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Prescrição e desenvolvimento de assentos adaptados: aprendizados da prática

Resumo

Introdução:

Parte significativa da atividade profissional de fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais que atendem pessoas com deficiência motora é a prescrição, e até mesmo o desenvolvimento, de assentos adaptados para cadeiras de rodas. Essa é uma tarefa complexa que envolve prática, formação continuada e recursos materiais e técnicos que atuam em conjunto para proporcionar o acesso do produto adaptado para o paciente.

Objetivo:

Compreender como o processo de prescrição e adaptação de assentos para cadeiras de rodas se dá na prática em uma instituição pública.

Métodos:

Esta pesquisa tem abordagem qualitativa, natureza aplicada e objetivo exploratório. Utilizou-se a estratégia de estudo de caso, realizado através de entrevistas semiestruturadas com sete profissionais de uma instituição pública estadual. Os dados obtidos e analisados foram resultados de experiências práticas dos profissionais acerca de adaptações de assentos que fizeram para seus pacientes.

Resultados:

Encontrou-se na instituição divergências entre a prática e a teoria, divergências. Essas são causadas pelo contexto em que operam os profissionais, por questões relacionadas com a instituição, capacidade produtiva das adaptações, limitações financeiras e temporais, costume, falta de protocolos e formação na área e pressão social e do paciente.

Conclusão:

Foi possível traçar um panorama da prescrição e desenvolvimento de assentos adaptados realizados pela instituição, bem como descrever os principais elementos que influenciam esta prática. Acredita-se que o treinamento e atualização dos profissionais, disponibilização de mais recursos e melhor planejamento do processo podem ser soluções para a diminuição das divergências entre a prática e teoria.

Palavras-chave:
Equipamentos de autoajuda; Cadeiras de rodas; Prescrições; Fisioterapia; Terapia ocupacional

Abstract

Introduction:

A significant part of the professional activity of physiotherapists and occupational therapists who assist people with motor disabilities is the prescription and sometimes the construction of adapted seats for wheelchairs. This is a complex task that involves practice, continued education, and material and technical resources. These work together to provide the patient's access to the adapted product.

Objective:

To understand how the prescription and adaptation of wheelchair seats occur in practice in a public institution.

Methods:

This study had a qualitative approach, applied nature, and exploratory objective. We utilized the case study strategy, conducted through semi-structured interviews, with seven professionals from a public state institution. The data obtained and analyzed were professionals’ practical experiences on seat adaptation for their patients.

Results:

We found divergences between practice and theory in the institution. The context in which the professionals operate, issues related to the institution, the production capacity of the adaptations, financial and time limitations, custom, lack of protocols and training in the area, and social and patient pressure are some of the causes of these divergencies.

Conclusion:

On the basis, we drew an overview of the prescription and construction of adapted seats by the institution and described the main elements that influence this practice. We believe that the training and updating of professionals, providing more resources, and a better process planning can reduce the divergences between practice and theory.

Keywords:
Self-help devices; Wheelchairs; Prescriptions; Physical therapy specialty; Occupational therapy

Introdução

Ao prescrever e adaptar assentos de cadeiras de rodas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais (TOs) utilizam-se de suas habilidades e formações profissionais para alcançar o melhor posicionamento possível, objetivando melhorar a qualidade de vida de seus pacientes.11 Cherubini M, Melchiorri G. Descriptive study about congruence in wheelchair prescription. Eur J Phys Rehabil Med. 2012;48(2):217-22. PubMed
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Essas tarefas são complexas e envolvem a integração entre múltiplos profissionais e pacientes22 Subtil M, Goes DC, Gomes TC, Souza ML. O relacionamento interpessoal e a adesão na fisioterapia. Fisioter Mov. 2011;24 (4):745-53. DOI
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e a formação e atualização dos profissionais envolvidos.33 Moody L, Woodcock A, Heelis M, Chichi C, Fielden S, Stefanov D. Improving wheelchair prescription: an analysis of user needs and existing tools. Work. 2012;41(1):1980-4. DOI
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Em uma situação ideal, o profissional seria consultado desde o início, possuiria todos os recursos necessários para prescrever e adaptar assentos, utilizando-se das mais novas tecnologias, e acompanharia todo o processo. Essa situação parece não ser a que ocorre na prática, no entanto. O que frequentemente acontece é os pacientes chegarem aos consultórios com assentos adaptados (AAs), mal-adaptados, recomendados por lojistas, farmacêuticos, familiares, etc.44 Dunlap CR, Rosario ER. The Right Fit: closing the education gap in assistive ambulation devices. Today's Geriatric Medicine. 2019;12(1):16. Full text link
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Além disso, os profissionais são poucos, possuem poucos recursos e pouco incentivo de atualização na área.

