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O problema do método da hermenêutica filosófica e possíveis reverberações para as ciências naturais

Philosophical hermeneutics’ problem of the method and its possible impact on natural sciences

RESUMO

Para a hermenêutica filosófica a compreensão seria um fenômeno universal, que, portanto, não se restringiria a regras de procedimento e a nenhum método. Contudo, aquela enfrenta um problema ao, por um lado, pretender ser um modo não metódico de compreensão e, por outro, ao mesmo tempo, defender certas “regras” para uma efetiva compreensão. Isto posto, este artigo tem por objetivo elucidar essa ambiguidade e apontar para algumas possíveis consequências dessa. Para tanto, mostramos, suscintamente, o argumento em defesa da universalidade da hermenêutica, e, portanto, como as ciências naturais estariam por aquela implicadas. Em seguida, apontamos para alguns dos aspectos normativos que comporiam o fenômeno da compreensão, tal como nos é apresentado por Gadamer. Por fim, concluímos que um diálogo entre a hermenêutica filosófica e as ciências naturais não apenas é um diálogo que se faz necessário por questões exegéticas, superando possíveis conflitos e contradições deste pensamento filosófico, mas também por contribuir para a atividade científica em geral, tornando-a, quiçá, mais consciente e vigilante acerca de sua própria historicidade.

Palavras-chave:
compreensão; método; ciência; normatividade; universalidade

ABSTRACT

For philosophical hermeneutics, understanding is a universal phenomenon, which, therefore, is not restricted to procedural rules or any method. However, the former faces a problem when, on the one hand, it pretends to be a non-methodical way of understanding and, on the other hand, at the same time, it defends some “rules” for a proper understanding. That said, this article aims to elucidate this ambiguity and to show some possible consequences. First, we briefly show the argument in defense of the universality of hermeneutics and, therefore, how the natural sciences would be implied by it. Next, we point to some of the normative aspects that seem to compose the understanding phenomenon, as presented to us by Gadamer. Finally, we conclude that a dialogue between philosophical hermeneutics and the natural sciences is necessary not only for interpretative purposes, overcoming possible conflicts and contradictions of this philosophy, but also for contributing to scientific activity in general, making it - perhaps - more conscious and vigilant about its historicity.

Keywords:
comprehension; method; Science; normativity; universality

1 Introdução

Verdade e Método é, sem dúvida, um marco nas discussões acerca da hermenêutica. A principal obra de Hans-Georg Gadamer lança as bases de sua hermenêutica filosófica, que se distinguiria das demais versões precisamente no que tange ao seu estatuto de método. Segundo o autor, a autocompreensão das hermenêuticas anteriores, clássica e romântica, era marcada por uma subjugação à ideia de método: as investigações acerca da interpretação e da compreensão deveriam prover um caminho certo e seguro para que as mesmas fossem possíveis de serem alcançadas. Neste sentido, a hermenêutica limitar-se-ia a estabelecer e a apontar para quais regras de procedimento deveriam ser seguidas para que, assim, a melhor/correta interpretação pudesse ser discriminada.

A hermenêutica filosófica de Gadamer, porém, influenciada pelo pensamento fenomenológico de Husserl e Heidegger, não pretende ser uma investigação acerca do método correto para a compreensão, mas sim uma investigação do modo como nós já sempre compreendemos. O compreender seria um fenômeno universal, não se restringindo, portanto, a regras de procedimento, já que se encontra em todos os desempenhos nos quais mobilizamos sentidos, incluindo os desempenhos prévios a toda aplicação de método. Por conta disso, a hermenêutica filosófica se voltaria para o fenômeno mesmo e buscaria elucidar o modo como compreendemos de maneira geral.

De fato, em Verdade e Método, Gadamer aponta para uma sobrevalorização do método, questionando a delimitação de todo pensamento verdadeiro e válido ao âmbito deste, quando, ao contrário a verdade também poderia ser encontrada em outras formas de compreensão. Segundo o filósofo, a confiança no método é decorrente da certeza que esse visa assegurar, de maneira que toma qualquer outro procedimento ametódico como suspeito, duvidoso. Desse modo, o método acabaria por figurar como o único caminho para um conhecimento certo e verdadeiro, válido, assim, para todas as áreas do saber. Todavia, seria necessária uma crítica a essa pretensão de universalidade do ideal metodológico, uma vez que, segundo o autor, o método parece não esgotar o escopo da verdade. Ao contrário, a verdade também ocorreria de maneira própria, por exemplo, nas artes, na ciência da história e na filosofia, ainda que estas produções não sigam os procedimentos do método. Por isso, Gadamer, na referida obra, promove uma investigação do fenômeno da compreensão para que, a partir da elucidação de seu caráter universal, seja possível esclarecer de que outro modo podemos ascender à verdade que não via o método.

Aqui, contudo, encontramos um problema. A defesa gadameriana de uma hermenêutica ametódica e universal está assentada em duas teses. Por um lado, na tese de que a compreensão não se restringe a um conjunto de normas e que, portanto, não possui caráter normativo. Por outro lado, na tese de que, se não há uma oposição, há ao menos uma distinção bastante clara entre as ciências humanas e as ciências naturais. Enquanto estas trabalhariam sob o auspício do método, aquelas distinguir-se-iam das últimas precisamente por seu caráter histórico e, assim, hermenêutico. Contudo, o texto de Verdade e Método parece guardar certa ambiguidade para com estas teses: a própria descrição do fenômeno da compreensão empreendida por Gadamer possui nuances normativas, bem como não parece haver uma distinção clara entre aqueles campos do saber.

Ademais, se a hermenêutica filosófica tem caráter universal, tal como é defendido na terceira parte de Verdade e Método, então, a compreensão ocorreria também para além da “Filosofia, da História e da Arte”. Esta seria aplicada no campo das ciências em geral, inclusive nas ciências naturais. Ainda que concedamos a Gadamer, a despeito da ambiguidade acima apontada, e tomemos a compreensão como um fenômeno pré-metódico, ou seja, que ocorreria antes mesmo de qualquer aplicação de um método, a universalidade da hermenêutica acarretaria um embaraço, se não a impossibilidade do conhecimento científico. De fato, por um lado, este é contraposto ao procedimento hermenêutico, já que rejeitaria a estrutura pré-conceitual da compreensão. Por outro lado, esta mesma seria universal e, portanto, inescapável, tornando a atividade científica, no mínimo, problemática.

