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Ativação muscular durante a anteversão e retroversão pélvica

Resumo

Introdução:

A incapacidade de manter uma boa estabilidade pélvica tem sido atribuída à coordenação muscular ineficiente e ao descondicionamento dos músculos estabilizadores. Apesar disso, pouco se sabe sobre a função dos músculos pélvicos nos movimentos de anteversão e retroversão.

Objetivo:

Comparar a atividade neuromuscular do tensor da fáscia lata, glúteo médio, porções inferior e superior do glúteo máximo e multífidos durante a anteversão e retroversão pélvica.

Métodos:

A atividade neuromuscular de 17 adultos jovens saudáveis (25,3 ± 4,6 anos) foi avaliada durante cinco repetições dos movimentos de anteversão e retroversão pélvica. Utilizou-se o sistema Vicon-Nexus (10 câmeras) para a análise cinemática da pelve no plano sagital (anteversão e retroversão), e o eletromiógrafo TeleMyo DTS Desk Receiver e o software MyoMuscle v. 3.8 para mensurar a atividade neuromuscular. Testes t pareados foram conduzidos para comparar a atividade muscular entre os movimentos de anteversão e retroversão pélvica, utilizando-se o software Statistica v.8 com nível de significância de p < 0,05.

Resultados:

Quando comparados os movimentos, maior atividade muscular foi observada para o glúteo máximo inferior durante a retroversão e maior atividade para os multífidos durante a anteversão pélvica. A porção superior do glúteo máximo apresentou ativação relevante em ambos os movimentos.

Conclusão:

Houve atividade mais pronunciada da porção inferior do glúteo máximo na retroversão enquanto o glúteo máximo superior apresentou nível relevante de ativação em ambos os movimentos; os multífidos se mostraram mais ativos na retroversão.

Palavras-chave:
Eletromiografia; Atividade motora; Pelve

Abstract

Introduction:

The inability to maintain good pelvic stability has been attributed to inefficient muscle coordination and deconditioning of the stabilizing muscles. Despite this, little is known about the role of the pelvic muscles in anteversion and retroversion movements.

Objective:

To compare the neuromuscular activity of the tensor fascia lata, gluteus medius, upper and lower portions of the gluteus maximus, and multifidus in pelvic anteversion and retroversion.

Methods:

The neuromuscular activity of 17 healthy young adults (aged 25.3 ± 4.6 years) was assessed during five repetitions of the pelvic anteversion and retroversion movements. The Vicon-Nexus system (10 cameras) was used for the kinematic analysis of the pelvis in the sagittal plane (anteversion and retroversion), and the TeleMyo DTS Desk Receiver electromyograph and the Myomuscle v. 3.8 software to measure neuromuscular activity. The paired samples t-test was used to compare muscle activity between pelvic anteversion and retroversion movements using the Statistica v.8 software with a significance level of p < 0.05. Results: The comparison of the movements showed greater muscle activity in the inferior gluteus maximus in retroversion and greater activity in the multifidus in pelvic anteversion. The upper portion of the gluteus maximus showed relevant activation in both movements.

Conclusion:

There was more pronounced activity of the lower portion of the gluteus maximus in retroversion, while the upper gluteus maximus showed relevant activation level in both movements. The multifidi were more active in retroversion.

