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Uma avaliação crítica da implausibilidade teórica do socioconstrutivismo

A critical assessment of the theoretical implausibility of social constructivism

RESUMO

Apesar de o socioconstrutivismo defender que tanto os critérios epistemológicos quanto os fatores sociocomunitários devem ser levados em consideração na explicação de uma realização científica, os críticos desta concepção insistem na ideia de que os socioconstrutivistas atribuem um papel exclusivo aos fatores sociocomunitários e com isso os fatos científicos deixam de ser uma representação da natureza e se tornam uma mera construção social. O objetivo deste artigo é argumentar, por meio de uma discussão do conceito de construção para os socioconstrutivistas (a partir dos conceitos de heterogeneidade de Isabelle Stengers e de seleção de Karin-Knorr Cetina), não no sentido de uma defesa do socioconstrutivismo, mas de sua plausibilidade enquanto concepção de ciência a partir de um esclarecimento do conceito de construção: uma realização científica não é inevitável, senão que depende de escolhas epistemológicas e de circunstâncias sociais no interior das comunidades científicas.

Palavras-chave:
socioconstrutivismo; construção dos fatos científicos; heterogeneidade; seleção; Isabelle Stengers; Karin-Knorr Cetina

ABSTRACT

Although social constructivism argues that both epistemological criteria and social community factors must be taken into account in the explanation of a scientific achievement, critics of this approach persist on the idea that social constructivists assign an exclusive role to social community factors - so, scientific facts are not a representation of nature but instead only a social construction. The aim of this paper is to argue, through a discussion of the concept of construction for social constructivist (by Isabelle Stengers’ concept of heterogeneity and Karin-Knorr Cetina’s concept of selection) not for advocating social constructivism itself, but for pointing its plausibility as a conception of science from an enlightenment of the concept of construction: a scientific achievement cannot be understood as an inescapable one, but depends on epistemological choices and social circumstances within scientific communities.

Keywords:
social constructivism; construction of scientific facts; disparity; selection; Isabelle Stengers; Karin-Knorr Cetina

1 Introdução

A concepção socioconstrutivista sempre foi fortemente criticada pela concepção tradicional da ciência1 1 Por “concepção tradicional em filosofia da ciência” entende-se uma filiação com as correntes filosóficas clássicas em filosofia da ciência, tais como o positivismo lógico, o falseacionismo de Karl Popper e o realismo científico. A ideia central é a de que uma análise do conhecimento científico deve ocorrer mediante apenas critérios epistemológicos: a relação entre as produções científicas (teorias, hipóteses etc) e a realidade. Esta caracterização é meramente operacional, uma vez que ela pode deixar dúvidas quanto a à localização de filósofos da concepção historiográfica, como Thomas Kuhn e Imre Lakatos. Esta discussão, porém, vai além dos objetivos deste artigo, uma vez que há uma extensa literatura sobre a influência de Thomas Kuhn para a emergência do socioconstrutivismo. . A principal crítica é a de que socioconstrutivistas atribuem um papel decisivo aos fatores sociais, e com isso os fatos científicos seriam construídos e não reais.

Uma crítica específica feita ao socioconstrutivimo é sua implausibilidade, assim definida neste artigo, de modo simples, nos moldes da concepção tradicional: sendo a ciência uma representação da realidade, não faz sentido empregar a noção de construção de fatos. Disto decorre que uma concepção sociológica da ciência jamais poderia ser considerada uma concepção sociológico-filosófica sobre a ciência; ou seja: relatos sociológicos, ainda que possíveis, seriam apenas narrativas de interações sociocomunitárias, mas sem nenhuma relação com o conteúdo cognitivo da ciência (Laudan, 1981LAUDAN, L. 1981. The Pseudo-Science of Science?. Philosophy of the Social Sciences, 11: p. 173-198., p. 173). Assim, o socioconstrutivismo não é uma impossibilidade teórica, mas é altamente implausível dada sua noção de construção de fatos científicos.

O objetivo deste artigo é argumentar, por meio de uma discussão do conceito de construção para os socioconstrutivistas, não no sentido de uma defesa do socioconstrutivismo, mas de sua plausibilidade enquanto concepção de ciência a partir de um esclarecimento do conceito de construção (enquanto evitabilidade). Como conceitos auxiliares serão usados os conceitos de heterogeneidade e seleção, de Isabelle Stengers e Karin-Knorr Cetina respectivamente.

A primeira seção define o conceito de construção para o socioconstrutivista e apresenta algumas críticas a este conceito; a segunda seção aprofunda o significado do conceito de construção para o socioconstrutivismo, especialmente a noção de evitabilidade; a terceira seção relaciona os conceitos de construção e evitabilidade com o suporte da noção de seleção de Karin-Knorr Cetina; a quarta seção procura argumentar a favor da plausibilidade filosófica do socioconstrutivismo empregando o conceito auxiliar de heterogeneidade de Isabelle Stengers; por fim, na conclusão, se sugere que a plausibilidade não significa nem o abandono e nem uma desvalorização, para análises filosóficas da ciência, de critérios epistemológicos.