Isto posto, este artigo tem por objetivo elucidar a ambiguidade acima mencionada, tornando claro que um diálogo mais profundo e produtivo entre a hermenêutica filosófica e as ciências se faz necessário. Para tanto, mostraremos, suscintamente, o argumento em defesa da universalidade da hermenêutica, e, portanto, como as ciências naturais estariam por aquela implicadas. Em seguida, apontaremos para alguns dos aspectos normativos que comporiam o fenômeno da compreensão, tal como nos é apresentado por Gadamer1 1 Uma análise mais completa do tema exigiria uma discussão acerca da compreensão gadameriana acerca do método bem como de sua tentativa de distinção entre as ciências humanas e naturais. Porém, por uma questão de espaço, estas ficarão fora do escopo deste artigo. Os livros de Weinsheimer (1985, introdução), Grondin (2007, p. 28 et seq.) e Bilen (2000, p. 53 et seq.) servem para um estudo sobre a questão do método. Ver também a discussão sobre a crítica aos preconceitos que Gadamer desenvolve na segunda parte de Verdade e Método (Cf. Gadamer, 2008, p. 354-368; Gadamer, 1999, p. 270-281), como ilustração da tentativa de distinção das ciências humanas e das ciências naturais a partir da neutralidade, objetividade e generalidade que as últimas parecem requerer. . Por fim, concluiremos que um diálogo entre a hermenêutica filosófica e as ciências naturais não apenas é um diálogo que se faz necessário por questões exegéticas, superando possíveis conflitos e contradições deste pensamento filosófico, mas também por contribuir para a atividade científica em geral, tornando-a, quiçá, mais consciente e vigilante acerca de sua própria historicidade.

2 A universalidade da hermenêutica

Escrito nos anos 60, Verdade e Método é uma obra de maturidade, que ainda causa estranheza e desconforto para leitores desavisados. O seu maior impacto, podemos afirmar sem grandes problemas, foi nas discussões (reacendidas nos anos subsequentes à publicação do livro) acerca da metodologia própria às ciências humanas, que tiveram de ser revisitadas à luz de uma já longa discussão dentro da história da filosofia, que remonta à segunda metade do século XIX, com o advento do romantismo e do historicismo. Gadamer assume como o grande propósito de seu magnum opus mostrar que podemos legitimamente erguer pretensões de verdade, ainda que não sigamos procedimentos regidos pelo método. Para tanto, defende que a forma como compreendemos o mundo se expande para além das fronteiras do método e que, desse modo, há meios mais originários através dos quais lidamos com a verdade. Não é à toa, portanto, que ele toma a nossa realidade histórica como a base para desenvolver o seu argumento. O nosso indissolúvel pertencimento a uma tradição nos revela precisamente que já mobilizamos sentidos, previamente dados, com vista à verdade.

Dessa forma, a grande tese defendida em Verdade e Método consiste na intransponível participação da tradição em nossa compreensão. Em outras palavras, os preconceitos (Vorurteile), herdados da tradição, são condição de possibilidade real e efetiva para a compreensão. Ou seja, o preconceito não é apenas o ponto de partida, mas é conditio sine qua non para a compreensão. Muito por conta da influência de Heidegger, Gadamer entende que tal não é uma condição a priori, mas sim fática da compreensão. Por isso, a nossa historicidade e o nosso ser-no-mundo, i.e., a nossa condição de sermos desde sempre lançados no mundo determina essencialmente não somente o modo como a argumentação é conduzida, em uma investigação descritiva do fenômeno da compreensão, assim como também marca o início dessa mesma investigação.

A partir da influência heideggeriana, portanto, Gadamer, em Verdade e Método, aponta para a importância do preconceito e para a necessidade de reconhecermos a estrutura prévia da compreensão. O primeiro passo rumo a semelhante objetivo foi o de recuperar o sentido original do termo, com a sua neutralidade característica e, portanto, sem assumi-lo de antemão como prejudicial à compreensão. Em seguida, em sua crítica ao historicismo, defende que a história não deve ser vista como um mero objeto, frente ao qual nós, sujeitos, nos encontramos. Antes, seria preciso atentar para o fato de que a nossa historicidade é um elemento intrínseco ao ato compreensivo e que, dessarte, perpassa tanto o sujeito quanto o objeto. Daí a necessidade de reconhecermos a nossa imersão e participação em uma tradição, de que ela permanece atuante e que, portanto, estamos constantemente sob seus efeitos. Nesse sentido, os preconceitos não são um simples pressuposto da compreensão, mas a manifestação de nossa pertença em uma tradição. Ou seja, o processo de compreensão ultrapassa os limites da mera subjetividade e, na verdade, eles nos põem em relação direta com uma tradição. Essa, por sua vez, não determina de antemão tudo aquilo que compreendemos, como se pertencêssemos a ela de modo natural e espontâneo. Ao contrário, a essência própria da tradição exige que nós a cultivemos e afirmemos, de modo que seja sempre apropriada e, portanto, atualizada. Por isso mesmo, os preconceitos não se encontrariam imediatamente disponíveis à consciência hermenêutica, como se pudéssemos voluntariamente dirigir nossa atenção a eles sempre que preciso. Antes, a sua atuação é constante, como um efeito da história (Wirkungsgeschichte), estejamos ou não conscientes disso.

Dessa forma, para Gadamer é preciso buscar uma descrição do fenômeno da compreensão que vá para além do simples conhecimento da opinião do outro e que diga como é possível uma compreensão fundada em preconceitos. Neste sentido, estabelece inicialmente que a compreensão é o jogo entre o movimento da tradição e o movimento do intérprete. Por conta disso, os preconceitos nos poriam em comunhão com uma tradição particular, i.e., aquela cujos efeitos atuam em nós, refletindo também a nossa realidade histórica, revelando-nos a situação concreta na qual nos encontramos. E, assim, os preconceitos mais que opiniões prévias conformam o horizonte de sentido a partir do qual compreendemos: o compreender, ao contrário, consistiria propriamente num entendimento mútuo (Verständigung), fruto de uma fusão de horizontes (Horizontverschmelzung).

