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Indicadores de acesso nos serviços de reabilitação física das desordens musculoesqueléticas em Belo Horizonte (MG)

Indicadores de acceso en servicios de rehabilitación física para trastornos musculoesqueléticas en Belo Horizonte (MG)

RESUMO

A crescente demanda por atendimento nos serviços de reabilitação física do Sistema Único de Saúde (SUS) excede a oferta, o que resulta em longas filas de espera. Neste estudo, realizou-se uma pesquisa quantitativa de cunho exploratório que teve por objetivo a apresentação de indicadores para facilitar o acesso aos serviços de reabilitação física no que tange às desordens musculoesqueléticas. Os dados foram colhidos dos prontuários de usuários residentes nas regiões noroeste e oeste de Belo Horizonte (MG), com mais de 18 anos de idade, submetidos a acolhimento no Centro Especializado em Reabilitação IV no ano de 2019. Obtiveram-se os seguintes indicadores: absenteísmo no momento da avaliação; tempo médio para início do tratamento de acordo com a prioridade; tempo médio de tratamento; e média de usuários atendidos ao mês. A análise deste estudo foi pautada em 362 prontuários. O tempo médio para início de tratamento foi de aproximadamente 69 dias e o período médio de tratamento, de 94 dias. O serviço absorveu cerca de 30 novos usuários ao mês e apresentou índice de absenteísmo de 16,8%. Acredita-se que os indicadores apresentados possivelmente favorecerão a gestão e o controle das filas de espera dos serviços de reabilitação do SUS.

Descritores:
Centros de Reabilitação; Reabilitação Física; Indicadores de Saúde; Fisioterapia; Doenças Musculoesqueléticas

RESUMEN

La creciente demanda de atención en los servicios de rehabilitación física del Sistema Único de Salud (SUS) supera la oferta, lo que se traduce en largas colas de espera. Este estudio es una investigación cuantitativa exploratoria, que tuvo como objetivo presentar indicadores para facilitar el acceso a los servicios de rehabilitación física con respecto a los trastornos musculoesqueléticos. Se recolectaron datos de las historias clínicas de los usuarios residentes en las regiones noroeste y oeste de Belo Horizonte (en Mina Gerais, Brasil), mayores de 18 años de edad y que ingresaron al Centro Especializado en Rehabilitación IV en 2019. Se obtuvieron los siguientes indicadores: Absentismo al momento de la evaluación; tiempo medio para iniciar el tratamiento según la prioridad; tiempo medio de tratamiento y número medio de usuarios atendidos por mes. El análisis de este estudio se basó en 362 historias clínicas. El tiempo medio para iniciar el tratamiento fue de aproximadamente 69 días y el período medio de tratamiento, 94 días. El servicio recibió cas 30 nuevos usuarios al mes y presentó una tasa de absentismo del 16,8%. Los indicadores presentados pueden favorecer la gestión y control de las listas de espera de los servicios de rehabilitación del SUS.

Palabras clave:
Centros de Rehabilitación; Rehabilitación Física; Indicadores de Salud; Fisioterapia; Enfermedades Musculoesqueléticas

ABSTRACT

The growing demand for care in the physical rehabilitation services of the Unified Health System (SUS) exceeds the supply, resulting in long waiting lines. This study is an exploratory quantitative research, which aims to present indicators to ease the access to physical rehabilitation services related to musculoskeletal disorders. Data were collected from the medical records of users residing in the northwest and west regions of Belo Horizonte (MG), who were over 18 years old and underwent treatment at the Specialized Rehabilitation Center IV (CER-IV) in 2019. The following indicators were obtained: absenteeism at the time of assessment; average time to start treatment according to priority; mean treatment time; and average number of users served per month. The analysis was based on 362 medical records. The mean time to start treatment was approximately 69 days and the mean treatment period was 94 days. The service absorbed around 30 new users per month and presented an absenteeism rate of 16.8%. It is believed that the indicators presented will possibly favor the management and control of the SUS rehabilitation services waiting lines.

