewer, through sound design, to an experience of tension, discomfort and fear, also representing the political repression in the country. The film analysis will be preceded by a brief historical review of the role of the sound of the wind in feature films.

Keywords
sound design; horror film;; Iranian cinema; djinn; wind

Introdução

Boa parte dos manuais (FIELDEN, 2010FIELDEN, J. Roll sound: a practical guide for location audio. Honolulu: My Planet Press, 2010.; VIERS, 2012VIERS, R. The location sound bible. San Francisco: Michael Wiese Books, 2012.) que ensinam técnicas de captação sonora para produções audiovisuais costuma ser dedicada a resolver problemas, que podem ir desde zumbidos de origem desconhecida à baixa projeção da voz de atores. Uma das fontes de problemas para os técnicos de som direto — profissionais que lideram a equipe de registro do som em sets de filmagem — costuma ser o som do vento (ABBATTE, 2015ABBATTE, C. Como fazer o som de um filme. Buenos Aires: Libraria, 2015., p. 35). Nos cursos de cinema ou televisão, instrutores gastam muitas horas ensinando técnicas para bloquear ou suavizar os ruídos produzidos quando o ar em movimento atinge as delicadas membranas internas dos microfones — se esses ruídos aparecerem na mixagem final, inconscientemente acabam por quebrar a quarta parede. Além disso, o vento prejudica de forma intensa a legibilidade das vozes dos atores.

Porém, embora seja indesejável na fase das filmagens, o contrário ocorre na pós-produção, quando os efeitos sonoros são produzidos e mixados. O ar em movimento precisa estar presente, para dar impressão de verossimilhança e realismo. Da mesma forma que ocorre com outros efeitos sonoros, ele deve ser acrescentado de forma a não afetar a legibilidade dos diálogos (LASTRA, 2000LASTRA, J. Sound technology and the american cinema. New York: Columbia University Press, 2000.). Por isso, desde o final da década de 1950 — quando as gravações fora dos estúdios começaram a ser tornar rotineiras —, equipamentos especiais têm sido desenvolvidos, com o intuito de minimizar os ruídos produzidos por esse elemento da natureza, na fase da gravação. É o caso da espuma de poliuretano (que envolve o microfone direcional e suaviza o impacto do ar), do zepelim (estrutura flexível de termoplástico que isola o microfone das vibrações provocadas por ventanias) e do protetor de vento conhecido no Brasil como “peluda” (envoltório feito de pelo sintético, que amplia o poder de isolamento do zepelim).

Na fase de pós-produção sonora, editores de som lidam com a presença do vento de formas ambivalentes. Editores de diálogos, responsáveis por “limpar” o material captado nos sets de gravação, precisam retirar a presença do vento, muitas vezes utilizando softwares específicos — alguns deles, licenciados ao custo de algumas centenas de dólares —, sem modificar a textura vocal dos atores. Editores de efeitos sonoros, por sua vez, fazem o movimento oposto, pois precisam muitas vezes gravar, manipular e reinserir o vento na banda sonora. O ruído do ar em movimento, por mais banal que possa parecer, precisa ser evitado em algumas situações e acrescentado em outras. Lidar com o vento constitui um desafio técnico e estético para profissionais de toda a cadeia produtiva do som audiovisual, pois ele precisa ser cuidadosamente controlado, em nome da legibilidade semântica, sem que se perca verossimilhança.

Esse é um dos motivos principais para que o vento tenha presença meramente ilustrativa na maioria dos filmes. Porém, quando usado de forma expressiva, o som do vento pode se tornar um poderoso aliado dos sound designers na produção de atmosferas (GIL, 2005GIL, I. A atmosfera no cinema. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.), sensações e afetos. O vento pode alterar a expressividade emocional de uma cena, injetando (ou retirando) tensão, expectativa, medo, monotonia e outras sensações táteis e afetivas, por meio da modulação de frequências, timbres e até mesmo da mistura com outros elementos sonoros, tais como motores ou barulhos produzidos por animais. Desde meados dos anos 1970, quando as ferramentas de gravação, edição, mixagem e reprodução sonoras atingiram um patamar técnico capaz de permitir um modelo de escuta mais próximo de ambientes sonoros mais realistas, o uso do vento ganhou expressividade.

Neste ensaio, pretendemos analisar um dos casos mais proeminentes de uso narrativo e expressivo da presença do vento em produções audiovisuais contemporâneas. Trata-se da produção anglo-jordaniana-qatariana À sombra do medo1 1 O filme foi lançado no Brasil inicialmente com o nome Sob a sombra, mas o título em português foi modificado, depois que passou a integrar o acervo da Netflix. (Under the shadow, 2016), do diretor iraniano Babak Anvari. O filme narra os ataques de uma entidade sobrenatural que habita o vento contra uma família constituída por mãe e filha pequena, que se encontram isoladas. Aproveitando uma circunstância incomum do enredo — o vento constitui morada e meio de transporte do antagonista —, o cineasta e sua equipe apostaram em um desenho de som que garantisse a presença constante do vento, tornando-o agente modulador principal de tensão, por meio de uma progressão sonora que evolui ao longo dos três atos. Mais do que qualquer outro elemento sonoro, o vento conduz o espectador em direção a uma experiência afetiva de tensão, desconforto, angústia e medo, sublinhando ainda o crescente isolamento da protagonista, e até mesmo contribuindo para realçar o contexto político relacionado à opressão feminina e aos horrores da guerra, no período em que se passa a ação dramática.