2 A construção de fatos científicos: definições e críticas

Em uma primeira visualização a palavra “construção” pode significar simplesmente invenção. Se essa fosse a acepção socioconstrutivista dificilmente ela teria suporte conceitual. Um segundo sentido de construção pode ser mais palatável a filósofos tradicionais da ciência. Todos os filósofos concordam que produções cientificas são obtidas por meio de uma investigação cuidadosa e trabalhosa, a qual precisa levar em conta todos os recursos disponíveis - e o nome disso poderia ser “construção”)2 2 Acima afirmei que o nome que poderia ser dado a uma investigação cuidadosa e trabalhosa, a qual precisa levar em conta todos os recursos disponíveis, seria “construção”. Filósofos da ciência tradicionais objetam a este termo pelo fato de que ele se opõe ao termo “descoberta”. Isso ocorre especialmente no interior da filosofia do realismo científico; para o realismo, existem objetos naturais que independem da intervenção humana (as entidades científicas). Aqui, porém, é necessário distinguir entre o realismo ontológico e o realismo epistemológico. Pois, embora, para ambos, existem objetos naturais que independem da intervenção humana, para os realistas epistemológicos nosso conhecimento de tais objetos necessita da intervenção humana. ; assim, não há nada que um filósofo da ciência tradicional possa objetar a este segundo significado de construção (Kukla, 2002KUKLA, A. 2000. Social Constructivism and the Philosophy of Science. London: Routledge, 170 p., p. 20). Mas há ainda um terceiro significado, o qual pode gerar tensões entre a conceção tradicional de filosofia da ciência e o socioconstrutivismo: algo que poderia ter sido de outro modo (Kukla, 2000KUKLA, A. 2000. Social Constructivism and the Philosophy of Science. London: Routledge, 170 p., p. 21; Hacking, 1999HACKING, I. 1999. The Social Construction of What?. Cambridge: Harvard University Press, 261 p., p. 69): posto assim, se uma pesquisa tivesse seguido um outro rumo investigativo, nossa percepção da realidade poderia ser outra; se um laboratório não tivesse obtido um outro material adequado para uma investigação específica nosso conhecimento do mundo natural poderia ser outro etc. É este (e apenas este) sentido de construção que será analisado neste artigo.

Vejamos, inicialmente, duas críticas da filosofia da ciência tradicional ao conceito de construção (no único sentido entendido aqui neste artigo, conforme já ressaltado).

A primeira crítica ao conceito de construção vem da filosofia do realismo científico, em sua versão chamada de “realismo ontológico”. Para realistas ontológicos, não importa, por exemplo, que a teoria do flogisto tenha explicado a combustão durante quase dois séculos; a verdade sobre as reações químicas (como a combustão) emergiu quando Lavoisier demostrou que a combustão não era devido à ação de um princípio presente nos corpos (o flogisto), mas sim à ação do oxigênio. Para realistas ontológicos o flogisto nunca existiu - e isto é suficiente filosoficamente. O fato de termos nos enganado durante quase dois séculos diz algo sobre as nossas limitações cognitivas, mas nada diz sobre a verdade e a realidade do mundo natural. Como argumenta o realista ontológico Michael Devitt, uma entidade científica não é “constituída por nosso conhecimento, por nossos valores epistêmicos, por nossa capacidade de se referir [a uma entidade], pelo poder sintetizador da mente, por nossa imposição de conceitos, teorias ou linguagem” (Devitt, 1997DEVITT, M. 1997. Realism and Truth (2ª Ed.). Princeton: Princeton University Press, 371 p., p. 15). Entidades existem (quer as conheçamos, quer não) ou simplesmente não existem, não importa o quanto tenhamos acreditado nela (como acreditamos por muito tempo no flogisto).

Uma resposta ao realismo ontológico demanda uma articulação que vai além dos objetivos deste artigo; deixo apenas o registro de que uma apreciação do conhecimento científico excede considerações ontológicas. (Em outros termos: é difícil encontrar filósofos socioconstrutivistas que não sejam, de um modo ou outro, realistas3 3 Usualmente socioconstrutivistas se declaram realistas. Isto é claro na obra de Bruno Latour e de Andrew Pickering. De acordo com Latour (1987, p. 100), o encerramento de uma controvérsia científica significa o estabelecimento de teorias confiáveis e de entidades consolidadas e não há outra alternativa exceto a de acreditar na verdade das teorias e na existência das entidades. Já Andrew Pickering, em “Living in the Material World” (1989), se declara um realista, embora defensa que a complexidade da prática científica não seja captada pelo realismo. Para ele, uma discussão sobre o realismo científico deveria levar em consideração “a relação entre práticas conceituais e materiais, entre as performances no mundo material e no nosso entendimento dessas performances” (Pickering, 1989, p. 275). Contudo, para o autor, isso não ocorre: “Filósofos realistas se opõem a antirrealistas acerca do status das entidades teóricas localizadas dentro das teorias bem confirmadas, e a noção de uma teoria bem confirmada assume uma relação particular entre dois conjuntos de enunciados: enunciados de predição teórica são entendidos como estando de acordo com enunciados do fato experimental. A constituição dos enunciados sobre fatos, na prática material, é deixada de lado” (Pickering, 1989, pp. 275-276). .)

A segunda réplica à noção socioconstrutivista de construção apela a um conhecido temor filosófico: o regresso ao infinito. O filósofo André Kukla discute de forma pormenorizada este assunto, mencionado a socioconstrutivista Karin Knorr-Cetina que, ao discorrer sobre a ambientação laboratorial necessária para uma pesquisa que envolva ratos, argumentou que não se trata simplesmente de ratos “naturais”, mas de ratos selecionados por meio de uma metodologia de reunião de materiais empíricos (Kukla, 2002KUKLA, A. 2000. Social Constructivism and the Philosophy of Science. London: Routledge, 170 p., pp. 19-20).