Keywords:
Rehabilitation Centers; Physical Rehabilitation; Health Indicators; Physiotherapy; Musculoskeletal Diseases

INTRODUÇÃO

O Sistema Único de Saúde (SUS) tem como princípios a integralidade, a universalidade e a equidade11. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990: dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União. 1990 Sep 20 [cited 2021 Jul 2];1:18055. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
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. Objetivando garantir a aplicabilidade desses princípios, os serviços de saúde são divididos em níveis de atenção e sua gestão é baseada na regionalização e em Redes de Atenção à Saúde (RAS)22. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010: estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 2010 Dec 31 [cited 2021 Jul 2];1:88. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html
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Acredita-se que 22,6% dos custos em saúde são destinados às disfunções musculoesqueléticas, o que evidencia uma grande demanda pelos serviços de reabilitação. Essa demanda normalmente excede a oferta de serviços, resultando em longas filas de espera por atendimento33. Meneses AS, Silva JSM, Silva LE. Perspectiva financeira sobre regulação de filas de espera para fisioterapia na Atenção Primária à Saúde. SciELO Preprints. 2020. doi: 10.1590/SciELOPreprints.590.
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.

A fim de garantir a assistência, o município de Belo Horizonte (MG) possui quatro Centros de Reabilitação (Creabs), sendo dois destes credenciados como Centros Especializados em Reabilitação (CERs). Esses quatro serviços atendem de forma regionalizada os nove distritos sanitários da capital44. Centro de Reabilitação (Creab) [Internet]. Belo Horizonte: Secretaria Municipal de Saúde; 2021 [cited 2021 Jul 2]. Available from: https://prefeitura.pbh.gov.br/saude/informacoes/atencao-a-saude/atencao-secundaria/creab
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O encaminhamento para reabilitação física, motivado por desordens ortopédicas, passa necessariamente por um processo de triagem/acolhimento para priorização dos casos e inclusão dos pacientes no Sistema Nacional de Regulação (Sisreg). Essa triagem é realizada por profissionais de várias áreas da saúde, que realizam uma escuta qualificada e classificam os pacientes em graus de prioridade de acordo com o nível de complexidade determinado: sob regulação e prioridade alta, média ou baixa. Preferencialmente, casos de maior complexidade são encaminhados aos CERs ou Creabs, casos de média complexidade são encaminhados aos prestadores (clínicas conveniadas ou universidades) e casos de baixa complexidade devem ser encaminhados aos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasfs).

Os serviços de reabilitação utilizam hoje, como indicador de acesso, a quantidade de usuários na fila em relação à quantidade de vagas ofertadas. Apesar de ser um dado importante - pois apresenta uma estimativa do tempo necessário para o serviço absorver toda a demanda -, ele desconsidera o tempo de espera para cada nível de complexidade. Além disso, o Sisreg altera automaticamente o grau de prioridade em razão do tempo de espera do usuário, desconsiderando, em parte, a priorização atribuída no momento do acolhimento.

Lemos et al.55. Lemos D, Coimbra J, Almeida R, Araújo R, Moreira TS. Ações de regulação na área da reabilitação do SUS de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Secretaria Municipal de Saúde; 2012. evidenciaram os principais erros que ocorrem durante esse processo de acolhimento, como encaminhamentos desnecessários, divergências na definição da prioridade entre os profissionais que fazem a triagem e a falta de compreensão da complexidade de cada serviço (Creabs, prestadores e Nasf). Identificar os fatores que perpetuam as filas de espera na reabilitação pode contribuir para um melhor planejamento e controle dos gastos públicos, além de garantir ao paciente atendimento em tempo oportuno33. Meneses AS, Silva JSM, Silva LE. Perspectiva financeira sobre regulação de filas de espera para fisioterapia na Atenção Primária à Saúde. SciELO Preprints. 2020. doi: 10.1590/SciELOPreprints.590.
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Considerando que o planejamento da saúde é obrigatório para os entes públicos66. Brasil. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011: regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 2011 Jun 29 [cited 2020 Jul 2];1:1. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7508.htm
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e que o estabelecimento de responsabilidades institui a necessidade permanente de informações que favoreçam a reflexão dos gestores e auxiliem a tomada de decisões77. Berretta IQ, Lacerda JT, Calvo MCM. Modelo de avaliação da gestão municipal para o planejamento em saúde. Cad Saude Publica. 2011;27(11):2143-54. doi: 10.1590/S0102-311X2011001100008.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201100...
, torna-se necessário maior conhecimento das unidades de reabilitação física quanto ao seu desempenho e à importância da padronização de suas ações88. Costa CA, Grandi S, Alves WRE. Proposta de indicadores para uma clínica prestadora de serviço de reabilitação física. Rev Gest Sist Saude. 2019;8(2):203-19..