Para alcançar esse objetivo, o artigo está organizado em duas seções. Na primeira, apresentaremos formas de como o vento tem sido historicamente tratado pelos profissionais da indústria cinematográfica, destacando as dificuldades técnicas e estéticas do seu uso expressivo, e apontando alguns filmes nos quais o vento possui papel narrativo. Na segunda seção, analisaremos cenas do filme2 2 Nossa análise foi realizada a partir da trilha de áudio Dolby Digital 5.1, em língua inglesa, disponível no Blu-Ray lançado nos EUA. Essa informação é significativa porque existem outras mixagens da banda sonora (presentes, por exemplo, na Netflix), nas quais a faixa dinâmica é reduzida, o que dificulta a plena percepção acústica, pelo espectador, dos detalhes estilísticos descritos no artigo. Nesse sentido, é importante salientar que diferentes mediações tecnológicas produzem diferentes condições de escuta, um aspecto central para o trabalho do mixador e do sound designer. Essa observação, contudo, escapa aos objetivos deste artigo. , a fim de esclarecer as estratégias narrativas utilizadas para dar ao vento qualidades expressivas que ampliam progressivamente a atmosfera sombria que envolve, pouco a pouco, os personagens.

O vento no cinema

As principais convenções sonoras para mídias audiovisuais estão consolidadas desde meados da década de 1930. Embora tenha havido desde então avanços tecnológicos notáveis, a estética sonora dos filmes tem se mantido relativamente estável, em particular o predomínio da voz sobre os demais componentes da banda sonora. Basta lembrar que, já no período de transição do filme silencioso para o sonoro (1927-1932), os longas-metragens eram chamados de talkies (termo em inglês que pode ser traduzido como “filmes falados”) porque a mixagem favorecia os diálogos, colocando os outros eventos sonoros em segundo plano: “Técnicas sonoras clássicas articulam o primeiro plano (vozes) e o segundo plano (silêncio, ruídos ambientes, música) com a mesma precisão que a câmera e a encenação distinguem as camadas visuais de ação” (BORDWELL; THOMPSON; STEIGER, 1985BORDWELL, D. Narration in the fiction film. Madison: University of Wisconsin Press, 1985., p. 54).

Por esse motivo, a equipe de som sempre priorizou a captação das vozes dos atores, buscando eliminar os demais ruídos naturais, que podiam ser produzidos e inseridos posteriormente no filme. Esse sistema, denominado re-recording (CARREIRO, 2018______. “A história do som dos filmes”. In: CARREIRO, R (ed.). O som do filme: uma introdução. Curitiba: EdUFPR, 2018, p. 35-86.), organizou um conjunto de convenções de estilo que relegou os efeitos sonoros a uma posição menor na hierarquia sonora (SERGI, 2006SERGI, G. “In Defense of Vulgarity”. In Scope, v. 5, n. 1. Nottingham, University of Nottingham, 2006.). De modo geral, até algumas décadas mais tarde, os efeitos sonoros serviam para dar impressão de realismo e reforçar a sincronia com as imagens, tendo pouco papel expressivo. Havia exceções, como Ama-me esta noite (Love me tonight, Roubem Mamoulian, 1932), mas eram raras.

A maioria dos filmes de Hollywood era gravada em estúdios fechados (chamados por alguns de “caixas pretas”), nos quais os técnicos de som direto podiam controlar com precisão os ruídos (COUSINS, 2013COUSINS, M. História do cinema. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2013., p. 120). Como o sistema de pós-produção de Hollywood foi reproduzido (com mínimas variações) em praticamente todos os países, o controle dos ruídos seguiu esse padrão. Nos anos 1960, o aparecimento dos primeiros gravadores portáteis de som sincronizado, como o Nagra III, garantiu mobilidade e melhores condições acústicas a baixo custo para gravações externas. A Nouvelle Vague chancelou o progresso tecnológico da captação de som direto e incorporou o vento e demais ruídos como parte da estética fílmica.

Esse contexto explica por que alguns dos primeiros filmes a utilizar de forma criativa o potencial expressivo do vento surgiram nesse período. Entre esses trabalhos estão os spaghetti westerns, como Por um punhado de dólares (Per um pugno di dollari, 1964) e Três homens em conflito (Il buono, il brutto, il cativo, 1966), que iniciam com longas sequências silenciosas em que o sopro do vento sinaliza, de forma bastante sugestiva, a solidão, o calor e a monotonia do deserto norte-americano.