Kukla apesenta a seguinte objeção:

“Em seu catálogo de materiais científicos Knorr-Cetina enfatiza que mesmo os ‘materiais originais’ são pré-construídos; mas ela estrategicamente opta por não retroceder ainda mais no tempo em sua análise. Os ratos de laboratório podem ser todos construídos, mas esses ratos foram um dia gerados naturalmente. Os produtos químicos usados em experimentos são purificados, mas eles são a purificação de algo natural. Em algum momento ou outro o que agora está purificado no laboratório emergiu de uma natureza que não é construída” (Kukla, 2002KUKLA, A. 2000. Social Constructivism and the Philosophy of Science. London: Routledge, 170 p., p. 20).

Kukla considera desinteressante a ideia de que os objetos laboratoriais foram depurados pelos humanos (Kukla, 2002KUKLA, A. 2000. Social Constructivism and the Philosophy of Science. London: Routledge, 170 p., p. 21). E ele prossegue:

“Objetos construídos materialmente precisam de humanos para existir; mas eles compartilham com objetos naturais a propriedade de que sua existência continuada não depende da existência continuada de humanos. Se toda a humanidade subitamente deixasse de existir ainda haveria, pelo menos por um tempo, lasers e ratos especialmente criados. Se um laser fosse deixado ligado no momento de uma extinção humana em massa poderia haver até feixes de laser em um mundo sem humanos” (Kukla, 2002KUKLA, A. 2000. Social Constructivism and the Philosophy of Science. London: Routledge, 170 p., p. 21).

A objeção de Kukla pode agora ser qualificada e analisada. Kukla está claramente no domínio da ontologia, mas não há socioconstrutivistas que digam que os ratos deixarão de existir (exceto se um dia forem extintos enquanto espécie) quando deixaram de ser objetos de laboratórios. Ratos, para Kukla, para socioconstrutivistas e para todos nós existem dentro e fora do laboratório.

O problema é que talvez não estejamos usando a palavra “ratos” do mesmo modo.

3 O sentido de construção para os socioconstrutivistas

Evidentemente, dependendo do que estejamos querendo discutir, a palavra “rato” poderá ter vários predicados. Eu não diria que um rato que está incomodando alguém no quintal é um rato “construído”. Assim, há uma distinção importante entre o rato do quintal e o rato do laboratório. Ou seja: é claro que o rato do laboratório é, inicialmente, para um socioconstrutivista (como para um realista ontológico), um rato real, colhido da natureza. Isso, reitero, é incontestável. Este rato real, contudo, se tornará algo muito diferente do rato do laboratório. Vejamos um exemplo da história da ciência.

Gregor Mendel, nas décadas de 1850 e 1860, estudou o cruzamento entre um tipo de ervilha a partir de várias de suas características (cor, forma, altura etc). Para isso, teve de ter especial cuidado com o processo de polinização (para a fertilização das plantas de ervilhas). Ele procedeu por polinização artificial, abrindo os botões das plantas antes de seu completo desenvolvimento e retirou seus estames e em seguida polinizou artificialmente as plantas. A continuidade de seu célebre trabalho seguiu com este procedimento.

Mendel começou com ervilhas acessíveis a qualquer um que tivesse uma horta. No entanto as ervilhas de Mendel, após o processo narrado acima, não são mais as mesmas ervilhas originais da horta e, principalmente, não têm mais a mesma função. Elas são, agora, “ervilhas de laboratório” por assim dizer. E, sendo “ervilhas de laboratório”, dificilmente poderia se dizer que elas não foram construídas. Mendel, intencionalmente, as transformou em objetos científicos e as modificou; e as modificou devido à sua polinização artificial.

Em seguida, ao cruzar estas ervilhas entre si, descobriu várias proporções entre os caracteres; uma destas proporções é a famosa proporção 3:1 (usando o vocabulário contemporâneo: três ervilhas com fenótipos dominantes e uma com fenótipo recessivo; por exemplo: três plantas altas e uma planta baixa).

Assim, não há debate sobre este sentido de construção para explicar os resultados de Mendel - e mesmo filósofos tradicionais da ciência (ainda que não usassem a palavra “construção”) concordariam com os procedimentos científicos do grande cientista.

O problema começa quando os socioconstutivistas dizem que, se Mendel não tivesse procedido deste modo, talvez o 3:1 não fosse um fato científico. Filósofos tradicionais da ciência argumentam que em algum momento o fato emergiria. Este é um ponto de debate.

4 Construção e evitabilidades científicas e históricas

É costume tratar obras de arte e obras musicais como únicas - ou seja: se elas não tivessem sido compostas elas não existiriam. Isso é verossímil. Mas é também costume de alguns filósofos dizer que as verdades científicas inevitavelmente acabarão aparecendo. Socioconstrutivistas não concordam com esta tese; segundo eles o mesmo costume (que temos ao tratar de arte e de música) se aplica à ciência4 4 O senso comum apoia esta visão determinista. É virtualmente impossível olharmos para nosso mundo (com o olhar de senso comum) é não o considerar uma consequência lógica de um princípio (histórico-metafísico) que linearmente nos conduziu ao que temos hoje. Não há nada de errado, do ponto de vista de senso comum, com esta concepção. .