Este estudo busca apontar possíveis indicadores que auxiliem o gestor no planejamento das ações a fim de facilitar o acesso em tempo oportuno aos serviços de reabilitação das desordens musculoesqueléticas. Os objetivos específicos do estudo foram: apresentar o tempo médio de espera para início do tratamento, considerando a prioridade atribuída no momento do acolhimento, e o tempo preconizado para início conforme protocolo interno; analisar a quantidade média de novos usuários atendidos ao mês e tempo médio da reabilitação; evidenciar o nível de absenteísmo e sua relação com o tempo de espera em cada grau de priorização atribuído; identificar, por meio de busca bibliográfica, as possíveis consequências para o paciente e para o sistema de saúde pública, caso o atendimento não ocorra em tempo oportuno; e definir quais fatores podem estar contribuindo para a manutenção das filas de espera.

Trata-se de um estudo de grande relevância para a gestão na saúde pública devido à escassez de dados disponíveis até o momento. As ferramentas disponíveis (Sisreg e Extrator de Indicadores) são incompletas, não exibindo relatórios consolidados, além de serem de difícil manuseio.

METODOLOGIA

Desenho do estudo e considerações éticas

Este estudo constitui-se de uma pesquisa quantitativa de cunho exploratório. O desenho do estudo seguiu as normas dos padrões éticos estabelecidos na Declaração de Helsinque de 1961 (revista em Hong Kong em 1989, e em Edimburgo, Escócia, em 2000) e nas Diretrizes e Normas Reguladoras para Pesquisas Envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde brasileiro, Resolução nº 196/1996, atualizada pelas resoluções nº 466/2012 e nº 580/2018.

Este projeto de pesquisa não acarretou gastos para a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (MG).

População estudada

A população foi composta por usuários do SUS, com 18 anos ou mais, acolhidos no Centro de Reabilitação IV (CER-IV), no ano de 2019, residentes nas regiões oeste e noroeste de Belo Horizonte (MG).

Amostra

Foram obtidos 686 prontuários de pacientes encaminhados devido a desordens ortopédicas para tratamento no CER-IV, dentre os quais 128 foram excluídos após aplicação dos critérios de exclusão, e 196 por não possuírem registros de avaliação ou alta. Portanto, a análise deste estudo foi pautada em 362 prontuários.

Critérios de inclusão

  • Usuário do SUS com 18 anos ou mais, com demanda para reabilitação de disfunções ortopédicas;

  • Residente na região noroeste ou oeste de Belo Horizonte (MG);

  • Submetido a acolhimento no CER-IV no ano de 2019;

  • Encaminhado para tratamento no CER-IV em Fisioterapia ou Terapia Ocupacional; e

  • Que recebeu alta do tratamento até fevereiro de 2020, a fim de evitar o possível viés provocado pela pandemia de COVID-19.

Critérios de exclusão

  • Usuários encaminhados para tratamento em clínicas conveniadas, faculdades/universidades ou Nasf; e

  • Usuário que não iniciou a reabilitação.

Coleta de dados

A coleta dos dados ocorreu no CER-IV durante os meses de agosto e setembro de 2021, após o expediente de trabalho e aos sábados, em locais previamente acordados com a gerência, visando não comprometer a rotina de atendimentos no serviço, conforme Resolução nº 580/2018, capítulo II, artigos 5º e 6º. Foram utilizados dados nominais do prontuário físico referentes:

  • À data do acolhimento;

  • Ao grau de prioridade atribuído durante o acolhimento; e

  • Ao início e término do tratamento.

Análise dos dados

Os dados foram organizados em planilha de Excel, a fim de se obterem as seguintes informações de indicadores:

  • Absenteísmo no momento da avaliação;

  • Tempo médio para início do tratamento de acordo com a prioridade;

  • Tempo médio do tratamento; e

  • Média de usuários atendidos ao mês.

RESULTADOS

Foram avaliados 362 pacientes, com idade média de 53 anos de idade, variando entre 18 e 94 anos. Entre estes pacientes, 23 (6,35%) receberam alta no momento da avaliação por não apresentarem demanda e 3 (0,83%) foram encaminhados para acompanhamento na Atenção Básica por apresentarem ferimentos ou outros fatores que inviabilizavam o início imediato da reabilitação sistemática.