Outro avanço tecnológico que permitiu a utilização mais abundante de sons ambientes e ruídos naturais foi o surgimento do sistema de reprodução sonora Dolby Stereo, em 1975 (SERGI, 2006SERGI, G. “In Defense of Vulgarity”. In Scope, v. 5, n. 1. Nottingham, University of Nottingham, 2006.). Primeiro sistema multicanal a ser adotado de forma massiva nos circuitos de exibição, o Dolby Stereo permitiu que os filmes fossem mixados em até quatro canais3 3 Na verdade, as bandas sonoras mixadas em Dolby Stereo possuem apenas dois canais de áudio, mas esses canais são submetidos a um processo eletrônico de filtragem feita pelo aparelho reprodutor, na sala de exibição, que termina por transformar os dois canais em quatro faixas (direita, esquerda, frontal e traseira). (até então, os mixadores eram obrigados a comprimir todos os sons em apenas um canal, o que os levava a eliminar ou reduzir o volume e os ruídos naturais, para não atrapalhar os diálogos), abrindo espaço para mais sons ambientes. O Dolby Stereo tinha embutido, ainda, um sistema que reduzia o zumbido produzido pelas caixas acústicas, permitindo que efeitos sonoros mais sutis — caso do som do vento — pudessem finalmente ser escutados com mais clareza.

Filmes como Apocalypse now (Francis Ford Coppola, 1979) e Um tiro na noite (Blow out, Brian De Palma, 1981) se beneficiaram dessa tecnologia para utilizar o vento com destaque, de modo a injetar tensão e suspense nas respectivas tramas, em cenas importantes. Entre os filmes brasileiros, A ostra e o vento (Walter Lima Jr, 1997) e Casa de areia (Andrucha Waddington, 2005) são títulos nos quais o vento tem função narrativa (CÂMARA, 2016CÂMARA, M. Som direto no cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 2016.).

De modo geral, esses filmes ajudaram a associar ao vento sensações ou sentimentos de tensão, medo, desconforto, angústia e monotonia. O som passou a trazer consigo ambiência narrativa, e não à toa tem sido utilizado em filmes de horror. Filmes como O orfanato (El Orfanato, Juan Antonio Bayona, 2008), Colheita maldita (Children of the corn, Fritz Kiersch, 1984), A mulher de preto (The Woman in Black, James Watkins, 2012) e Azougue Nazaré (Thiago Melo, 2018) sugerem uma associação direta do vento com elementos sobrenaturais.

No cinema de horror, cuja mixagem costuma explorar a dinâmica da faixa sonora4 4 A dinâmica sonora é construída, na mixagem, através da diferença de volume (medida em decibéis) entre os sons mais discretos e os mais barulhentos. Em sistemas digitais, essa diferença pode chegar a 100 dB (KERINS, 2010). de forma mais enérgica, o vento muitas vezes aparece com mais vigor — ganha presença e volume. Em termos de espacialização5 5 Desde 1992, a maioria dos filmes é mixada em seis canais, sendo três frontais (centro, direita, esquerda), dois traseiros (direita, esquerda) e um exclusivo para os sons de baixa frequência (graves). dos sons na sala de projeção, quando tem destaque narrativo, o vento costuma ser movido das caixas acústicas traseiras (onde os mixadores costumam colocar sons ambientes sem função expressiva, apenas para dar sensação imersiva) para as dianteiras, para potencializar o efeito sensorial de imersão do público.

Por outro lado, outros gêneros e tradições fílmicas têm tratado o vento de modo mais discreto e sutil. Mais diáfana e delicada, a presença do vento não tem a mesma ênfase na dinâmica acústica. A sonoridade muitas vezes sequer pode ser associada a algum afeto ou sensação específica, às vezes estando ligada a uma dimensão imaterial, percebida pelos sentidos mais do que pelo intelecto. Seria como um equivalente cinematográfico do que Hans Ulrich Gumbrecht (2014, p. 12)GUMBRECHT, H.U. Atmosfera, ambiência, stimmung. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014. chama de stimmung: “nuances que desafiam nosso poder de discernimento e de descrição, bem como o poder da linguagem para as captar”.

Em alguns filmes que flertam com tradições místicas, por exemplo, o vento pode ter conexões com lendas, simbolismos ou elementos oriundos de uma dimensão espiritual ou metafísica. Alguns representantes dessa tendência são o tunisiano Andarilhos do deserto (El-Haimoune, Nacer Khemir, 1984), que explora de forma pontual os sons suaves do vento no deserto africano; Através das oliveiras (Zire darakhatan zeyton, Abbas Kiarostami, 1994), cujo longo plano-sequência de encerramento sublinha a importante decisão de um personagem, sinalizando uma epifania, difícil de descrever em palavras; ou Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas (Loong boonmee raleuk chat, Apichatpong Weeresethakul, 2011), com muitas cenas na floresta em que o vento constitui um elo entre o mundo físico habitado pelos personagens e a dimensão espiritual. A atmosfera construída pelo vento, nesses filmes, reflete um estado de transcendência e calma, muito diferente do que ocorre em filmes de horror.