A formulação que define o pensamento construtivista é a seguinte: “Se a história social da ciência fosse diferente, não teríamos, em geral, as crenças que temos” (Kukla, 2000KUKLA, A. 2000. Social Constructivism and the Philosophy of Science. London: Routledge, 170 p., p. 95 5 A caracterização de Kukla seria perfeita se ele acrescentasse, ao lado de “social”, “natural”. A explicação para isso é simples: socioconstrutivistas não lidam apenas com o social, como pensa Kitcher (1993, p. 62), mas também com critérios epistemológicos (Bloor, 2009, p. 73) e portanto com a natureza. ) (ver também Hacking, 1999HACKING, I. 1999. The Social Construction of What?. Cambridge: Harvard University Press, 261 p., p. 69). Assim, o argumento que precisa ser desenvolvido é exatamente o da evitabilidade. O argumento aqui apresentado terá três partes.

Em primeiro lugar, o evitável é também um conceito de senso comum, mas que pode ser empregado para uma análise das ciências. Como argumentou Kuhn, a profusão de dados científicos exige seleção, pois “na ausência de um paradigma (...) todos os fatos que possivelmente são pertinentes ao desenvolvimento de determinada ciência têm a probabilidade de parecerem igualmente relevantes” (Kuhn, 2000KUHN, T. 2000. A Estrutura das Revoluções Científicas (5ª Ed.) São Paulo: Perspectiva, 257 p. , p. 35). Reiterando: a seleção é um procedimento extremamente legítimo para as ciências.

A segunda parte do argumento é o de que a seleção enfatizada por Kuhn é normalmente conduzida para a obtenção daquilo que Andrew Pickering denomina de “estabilização” (1990PICKERING, A. 1990. Openness and Closure: On the Goals of Scientific Practice. In: H. LE GRAND (ed.), Experimental Inquiries. Dordrecht: Kluwer, p. 215-239., pp. 222-233; ver também Lenoir (1997LENOIR, T. 1997. Instituting Science. Stanford: Stanford University Press, 372 p., p. 47) e Latour (1987LATOUR, B. 1987. Science in Action. Cambridge: Harvard University Press , 274 p., p. 42). Cientistas operam por meio de pesquisas que exigem a apresentação pública de resultados consensuais (Ziman, 1996ZIMAN, J. 1996. O Conhecimento Confiável. Campinas: Papirus, 252 p., p. 65). Tais resultados, para se estabilizarem, precisam ser comunicados de um modo compreensível - ou seja: por meio de categorias científicas acessíveis aos membros da comunidade científica de modo a produzir consenso. Em termos de senso comum: é necessário clareza. Assim, torna-se perfeitamente compreensível que a clareza se insira em um quadro que favorece a emergência de uma possibilidade (ou seja: algo evitável), em detrimento, por exemplo, de uma ampla explicação da realidade6 6 A tensão entre a clareza expositiva (e explicativa) e a amplitude máxima que um cientista almeja (consiliência) é extremamente bem exposta por Thagard (2017). .

Em terceiro lugar, como argumenta Karin Knorr-Cetina, grupos de cientistas em um laboratório operam seletivamente por meio de um processo dialético. Uma equipe apresenta sua pesquisa também em função do que é esperado pelos avaliadores da pesquisa (Knorr-Cetina, 1981KNORR-CETINA, K. 1981. The Manufacture of Knowledge. Oxford: Pergamon Press, 189 p., p. 7), os quais, por sua vez, avaliam tais pesquisas também a partir do quanto elas “promovem suas próprias investigações” (Knorr-Cetina, 1981KNORR-CETINA, K. 1981. The Manufacture of Knowledge. Oxford: Pergamon Press, 189 p., p. 7). Assim, uma pesquisa sobre redução da poluição em áreas urbanas pode ser bem recepcionada por avaliadores que estejam lidando com uso racional de gasolina (Knorr-Cetina, 1981KNORR-CETINA, K. 1981. The Manufacture of Knowledge. Oxford: Pergamon Press, 189 p., p. 5). A seleção, portanto, relaciona a construção de um fato (por meio de uma pesquisa) e o produto final (o resultado desta pesquisa), uma vez que a produção e a avaliação são eventos interligados (Knorr-Cetina, 1981KNORR-CETINA, K. 1981. The Manufacture of Knowledge. Oxford: Pergamon Press, 189 p., p. 5).

Um segundo ponto importante da argumentação de Knorr-Cetina é a ideia de que os produtos científicos, uma vez construídos (por meio dos processos acima descritos), dificilmente se repetem: o significado de redução de poluição se altera significativamente se os avaliadores estão operando em outro programa de pesquisa que não o do uso racional da gasolina (Knorr-Cetina, 1981KNORR-CETINA, K. 1981. The Manufacture of Knowledge. Oxford: Pergamon Press, 189 p., p. 6).

“Isto significa que o que acontece no processo de construção não é irrelevante em relação aos produtos obtidos. Também significa que os produtos da ciência devem ser compreendidos como altamente estruturados internamente através do processo de produção, independentemente da questão de sua estruturação externa através de alguma correspondência ou falta de correspondência com a realidade” (Knorr-Cetina, 1981KNORR-CETINA, K. 1981. The Manufacture of Knowledge. Oxford: Pergamon Press, 189 p., p. 5).

Assim, Knorr-Cetina vincula produção e produto, argumentando adicionalmente que sistemas teóricos dependem de uma ambientação favorável mas ao mesmo tempo limitadora do alcance das propostas de novos sistemas teóricos (Knorr-Cetina, 1981KNORR-CETINA, K. 1981. The Manufacture of Knowledge. Oxford: Pergamon Press, 189 p., p. 11). Vejamos um breve exemplo.