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos 362 casos conforme o grau de prioridade atribuído durante o acolhimento, evidenciando o absenteísmo total, o tempo de espera para início do tratamento e o tempo médio pelo qual os usuários permaneceram em tratamento de acordo com a priorização no momento do acolhimento. Mostra também o absenteísmo em relação ao tempo de espera para início do tratamento.

Tabela 1
Absenteísmo, tempo médio de espera para início do tratamento e tempo médio de tratamento

Considerando um índice de absenteísmo de 16,8% para avaliação, o CER-IV absorveu, em média, 30 novos usuários ao mês para tratamento.

DISCUSSÃO

Este estudo mostrou que, durante o acolhimento, 77% da demanda foi classificada como alta prioridade; o tempo médio de espera para início do tratamento foi de 69 dias; os pacientes ficaram, em média, 94 dias em tratamento; e a taxa de absenteísmo foi de 16,8%.

Diversos fatores podem contribuir para o excesso de demanda por serviços em saúde como:

a) falta de atualização cadastral do usuário; b) problemas de comunicação com eles; c) falta de seleção para os atendimentos; d) falta de acompanhamento do agendamento pelo usuário; e) necessidade de flexibilização de horários para o atendimento; f) forma de contrato com as clínicas terceirizadas; g) problemas de comunicação e integração entre os serviços terceirizados e os da Rede Municipal e; h) abandono do atendimento pelo usuário99. Pereira NAS, Silva MAC. Demandas na rede municipal de saúde de Campo Grande- MS e controle das filas: discutindo a atuação dos fisioterapeutas das equipes NASF. Anais do III Encontro Internacional de Gestão, Desenvolvimento e Inovação (III EIGEDIN); 2019 Sep 10-13; Naviraí, Brazil. Naviraí: UFMS; 2019..

Ainda de acordo com Pereira e Silva99. Pereira NAS, Silva MAC. Demandas na rede municipal de saúde de Campo Grande- MS e controle das filas: discutindo a atuação dos fisioterapeutas das equipes NASF. Anais do III Encontro Internacional de Gestão, Desenvolvimento e Inovação (III EIGEDIN); 2019 Sep 10-13; Naviraí, Brazil. Naviraí: UFMS; 2019., todos esses fatores contribuem para a perpetuação das filas de espera, gerando cronificação dos quadros e sequelas. Isso pode afetar as atividades da vida diária e a participação e predispor o paciente ao aparecimento de outras doenças, por exemplo, a depressão1010. Pedrosa GD. Proposta para priorização dos atendimentos ortopédicos por meio de utilização do WHODAS 2.0. Formiga: Centro Universitário de Formiga; 2016..

Segundo Meneses et al.33. Meneses AS, Silva JSM, Silva LE. Perspectiva financeira sobre regulação de filas de espera para fisioterapia na Atenção Primária à Saúde. SciELO Preprints. 2020. doi: 10.1590/SciELOPreprints.590.
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, desordens musculoesqueléticas são frequentes nos serviços de saúde, além de muito dispendiosas. Portanto, uma boa gestão da fila de espera garantiria a aplicação do princípio da equidade, além de maior controle dos gastos públicos.

Lemos et al.55. Lemos D, Coimbra J, Almeida R, Araújo R, Moreira TS. Ações de regulação na área da reabilitação do SUS de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Secretaria Municipal de Saúde; 2012. propuseram que a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)1111. OMS. Organização Mundial da Saúde, organizer. CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. São Paulo: Edusp; 2015. fosse adotada como referencial teórico para priorização dos quadros durante o acolhimento nos Creabs e que o Protocolo de Levantamento de Problemas para Reabilitação (PLPR) fosse utilizado como estratégia para uniformizar a triagem destes novos casos. No entanto, atualmente o acolhimento é realizado por profissionais de várias áreas da saúde, incluindo alguns com menor familiaridade com a CIF. Além disso, o PLPR caiu em desuso, pois os profissionais o consideravam muito longo e de difícil aplicação. Os autores ainda apontaram que casos graves, crianças e adolescentes devem ser prioritariamente atendidos nos CER, e que casos classificados como de prioridade alta ou sob regulação devem ser atendidos o mais rapidamente possível, enquanto casos classificados como de prioridade média devem ser atendidos em até três meses55. Lemos D, Coimbra J, Almeida R, Araújo R, Moreira TS. Ações de regulação na área da reabilitação do SUS de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Secretaria Municipal de Saúde; 2012.. Este estudo encontrou um tempo de espera para início do tratamento superior a dois meses para casos de prioridade alta e superior a três meses para casos de prioridade média, o que pode resultar em cronificação e sequelas.