Em vista desse contexto, questionou-se como o processo de prescrição de AAs para cadeiras de rodas com foco no posicionamento postural é realizado em uma instituição pública, especificamente na Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), que é responsável pelas políticas públicas de Educação Especial do Estado de Santa Catarina.55 Fundação Catarinense de Educação Especial. Objetivos [cited 2018 Nov 10]. Available from: https://tinyurl.com/5fdx89vz
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Acredita-se que existe uma fragmentação entre a teoria e a prática, e compreender como o processo se dá na realidade pode auxiliar na identificação dos fatores que podem ser aprimorados tanto na prática quanto na teoria.

Para responder essa questão realizaram-se sete estudos de caso através de entrevistas semiestrutu-radas.66 Duarte R. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Educ Rev. 2004;(24):213-25. DOI
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O estudo tem como objetivo geral compreender a atuação dos profissionais TOs e fisioterapeutas especificamente no que tange a avaliação dos pacientes para a prescrição de AAs voltados para o posicionamento postural. Como objetivo específico, visa-se avaliar as questões envolvidas no efetivo desenvolvimento de AAs, pois a FCEE possui um setor específico para tal.

Fundamentação teórica

Para pessoas com deficiências severas, um equipamento de posicionamento pode fazer grande diferença em suas vidas.77 Shore S, Juillerat S. The impact of a low-cost wheelchair on the quality of life of the disabled in the developing world. Med Sci Monit. 2012;18(9):CR533-42. DOI
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,88 Heinemann AW, Lai JS , Wong A, Dashner J, Magasi S, Hahn EA. Using the ICF’s environmental factors framework to develop an item bank measuring built and natural environmental features affecting persons with disabilities. Qual Life Res. 2016;25(11):2775-86. DOI
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Em relação à prescrição desses equipamentos, preconiza-se que uma postura estável99 Sahinoğlu D, Coskun G, Bek N. Effects of different seating equipment on postural control and upper extremity function in children with cerebral palsy. Prosthet Orthot Int. 2017;41(1):85-94. DOI
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permite que pessoas com deficiência participem da vida social.1010 Zonta MB, Ramalho-Júnior A, Puppi M, Bruck I, Magdalena N, Muzzolon SRB, et al. Side-to-side growth discrepancies in children with hemiplegic cerebral palsy: association with function, activity and social participation. Arq Neuro-Psiquiatr. 2014;72(5):360-7. DOI
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Todos os equipamentos prescritos devem prover controle postural, estabilização do corpo e serem compatíveis com os objetivos de posicionamento predefinidos para o paciente.1111 Rigby PJ, Ryan SE, Campbell KA. Effect of adaptive seating devices on the activity performance of children with cerebral palsy. Arch Phys Med Rehabil. 2009;90(8):1389-95. DOI
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AAs são utilizados para melhorar o alinhamento postural e facilitar a função da parte superior do corpo.99 Sahinoğlu D, Coskun G, Bek N. Effects of different seating equipment on postural control and upper extremity function in children with cerebral palsy. Prosthet Orthot Int. 2017;41(1):85-94. DOI
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Eles são requeridos para a estabilização do corpo, especialmente da pélvis.1212 Cimolin V, Avellis M, Piccinini L, Corbetta C, Cazzaniga A, Turconi AC, et al. Comparison of two pelvic positioning belt configurations in a pediatric wheelchair. Assist Technol. 2013;25(4);240-6. DOI
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O assento deve ser confortável por um certo de tempo, fisiologicamente satisfatório e apropriado para uma tarefa ou atividade.88 Heinemann AW, Lai JS , Wong A, Dashner J, Magasi S, Hahn EA. Using the ICF’s environmental factors framework to develop an item bank measuring built and natural environmental features affecting persons with disabilities. Qual Life Res. 2016;25(11):2775-86. DOI