Com isso, a compreensão ganharia uma dimensão prática outrora ignorada, de modo que configura um verdadeiro acontecer dentro de uma tradição: aquele que compreende não apenas sabe a posição do outro, mas também aplica o próprio sentido fundido à sua situação histórica e, por isso, torna-se experiente.

Para Gadamer a noção de experiência hermenêutica, todavia, evoca uma dimensão dialogal inerente ao processo de compreensão. Toda vez que buscamos compreender a tradição, o fazemos como num verdadeiro diálogo, entre o eu do intérprete e o tu da tradição. Isso significa que todo esse processo ocorre no meio da linguagem.

Do fato de a linguagem ser o medium da compreensão, como se sabe, não se segue que, para Gadamer, ela seja um mero instrumento do qual lançamos mão quando queremos nos referir às coisas. Ao contrário, há um vínculo essencial entre sentido e linguagem, de maneira que todo sentido pode ser expresso linguisticamente. Disso resulta que todo problema de linguagem é no fundo um problema de compreensão. Contudo, o inverso, stricto sensu, não é verdadeiro. À compreensão pertence fundamentalmente o seu caráter de linguagem (Sprachlichkeit). Isso significa que toda compreensão parte de sentidos dados através de uma língua historicamente constituída. Entretanto, a nossa capacidade compreensiva não se limita às determinações de sentido de uma língua particular. O caráter de linguagem acarreta apenas que todo sentido deve poder ser expresso linguisticamente. Para Gadamer, a tarefa hermenêutica jaz precisamente aí, na busca pela palavra correta, que se oculta atrás da manifestação da coisa mesma referida. Por conta disso, algo somente se torna objeto ou reflete um estado de coisas para nós, i.e., torna-se compreensível, através da linguagem. Por um lado, se a linguagem e os sentidos intencionados possuem semelhante vínculo, então tudo aquilo em que pensamos tem caráter de linguagem, ou seja, pode ser expresso linguisticamente. Por outro lado, se o nosso pensamento tem um caráter linguístico, então a linguagem nos revela tudo aquilo que podemos compreender. Por isso, mundo e linguagem acabam por se sobrepor, de modo que ter linguagem é ter mundo, e, por sua vez, ter mundo é compreender dentro de uma língua. Daí a famosa frase de Gadamer: “o ser que pode ser compreendido é linguagem” (Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p.612; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p.478).

Assim, a linguagem assume um papel central no processo de compreensão. Se há uma indissociabilidade entre linguagem e sentido, então o caráter de linguagem determina não apenas o objeto, a tradição como tradição de linguagem, como também a própria realização da experiência hermenêutica. Isso significa que todas as vezes que buscamos compreender mobilizamos preconceitos articulados numa língua compartilhada, cujos sentidos foram dados a nós e não estabelecidos por nós. Dessa forma, toda compreensão, enquanto fenômeno linguístico, parte daquilo mesmo que nos une, de modo instransponível, a uma tradição. Por isso, mais do que uma estrutura prévia, os preconceitos configuram a real e efetiva condição de possibilidade para toda compreensão e, consequentemente, negar a sua participação positiva nesse processo não é somente impossível como também leva a equívocos com relação à própria coisa em questão.

Portanto, para Gadamer, a compreensão, sendo ao mesmo tempo um fenômeno de linguagem, não pode ser circunscrita às práticas das ciências humanas, mas, ao contrário, é um fazer constitutivo do nosso modo de ser no mundo. Os desempenhos que realizamos ao fazermos as ciências humanas são, por isso, apenas um caso particular de um fenômeno mais geral: a concreção da compreensão no âmbito da linguagem nos revela que esse é um procedimento universal. Com isto, a hermenêutica não poderia ser entendida somente como um método a ser aplicado naquelas ciências, mas denotaria uma prática que realizamos a todo tempo, já que seria o modo como fundamentalmente lidamos com o ser. Dessa forma, a experiência hermenêutica abarcaria também a prática científica como um todo, tanto as humanidades quanto as ciências naturais. E, portanto, qualquer tentativa de excluir ou desconsiderar o aspecto hermenêutico de ambas seria sujeito aos erros e distorções dos preconceitos não percebidos. Pregar um ideal metodológico que vise neutralidade, objetividade e generalidade significaria, assim, defender uma prática científica dissonante das nossas próprias capacidades compreensivas. Dessarte, para Gadamer, faz-se mister reconhecer a nossa tarefa hermenêutica e a nossa situação histórica, na qual o legado da tradição nos é transmitido, fazendo-nos ver mais e melhor as coisas mesmas, seja no campo científico seja no extra científico.

3 A normatividade da compreensão

A nota característica da hermenêutica gadameriana, como foi dito, seria o seu caráter não metódico, e, com isso, a superação do debate acerca da distinção entre as ciências naturais e as ciências humanas em termos exclusivamente metodológicos. Às ciências naturais caberia um procedimento ordenado por regras, enquanto às humanidades deveriam trabalhar hermeneuticamente. Isto, contudo, não significaria, como Gadamer busca mostrar, que a hermenêutica seria o conjunto de regras apropriado às ciências humanas; antes, aquela envolveria uma compreensão mais ampla, sem caráter normativo. Por um lado, isto, como foi visto acima, leva o filósofo a concluir a universalidade da hermenêutica e a se comprometer com o que essa encerra. Por outro lado, significaria também que o fenômeno da compreensão, descrito e defendido pela hermenêutica filosófica, é fundamentalmente um acontecimento numa tradição e, de tal forma particularizado por essa, que não se deixaria submeter a regras gerais. A compreensão seria um fato, e não prescreveria um dever.