Ao contrário de August Weismann, o biólogo Oscar Hertwig, nas décadas de 1890 e 1890, não considerava os cromossomos como entidades estáveis (Bowler, 1989BOWLER, P. 1989. The Mendelian Revolution. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 207 p., p. 87; Churchill, 1970CHURCHILL, F. 1970. Hertwig, Weismann, and the Meaning of Reduction Division circa 1890. Ísis, 61: p. 429-458., pp. 435-436), senão que manifestações temporárias de alguma ocorrência celular. A genética clássica do início do século XX, no entanto, necessitava da noção de cromossomos - com isso, a questão de sua existência deixou posteriormente de ser um problema (Churchill, 1970CHURCHILL, F. 1970. Hertwig, Weismann, and the Meaning of Reduction Division circa 1890. Ísis, 61: p. 429-458., p. 444) e se tornou parte integrante fundamental dos trabalhos dos biólogos Edmund Wilson e Thomas Hunt Morgan (biólogos extremamente importantes para a consolidação da genética clássica). Ou seja: o problema da efemeridade dos cromossomos não tinha mais ambientação para se sustentar como estratégia viável de investigação.

Podemos agora reunir as três noções: construção, evitabilidade e seletividade. Construções são evitáveis, pois, dados critérios contingentes de seleção, as investigações podem seguir vários rumos, rumos esses que dependem de articulações sociocomunitárias e de interesses cognitivos.

Antes de passar à próxima seção é importante mostrar a diferença entre a noção socioconstrutivista de evitabilidade e outras noções de inevitabilidade que podem estar presentes em abordagens não identificadas com o socioconstrutivismo7 7 Agradeço aqui a um(a) parecerista anônima(a) a sugestão para este desenvolvimento. .

Em um primeiro momento, a ideia geral de evitabilidade poderia ser assimilada por qualquer abordagem em filosofia da ciência. Kyle Stanford, por exemplo, alerta para o papel das decisões que os cientistas tomam quando estão construindo suas teorias (Stanford, 2006STANFORD, K. 2006. Exceeding our Grasp. Oxford, Oxford University Press, 234 p., p. 74). Bas van Fraassen, por sua vez, argumenta que explicações científicas sempre pressupõem um contexto, o qual impede (ou no mínimo dificulta) que outras linhas investigativas se estabeleçam (van Fraassen 1980VAN FRAASSEN, B. 1980. The Scientific Image. Oxford: Clarendon Press, 235 p., p. 112). Já Paul Thagard, em sua discussão sobre se um proponente de uma nova teoria deve preferir explicar mais fenômenos (e com isso privilegiar a consiliência) ou apresentar uma teoria mais simples, defende que não há um algoritmo a ser seguido, mas que uma decisão deve ser tomada pelo cientista (Thagard, 1978THAGARD, P. 2017. A Melhor Explicação: Critérios para a Escolha de Teorias. Cognitio, 18(1): p. 125-134., p. 92).

Todas estas abordagens são sensíveis à ideia de evitabilidade e não se comprometem com o socioconstrutivismo. A diferença, porém, entre elas e o socioconstrutivismo, é que elas não deixam claro como a evitabilidade se estabelece (além de não deixar claro as consequências da evitabilidade).

Especificamente no que toca ao realismo científico: realistas poderiam afirmar que os cientistas escolhem os problemas que devem ser abordados. Desde os trabalhos de Larry Laudan, no entanto, sabe-se que problemas científicos não são escolhidos pelos cientistas, mas impostos por um contexto social (Laudan, 2010LAUDAN, L. 2010. O Progresso e seus Problemas. São Paulo: UNESP , 337 p., cap. 1).

5 A plausibilidade do socioconstrutivismo

Por que recusaríamos, a priori, uma concepção socioconstrutivista? Uma razão seria evidente: se o socioconstrutivismo se limitasse a elencar fatores sociais para a explicação de uma realização científica e deixasse de lado o aporte conceitual oferecido pelos critérios epistemológicos ele seria definitivamente implausível (enquanto concepção filosófica). Mas isso não é o caso. Nos termos deste artigo, o socioconstrutivismo seria bastante implausível se sua noção de construção fosse uma noção que excluísse critérios epistemológicos e, portanto, excluísse a natureza em nossa avaliação filosófica do êxito das ciências. Vimos, no entanto, que o conceito de construção para o socioconstrutivista é simplesmente o de sugerir que a ideia metafísica determinista de inevitabilidade está mal estruturada no debate que aqui nos ocupa.

Assim, quando socioconstrutivistas empregam a noção de construção ela está sendo usada para se referir tanto a objetos e processo naturais quanto a procedimentos de seleção inevitáveis em qualquer dimensão humana (como a ciência). Entidades científicas são construídas porque são reais e porque estabilizam i) fenômenos que, de outro modo, estariam sem relação entre si e ii) concepções teóricas e práticas científicas que, de outro modo, seriam um agregado linguístico e destituídas de base. Quanto a isso nada pode ser mais eloquente do que esta passagem do socioconstrutivista David Bloor: “(...) a aceitação de uma teoria por um grupo social a torna verdadeira? A única resposta a ser dada é ‘não’” (2009BLOOR, D. 2009. Conhecimento e Imaginário Social. São Paulo: UNESP, 288 p., p. 73). (Esta passagem de Bloor tem recebido suporta na literatura socioconstrutivista, como podemos ver em Latour (1987LATOUR, B. 1987. Science in Action. Cambridge: Harvard University Press , 274 p., p. 142); Stengers (2002STENGERS, I. 2002. A Invenção das Ciências Modernas. São Paulo: Editora 34, 208 p., p. 129); Smith (1997SMITH, B. 1997. Belief and Resistance. Cambridge: Harvard University Press , 252 p., cap. 8).