Para Siqueira1212. Siqueira UBG. Análise do impacto da fila de espera na probabilidade de absenteísmo em exames e consultas. Vitória de Santo Antão: Universidade Federal de Pernambuco; 2018., a relação entre os prestadores e o sistema deve ser mediada pelo regulador em saúde. Portanto, torna-se clara a importância da capacitação de recursos humanos (RH) para que esta função seja bem desempenhada. Ainda segundo ele, a redução do período de espera diminui drasticamente o absenteísmo às consultas e aos exames especializados, o que previne o agravamento das doenças e reduz, consequentemente, os custos dos sistemas de saúde. Este trabalho sugere uma relação direta entre tempo de espera para início do tratamento e índice de absenteísmo, principalmente quando analisados os casos classificados como “sob regulação” e “prioridade alta”, pois os usuários que aguardaram um período maior (respectivamente 64% e 62%), foram os que mais faltaram à avaliação.

Scardoelli1313. Scardoelli RAR. Capacidades assistenciais em fisioterapia ambulatorial do SUS na 12ª Região de Saúde do Rio Grande do Sul. Cruz Alta: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2019. aponta pouca eficiência dos serviços, evidenciando também a necessidade de uma melhor gestão de RH. Durante a coleta dos dados, foi verificado o arquivamento dos prontuários físicos em locais incorretos, bem como a falta de registros nos prontuários físicos ou eletrônicos, ou a falta de detalhamento de alguns dados importantes, por exemplo, a alta do paciente. Acreditamos que esses fatores possam estar relacionados à falta de treinamento ou de tempo dos profissionais, ou mesmo a falhas no Sisreg, como duplicidade de prontuários eletrônicos ou físicos. Estes dados reforçam a importância de capacitação de RH para que as funções sejam bem desempenhadas. Uma pesquisa futura também poderia ser útil nesta área.

Este estudo corrobora os trabalhos de Lemos et al.55. Lemos D, Coimbra J, Almeida R, Araújo R, Moreira TS. Ações de regulação na área da reabilitação do SUS de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Secretaria Municipal de Saúde; 2012. e de Pereira e Silva99. Pereira NAS, Silva MAC. Demandas na rede municipal de saúde de Campo Grande- MS e controle das filas: discutindo a atuação dos fisioterapeutas das equipes NASF. Anais do III Encontro Internacional de Gestão, Desenvolvimento e Inovação (III EIGEDIN); 2019 Sep 10-13; Naviraí, Brazil. Naviraí: UFMS; 2019., evidenciando uma possível falha no processo de seleção durante acolhimento como um potencial problema, uma vez que quase 16% dos casos encaminhados para o CER-IV foram classificados como de média ou baixa complexidade, quando o serviço deveria prioritariamente atender a casos mais complexos. Meneses, Silva e Silva33. Meneses AS, Silva JSM, Silva LE. Perspectiva financeira sobre regulação de filas de espera para fisioterapia na Atenção Primária à Saúde. SciELO Preprints. 2020. doi: 10.1590/SciELOPreprints.590.
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mostraram que o encaminhamento para o Nasf dos pacientes com quadros de baixa complexidade foi uma alternativa eficaz na redução da fila, do tempo médio de espera por atendimento e no controle dos gastos públicos, podendo ser também uma estratégia aplicável para o controle das filas no CER-IV. Adicionalmente, Ferrer et al.1414. Ferrer MLP, Silva AS, Silva JRK, Padula RS. Microrregulação do acesso à rede de atenção em fisioterapia: estratégias para a melhoria do fluxo de atendimento em um serviço de atenção secundária. Fisioter Pesqui. 2015;22(3):223-30. concluíram que a baixa resolutividade do Nasf para os casos de média complexidade aumenta a demanda no serviço de reabilitação secundário.