Contudo, o texto de Verdade e Método padece de certa ambiguidade quanto ao fenômeno da compreensão, já que esse ao mesmo tempo em que não determinaria regras de procedimento, revela em si mesmo traços normativos. No que se segue, passaremos em revista três momentos da descrição do fenômeno da compreensão que carregam elementos de normatividade, apontando, assim, para a tensão existente na obra de Gadamer, a saber: (i) a existência de um critério último para toda compreensão que é a “coisa” em questão; (ii) a necessária abertura, i.e., a disposição real do intérprete de rever a sua posição inicial; e, por fim, (iii) a disposição adequada para lidar com o outro que se quer compreender.

(i) Consoante à herança heideggeriana, Gadamer inicia a descrição do fenômeno da compreensão apontando para a sua circularidade e chama a atenção para o fato de que a descrição do caráter circular do mesmo não consiste em nenhuma novidade por parte do pensamento daquele filósofo, mas, ao contrário, sempre ocupou o centro das discussões da ciência da interpretação. Extraído da antiga retórica, como um simples requisito de coerência interna, o chamado círculo hermenêutico ganhou destaque ao possibilitar a compreensão de textos antigos e ditos imediatamente indecifráveis e, com isto, foi tomado como princípio supremo da ciência da interpretação. A regra do círculo rezava que as partes devem ser referentes ao todo, assim como o todo às partes, uma vez que o sentido desse é determinado pelo sentido daquelas e vice-versa, de modo que, portanto, a correta interpretação seria aquela que melhor transcrevesse essa relação. Dessa forma, a tarefa hermenêutica, segundo o filósofo, fora limitada por uma generalidade formal, de maneira que seria circunscrita ao ir e vir, entre partes e todo, da compreensão de textos e, quando a compreensão se realizasse, aquela tarefa cessaria2 2 Cf. Gadamer, 2008, p. 385-388; Gadamer, 1999, p. 296-298. .

Contudo, para além dessa descrição formal, o movimento que desempenhamos ao compreender seria circular e conforme a visão heideggeriana: interpretamos um texto partindo de nossa pré-compreensão acerca do mesmo e buscando o seu fundamento nas coisas mesmas3 3 Como ficou claro, Gadamer retira essa expressão “as coisas mesmas” de Heidegger, que, por sua vez, a retira de Husserl. Contudo, parece ser distinto para cada um deles a que ela de fato se refere. Podemos dizer que, para Gadamer, ela indica o “tema” da compreensão, isto é, aquilo mesmo que se apresenta no processo de compreensão e que não se encontra de antemão nem no horizonte de sentido do intérprete nem no texto. . De fato, projetamos sobre o texto sentidos anteriormente dados, que compõem a nossa expectativa inicial e que podem ou não estar de acordo com o que o texto diz; e, por isso, conforme se avança na leitura, o projeto inicial é revisado e reformulado, assegurando-se na coisa mesma em questão. Portanto, a circularidade envolvida em tal processo consiste nesse movimento de projetar e redesenhar o projeto constantemente, como ocorre com qualquer um que pretenda compreender um texto.

Uma primeira e importante consequência decorre do esclarecimento dessa circularidade. Segundo Gadamer, se quisermos compreender um texto, não o faremos primordialmente a partir de uma reconstrução de seu sentido original, visando à decifração do seu conteúdo, como fora defendido por outras versões da hermenêutica4 4 A visão de hermenêutica de Schleiermacher é tomada por Gadamer neste sentido como exemplar. Cf. Gadamer, 2008, p. 388; Gadamer, 1999, p. 298. . O entendimento do texto pautado no esclarecimento das suas palavras, isto é, numa análise linguístico-gramatical, fundamental para uma correta reconstrução, é de fato relevante para qualquer compreensão. Somente compreendemos o que um texto ou um interlocutor intenciona, se somos capazes de captar o que dizem, ou seja, se falamos na mesma linguagem. O caso de textos em língua estrangeira, que requerem, portanto, tradução para o seu entendimento, nesse sentido são paradigmáticos. Porém, a análise linguístico-gramatical, i.e., filológica, não esgota o significado da compreensão. Compreender, segundo essa descrição circular, requer mais. Exige do intérprete tanto (a) um conhecimento prévio acerca da coisa em questão (os preconceitos herdados de uma tradição), quanto que (b) o ponha em relação com o que é dito pelo outro, seja um texto, seja um interlocutor. Somente dessa forma somos capazes de apreender o que de fato está em jogo, reconhecendo a nossa própria opinião e aquela do texto.

Outra consequência da circularidade da compreensão tal como apresentada é que, sendo assim, todo aquele que quer realmente compreender, deve estar disposto a acatar eventuais erros de suas opiniões prévias e a reformulá-las de acordo com o que está em questão. Isso significa, por um lado, que, se quisermos compreender um texto, não podemos sustentar por muito tempo uma interpretação arbitrária. Não podemos fazer o texto dizer respeito à outra coisa além daquela a qual diz. Nesse sentido, quaisquer disparidades de opiniões, entre a nossa e a do texto, devem ser versadas sobre a mesma coisa em questão. Caso contrário, a distorção se torna tão grande e evidente que se torna supérflua e, com isto, é forçada a ser abandonada, com o risco de caso contrário, destruir completamente o sentido do texto. Portanto, não são quaisquer opiniões que podem perfazer o processo compreensivo. Como afirma Gadamer, “[...] aqui existe um critério.” (Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 358; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 273. Grifo nosso): o texto mesmo aponta para a arbitrariedade das opiniões prévias e serve de guia e elemento básico para a compreensão.