Acredito que a recusa a priori do socioconstrutivismo está relacionada à confusão entre as palavras “construção” e “invenção”, especialmente pelo fato de “invenção” pode denotar uma espécie de vazio cognitivo onde qualquer ideia pode ser considerada; algo como: “os geneticistas inventaram o conceito X mas poderiam ter inventado outro conceito qualquer Y”. Esta acepção da palavra “invenção”, porém, nada mais oferece do que uma caricatura do socioconstrutivismo. Como argumenta Tim Lewens a favor do socioconstrutivismo:

“Se um sociólogo do conhecimento argumenta que Darwin escreveu seu livro sobre a origem das espécies rabiscando palavras ao acaso que ouviu das pessoas em um bar, então o realista que pensa que a teoria de Darwin é uma boa teoria está em vantagem” (Lewens, 2005LEWENS, T. 2005. Realism and the Strong Program. British Journal for the Philosophy of Science, 56: p. 559-577., p. 567).

Mas nem Darwin fez isso nem os socioconstrutivistas disseram que Darwin fez isso. A construção de Darwin envolveu uma série de elementos conceituais bem conhecidos e analisáveis epistemologicamente, e envolveu uma série de intervenções sociocomunitárias. Assim, o evolucionismo de Darwin é tudo aquilo que é explicado pela epistemologia e pelas ocorrências sociocomunitárias que de fato ocorreram.

Mas poderia ser replicado: excluam-se tais ocorrências sociocomunitárias e tudo fica o mesmo. É aqui que está o problema com a incompreensão da noção de construção.

Uma das oposições a este conceito emerge exatamente de outro conceito, caro aos realistas científicos e que toca diretamente no ponto da plausibilidade: mundo externo objetivo e independente da intervenção humana.

Para os socioconstrutivistas não restam dúvidas quanto à existência de um mundo externo objetivo que é composto por elétrons, genes, campo gravitacional etc. O ponto da discórdia diz respeito à independência da intervenção humana. Para resolver o impasse empregaremos aqui o conceito de heterogeneidade de Isabelle Stengers.

O mundo externo objetivo é múltiplo, repleto de objetos naturais diferentes e de relações sociais complexas. O que poderia unir este imenso agregado heterogêneo? De acordo com Stengers, seria aquilo que ela denomina de “realidade” (Stengers, 2002STENGERS, I. 2002. A Invenção das Ciências Modernas. São Paulo: Editora 34, 208 p., p. 119). É a realidade que mantém junto esta “multiplicidade heterogênea” (Stengers, 2002STENGERS, I. 2002. A Invenção das Ciências Modernas. São Paulo: Editora 34, 208 p., p. 119). Seguindo a ilustração oferecida por Stengers, quem duvida da existência do Sol externo e objetivo teria de enfrentar a comunidade dos astrônomos, as outras pessoas ao seu lado que estão vendo o Sol e até mesmo enfrentar a experiência visual de sua própria retina (Stengers, 2002STENGERS, I. 2002. A Invenção das Ciências Modernas. São Paulo: Editora 34, 208 p., p. 119) - eis a heterogeneidade. E, mais do que isso, não há meios pelos quais um construtivista sério pode se opor a um mundo externo e objetivo.

Mas a heterogeneidade, para dar um significado ao agregado desorganizado antes mencionado, depende efetivamente da intervenção humana. Não há, cientificamente, um Sol independente dos astrônomos, das outras pessoas, das retinas. A astronomia poderia inexistir (por que é necessário que seres humanos se ocupem de planetas e movimentos celestes?); as pessoas comuns poderiam ignorar a relevância do Sol (como ignoramos o que está exatamente a oito mil quilômetros no meio do Oceano Atlântico); e a fisiologia e oftalmologia poderiam desconsiderar completamente o papel do Sol para a visão (como ignoram, para seu trabalho, a existência de entidades advindas da psicanálise). “Sol”, portanto, reúne esta heterogeneidade e é exatamente ao reuni-la que se afirma sua existência científica (para além de sua realidade objetiva).

Stengers fornece um exemplo interessante:

“Sabe-se (...) que no começo do século XV o imperador chinês Yung-lo enviou uma gigantesca frota a fim de estabelecer relações diplomáticas com os reinos africanos, e que, após sua morte, a iniciativa foi pura e simplesmente abandonada” (Stengers, 2002STENGERS, I. 2002. A Invenção das Ciências Modernas. São Paulo: Editora 34, 208 p., p. 118).

Após a morte do imperador, portanto, uma parte do mundo simplesmente “não conseguiu se estabelecer” para os chineses devido à falta de intervenção. Porém, a África real sempre esteve lá, com ou sem os chineses. Mas, tomando os chineses como referência (assim como tomamos os astrônomos como referência para falarmos do Sol), de fato a África “não existia” (reitere-se: para os chineses). Ou seja: o heterogêneo (o comércio com os africanos, o intercâmbio cultural, o aprendizado de novas técnicas de navegação etc) simplesmente não conseguiu se conectar entre si e assim perdeu sua realidade.