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,1313 Pheasant S. Bodyspace: anthropometry, ergonomics, and the design of work. 2 ed. Philadelphia: Taylor & Francis; 2003. 206 p. DOI
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A maior parte das pessoas com deficiência é tratada em hospitais, onde o objetivo é prover o mínimo de suporte e liberar a pessoa quando tiver um certo nível de funcionalidade.1414 Edwards S. Fisioterapia neurológica: uma abordagem de resolução de problemas. Loures: Lusociancia; 2004. Ao contrário desses ambientes, espaços de reabilitação são focados na inclusão da pessoa em sociedade, promovendo além de melhoria das capacidades funcionais, agência nas escolhas de seus produtos e treinamento para utilização.1515 Letechipia J, Arredondo A, Hernández L, Alessi A, Torres A, Torres RA, et al. Seating fabrication system for clinical rehabilitation settings in low income countries: The experience of Mexico and Colombia. In: Proceedings of the IEEE Global Humanitarian Technology Conference; 8-11 out 2014; Seattle: IEEE; 2014. p. 392-5. Full text link
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Mesmo crianças devem fazer parte da escolha, sendo um procedimento participativo e focado no usuário.1111 Rigby PJ, Ryan SE, Campbell KA. Effect of adaptive seating devices on the activity performance of children with cerebral palsy. Arch Phys Med Rehabil. 2009;90(8):1389-95. DOI
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,1616 Pereira LMF, Caribé D, Guimarães P, Matsuda D. Acessibilidade e crianças com paralisia cerebral: a visão do cuidador primário. Fisioter Mov. 2011;24(2):299-306. DOI
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Na prescrição mais humanizada de AAs fazem parte quatro agentes: a atividade a ser realizada, o ser humano que realizará a atividade, o contexto de uso88 Heinemann AW, Lai JS , Wong A, Dashner J, Magasi S, Hahn EA. Using the ICF’s environmental factors framework to develop an item bank measuring built and natural environmental features affecting persons with disabilities. Qual Life Res. 2016;25(11):2775-86. DOI
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e o produto adaptado a ser utilizado.1717 Cook AM, Polgar JM. Cook and Hussey's assistive technologies: principles and practice. 4 ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2015. 496 p.

Em países com maior tradição em prestação de serviços de tecnologia assistiva existe uma mudança de paradigma que foca em um modelo mais social e menos médico, ou seja, mais focado nas necessidades dos usuários do que na adequação do indivíduo às normas.1111 Rigby PJ, Ryan SE, Campbell KA. Effect of adaptive seating devices on the activity performance of children with cerebral palsy. Arch Phys Med Rehabil. 2009;90(8):1389-95. DOI
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Além disso, foram encontradas experiências positivas, como a maior independência dos pacientes, maior capacidade funcional e mais relatos de conforto na prescrição de assentos partindo de uma clínica multidisciplinar de reabilitação.1818 Al-Turaiki MHS. Seating orthotics for young cerebral palsy patients: a report on practice in Saudi Arabia. Disabil Rehabil. 1996;18(7):335-40. DOI
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Na literatura que guia a prática clínica, preconiza-se um padrão no processo de posicionamento do indivíduo no AA,1717 Cook AM, Polgar JM. Cook and Hussey's assistive technologies: principles and practice. 4 ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2015. 496 p. começando pela pélvis e partindo para membros inferiores, tronco, cabeça e membros superiores.1414 Edwards S. Fisioterapia neurológica: uma abordagem de resolução de problemas. Loures: Lusociancia; 2004.,1717 Cook AM, Polgar JM. Cook and Hussey's assistive technologies: principles and practice. 4 ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2015. 496 p.,1919 Engström B. Ergonomic seating: a true challenge: seating and mobility for the physically challenged risks & possibilities when using wheelchairs. Stallarholmen: Posturalis Books; 2011.