Estar disposto a revisar as opiniões prévias, por outro lado, significa que a todo intérprete compete averiguar sempre a veracidade das pré-concepções, de modo que, a par daquilo que carrega consigo, projete sempre em consonância com a coisa mesma. Quando uma expectativa de sentido é frustrada, remodelamos o projeto global do texto. Contudo, devemos fazê-lo em consonância com a coisa mesma em questão, já que ela é a razão mesma pela qual o projeto inicial não ter funcionado. Dessa forma, devemos sempre avaliar nossas opiniões prévias de maneira a garantir sua correlação com o que está em questão. Se forçarmos o texto a dizer o mesmo que projetamos a partir de nossos preconceitos, apenas deturparíamos o seu sentido e, portanto, não teríamos como compreendê-lo. Por isso, todo intérprete que busca compreender deve ponderar acerca de intuições repentinas e hábitos disfarçados e sorrateiros, a fim de se resguardar de pensamentos que distorçam e o afastem daquilo que realmente está em jogo. Daí Gadamer afirmar que “a tarefa hermenêutica se converte por si mesma num questionamento pautado na coisa em questão, e já se encontra sempre codeterminada por esta” (Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 358; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 273).

(ii) Além disso, dado o seu caráter circular, a compreensão seria um fenômeno que não demandaria “neutralidade” diante da coisa, como se fosse necessário o isolamento ou anulação das opiniões prévias para que possa ocorrer. Antes, os preconceitos funcionariam como o ponto de partida a partir do qual interpretamos. Desse modo, cumpririam um papel fundamental neste processo, tendo, ao contrário, de ser descartada qualquer tentativa de “neutralidade”. Portanto, não é necessário, de acordo com essa descrição, que abdiquemos plenamente de nossas opiniões prévias para compreender o que o texto tem a dizer. É exigido apenas do intérprete uma abertura para a opinião do outro. Isso não significa, todavia, aceitar imediatamente o que está sendo dito, mas resguardar a sua alteridade, deixando que algo de fato seja dito. Em outros termos, que a opinião do outro, seja um interlocutor, seja um texto, apareça enquanto tal, a saber, como do outro e não minha. Somente assim poríamos nossos preconceitos em relação com os do outro, de modo a confrontar a verdade de um com a do outro. Destarte, mais do que rejeitar a estrutura prévia, negando as pré-concepções, é vital que os preconceitos sejam destacados e, uma vez reconhecidos, possamos compreender o que está em jogo a partir das coisas mesmas.

Por conta disso, Gadamer afirma que a verdadeira compreensão é constituída por algo que nomeia de “concepção prévia da perfeição” (Vorgriff der Vollkommenheit). Essa expressa, primeiramente, o fato de que toda expectativa de sentido projeta sempre uma unidade perfeita de sentido, ou seja, que todo intérprete assume que o texto possui um todo significativo, que não seja um aglomerado aleatório de frases. É, assim, em parte, uma pressuposição formal que guia toda compreensão, já que algo somente se mostra compreensível sob a concepção prévia de que possua uma unidade de sentido. Além disso, em segundo lugar, pressupõe-se que a compreensão do intérprete esteja voltada não somente para uma busca de unidade de sentido imanente ao texto, mas também para uma expectativa de sentido que o transcende, que aparece através da relação com a verdade do objeto intencionado. Dessa forma, por exemplo, voltamo-nos a um texto clássico com a pressuposição de que ele verse cabalmente sobre o assunto em questão. Portanto, “o preconceito da perfeição, além da exigência formal de que um texto deve expressar perfeitamente sua opinião, pressupõe também que aquilo que ele diz seja uma verdade perfeita” (Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 390; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 299. Grifo nosso).

Isso significa que, dessa forma, não buscamos apenas deixar que o outro fale, mas que também nos diga algo, que tomemos a sua fala como pertinente e relevante à coisa em questão. De acordo com Gadamer, portanto, a abertura ao outro não pode significar um simples “deixar vir à fala”. Antes, essa marca da compreensão deve ser mais radical: estar aberto ao outro implica estar disposto a ser contradito por aquele, isto é, estar disposto à possibilidade do erro, de ter suas razões superadas pelo que o outro tem a dizer; em suma, de sermos capazes de revisar e corrigir os nossos próprios preconceitos. Compreender, assim, envolve necessariamente uma atitude não dogmática: é preciso considerar plenamente a fala do outro, reconhecendo a sua pretensão de verdade, ou seja, como tentativa de expressar a verdade sobre a coisa investigada. Dessarte:

[...] na relação inter-humana o que importa é experimentar o tu realmente como um tu, isto é, não passar ao largo de suas pretensões e permitir que ele nos diga algo. Para isso é necessária abertura. Mas, por fim, esta abertura não se dá só para aquele a quem permitimos que nos fale. Ao contrário, aquele que em geral permite que se lhe diga algo está aberto de maneira fundamental. [...] A abertura para o outro implica, pois, o reconhecimento de que devo estar disposto a deixar valer em mim algo contra mim, ainda que não haja nenhum outro que o faça valer contra mim ( Gadamer, 2008 GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes. , p. 471-472; Gadamer, 1999 GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher). , p. 367).

(iii) Com isso, fica claro que, para compreender, não precisamos assumir a posição do outro, negando a nossa própria. Basta “deslocarmo-nos”, carregando conosco os nossos preconceitos e ganhando, portanto, o horizonte do outro através da ampliação do nosso próprio horizonte prévio, abarcando agora também a sua visão de mundo. Isso significa que, quando buscamos compreender, não nos limitamos a simplesmente interpretar segundo o nosso modo de ver a coisa. Para Gadamer, nós, apesar de partirmos do nosso horizonte de sentido prévio, queremos que o outro fale, a fim de que possamos entrar numa espécie de acordo ou entendimento mútuo (Verständigung) acerca da coisa em questão. Por isso, o compreender (verstehen) é fundamentalmente um entender-se (Verständigung), um entendimento mútuo.

É vital esclarecermos, contudo, que esse entendimento mútuo (Verständigung), em primeiro lugar, como já o dissemos, de modo algum exige que o intérprete deva abandonar a sua situação histórica e “pôr-se no lugar” do outro. Em segundo lugar, tampouco exige ou significa a aceitação e partilha das opiniões daquele, como se passassem a ser suas5 5 “Esse ato de deslocar-se não se dá por empatia de uma individualidade com a outra, nem pela submissão do outro aos nossos próprios padrões” (Gadamer, 2008, p. 403; Gadamer, 1999, p. 310. Grifo nosso). . Antes, a compreensão seria essencialmente um fenômeno expansivo, isto é, ampliaria o horizonte de sentidos daquele que compreende, que passaria, portanto, a ver mais, mais longe. Isso significa apenas que, ao ganharmos um novo horizonte, passamos a enxergar mais e, de certa forma, melhor o mundo que nos cerca. Nesse sentido, compreender “[...] significa sempre uma ascensão a uma universalidade mais elevada que supera tanto nossa própria particularidade quanto a do outro” (Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 403; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 310).