E como a ciência deve proceder para não perder suas realidades? Não poderia a heterogeneidade de um laboratório8 8 Por “laboratório”, aqui, entende-se um campo de aplicações práticas e técnicas das ciências, e não apenas um espaço físico. Dominic Berry (2014, pp. 281-282) esclarece muito bem este ponto quando trata da história da genética: uma parte da pesquisa em genética era produzida fora de laboratórios (por horticultores), e assim um campo agrícola pode ser uma unidade destinada à pesquisa tanto quanto um laboratório o é. Sobre este ponto ver também Kimmelman (1983, p. 167). se perder em sua própria multiplicidade desordenada e com isso deixar de revelar um mundo externo e objetivo? Como argumenta Knorr-Cetina a natureza não está no laboratório, exceto como produto do trabalho científico (Knorr-Cetina, 1981KNORR-CETINA, K. 1981. The Manufacture of Knowledge. Oxford: Pergamon Press, 189 p., p. 4); é por isso, argumenta Stengers, “(...) que é necessário (...) trabalhar para fazer existir um fato novo” (Stengers, 2002STENGERS, I. 2002. A Invenção das Ciências Modernas. São Paulo: Editora 34, 208 p., p. 119)9 9 Novamente o conceito de construção não necessita de socioconstrutivistas para se estabelecer. Como afirma Kuhn: “As operações e medições que um cientista empreende em um laboratório não são o ‘dado’ da experiência, mas o ‘coletado com dificuldade’” (Kuhn, 2000, p. 161). . Assim, quando o laboratório não se perde na heterogeneidade e revela um mundo externo e objetivo é porque ele conseguiu unir o Sol, os astrônomos, as outras pessoas e as retinas.

Nada do que foi disto nesta seção em defesa da noção de construção em uma abordagem socioconstrutivista autoriza o próprio socioconstrutivista a deixar de lado a existência de um mundo externo objetivo. O acréscimo socioconstrutuvista é o de que a emergência deste mundo externo objetivo demandou a intervenção sociocomunitária. Onde reside então a implausibilidade do socioconstrutivismo? Como descartar a priori esta concepção? O que se pode fazer, com legitimidade, é defender uma posição contrária, mas isto é diferente de uma acusação de implausibilidade. Trato a seguir, na conclusão, da possibilidade de uma posição contrária ao socioconstrutivismo.

6 Conclusão

O termo central deste artigo é “plausibilidade” (e espera-se que tal plausibilidade tenha se tornada clara ao leitor). Não se falou de “verdade”, “superioridade” etc. Com base nisso, duas observações finais são importantes.

A primeira, e menos importante, é a de que é fundamental, para uma compreensão mais profunda da controvérsia sobre o socioconstrutivismo, um entendimento do que significa tal posição filosófica, de modo a evitar o surgimento de caricaturas do socioconstrutivismo. Este entendimento, por certo, revelaria a plausibilidade aqui defendida.

A segunda observação, e sobre a qual quero me deter, é a de que uma análise da ciência não necessariamente deve se pautar (seja no todo, seja na parte) por um referencial socioconstrutivista, ao menos por três razões.

Em primeiro lugar, conforme apontado por Larry Laudan (1981LAUDAN, L. 1981. The Pseudo-Science of Science?. Philosophy of the Social Sciences, 11: p. 173-198., p. 174, p. 185), os socioconstrutivistas se “limitam” a apontar ocorrências (como as apontadas acima no caso de Lavoisier); de minha parte, respondo a Laudan: socioconstrutivistas também interligam tais ocorrências. Seja como for, o ponto de Laudan permanece: onde estão os conceitos que interligariam essas ocorrências? Socioconstrutivistas apontam alguns conceitos mas, em comparação com a filosofia da ciência tradicional, tais conceitos são numericamente inferiores e, segundo penso, de uma qualidade filosófica muito inferior.

Em segundo lugar, um relato exclusivamente epistemológico de um episódio histórico é um relato de um tipo que pode contribuir para nosso entendimento - e não apenas pode, mas é isso que normalmente ocorre. Um notável exemplo de um relato exclusivamente epistemológico de episódios históricos pode ser encontrado nas obras do filósofo Paul Thagard.

Por fim, em terceiro lugar, relatos exclusivamente epistemológicos podem ser úteis não apenas para leitores, mas inclusive para os próprios socioconstrutivistas. Pois, se é importante conhecer as interações sociocomunitárias que conduziram cientistas a suas realizações, também é importante conhecer com profundidade epistemológica os trabalhos empíricos de teóricos dos cientistas, profundida epistemológica essa que um epistemólogo oferece com muito mais propriedade que um socioconstrutivista.

Assim, mesmo que a divisa socioconstrutivista (epistemologia mais fatores sociocomunitários) seja clara a este respeito, o fato é que seus relatos epistemológicos, embora sempre presentes, são em geral menos profundos do que os oferecidos pelos epistemólogos.