Keywords:
Electromyography; Motor activity; Pelvis

Introdução

A transmissão das forças de reação do solo ao longo dos membros inferiores e coluna durante tarefas dinâmicas depende de um bom controle pélvico, ou seja, de uma adequada capacidade de estabilização. Mesmo que a musculatura do tronco desempenhe papel importante nessa estabilidade, o controle inadequado da pelve pode comprometer a transmissão de forças pela cadeia cinética dos membros inferiores, podendo causar sobrecarga estrutural e disfunção.11 Graci V, Van Dillen L, Salsich GB. Gender differences in trunk, pelvis and lower limb kinematics during single leg squat. Gait Posture. 2012;36(3):461-6. DOI
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,22 Powers CM. The influence of abnormal hip mechanics on knee injury: a biomechanical perspective. J Orthop Sports Phys Ther. 2010;40(2):42-51. DOI
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A estabilidade pélvica é alcançada quando os sistemas passivo (ossos, articulações e ligamentos), ativo (músculos e fáscia) e de controle (sistema neural) trabalham juntos.33 Hungerford B, Gilleard W, Lee D. Altered patterns of pelvic bone motion determined in subjects with posterior pelvic pain using skin markers. Clin Biomech (Bristol, Avon). 2004;19(5):456-64. DOI
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Parece haver um equilíbrio adequado entre a estabilidade e a mobilidade da cintura pélvica em indivíduos saudáveis,44 Neumann DA. Kinesiology of the hip: a focus on muscular actions. J Orthop Sports Phys Ther. 2010;40(2):82-94. DOI
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onde a falha na estabilização lombo-pélvica parece ser um dos principais mecanismos associados a processos de disfunção.55 Hodges PW, Ricardson CA. Inefficient muscular stabilization of the lumbar spine associated with low back pain. A motor control evaluation of transversus abdominis. Spine (Phila Pa 1976). 1996;21(22):2640-50. DOI
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A incapacidade de controlar a anteversão pélvica pode resultar em lordose lombar excessiva e deslocamento posterior do tronco,22 Powers CM. The influence of abnormal hip mechanics on knee injury: a biomechanical perspective. J Orthop Sports Phys Ther. 2010;40(2):42-51. DOI
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o que pode contribuir para a dor lombar.44 Neumann DA. Kinesiology of the hip: a focus on muscular actions. J Orthop Sports Phys Ther. 2010;40(2):82-94. DOI
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Por outro lado, a diminuição da anteversão pélvica também foi observada em pacientes com dor lombar e dor sacroilíaca.66 Kuszewiski MT, Gnat R, Gogola A. The impact of core muscles training on the range of anterior pelvic tilt in subjects with increased stiffness of the hamstring. Hum Mov Sci. 2018;57:32-9. DOI
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Tal fenômeno tem sido relacionado à alteração do padrão de ativação muscular e ao descondicionamento dos músculos estabilizadores.66 Kuszewiski MT, Gnat R, Gogola A. The impact of core muscles training on the range of anterior pelvic tilt in subjects with increased stiffness of the hamstring. Hum Mov Sci. 2018;57:32-9. DOI
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O estudo de Hungerford et al.,33 Hungerford B, Gilleard W, Lee D. Altered patterns of pelvic bone motion determined in subjects with posterior pelvic pain using skin markers. Clin Biomech (Bristol, Avon). 2004;19(5):456-64. DOI
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que comparou a estabilidade da pelve durante a flexão de quadril entre indivíduos com dor posterior na pelve e grupo controle, concluiu que a anteversão pélvica excessiva é indicativa de falha do mecanismo de estabilização e transferência de carga através da pelve. Esses indivíduos apresentaram uma diminuição na capacidade de oporem-se a cargas verticais durante a sustentação do peso. De forma complementar, a retroversão do ilíaco parece ser um componente normal para a estabilização ideal da pelve.33 Hungerford B, Gilleard W, Lee D. Altered patterns of pelvic bone motion determined in subjects with posterior pelvic pain using skin markers. Clin Biomech (Bristol, Avon). 2004;19(5):456-64. DOI
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A função de diferentes porções do músculo glúteo máximo, glúteo médio e tensor da fáscia como os principais músculos triplanares da articulação do quadril já é bem descrita na literatura,77 Delp SL, Hess WE, Hungerford DS, Jones LC. Variation of rotation moment arms with hip flexion. J Biomech. 1999;32(5): 493-501. DOI
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,88 Dostal WF, Soderberg GL, Andrews JG. Actions of hip muscles. Phys Ther. 1986;66(3):351-61. DOI
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porém não o seu papel durante os movimentos de anteversão e retroversão pélvica. A porção superior do glúteo máximo, por exemplo, é capaz de estabilizar a pelve no plano frontal, enquanto suas fibras inferiores não o são.22 Powers CM. The influence of abnormal hip mechanics on knee injury: a biomechanical perspective. J Orthop Sports Phys Ther. 2010;40(2):42-51. DOI
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Curiosamente, tem-se especulado que a fraqueza do glúteo máximo esteja associada a períodos prolongados de postura sentada.99 Choi SA, Cynn HS, Yi CH, Know OY, Yoon TL, Choi WJ, et al. Isometric hip abduction using a Thera-Band alters gluteus maximus muscle activity and the anterior pelvic tilt angle during bridging exercise. J Electromyogr Kinesiol. 2015;25(2): 310-5. DOI
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Menor capacidade de ativação neuromuscular do glúteo máximo parece estar associada com dor lombar, potencialmente causando instabilidade e disfunção sacroilíaca.1010 van Wingerden JP, Vleeming A, Buyruk HM, Raissadat K. Stabilization of the sacroiliac joint in vivo: verification of muscular contribution to force closure of the pelvis. Eur Spine J. 2004;13(3):199-205. DOI
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Apesar de existirem estudos que analisaram a ativação muscular no controle do tronco e pelve, não foram encontrados estudos que descrevam a ativação dos músculos com ação na pelve durante a anteversão e retroversão pélvica ativa em ortostase. Tal informação pode ser relevante para adequar práticas clínicas de avaliação e tratamento em disfunções relacionadas à falta de controle pélvico. Desta forma, o objetivo deste estudo foi comparar a ativação dos músculos tensor da fáscia lata, glúteo médio, glúteo máximo (fibras superiores e inferiores) e multífidos durante os movimentos de anteversão e retroversão pélvica.