Observou-se que o CER-IV absorve em média 30 novos usuários ao mês para reabilitação física. As portarias nº 793/2012 e nº 835/2012 estabeleceram um instrutivo que preconiza que, na modalidade reabilitação física, seja atendido um número mínimo de 200 usuários ao mês no CER1515. Brasil. Ministério da Saúde. Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do SUS - Instrutivos de reabilitação auditiva, física, intelectual e visual (Centro Especializado em Reabilitação - CER e Oficinas Ortopédicas). Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014 [cited 2021 Jun 30]. Available from: https://www.saude.mg.gov.br/images/noticias_e_eventos/000_2016/2-abr-mai-jun/pessoacomdeficiencia-cer/16-06-Instrutivo-Reabilitacao-Rede-PCD-SAIPS-01-06-14.pdf
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. Esse número inclui pacientes adultos e crianças atendidos pela equipe de neurologia e ortopedia. Considerando que o tempo médio de tratamento observado neste estudo foi de 94 dias, ao término do terceiro mês ao menos 45% dos usuários atendidos na modalidade reabilitação física seria proveniente da ortopedia adulto. Este número, acrescido dos usuários atendidos nas demais modalidades, possivelmente atende ao número preconizado pelas portarias.

O tempo médio de tratamento foi similar para os diferentes graus de prioridade atribuídos no momento do acolhimento, portanto, não foi possível afirmar que o tempo de espera para o início da reabilitação influenciou o período de tratamento. Para uma análise mais aprofundada, seria necessário avaliar as diferentes hipóteses diagnósticas, grau de adesão do paciente, funcionalidade, entre outras, o que não foi objetivo deste estudo. Um fator que provavelmente influenciou o tempo de reabilitação foi a alta por descontinuidade do tratamento/abandono, observada em grande parte dos casos. Isso também foi mencionado por Pereira e Silva99. Pereira NAS, Silva MAC. Demandas na rede municipal de saúde de Campo Grande- MS e controle das filas: discutindo a atuação dos fisioterapeutas das equipes NASF. Anais do III Encontro Internacional de Gestão, Desenvolvimento e Inovação (III EIGEDIN); 2019 Sep 10-13; Naviraí, Brazil. Naviraí: UFMS; 2019. como fator de perpetuação de filas e, apesar de ser um fato observado durante a coleta dos dados, não foi objeto deste estudo. Portanto, sugerimos uma pesquisa futura para avaliar o índice de descontinuidade do tratamento nos centros de reabilitação e os fatores que contribuem para isso.

Algumas limitações do estudo devem ser citadas, como a coleta dos dados em um único centro de reabilitação e a inclusão apenas de pacientes ortopédicos, o que dificulta a generalização dos resultados e a inferência para todo o sistema quando se quer avaliar uma estrutura geral para os indicadores de reabilitação. Assim, sugerem-se novos estudos que avaliem um maior número de pacientes e centros de reabilitação.

CONCLUSÃO

O encaminhamento de casos classificados como de prioridade média ou baixa para o CER-IV pode dificultar o acesso ao atendimento em tempo oportuno de casos mais graves. A capacitação do RH, além da elaboração de um estudo que avalie melhor os critérios para inclusão do usuário para tratamento nos centros de reabilitação durante o processo de acolhimento seriam úteis, pois é possível que os acolhedores ainda se baseiem em critérios subjetivos e não na CIF.

O índice de absenteísmo na avaliação foi maior para pacientes que aguardaram mais tempo por atendimento. Em contrapartida, não foi possível afirmar que o tempo de espera para início da reabilitação tenha influenciado o período de tratamento. Um fator que possivelmente interfere na interpretação deste dado é a grande quantidade de altas por infrequência observada, portanto, um estudo complementar sobre o tema também é necessário.

Este estudo apresentou alguns indicadores visando auxiliar o planejamento das ações em saúde na reabilitação. É provável que a informatização desses indicadores, associada à capacitação do RH, possa auxiliar a gestão e o controle das filas de espera.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte pela coparticipação neste trabalho.

REFERÊNCIAS

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    » https://www.saude.mg.gov.br/images/noticias_e_eventos/000_2016/2-abr-mai-jun/pessoacomdeficiencia-cer/16-06-Instrutivo-Reabilitacao-Rede-PCD-SAIPS-01-06-14.pdf
  • 1
    Fonte de financiamento: nada a declarar
  • 3
    Aprovado pelo Comitê de Ética: Parecer nº 4.916.897 (CAAE 46417721.2.0000.5115).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2021
  • Aceito
    09 Nov 2022
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