Desse modo, fica claro que somente compreendemos se transpomo-nos à situação do outro carregando sempre conosco o nosso horizonte de sentido. A compreensão seria, assim, sempre experiência de nossa própria historicidade. E, por conta disso, deveria ser entendida como uma maneira especial de lidarmos com o nosso modo de ser finito e histórico: “[...] aqui o próprio objeto da experiência possui um caráter de pessoa, essa experiência se torna um fenômeno moral, tanto quanto o saber adquirido nessa experiência” (Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 468; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 364).

Para Gadamer, de fato, a compreensão não é um simples “acontecer”, mas sim um modo de relacionarmos com um “tu”, que fala por si mesmo. Isso significa, em primeiro lugar, que o outro não se apresenta a nós como um objeto qualquer, pronto para ser apreendido. Todavia, isso não significa, em segundo lugar, que aquilo que experimentamos seja simplesmente a opinião de alguém. Se esse fosse o caso, compreender significaria a mera absorção de um sentido através da transmutação ou adivinhação da posição de seu autor. Dessa forma, resta ver essa relação como um tipo de comunicação especial, na qual há “[...] verdadeiro interlocutor, com o qual nós estamos vinculados assim como um Eu com um Tu” (Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 468; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 364. Com modificações).

Dessarte, o caráter de “tu” que figura na compreensão acaba por evocar intrinsecamente uma pessoalidade em nossa experiência, que demanda, por sua vez, de nós uma decisão acerca da maneira como lidaremos com o outro, como desempenharemos essa comunicação especial. E é, nesse sentido, que a experiência hermenêutica possui contornos morais: não porque necessariamente esteja conectada com um tipo especial de conteúdo, mas sim por exigir de nós uma livre escolha acerca do modo como nós mesmos queremos nos relacionar com o outro. Ainda que saibamos qual o melhor meio de participarmos de um diálogo, disso não se segue imediatamente que assim o faremos; é preciso que escolhamos de fato fazê-lo, pô-lo em prática.

Isso posto, Gadamer apresenta as opções que se encontram diante de nós, isto é, as formas de realizamos essa experiência do tu. Em primeiro lugar, podemos limitar a nossa experiência a um mero “conhecer as pessoas”, que consiste numa simples padronização e criação de certas previsões a partir da observação e repetição de suas ações. Nesse tipo de experiência almejamos conhecer o comportamento do outro, mas apenas para servir como um meio para nossos próprios fins, isto é, para que a partir de seu exemplo possamos atingir melhor e até, às vezes, mais rápido o nosso objetivo, seja qual for. Além disso, ao acolher apenas aquilo que é típico e regular, acaba-se elevando um aspecto parcial a uma universalidade esquemática e, portanto, reduzida do próprio fenômeno. Por isso, para uma compreensão adequada, devemos experimentá-la com comprometimento, sem deixarmo-nos enganar pela pretensão de objetividade da consciência metodológica.

Uma segunda forma de estabelecermos essa relação do “eu-tu” consiste no reconhecimento das pretensões do outro, mas apenas com vista ao reconhecimento de si próprio. Para Gadamer, essa maneira de lidar com o outro é proveniente do caráter dialético inerente à compreensão do “tu”. Toda compreensão, como vimos, parte de uma expectativa e projeção de sentido, que, dada a negatividade desse processo, esbarra na opinião em oposição. “Assim, surge a possibilidade de que cada parte da relação salte reflexivamente por sobre a outra” (Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 469; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 365), erguendo, com isso, pretensões de compreender por si mesmo o outro. Ou seja, nesse tipo de relação, o “tu” é apreendido e antecipado a partir da posição do “eu”, sendo projetado naquele as próprias opiniões desse. Porém, “quando se compreende o outro e se pretende conhecê-lo [dessa forma], se lhe subtrai, na verdade, toda legitimação de suas próprias pretensões” (Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 470; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 366). Por conta disso, aquele que quiser de fato compreender o outro deve deixar que ele fale a partir de sua própria posição, sem essa autorreferência excessiva, que não nos deixa abertos às pretensões do outro.

Com isso, a terceira e mais elevada forma de experiência do “tu” é aquela na qual mantemo-nos fundamentalmente abertos à tradição, de modo que somos capazes de reconhecer os nossos preconceitos antecipados e projetados, destacando-os e, por isso, diferenciando-os das próprias pretensões do outro. Dessa forma, na verdadeira experiência hermenêutica ganhamos a consciência sempre de nossa situação a partir de uma abertura fundamental, na qual deixamos que o outro fale por si mesmo. De fato, como foi dito, o objetivo de toda compreensão é deixar que o “tu” fale a partir de seu próprio horizonte. Por isso, “eu tenho de deixar valer a tradição em suas próprias pretensões, e não no sentido de um mero reconhecimento da alteridade do passado, mas de reconhecer que ela tem algo a nos dizer” (Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 472; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 367).