Métodos

Tipo de estudo e aspectos éticos

Estudo transversal e de cunho exploratório, parte de um projeto integrador que investigou a cinemática do agachamento unilateral em uma amostra de indivíduos assintomáticos e fisicamente ativos. A aprovação desse projeto foi realizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado de Santa Catarina (CAAE 61338316.3.0000.0118, parecer nº 1.933.707/2017).

Participantes do estudo

Participaram do estudo 17 indivíduos de ambos os sexos, assintomáticos e ativos (prática regular de exercício físico). Os mesmos foram recrutados de forma não-probabilística, por meio de contato pessoal ou telefônico em locais destinados à prática de exercícios físicos (diversas modalidades).

Foram estabelecidos como critérios de inclusão: (a) ter idade entre 18 e 35 anos; (b) praticar exercício físico regular (com duração mínima 20 minutos por sessão e mínimo de três vezes por semana);1111 Blackburn JT, Padua DA. Sagittal-plane trunk position, landing forces, and quadriceps electromyographic activity. J Athl Train. 2009;44(2):174-9. DOI
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e (c) não relatar, durante o primeiro contato/entrevista, qualquer queixa de comprometimento musculoesquelético, lesões ortopédicas e/ou histórico de cirurgia (membros inferiores, coluna e membros superiores), doenças cardiovasculares, pulmonares, neurológicas e/ou sistê-micas que pudessem limitar a realização dos testes.

Todos os indivíduos foram informados sobre os procedimentos da pesquisa e concordaram em participar do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Instrumentos

A massa corporal e a estatura de cada participante foram medidas por meio de balança mecânica de até 150 kg (Filizola®, resolução de 0,1 kg) e de estadiômetro portátil (Wiso, resolução de 0,01 m), respectivamente. Para a análise cinemática do movimento da pelve no plano sagital (anteversão e retroversão), utilizou-se o sistema Vicon-Nexus (Vicon® Motion Systems, EUA), constituído por 10 câmeras de infravermelho integradas, com frequência de 100 Hz. Todas as câmeras estavam conectadas a um computador que possui um software próprio (Vicon-Nexus®, versão 2.1.1), utilizado para aquisição e exportação das coordenadas 3D de um conjunto de marcadores reflexivos posicionados no indivíduo da pesquisa (conforme modelo biomecânico descrito posteriormente).

A atividade dos músculos dos membros inferiores e tronco foi mensurada por meio do eletromiógrafo TeleMyo DTS Desk Receiver e do software MyoMuscle v. 3.8 (Noraxon Inc., EUA). Foram utilizados eletrodos passivos de cloreto de prata (4 x 2,2 cm de área adesiva e 1 cm de área condutora), com configuração bipolar, para a aquisição de dados a uma taxa de 1500 Hz. A sincronização dos dados cinemáticos e eletromiográficos foi realizada por meio de um dispositivo (Noraxon Inc., EUA) que emitia, no mesmo instante, um sinal luminoso registrado no sistema Vicon-Nexus e um pulso (onda quadrada) registrado no sistema eletromiográfico.