Referências

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  • ZIMAN, J. 1996. O Conhecimento Confiável Campinas: Papirus, 252 p.
  • 1
    Por “concepção tradicional em filosofia da ciência” entende-se uma filiação com as correntes filosóficas clássicas em filosofia da ciência, tais como o positivismo lógico, o falseacionismo de Karl Popper e o realismo científico. A ideia central é a de que uma análise do conhecimento científico deve ocorrer mediante apenas critérios epistemológicos: a relação entre as produções científicas (teorias, hipóteses etc) e a realidade. Esta caracterização é meramente operacional, uma vez que ela pode deixar dúvidas quanto a à localização de filósofos da concepção historiográfica, como Thomas Kuhn e Imre Lakatos. Esta discussão, porém, vai além dos objetivos deste artigo, uma vez que há uma extensa literatura sobre a influência de Thomas Kuhn para a emergência do socioconstrutivismo.
  • 2
    Acima afirmei que o nome que poderia ser dado a uma investigação cuidadosa e trabalhosa, a qual precisa levar em conta todos os recursos disponíveis, seria “construção”. Filósofos da ciência tradicionais objetam a este termo pelo fato de que ele se opõe ao termo “descoberta”. Isso ocorre especialmente no interior da filosofia do realismo científico; para o realismo, existem objetos naturais que independem da intervenção humana (as entidades científicas). Aqui, porém, é necessário distinguir entre o realismo ontológico e o realismo epistemológico. Pois, embora, para ambos, existem objetos naturais que independem da intervenção humana, para os realistas epistemológicos nosso conhecimento de tais objetos necessita da intervenção humana.
  • 3
    Usualmente socioconstrutivistas se declaram realistas. Isto é claro na obra de Bruno Latour e de Andrew Pickering. De acordo com Latour (1987LATOUR, B. 1987. Science in Action. Cambridge: Harvard University Press , 274 p., p. 100), o encerramento de uma controvérsia científica significa o estabelecimento de teorias confiáveis e de entidades consolidadas e não há outra alternativa exceto a de acreditar na verdade das teorias e na existência das entidades. Já Andrew Pickering, em “Living in the Material World” (1989PICKERING, A. 1989. Living in the Material World. In: GOODING, D., PINCH, T. J., SCHAFFER, S.(eds), The Uses of Experiment: Studies of Experimentation in the Neutral Sciences. Cambridge: Cambridge University Press, p. 275-297.), se declara um realista, embora defensa que a complexidade da prática científica não seja captada pelo realismo. Para ele, uma discussão sobre o realismo científico deveria levar em consideração “a relação entre práticas conceituais e materiais, entre as performances no mundo material e no nosso entendimento dessas performances” (Pickering, 1989PICKERING, A. 1989. Living in the Material World. In: GOODING, D., PINCH, T. J., SCHAFFER, S.(eds), The Uses of Experiment: Studies of Experimentation in the Neutral Sciences. Cambridge: Cambridge University Press, p. 275-297., p. 275). Contudo, para o autor, isso não ocorre: “Filósofos realistas se opõem a antirrealistas acerca do status das entidades teóricas localizadas dentro das teorias bem confirmadas, e a noção de uma teoria bem confirmada assume uma relação particular entre dois conjuntos de enunciados: enunciados de predição teórica são entendidos como estando de acordo com enunciados do fato experimental. A constituição dos enunciados sobre fatos, na prática material, é deixada de lado” (Pickering, 1989PICKERING, A. 1989. Living in the Material World. In: GOODING, D., PINCH, T. J., SCHAFFER, S.(eds), The Uses of Experiment: Studies of Experimentation in the Neutral Sciences. Cambridge: Cambridge University Press, p. 275-297., pp. 275-276).
  • 4
    O senso comum apoia esta visão determinista. É virtualmente impossível olharmos para nosso mundo (com o olhar de senso comum) é não o considerar uma consequência lógica de um princípio (histórico-metafísico) que linearmente nos conduziu ao que temos hoje. Não há nada de errado, do ponto de vista de senso comum, com esta concepção.
  • 5
    A caracterização de Kukla seria perfeita se ele acrescentasse, ao lado de “social”, “natural”. A explicação para isso é simples: socioconstrutivistas não lidam apenas com o social, como pensa Kitcher (1993KITCHER, P. 1993. The Advancement of Science. Oxford: Oxford University Press, 421 p., p. 62), mas também com critérios epistemológicos (Bloor, 2009BLOOR, D. 2009. Conhecimento e Imaginário Social. São Paulo: UNESP, 288 p., p. 73) e portanto com a natureza.
  • 6
    A tensão entre a clareza expositiva (e explicativa) e a amplitude máxima que um cientista almeja (consiliência) é extremamente bem exposta por Thagard (2017THAGARD, P. 2017. A Melhor Explicação: Critérios para a Escolha de Teorias. Cognitio, 18(1): p. 125-134.).
  • 7
    Agradeço aqui a um(a) parecerista anônima(a) a sugestão para este desenvolvimento.
  • 8
    Por “laboratório”, aqui, entende-se um campo de aplicações práticas e técnicas das ciências, e não apenas um espaço físico. Dominic Berry (2014BERRY. D. 2014. Bruno to Brünn; or the Pasteurization of Mendelian genetics. Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, 48: p. 280-286., pp. 281-282) esclarece muito bem este ponto quando trata da história da genética: uma parte da pesquisa em genética era produzida fora de laboratórios (por horticultores), e assim um campo agrícola pode ser uma unidade destinada à pesquisa tanto quanto um laboratório o é. Sobre este ponto ver também Kimmelman (1983KIMMELMAN, B. 1983. The American Breeders Association: Genetics and Eugenics in an Agricultural Context, 1903-13. Social Studies of Science, 13(2): p. 163-204., p. 167).
  • 9
    Novamente o conceito de construção não necessita de socioconstrutivistas para se estabelecer. Como afirma Kuhn: “As operações e medições que um cientista empreende em um laboratório não são o ‘dado’ da experiência, mas o ‘coletado com dificuldade’” (Kuhn, 2000KUHN, T. 2000. A Estrutura das Revoluções Científicas (5ª Ed.) São Paulo: Perspectiva, 257 p. , p. 161).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2022
  • Aceito
    17 Ago 2023
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