Em suma, para que o processo de compreensão funcione como um verdadeiro diálogo, devemos (iii) tomar o outro como um “tu” na mais elevada forma de experiência hermenêutica: não nos interessamos em conhecê-lo objetivamente, mas sim em deixar que fale, a partir de sua posição, algo acerca da coisa em questão. Disso resulta que a conversação, de modo próprio, não se limita a nenhuma das perspectivas em jogo, isto é, às opiniões prévias dos interlocutores. Ao contrário, o diálogo sempre as ultrapassa, levando a novas posições acerca (i) das coisas mesmas6 6 “O que vem à tona, na sua verdade, é o logos, que não é nem meu nem teu, e que por isso sobrepuja tão amplamente a opinião subjetiva dos companheiros de diálogo que aquele que o conduz permanece sempre como aquele que não sabe. A dialética, como arte de conduzir uma conversação, é ao mesmo tempo a arte de juntar os olhares para a unidade de uma perspectiva (synhoran eis hen eidos), isto é, a arte de formação de conceitos como elaboração da intenção comum” (Gadamer, 2008, p. 480; Gadamer, 1999, p. 373-374). . É por isso que, em última análise, a conversação coincide com o processo mesmo de entendimento mútuo, ou melhor, que a compreensão possui essa estrutura lógica:

Toda verdadeira conversação implica nossa reação frente ao outro, implica deixar realmente espaço para seus pontos de vista e colocar-se no seu lugar, não no sentido de compreendê-lo como essa individualidade, mas compreender aquilo que ele diz. Importa respeitar o direito objetivo de sua opinião, a fim de podermos chegar a um acordo em relação ao assunto em questão. Não relacionamos sua opinião, portanto, com sua própria individualidade, mas com nossa própria opinião ( Gadamer, 2008 GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes. , p. 499; Gadamer, 1999 GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher). , p. 389. Grifo nosso).

Ora, é justamente dessa forma que se realiza a fusão de horizontes: um “entender-se” que desemboca numa ampliação dos horizontes de sentido acerca daquilo sobre o que se quer compreender. E, assim, fica esclarecido de que modo a compreensão pode realizar seus dois requisitos fundamentais, isto é, (a) a partir de um conhecimento prévio e (b) um ter de se haver com a verdade falada pelo outro (concepção prévia de perfeição): ao mesmo tempo em que o intérprete deve, por uma parte, levar em conta a sua própria situação, representado pelo momento da aplicação, ele, por outra parte, permite que o outro venha à fala, marcado por essa (ii) abertura fundamental. Portanto, é apenas com a presença desses elementos que uma verdadeira conversação pode ocorrer, isto é, que é possível a compreensão.

4 Considerações finais

Iniciamos este artigo apontando para o problema que a hermenêutica filosófica enfrenta ao, por um lado, pretender ser um modo não metódico de compreensão e, por outro, ao mesmo tempo, defender certas “regras” para uma efetiva compreensão. A hermenêutica gadameriana parte da necessidade de ultrapassar a visão romântica, que restringe aquela a uma metodologia própria às ciências humanas. E, apesar de reconhecer a proximidade que a hermenêutica possui dessas, para Gadamer isso não a tornaria o método para a correta interpretação. Antes, seria preciso abandonar a correlação necessária entre método e verdade, abrindo, assim, espaço para um procedimento que fizesse jus à nossa historicidade e que, portanto, fosse universal. De fato, Gadamer acusa as escolas hermenêuticas anteriores de não terem atingido a universalidade própria da compreensão; apenas com Heidegger fora aberto o caminho para tanto. Sendo, portanto, um fenômeno universal, a compreensão não se deixaria restringir a regras de procedimento e, dessarte, não poderia configurar um método específico de um tipo de ciência.

Neste sentido, na primeira parte do texto, apresentamos, ainda que sinteticamente, a defesa que Gadamer oferece em Verdade e Método acerca da universalidade da compreensão. Vimos que a participação numa tradição e o caráter de linguagem inerente ao fenômeno compreensivo tornariam o procedimento hermenêutico necessário e, em certa medida, inescapável. Toda compreensão partiria de preconceitos herdados pela tradição e seria mediado pela linguagem. Não reconhecer semelhante estrutura implicaria a sujeição a preconceitos não percebidos, ou seja, à possibilidade de distorção e de má compreensão daquilo que se visa compreender.

Todavia, apesar de seu caráter universal, parece haver uma ambiguidade fundamental em Verdade e Método, na medida em que a hermenêutica resguarda traços normativos em sua visão do fenômeno da compreensão, tal como apontamos na segunda parte deste artigo. Em sua descrição do compreender, Gadamer parece estabelecer, ao menos, três critérios que devemos seguir se quisermos de fato alcançar a compreensão. Em primeiro lugar, a “coisa em questão” serviria como guia e critério para toda tentativa de compreender, de modo que interpretações dissonantes são imediatamente rechaçadas. Em segundo lugar, a compreensão exige de nós uma abertura fundamental, deixando que a posição do outro possa se valer contra a nossa; ou seja, para compreender devemos estar dispostos a rever e assumir os erros de nossas pré-concepções. E, em terceiro lugar, por conta de seu aspecto moral, a compreensão e o seu sucesso dependem do modo como lidamos com o outro, se deixamos que o “tu” fale por si mesmo, ou não. Dessa forma, segundo Gadamer, a compreensão, por mais que se refira a um fenômeno que já está em jogo, parece demandar certos parâmetros para que possa de fato ocorrer. E isto não seria apenas uma questão de grau, a fim de evitar uma má compreensão. Não tomar a “coisa em questão” como critério, fechando-nos em nossos próprios horizontes de sentido e não deixando que o outro fale por si mesmo significa, de acordo com a própria descrição gadameriana, que não realizamos um verdadeiro diálogo, visando um entendimento mútuo ou uma fusão de horizontes. Ou seja, não satisfazer estes requisitos implica a não compreensão, e não simplesmente uma má compreensão; e, neste sentido, funcionariam como regras de procedimento com vista à mesma.

Dessa forma, apesar de pretender distinguir a hermenêutica e as ciências humanas a partir de uma crítica à ideia de método, que seria circunscrita às ciências naturais, Gadamer acaba por defender uma visão da compreensão que é em si mesma carregada de elementos normativos. Aquela distinção, portanto, parece não somente não se sustentar quanto carecer de sentido. Se, de fato, a hermenêutica é universal, caberia a ela acomodar não só as humanidades, como também as ciências naturais, assim como caberia a essas últimas refletir sobre seu aspecto hermenêutico.