Procedimentos de coleta

Para a análise cinemática foram fixados no partici-pante trinta e dois marcadores esféricos retro-reflexivos (14 mm de diâmetro), utilizando-se fita dupla face (3M®, Brasil). Os marcadores foram posicionados na incisura jugular, processo xifoide, sétimo processo espinhoso cervical, décimo processo espinhoso torácico e, bilateralmente, no acrômio, espinha ilíaca antero-superior, espinha ilíaca postero-superior, trocânter maior do fêmur, região lateral das coxa, epicôndilo femoral medial, cabeça da fíbula, tuberosidade da tíbia, maléolo lateral, cabeça do 1º metatarso, cabeça do 5º metatarso, calcâneo.

Esse conjunto de marcadores foi usado para implementar um modelo biomecânico 3D (link-segment model) utilizado para estimar a posição dos centros articulares e calcular a cinemática 3D dos segmentos tronco, pelve, coxa, perna e pé. A colocação dos marcadores foi realizada por um único avaliador (CGS) em todas as coletas, treinado previamente. Somente os dados do segmento pelve (formado pelos marcadores da espinha ilíaca ântero-superior direita, ântero-superior esquerda, póstero-superior direita e póstero-superior esquerda) foram utilizados neste estudo.

Para a análise eletromiográfica, os eletrodos adesivos foram posicionados em pares (com distância de 20 mm entre eles) e os sensores do eletromiógrafo foram colados sobre a pele limpa com algodão embebido em álcool 70%. A disposição dos eletrodos está ilustrada na Figura 1. Para o glúteo máximo superior (GMaxS), os eletrodos foram posicionados dois dedos acima do ponto médio entre a espinha ilíaca póstero-superior e o trocânter maior do fêmur; os eletrodos para o glúteo máximo inferior (GMaxI) foram colocados dois dedos abaixo dessa mesma linha.1212 Fujisawa H, Suzuki H, Yamaguchi E, Yoshiki H, Wada Y, Watanabe A. Hip muscle activity during isometric contraction of hip abduction. J Phys Ther Sci. 2014;26(2):187-90. DOI
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No glúteo médio (GMed), os eletrodos foram colocados no ponto médio entre a crista ilíaca e o trocânter maior do fêmur; para o tensor da fáscia lata (TFL), os eletrodos foram postos no 1/6 proximal entre a espinha ilíaca ântero-superior e o côndilo lateral do fêmur; e para os multífidos (MF), os eletrodos foram colocados no nível de L5, sobre uma linha traçada da extremidade caudal da espinha ilíaca ântero-superior até o interespaço entre L1-L2.1313 Hermens HJ, Freriks B, Disselhorst-Klug C, Rau G. Development of recommendations for SEMG sensors and sensor placement procedures. J Electromyogr Kinesiol. 2000; 10(5):361-74. DOI
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Figura 1
Disposição dos eletrodos nos músculos analisados. GMaxS = glúteo máximo superior; GMaxI = glúteo máximo inferior; TFL = tensor da fáscia lata; GMed = glúteo médio; MF = multífido.

Depois da preparação do indivíduo foram realizadas as medidas de contração voluntária isométrica máxima (CVIM), conforme orientações da SENIAM,1414 SENIAM. Surface ElectroMyoGraphy for the Non-​Invasive Assessment of Muscles [cited 2020 Nov 30]. Available from: http://www.seniam.org
http://www.seniam.org...
para posterior normalização dos dados eletromiográficos.