De um ponto de vista técnico, é preciso observar que o vento continua a ser, mesmo com inovações tecnológicas, um elemento sonoro de utilização delicada, em especial quando tem presença narrativa. Isso acontece porque os sons produzidos pelo vento, além de banais e ininterruptos, constituem um ruído acusmático (CHION, 2011CHION, M. A audiovisão. Lisboa: Texto & Grafia, 2011., p. 61): o espectador quase nunca pode ver a fonte que o origina, pois o ar em movimento é quase sempre invisível e omnidirecional.

No thriller de horror Fim dos tempos (The happening, M. Night Shyamalan, 2008), a ação ocorre em um cenário apocalíptico em que uma toxina desconhecida, que é conduzida através do vento, contamina aleatoriamente os personagens e leva-os a cometer suicídio. Como qualquer súbito do farfalhar do vento cria uma atmosfera de horror entre os personagens, a plateia entra em estado de suspense, conduzida pelo pavor do ruído do vento.

O filme de Shyamalan compartilha com À sombra do medo, nosso objeto de análise, uma singularidade: o ruído ambiente transcende a categoria de som fundamental, para usar a terminologia sugerida por Murray Schafer (2001, p. 26)SCHAFER, R. M. A afinação do mundo. São Paulo: Unesp, 2001.: “os sons fundamentais de uma paisagem são os sons criados por sua geografia e clima”. Fazendo uma analogia com os estudos de percepção visual, Schafer sugere que, na área da percepção acústica, os sons fundamentais correspondem ao plano de fundo, enquanto o primeiro plano sonoro costuma ser dominado pelos sinais (o equivalente às figuras nos estudos de percepção visual), que são sons aos quais o espectador dedica mais atenção.

Em À sombra do medo, os ventos transitam do segundo para o primeiro plano e vice-versa, oscilando entre as categorias de som fundamental e sinal. Para usar os termos de Michel Chion (2011, p. 70)CHION, M. A audiovisão. Lisboa: Texto & Grafia, 2011., o vento se situa ora na categoria de som fora de quadro passivo — “uma ambiência que envolve a imagem e a estabiliza”, sem chamar atenção para si —, ora na categoria de som fora de quadro ativo, quando desperta a curiosidade e a atenção dos membros da plateia. No caso de À sombra do medo, a modulação de amplitude e frequências do som do vento antecipa ou sugere a proximidade da ameaça sobrenatural.

Na próxima seção, analisaremos quais foram as estratégias estilísticas utilizadas para moldar a progressão. À sombra do medo destaca o vento de forma incomum, trabalhando com um sound design dinâmico e agressivo, sem deixar de flertar com a tradição do simbolismo metafísico. O vento, como veremos, ajuda, ainda, a contextualizar a política de extrema opressão à qual estava submetido o Irã, na época em que o enredo se situa.

Análise fílmica

A ação ocorre na cidade de Teerã, em 1988, no período final da guerra entre Irã e Iraque (1980-1988). Durante o conflito, foi morto mais de meio milhão de pessoas. Além de conviver com bombardeios frequentes perpetrados pelas forças aéreas iraquianas, a população do Irã também sofria com uma brutal mudança política, que afetava diretamente os costumes, após a ascensão ao poder do aiatolá Ruhollah Khomeini. O sistema político então instaurado passou a reprimir com violência tudo que estava em desacordo com a Sharia6 6 Regime jurídico do Irã. : cinema, música, jogos, shows e bebidas alcoólicas foram proibidos. As mulheres tiveram que mudar as vestimentas, adotando obrigatoriamente niqabs, hijabs e burcas7 7 Niqab é um véu que cobre rosto e pescoço, deixa à mostra apenas os olhos. Hijabs combinam uma touca sobre a cabeça e um véu, que vai até os ombros. Burca é uma veste que cobre todo o corpo, apenas com uma rede sobre os olhos. . Um exemplo gráfico da chegada de Khomeini ao poder é a história em quadrinhos autobiográfica Persépolis (2000), também adaptada para o cinema em 2007 pela própria autora, Marjane SatrapiSATRAPI, M. Persépolis. São Paulo: Quadrinhos na Cia., 2007..

Antes da revolução, o clero acreditava que filmes importados e mesmo iranianos eram uma ameaça à moral pública. Esta percepção estava diretamente relacionada à representação das mulheres

(ZEYDABADI-NEJAD, 2010ZEYDABADI-NEJAD, S. The politics of iranian cinema: film and society in the Islamic Republic. London: Routledge, 2010., p. 43).