20 Peters D, Chaitow L, Harris G, Morrison S. Integrating Complementary Medicine in Primary Care. Londres: Churchill Livingstone; 2002.

21 Furumasu J. Seating and positioning for disabled children and adults. In: Hsu JD, Michael JW, Fisk JR, editors. AAOS Atlas of Orthoses and Assistive Devices. 4 ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2008.
-2222 Moraes HD. Projeto conceitual de sistemas de assento para cadeira de rodas: uma abordagem sistemática [master's thesis]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2009. Full text link
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Algumas especificidades do posi-cionamento postural são posicionamento prioritário da pélvis e do tronco,1717 Cook AM, Polgar JM. Cook and Hussey's assistive technologies: principles and practice. 4 ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2015. 496 p.,2323 Cooper RA. Rehabilitation engineering applied to mobility and manipulation. New York: Taylor & Francis; 1995.,2424 McNamara L. Postural management: components of specialised seating equipment. Lisburn: James Leckey Design Ltd; 2005. foco na liberdade dos membros superiores, posicionamento da cabeça1919 Engström B. Ergonomic seating: a true challenge: seating and mobility for the physically challenged risks & possibilities when using wheelchairs. Stallarholmen: Posturalis Books; 2011.,2020 Peters D, Chaitow L, Harris G, Morrison S. Integrating Complementary Medicine in Primary Care. Londres: Churchill Livingstone; 2002.,2424 McNamara L. Postural management: components of specialised seating equipment. Lisburn: James Leckey Design Ltd; 2005.,2525 Karp G. Choosing a wheelchair: a guide for optimal independence. Cambridge: O’Reilly; 1998. e estabi-lização dos pés.1717 Cook AM, Polgar JM. Cook and Hussey's assistive technologies: principles and practice. 4 ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2015. 496 p.,1919 Engström B. Ergonomic seating: a true challenge: seating and mobility for the physically challenged risks & possibilities when using wheelchairs. Stallarholmen: Posturalis Books; 2011.,2525 Karp G. Choosing a wheelchair: a guide for optimal independence. Cambridge: O’Reilly; 1998. Os objetivos geralmente são o aumento da capacidade funcional e a melhoria da postura e do conforto.2020 Peters D, Chaitow L, Harris G, Morrison S. Integrating Complementary Medicine in Primary Care. Londres: Churchill Livingstone; 2002.,2222 Moraes HD. Projeto conceitual de sistemas de assento para cadeira de rodas: uma abordagem sistemática [master's thesis]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2009. Full text link
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,2424 McNamara L. Postural management: components of specialised seating equipment. Lisburn: James Leckey Design Ltd; 2005.,2626 Neville L, Quigg J, Armstrong AP. The fundamental principles of seating and positioning in children and young people with physical disabilities. Commissioned by James Leckey Design Limited; 2005. Full text link
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Especificamente, os objetivos clínicos são: estabilização pélvica, alinhamento de tronco e cabeça e posicionamento dos membros inferiores.2525 Karp G. Choosing a wheelchair: a guide for optimal independence. Cambridge: O’Reilly; 1998.

Sistemas de assento devem ser prescritos de forma individualizada, para atender necessidades específicas, e requerem múltiplos ajustes e testes.2727 Chung J, Evans J, Lee C, Lee J, Rabbani Y, Roxborough L, et al. Effectiveness of adaptive seating on sitting posture and postural control in children with cerebral palsy. Pediatr Phys Ther. 2008;20(4):303-17. DOI
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Em uma boa adaptação de assento, a curvatura normal da coluna é preservada e são encorajadas posturas que minimizem a tensão nos músculos e permitam pequenas modificações posturais para o alívio da pressão;2828 Waksvik K, Levy R. An approach to seating for the cerebral palsied. Can J Occup Ther. 1979;46(4):147-53. DOI
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além disso, devem prevenir ou acomodar deformidades estruturais e minimizar a dor.2424 McNamara L. Postural management: components of specialised seating equipment. Lisburn: James Leckey Design Ltd; 2005.