Após a familiarização, duas contrações máximas de cinco segundos foram realizadas, com intervalo de 2 minutos entre elas. Todos os participantes receberam encorajamento verbal vigoroso durante os testes. A CVIM do GMed e do TFL foi executada com o participante em decúbito lateral, realizando uma abdução contra a resistência de uma fita posicionada sobre o côndilo lateral do fêmur, com o quadril em posição neutra. Uma segunda fita foi utilizada para estabilizar a pelve na região da crista ilíaca, logo acima dos eletrodos do GMed. A CVIM do GMaxS e GMaxI foi avaliada com o participante em prono sobre uma maca, com 0º de flexão de quadril e 90º de flexão de joelhos. Uma fita foi firmemente posicionada ao redor de ambas as cristas ilíacas e da maca para estabilizar a pelve durante o teste. Uma segunda fita foi posicionada ao redor da coxa distal posterior e da maca de avaliação, de forma a oferecer resistência para a extensão do quadril. A CVIM dos MFs foi avaliada com o indivíduo deitado em prono com as espinhas ilíacas ântero-superiores alinhadas com a borda da maca. Para estabilizar o participante foram utilizadas duas fitas, uma na altura da prega glútea e outra nos músculos gastrocnêmios. Durante o teste, o participante realizou a extensão do tronco em posição neutra, contra a resistência oferecida pelos pesquisadores.

Em seguida, iniciou-se um processo de treinamento do movimento de anteversão e retroversão. Os indivíduos permaneceram em pé, com leve flexão de joelho e foram orientados a realizar anteversão e retroversão pélvica na maior amplitude possível. Após a familiarização com o movimento, cada indivíduo realizou cinco repetições de anteversão e retroversão pélvicas máximas sequencialmente.

Análise dos dados

Os dados obtidos a partir da análise cinemática foram filtrados usando o filtro Woltring e exportados em formato *.c3d, utilizando-se o software Vicon-Nexus 2.1.1 (Vicon® Motion Systems, EUA). Em seguida, um modelo biomecânico 3D foi implementado no software Visual3D v6.00.16 (C-Motion Inc, EUA). Utilizou-se o sistema de coordenadas global para a reconstrução da cinemática da pelve.

Os sinais eletromiográficos foram filtrados com um filtro passa-banda entre 10-500 Hz. Em seguida, realizou-se a suavização por meio de um envelope RMS com janelamento de 100 ms. A atividade eletromiográfica dos músculos analisados foi normalizada pela CVIM correspondente.1515 Yang JF, Winter DA. Electromyographic amplitude normalization methods: improving sensitivity as diagnostic tools in gait analysis. Arch Phys Med Rehabil. 1984;65(9):517-21. Full text link
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A partir da sincronização entre os sistemas de cinemática e eletromiografia foi possível demarcar os movimentos de anteversão e retroversão pélvica durante a atividade eletromiográfica (Figura 2). O primeiro e o último movimento foram excluídos. A atividade muscular média das três repetições centrais de anteversão e retroversão foi extraída. A variável dependente do presente estudo é ativação média para cada um dos músculos analisados, expressa em percentual da CVIM (%CVIM).

Figura 2
Sinal eletromiográfico de um participante após tratamento do sinal e demarcação dos movimentos de anteversão e retroversão.

Resultados e discussão

Este estudo se propôs a comparar a atividade eletromiográfica dos músculos da pelve nos movimentos de anteversão e retroversão. A amostra foi composta por 8 homens e 9 mulheres com idade de 25,3 ± 4,6 anos, massa corporal de 66,9 ± 7,7 kg, estatura de 1,67 ± 0,05 m e IMC de 23,9 ± 2,5 kg.m-2.

Similares níveis de ativação muscular foram observados para o TFL, GMed e GMaxS entre os movimentos. Maior atividade muscular foi observada para o GMaxI durante a retroversão e maior atividade muscular para ambos os MFs durante a anteversão pélvica (Tabela 1).

Tabela 1
Média (desvio padrão) da atividade eletromiográfica dos músculos da pelve em percentual da contração voluntária isométrica máxima (% CVIM), valores de t e p obtidos no teste de comparação e intervalo de confiança de 95% da diferença média entre os movimentos

Os resultados mostraram maior atividade do GMaxI durante a retroversão e dos multífidos durante a anteversão. O GMed e TFL apresentaram baixo e similar nível de ativação durante a anteversão e retroversão. Já o GMaxS apresentou ativação semelhante entre os dois movimentos, porém com maiores magnitudes em relação à CVIM.