No filme, o papel do sound design — além de constituir um elemento fundamental na criação da atmosfera de horror — também reforça a crítica à opressão feminina. A modulação cada vez mais agressiva do uso do vento, ao longo dos três atos da narrativa, também constitui uma representação simbólica do medo e da solidão crescentes de Shideh (Narges Rashidi), a protagonista, face à violência da guerra e do regime político. Essa leitura simbólica é reforçada quando consideramos que o horror tem o costume histórico de discutir traumas, medos e fobias sociais (KELLNER, 2016KELLNER, D. “O apocalipse social no cinema contemporâneo de Hollywood”. In MATRIZes, v. 10, n. 1. São Paulo, Universidade de São Paulo, 2016.). Hamid Reza Sadr (2006, p. 1)SADR, H.R. Iranian cinema: a political history. London: I.B. Tauris, 2006. observa que o cinema iraniano possui uma longa tradição de tratar nas entrelinhas, no subtexto mesmo, de problemas políticos e sociais do país, o que parece ocorrer também em À sombra do medo.

O próprio contexto em que Shideh é apresentada ao público explicita o caráter político do horror que vemos no filme. Na cena de abertura, ela é comunicada com rispidez pelo diretor da Faculdade de Medicina que está sendo expulsa por ter feito parte da resistência política. A interrupção da formação acadêmica da personagem gera frustração em Shideh. Além de ter sido tolhida do seu sonho, ela se vê sozinha em casa, como única responsável pela filha Dorsa (Avin Manshadi) porque seu marido médico (Bobby Naderi) é chamado para o front.

Shideh mora em um prédio antigo, em área constantemente bombardeada por mísseis iraquianos. Por causa disso, as janelas de vidro são marcadas por letras X com fita crepe (para avisar aos aviões bombardeiros que ali há civis). Sozinha com a filha, irritada com os vizinhos, cheia de raiva, frustração e medo, Shideh se torna progressivamente mais e mais isolada. Ela passa os dias fazendo ginástica em frente à TV, usando uma fita VHS com o programa de aeróbica de Jane Fonda. Certo dia, a boneca preferida da criança desaparece. Dorsa diz à mãe acreditar que o objeto foi roubado por um djinn, ou gênio (entidade sobrenatural do folclore islâmico, que vive no ar e pode assumir qualquer forma). A princípio, a mulher trata a versão com desdém. Depois que o prédio é atingido por um míssil e fatos inexplicáveis começam a ocorrer, Shideh passa a desconfiar que a presença sobrenatural pode ser real.

O sound design, assinado pelo inglês Alex Joseph, utiliza pouca música eletrônica, sem presença efetiva ao longo do filme. A estratégia parece extrair boa parte dos momentos de tensão e medo, característicos do gênero horror que o filme explora, dos sons ambientes. Os rangidos soturnos e ameaçadores emitidos pela estrutura danificada do prédio onde moram as personagens principais, por exemplo, são responsáveis por vários momentos de angústia compartilhados pelos moradores e por nós, espectadores. Esses ruídos funcionam em múltiplos níveis de significado; não apenas sinalizam o perigo do desabamento, mas metaforicamente trazem à luz a repressão política violenta, o medo e os horrores da guerra e, no caso de Shideh, também a política repressiva a que ela, como mulher, está submetida. Os rangidos da estrutura do prédio, juntamente com o vento, apontam de forma aguda para o subtexto político do filme.

O som segue com reverência muitas convenções do horror. Explora brusca e agressivamente os extremos da escala de amplitude, construindo cenas que começam quietas e silenciosas e passam subitamente ao caos barulhento, para gerar susto e surpresa — a dinâmica sonora radical, não custa lembrar, é um traço importante da estética da continuidade intensificada (BORDWELL, 2006______. The way Hollywood tells it: story and style in modern movies. Los Angeles: University of California Press, 2006.; SMITH, 2013SMITH, J. “The sound of intensified continuity”. In: RICHARDSON, J.; GORBMAN, C.; VERNALLIS, C. (eds.). The Oxford Handbook of New Audiovisual Aesthetics. New York: Oxford University Press, 2013, p. 331-356.), que marca a maior parte dos filmes contemporâneos e procura engajar os espectadores na trama não apenas afetivamente, mas despertando-os de modo sensório, ao acionar outros sentidos corpóreos para além da visão e da audição (MARKS, 1999MARKS, L. U. The skin of the film: intercultural cinema, embodiment, and the senses. Durham: Duke University Press, 1999.).

A narrativa se dedica a acompanhar mãe e filha reagindo a acontecimentos cada vez mais assustadores. Adotando o ponto de vista narrativo de Shideh, À sombra do medo cria uma progressão que vai do desdém até a crença de que djinns existem mesmo, e um deles ameaça destruir sua família. Como o filme acompanha o despertar progressivo da crença da mulher, o sound design deixa clara a intenção de criar, a partir do vento, uma progressão sonora que espelhe as mudanças emocionais vividas por ela, ao longo dos três atos. Essa progressão é ilustrada pela forma como a representação sonora dos sons do vento evolui, pouco a pouco, ao longo de todo o filme.