Métodos

Esta pesquisa tem abordagem qualitativa, natureza aplicada e objetivo exploratório, que utiliza a estratégia de estudo de caso realizado por meio da análise de entrevistas semiestruturadas com profissionais fisioterapeutas e TOs, funcionários da FCEE.55 Fundação Catarinense de Educação Especial. Objetivos [cited 2018 Nov 10]. Available from: https://tinyurl.com/5fdx89vz
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A instituição foi selecionada por trabalhar com a prescrição de AAs e desenvolvê-los dentro da unidade, possuindo profissionais qualificados para tal. Utilizou-se como critério de inclusão profissionais que tivessem prescrito AAs para pacientes com tenacidade muscular atípica dentro da instituição. O convite de participação foi feito por conveniência2929 Cozby PC. Métodos de pesquisa em ciências do comportamento. São Paulo: Atlas; 2006. a todos os dezoito profissionais que se enquadravam nos critérios; desses, sete aceitaram participar da pesquisa.

As entrevistas foram realizadas na FCEE, local de trabalho dos participantes, em julho de 2017, tendo sido aprovadas como parte de um projeto de pesquisa sob n. 58433316.2.0000.0118 pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas (NESPE) da FCEE e pela Gerência de Pesquisa e Conhecimentos Aplicados (GEPCA) da FCEE como pesquisa externa.

O objetivo das entrevistas foi compreender como o processo de prescrição e adaptação de assentos para cadeiras de rodas se dá na prática na instituição. Desta maneira, as entrevistas foram divididas em duas partes: (1) estabelecimento da experiência do profissional na área e (2) descrição pelos profissionais de um paciente que já tinham atendido e como solucionaram ou acomodaram suas necessidades com o AA prescrito. O grande interesse foi nas soluções encontradas pelos participantes para resolver os problemas e acomodar as deficiências dos pacientes descritos.

O roteiro teve como objetivo auxiliar a memória dos entrevistados, por isso, as perguntas pretendiam copiar o processo de avaliação do paciente na seleção e adaptação do assento. Esse método de questionamento é apoiado nos trabalhos de Pain et al.,3030 Pain H, McLellan L, Gore S. Choosing Assistive Devices: A guide for users and professionals. Philadelphia: Jessica Kingsley Publishers; 2003. Furumasu2121 Furumasu J. Seating and positioning for disabled children and adults. In: Hsu JD, Michael JW, Fisk JR, editors. AAOS Atlas of Orthoses and Assistive Devices. 4 ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2008. e Pedersen et al.,3131 Pedersen JP, Lange ML, Griebel C. Seating intervention and postural control. In: Peters D, Chaitow L, Harris G, Morrison S, editores. Integrating complementary therapies in primary care: a practical guide for health professionals. Londres: Churchill Livingstone; 2002. p. 209-36. que optam por uma abordagem sequencial ao processo de avaliação do paciente e adaptação do assento. Inicialmente foram feitas perguntas relativas à experiência dos profissionais e, em seguida, os participantes foram convidados a selecionar um paciente com o qual já tinham trabalhado e que, quanto a ele e ao seu AA, tivessem confiança na acurácia das informações. O único requisito para a escolha do paciente foi o atendimento pelo participante e a necessidade de adaptação de cadeira de rodas; nada foi indicado sobre a gravidade dos acometimentos. Feito isso, as perguntas em relação ao paciente foram divididas em duas etapas: a primeira com perguntas relativas às deficiências e dificuldades posturais do paciente e a segunda com perguntas sobre as características referentes ao AA.

A primeira série de perguntas foi a seguinte: Você poderia descrever o paciente que selecionou? Qual foi o motivo de ele ter sido referido a você? Qual era o quadro clínico desse paciente? Quais eram suas características físicas? E psicológicas? Quais eram as características posturais do seu quadril? De suas pernas? Dos seus pés? Do seu tronco? De sua cabeça e pescoço? E dos seus membros superiores? Essa especificação das partes do corpo tentou garantir que não ocorressem esquecimentos de condições clínicas relativas ao paciente.