O GMax origina-se de uma variedade de locais (superfície do ílio atrás da linha glútea posterior, fáscia do glúteo médio, fáscia tóraco-lombar, aponeurose da espinha dorsal, ligamento sacroilíaco dorsal, ligamentos sacrotuberosos, porções do sacro e cóccix superior) para formar um músculo largo e quadrado.16 Anatomicamente, sua principal ação é estender o quadril, mas durante a locomoção pode fornecer suporte de peso, propulsão e controle de inclinação do tronco para a frente.1616 Bartlett JL, Sumner B, Ellis RG, Kram R. Activity and functions of the human gluteal muscles in walking, running, sprinting, and climbing. Am J Phys Anthropol. 2014;153(1):124-31. DOI
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Os resultados do presente estudo indicam maior atividade muscular do GMaxI durante a retroversão, indicando o seu papel para reagir aos momentos externos ou internos que causam anteversão. Já o GMaxS apresentou relevante magnitude de ativação tanto para anteversão quanto para retroversão, sugerindo, assim, a importância desta porção muscular para ambos os movimentos, eventualmente com papel de estabilizar a pelve.

Em estudos anteriores,17,18 que analisaram as porções do glúteo máximo separadamente, o GMaxS mostrou maior ativação como abdutor e rotador externo de quadril, enquanto o GMaxI desempenhou maior papel extensor. Esse achado sugere que as fibras superiores e inferiores do GMax sejam consideradas separadamente pela área clínica, e pode explicar o encontrado no presente estudo.

Com o tronco fixo, os extensores de quadril trabalham em conjunto com os abdominais para retroverter a pelve.44 Neumann DA. Kinesiology of the hip: a focus on muscular actions. J Orthop Sports Phys Ther. 2010;40(2):82-94. DOI
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Desta forma, uma anteversão excessiva da pelve pode ocorrer por fraqueza ou atraso na ativação do GMax durante a extensão de quadril.9,19 Embora a musculatura do tronco desempenhe um papel importante na estabilização da coluna, não se espera que esses músculos impeçam movimentos compensatórios do tronco devido ao controle deficiente da pelve. A estabilidade da pelve, portanto, faz-se importante para a proteção articular tanto do joelho quanto da lombar durante a marcha.22 Powers CM. The influence of abnormal hip mechanics on knee injury: a biomechanical perspective. J Orthop Sports Phys Ther. 2010;40(2):42-51. DOI
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O estudo de Takaki et al.2020 Takaki S, Kaneoka K, Okubo Y, Otsuka S, Tatsumura M, Shiina I, et al. Analysis of muscle activity during active pelvic tilting in sagittal plane. Phys Ther Res. 2016;19(1):50-7. DOI
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também analisou os movimentos de anteversão e retroversão pélvica, explorando a atividade eletromiográfica de músculos do tronco e membros inferiores. Os autores reportaram uma ativação média (também normalizada pela CVIM) de 0,5% e de 8,0% para o GMax durante a anterversão e retroversão, respectivamente. A ativação do MF direito e esquerdo correspondeu, em média, a 24% e 24% durante a anterversão e a 3% e 6% durante a retroversão, respectivamente. Os MFs direito e esquerdo, segundo os autores, apresentaram a maior ativação dentre todos os músculos analisados durante a anteversão. O presente estudo corrobora a participação importante dos MFs na anteversão. Os MFs são importantes estabilizadores lombares e parecem ser os primeiros músculos dentre os extensores a apresentar atrofia em indivíduos com dor lombar,2121 Beneck GJ, Story JW, Donald S. Postural cueing to increase lumbar lordosis increases lumbar multifidus activation during trunk stabilization exercises: electromyographic assessment using intramuscular electrodes. J Orthop Sports Phys Ther. 2016;46(4):293-9. DOI
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sendo um bom indicador de saúde para a região.