Para começar, uma significativa constatação: não ouvimos em absoluto o vento até os nove minutos de projeção, na cena em que a criança acorda após uma noite agitada. A casa está em silêncio. Ainda deitada, ela procura a boneca favorita (que fica ao lado, na cama) e não a encontra. Ela fixa o olhar na janela e menciona um pensamento sobre a presença de “coisas que não existem”. É nesse ponto que o vento surge no filme pela primeira vez: um ronco grave, acompanhado de um assobio sibilado agudo — um som fora de quadro ativo, nas palavras de Chion (2011, p. 70)CHION, M. A audiovisão. Lisboa: Texto & Grafia, 2011.. A partir daí, o vento estará presente até o final.

É nítida a intenção dos realizadores de informar, a partir do sound design, sobre o momento exato em que o djinn se instala na residência. A rigor, podemos dizer que o vento passa a simbolizar, no filme, a entidade sobrenatural que assombra a família — e a sublinhar, também, a solidão e a opressão feminina que apertam o cerco sobre Shideh. O vento passa a ser apresentado a partir de uma grande variedade de texturas sonoras, que vão do grave ao agudo, do discreto ao furioso. O sound design comunica, a partir da modulação dos ruídos do vento em consonância com os acontecimentos previstos no roteiro, os humores do djinn.

Outro aspecto curioso do sound design é que podemos escutar com clareza o som do vento mesmo nas cenas interiores. Isso é raro, já que a convenção do cinema é de vedar quase que totalmente os ruídos externos nas cenas internas. Aliás, este é outro detalhe do filme que a equipe de som trabalha com cuidado: como Shideh está desconfortável com os vizinhos e sente a intimidade devassada, os sound designers criaram uma vasta paleta de ruídos externos que parecem invadir a casa: gritos, passos, barulho de crianças brincando, tráfego, sirenes, buzinas, aparelhos de TV e rádio ligados, vizinhos gritando. A sociedade hostil parece invadir a todo instante o universo de Shideh; essa decisão do sound design reforça o subtexto político repressivo do filme. O vento, claro, está lá. No primeiro ato, quando a mulher não acredita na existência do ser sobrenatural, o vento surge com discrição; não incomoda. É um som fora do quadro passivo, um som fundamental.

Ao longo do período em que Shideh toma ciência do medo da filha sobre a presença do djinn e passa a desconfiar de que seja verdade, a presença do vento vai ganhando destaque narrativo maior, que aparece sob a forma de peso e volume sonoros. Este é também o momento em que a solidão e a repressão aos costumes atingem mais violentamente a protagonista, perturbando-a até em momento banais, como na cena em que ela precisa procurar apressadamente uma burca para atender à campainha, por não saber quem está à porta. Nem fechada dentro do lar ela se sente segura.

É importante observar, neste ponto, que a estratégia sonora complementa um conceito visual operado pelo diretor Babak Anvari, e que consiste em filmar os personagens em enquadramentos descentralizados; eles estão sempre em um lado ou outro do quadro, nunca no meio. Esse tipo de enquadramento deixa um espaço a ser preenchido (BORDWELL, 2008______. The way Hollywood tells it: story and style in modern movies. Los Angeles: University of California Press, 2006., p. 84) e mantém o espectador em estado de alerta, pois espera que alguma figura surja para ocupar o primeiro plano e harmonizar a imagem — e essa figura, em um filme de horror, frequentemente é ameaçadora. Essa convenção está firmemente enraizada na gramática cinematográfica; a plateia sente inconscientemente a tensão aumentar quando uma imagem em desarmonia deixa espaço para que ameaças ocupem a tela sem aviso.

Uma dessas imagens surge aos 23 minutos de projeção, quando a mãe dá uma bronca na filha a respeito de sua crença em djinns. De forma coordenada, o vento ruge com fúria, dominado por frequências graves. Na sequência seguinte, um míssil atinge o prédio, abre um buraco no teto, e afeta toda a estrutura da construção (daí em diante, os rangidos constantes da estrutura danificada se tornam um pesadelo para os moradores, dando aos sound designers uma oportunidade extra de criar tensão e ao mesmo tempo injetar o subtexto político da repressão aos costumes e da guerra). A justaposição das cenas ilustra o trabalho de modulação dos sons do vento: enquanto na conversa entre mãe e filha os graves dominam a banda sonora, na sequência do míssil o vento é forte e agudo, acrescido de assobios e vozes humanas, que dão a impressão de pessoas gritando em desespero. O contraste é evidente; o efeito sensorial sobre o espectador, poderoso.