Com isso, fica patente a necessidade e a relevância de um maior e proveitoso diálogo entre as ciências naturais e a hermenêutica, e, em especial, da importância de a própria hermenêutica repensar a si mesma e a atividade científica em geral. Semelhante tarefa, como podemos concluir da análise exposta acima, passaria pelo reconhecimento dos aspectos normativos da própria hermenêutica gadameriana, bem como pela consideração de possíveis reverberações decorrentes daquela análise. De fato, por um lado, a hermenêutica filosófica, para além do pensamento e dos escritos de Gadamer, precisa ampliar a sua compreensão acerca das ciências, de modo a prover uma verdadeira universalidade. Neste sentido, é necessário refletir sobre a própria autocompreensão da hermenêutica, a fim de elaborar uma tal que não seja avessa à ideia de método ou normatividade, assim como seja capaz de lidar positivamente com o saber e a atividade científica em geral.

Por outro lado, mais do que um problema interno e exegético da hermenêutica, jaz aqui a questão acerca da possibilidade e do modo de se fazer ciência para a própria ciência, e de suas consequências práticas, sociais e políticas. Como vimos, a universalidade da compreensão implicaria a necessidade das ciências naturais - a despeito de se valer de um método com vista à neutralidade e objetividade - levar em consideração a historicidade de seus agentes, com o risco de ser uma atividade fadada ao fracasso. Afinal, se a compreensão hermenêutica for universal, também o cientista natural estaria submetido aos efeitos da história tanto quanto o das humanidades e, por isso, deveria também estar vigilante aos preconceitos não percebidos tanto quanto os demais. Ou seja, todo cientista precisaria estar em alerta aos preconceitos não percebidos, estar consciente dos efeitos da história em sua visão de mundo e ter, ou, ao menos, buscar clareza de sua situação hermenêutica. Como foi dito acima, não o fazer significaria se submeter ao risco de distorções e de não compreender aquilo que está em verdadeiramente questão.

Por fim, decorre também do exposto acima que o método científico precisaria ser reanalisado à luz daqueles três requisitos que a hermenêutica filosófica aponta como essenciais para a compreensão. Isto significa que a atividade científica precisaria lidar, ou melhor, ser realizada satisfazendo aqueles três requisitos, que à primeira vista, seriam estranhos a ela. E, para tanto, por exemplo, seria necessário repensar o lugar da ética da pesquisa científica, agora não mais como um tema extra científico, mas sim como parte indissociável da própria investigação, tomando a “natureza” como um verdadeiro “tu”. Essas e outras reverberações da questão do método presente na hermenêutica filosófica, porém, precisarão ainda ser examinadas, mas apenas se nos mantivermos abertos e dispostos a reconhecer de fato o que o outro tem a nos dizer.

Referências

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  • GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes.
  • GRONDIN, J. 2007. Introduction à Hans-Georg Gadamer Paris: Du Cerf.
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  • TEICHERT, D. 1991. Erfahrung, Erinnerung, Erkenntnis: Untersuchungen zum Wahrheitsbegriff der Hermeneutik Gadamers. Stuttgart: Metzler.
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  • WEINSHEIMER, J. C. 2000. “Charity militant: Gadamer, Davidson, and Post-critical Hermeneutics”, Revue Internationale de Philosophie, 54(213): p. 405-422.
  • 1
    Uma análise mais completa do tema exigiria uma discussão acerca da compreensão gadameriana acerca do método bem como de sua tentativa de distinção entre as ciências humanas e naturais. Porém, por uma questão de espaço, estas ficarão fora do escopo deste artigo. Os livros de Weinsheimer (1985WEINSHEIMER, J. C. 1985. Gadamer’s Hermeneutics: A Reading of Truth and Method. New York: Yale University Press., introdução), Grondin (2007GRONDIN, J. 2007. Introduction à Hans-Georg Gadamer. Paris: Du Cerf., p. 28 et seq.) e Bilen (2000BILEN, O. 2000. The Historicity of Understanding and The Problem of Relativism in Gadamer’s Philosophical Hermeneutics. Washington, D.C.: The Council for Research in Values and Philosophy. (Cultural heritage and contemporary change. Series I, Culture and Values, vol.27). , p. 53 et seq.) servem para um estudo sobre a questão do método. Ver também a discussão sobre a crítica aos preconceitos que Gadamer desenvolve na segunda parte de Verdade e Método (Cf. Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 354-368; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 270-281), como ilustração da tentativa de distinção das ciências humanas e das ciências naturais a partir da neutralidade, objetividade e generalidade que as últimas parecem requerer.
  • 2
    Cf. Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 385-388; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 296-298.
  • 3
    Como ficou claro, Gadamer retira essa expressão “as coisas mesmas” de Heidegger, que, por sua vez, a retira de Husserl. Contudo, parece ser distinto para cada um deles a que ela de fato se refere. Podemos dizer que, para Gadamer, ela indica o “tema” da compreensão, isto é, aquilo mesmo que se apresenta no processo de compreensão e que não se encontra de antemão nem no horizonte de sentido do intérprete nem no texto.
  • 4
    A visão de hermenêutica de Schleiermacher é tomada por Gadamer neste sentido como exemplar. Cf. Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 388; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 298.
  • 5
    “Esse ato de deslocar-se não se dá por empatia de uma individualidade com a outra, nem pela submissão do outro aos nossos próprios padrões” (Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 403; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 310. Grifo nosso).
  • 6
    “O que vem à tona, na sua verdade, é o logos, que não é nem meu nem teu, e que por isso sobrepuja tão amplamente a opinião subjetiva dos companheiros de diálogo que aquele que o conduz permanece sempre como aquele que não sabe. A dialética, como arte de conduzir uma conversação, é ao mesmo tempo a arte de juntar os olhares para a unidade de uma perspectiva (synhoran eis hen eidos), isto é, a arte de formação de conceitos como elaboração da intenção comum” (Gadamer, 2008GADAMER, H.-G. 2008. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. 10. ed. 2v. Petrópolis: Vozes., p. 480; Gadamer, 1999GADAMER, H.-G. 1999 Gesammelte Werke. Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik. 6. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck. (UTB für Wissennschaft: Uni-Taschenbücher)., p. 373-374).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2022
  • Aceito
    03 Abr 2023
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