Na retroversão, Takaki et al.2020 Takaki S, Kaneoka K, Okubo Y, Otsuka S, Tatsumura M, Shiina I, et al. Analysis of muscle activity during active pelvic tilting in sagittal plane. Phys Ther Res. 2016;19(1):50-7. DOI
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demonstraram que os músculos mais ativos foram o transverso do abdômen e o glúteo máximo. Os resultados do presente estudo sugerem que somente as fibras inferiores do GMax são especializadas para conter a anteversão, enquanto as fibras superiores estão ativas tanto na retroversão quanto na anteversão.

O GMed poderia apresentar função estabilizadora também no plano sagital, visto que suas porções média e posterior são consideradas extensores secundários,4 contudo, não houve diferença na atividade do GMed nos diferentes movimentos. De acordo com Powers,22 Powers CM. The influence of abnormal hip mechanics on knee injury: a biomechanical perspective. J Orthop Sports Phys Ther. 2010;40(2):42-51. DOI
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apesar de o GMed auxiliar na extensão e rotação externa do quadril, sua contribuição para esses movimentos é modesta.

O TFL também não diferiu a atividade entre os movimentos realizados. Um desequilíbrio na ativação muscular, com o TFL dominante sobre GMax e semitendinoso durante a extensão do quadril, pode proporcionar padrões anormais de movimento, com inclinação pélvica anterior e extensão lombar excessiva.99 Choi SA, Cynn HS, Yi CH, Know OY, Yoon TL, Choi WJ, et al. Isometric hip abduction using a Thera-Band alters gluteus maximus muscle activity and the anterior pelvic tilt angle during bridging exercise. J Electromyogr Kinesiol. 2015;25(2): 310-5. DOI
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Apesar de as alterações cinemáticas não terem sido controladas no presente estudo, o uso de participantes saudáveis e fisicamente ativos para análise pode ter colaborado para os achados de uma estabilidade pélvica mais harmônica. Tais resultados sugerem que o TFL praticamente não contribui para os movimentos de anteversão e retroversão.

Explorar aspectos temporais referentes à ativação dos músculos que contribuem para o movimento pélvico poderia ser interessante. Inicialmente, analisou-se de maneira exploratória a presença de instantes correspondentes ao início (onset) e fim (offset) do recrutamento muscular ao longo da anteversão e retroversão pélvica, porém os músculos investigados não apresentaram um padrão claramente definido. O que parece haver é um recrutamento constante durante todo o gesto, com três músculos (multífidos direito e esquerdo e glúteo máximo inferior) apresentando diferenças na magnitude de ativação entre os movimentos. Mesmo esses três músculos, contudo, apresentaram ativação maior do que aquela observada durante o repouso (baseline) durante todo o gesto. Dessa forma, optou-se por não analisar aspectos referentes ao padrão de recrutamento muscular. Adicionalmente, os dados da presente pesquisa não devem ser extrapolados para populações de pacientes, tendo em vista que apenas indivíduos saudáveis foram analisados. Por fim, os participantes não foram avaliados quanto à presença de alterações posturais na região da pelve e quadril. Investigações futuras são necessárias para avaliar se elas exercem alguma influência sobre a ativação dos músculos analisados.

Conclusão

A atividade do GMaxI foi mais pronunciada na retroversão, enquanto os MFs foram mais ativos na anteversão pélvica. O GMaxS apresentou um nível relevante de ativação em ambos os movimentos, enquanto valores baixos e similares entre os gestos foram observados para o TFL e GMed. Estes resultados fomentam o desenvolvimento de estudos futuros para determinar se uma postura com excesso de anteversão pélvica pode estar associada a um aumento excessivo da ativação dos MFs ou, para aqueles pacientes com excessiva retroversão pélvica, se o GMaxI está sendo recrutado em excesso.

Além disso, o recrutamento substancial do GMaxS indica um papel de estabilizador pélvico, podendo, assim, ser um importante músculo a ser avaliado nos casos de dificuldade do adequado controle lombo-pélvico durante gestos funcionais.

Agradecimentos

Este trabalho foi realizado com apoio da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), pelo qual os autores são muito gratos. Da mesma forma, os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC) (termos de outorga 2019TR602, 2017TR764 e 2017TR788).

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Editado por

Editor associado: Aldo Fontes-Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2021
  • Revisado
    18 Jun 2021
  • Aceito
    22 Jun 2021
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