Se a alternância de graves e agudos dá riqueza e complexidade ao vento, o volume cada vez mais forte vai dando ao elemento sonoro um caráter cada vez mais ameaçador. No segundo ato, que inicia a partir da queda do míssil, o vento não é exclusivamente mais um som delicado; ele varia de intensidade e textura, podendo ser forte, sutil ou áspero, e é sempre modulado de acordo com a progressão da trama. Por exemplo, quando Shideh se exercita sozinha na sala, o vento começa a soprar cada vez mais forte, até se tornar ensurdecedor e impedir a mulher de continuar, pois não consegue mais ouvir a TV. A ambiguidade domina esse trecho: o vento pode simbolizar tanto um ataque do djinn quanto a solidão e a alienação de Shideh — ou, provavelmente, ambos. Um outro exemplo adequado do papel expressivo exercido pelo vento aparece aos 46 minutos, quando Shideh conversa sobre djinns com uma vizinha mais velha. No início da cena, o vento é discreto; à medida que a mulher mais jovem expressa sua descrença no sobrenatural, o vento torna-se mais forte, até dominar por completo a cena, encobrindo os diálogos com assobios desoladores que parecem expressar fúria.

Nas cenas em que o diretor utiliza o recurso do stinger — um aumento abrupto do volume de determinado som, causando um susto no espectador (CARREIRO, 2019CARREIRO, R. “Por uma teoria do som no cinema de horror”. In: Ícone, v. 17, n. 3. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2019, p. 251-269.) —, o vento também ocupa uma função de destaque. É possível citar, em particular, a cena em que Shideh acorda de um pesadelo, aos 47 minutos de projeção. Ela se levanta e olha pela janela, de onde irrompe um braço, causando-lhe um susto e fazendo a plateia gritar. Trata-se de uma sequência sem diálogos em que o vento ocupa uma função narrativa tradicionalmente preenchida pela música: o sopro inicialmente é leve e suave, e uma rajada violenta está sincronizada com o aparecimento do braço, provocando um susto abrupto. A grande faixa dinâmica proporcionada pela tecnologia digital de reprodução sonora (KERINS, 2010KERINS, M. Beyond Dolby (Stereo). Bloomington: Indiana University Press, 2010.) amplifica ao máximo esse susto8 8 A distância entre o silêncio da sala de projeção e o volume mais alto possível de um evento sonoro é de 100 dB em sistemas multicanais mais avançados, como o Dolby Atmos e o DTS-X. No mais tradicional Dolby Digital 5.1 (ou sua versão para mercado doméstico, Dolby Por Logic), os canais surround são mixados em um volume de referência de 85 db, que pode soar bastante alto em salas de projeção. .

A aparição do djinn sob forma humana acontece, pela primeira vez, aos 57 minutos, e demarca a passagem do segundo ao terceiro ato da narrativa, pois agora não há mais como duvidar da existência de um ser sobrenatural. O gênio surge como um homem nu que observa Shideh dormindo durante a noite. Ela acorda, vê o vulto saindo pela porta do quarto e o segue até a sala, onde o vê esgueirar-se para fora do apartamento através do buraco no teto, aberto pelo míssil. Os gemidos fortes e agudos do vento, quase sexuais, dominam a primeira parte da cena. Afora o vento, ouvimos apenas a respiração ofegante da mulher. Depois que o ser sobrenatural sai do apartamento, o sopro furioso do vento se mistura a sons de aço e ferro retorcidos, emitidos pela estrutura danificada do prédio. Os horrores da guerra e do sobrenatural estão firmemente enraizados nos efeitos sonoros.

No terceiro ato, mãe e filha são atacadas fisicamente pelo djinn, quando tentam fugir do prédio. Nessas cenas, o vento se torna um emaranhado de sons guturais, exóticos e agressivos, obtidos com a mistura de muitos ruídos naturais: trovoadas, notas musicais graves, batidas percussivas, gritos e urros de animais. Esse efeito domina a banda sonora. Nos poucos momentos calmos, predominam assobios e tons agudos; nos instantes intensos, notas graves e ribombantes ficam mais fortes. A modulação do som do vento conduz a percepção da audiência sobre o grau de perigo que um determinado personagem corre. Se o vento é agudo, ele não corre real perigo. Se os graves se destacam, a possibilidade de um ataque físico é iminente. Dessa maneira, o sound design usa a modulação do vento para dar o tom do enredo.

O clímax (1h16) encontra Shideh lutando para encontrar a filha sob um manto persa, assinatura visual da entidade. A sonorização da sequência toma a forma de um caos organizado. Há música percussiva em segundo plano. Ouvimos o ranger da estrutura do prédio, a respiração ofegante de Shideh e vozes, mas é o sopro furioso do vento (mixado com urros de animais) que domina a maior parte da cena. Apenas quando Shideh consegue escapar do manto e sai do prédio com a filha, o vento volta a soprar calmamente.

Conclusão

A análise das estratégias sonoras utilizadas para modular os sons do vento em À sombra do medo revela um conceito criativo, elaborado pela equipe de pós-produção sonora, para provocar no espectador uma imersão mais intensa nas sensações de tensão, medo e angústia compartilhadas por personagens e espectadores. Se o objetivo maior de um filme de horror é acionar nos membros da plateia, da forma mais instintiva e sensorial possível, o afeto que empresta o nome ao gênero — uma combinação de medo e repulsa, como diz Noël Carrol (1999, p. 30)CARROLL, N. A filosofia do horror ou paradoxos do coração. Campinas: Papirus, 1999. —, podemos afirmar que o sound design contribui decisivamente para sublinhar o pertencimento do filme ao horror.

De fato, é notável que a estratégia narrativa do roteiro consiste em usar o ponto de vista da protagonista para explicar como a descrença inicial vai sendo posta em xeque e levando-a rumo à crença no sobrenatural. A modulação cuidadosa dos sons do vento é parte fundamental dessa estratégia, pois “corporifica” o djinn, cujos ataques acionam a mudança emocional de Shideh: da impaciência à dúvida, e desta ao horror. Além disso, também é notável como o sound design — não apenas com os sons do vento, mas também com os ruídos de ambiente repletos de sirenes e especialmente os rangidos da estrutura do prédio danificado — constitui parte importante do estabelecimento do contexto político do filme, na medida em que sublinha metaforicamente a frustração e o medo sentidos pela protagonista, vivendo solitariamente dentro de um universo repressor, machista e belicoso.

O fato de o vento constituir parte importante da narrativa, já que serve de morada e meio de transporte para a criatura sobrenatural, também proporciona liberdade para que o ruído, normalmente tratado como som fora de quadro passivo, se transforme em parte ativa do processo narrativo, sinalizando a oscilação dos humores do djinn e o grau de ameaça representado por ele a cada cena.

Um último paralelo pode ajudar a sublinhar o motivo pelo qual o trabalho de pós-produção com o vento se destaca: a modulação desses sons corresponde, grosso modo, à maneira como John Williams conduz a música-tema do clássico de Steven Spielberg, Tubarão (Jaws, 1975): naquele filme, alterando a velocidade e o volume da melodia, o compositor podia sinalizar para a plateia o quanto de ameaça o monstro proporcionava aos personagens; se o tubarão estava perto ou longe, agressivo ou calmo. Não havia necessidade de mostrar visualmente o animal para que os personagens percebessem a proximidade do perigo. Em À sombra do medo, tudo o que o espectador precisa saber sobre o djinn está contido no vento.

  • 1
    O filme foi lançado no Brasil inicialmente com o nome Sob a sombra, mas o título em português foi modificado, depois que passou a integrar o acervo da Netflix.
  • 2
    Nossa análise foi realizada a partir da trilha de áudio Dolby Digital 5.1, em língua inglesa, disponível no Blu-Ray lançado nos EUA. Essa informação é significativa porque existem outras mixagens da banda sonora (presentes, por exemplo, na Netflix), nas quais a faixa dinâmica é reduzida, o que dificulta a plena percepção acústica, pelo espectador, dos detalhes estilísticos descritos no artigo. Nesse sentido, é importante salientar que diferentes mediações tecnológicas produzem diferentes condições de escuta, um aspecto central para o trabalho do mixador e do sound designer. Essa observação, contudo, escapa aos objetivos deste artigo.
  • 3
    Na verdade, as bandas sonoras mixadas em Dolby Stereo possuem apenas dois canais de áudio, mas esses canais são submetidos a um processo eletrônico de filtragem feita pelo aparelho reprodutor, na sala de exibição, que termina por transformar os dois canais em quatro faixas (direita, esquerda, frontal e traseira).
  • 4
    A dinâmica sonora é construída, na mixagem, através da diferença de volume (medida em decibéis) entre os sons mais discretos e os mais barulhentos. Em sistemas digitais, essa diferença pode chegar a 100 dB (KERINS, 2010KERINS, M. Beyond Dolby (Stereo). Bloomington: Indiana University Press, 2010.).
  • 5
    Desde 1992, a maioria dos filmes é mixada em seis canais, sendo três frontais (centro, direita, esquerda), dois traseiros (direita, esquerda) e um exclusivo para os sons de baixa frequência (graves).
  • 6
    Regime jurídico do Irã.
  • 7
    Niqab é um véu que cobre rosto e pescoço, deixa à mostra apenas os olhos. Hijabs combinam uma touca sobre a cabeça e um véu, que vai até os ombros. Burca é uma veste que cobre todo o corpo, apenas com uma rede sobre os olhos.
  • 8
    A distância entre o silêncio da sala de projeção e o volume mais alto possível de um evento sonoro é de 100 dB em sistemas multicanais mais avançados, como o Dolby Atmos e o DTS-X. No mais tradicional Dolby Digital 5.1 (ou sua versão para mercado doméstico, Dolby Por Logic), os canais surround são mixados em um volume de referência de 85 db, que pode soar bastante alto em salas de projeção.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2020
  • Aceito
    07 Out 2020
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