A segunda série continha as seguintes perguntas: Como foi o AA que você prescreveu para esse paciente? Quais eram as características específicas do assento? Dos apoios das pernas? Dos apoios dos pés? Do encosto? Do apoio da cabeça? Dos apoios dos membros superiores? E finalmente: Existe mais alguma coisa que você gostaria de comentar sobre a prescrição e o posicionamento desse paciente? Na segunda série de perguntas foi utilizada a mesma estratégia de divisão das partes do assento para tentar garantir a indicação do quadro completo do AA para o paciente. Esta entrevista foi pré-testada para validar as perguntas e tempo de aplicação da entrevista, que variou entre 20 e 40 minutos.

Os dados e as descrições feitas pelos participantes foram então tabulados e ilustrados. As tabulações foram feitas usando a mesma separação das partes do corpo e do AA feita nas entrevistas para que pudessem ser percebidos comparativamente. As considerações foram tiradas a partir de padrões encontrados nas entrevistas sobre a prescrição de AAs pelos participantes e seus pacientes. A fim de preservar as identidades dos envolvidos, eles foram numerados de 1 a 6 - por exemplo: entrevistado 1 (E1) que descreveu o paciente (P1), sendo todos referidos no masculino mesmo que alguns sejam do sexo feminino.

Resultados

De maneira a facilitar a compreensão dos resultados obtidos nas entrevistas, dividiu-se a seção de resultados em duas partes. Na primeira, uma contextualização do processo de prescrição e adaptação de cadeira de rodas tal como acontece na FCEE reunida das diversas respostas dos entrevistados. Na segunda foram compilados os resultados das entrevistas sobre o processo prático da prescrição e adaptação de AAs para os casos específicos relacionados ao posicionamento postural.

Contextualização

A FCEE foi selecionada por ser uma instituição pública que trabalha com a prescrição de AAs para pessoas com diversos tipos de deficiência e pelo diferencial de desenvolver adaptações para as cadeiras de rodas dentro da instituição, possuindo profissionais qualificados para a função, como marceneiro, costureira e TO especializada. Como parte de sua atribuição, a instituição distribui, na forma de empréstimo, cadeiras de rodas (adaptadas ou não) de maneira gratuita para os usuários dos serviços da fundação. Essas cadeiras básicas são provenientes de editais de compra coletiva de cadeiras generalistas, de editais de compra individuais para casos particulares, de cadeiras usadas e retornadas por outros usuários ainda em condições para uso e de cadeiras dos usuários que podem ser adaptadas.

O processo desta atividade é: 1. A consulta dos usuários com fisioterapeuta ou TO; 2. Identificação da necessidade de cadeira de rodas adaptada; 3. Prescrição das adaptações necessárias - não há protocolo específico para essa prescrição -; 4. Seleção de cadeira de rodas nas dimensões adequadas disponíveis no acervo da fundação - realizado manualmente, não há registro de todas as cadeira de rodas disponíveis - ou pedido para compra; 5. Redação do pedido para criação de adaptações e entrega ou envio ao setor de adaptação de tecnologia assistiva - não existe modelo único de pedido; é feito na forma de texto e às vezes desenhos para explicação do elemento -; 6. Recebimento da cadeira de rodas; 7. Feita a primeira prova; 8. Retorno ao setor para ajustes; 9. Segunda prova ou quantas se fizerem necessárias; 10. Entrega da cadeira com adaptações para o usuário; 11. Treinamento do usuário e cuidadores para uso da cadeira de maneira apropriada.

Por ser de desenvolvimento quase artesanal e pela necessidade de adaptação individualizada de cada assento, processos produtivos como o contorno exato do corpo do paciente e uso de materiais diversos não são possíveis de fabricação na instituição. Técnicas de recorte de espuma, estofamento, diferenciação de tecidos, criação de barreiras em madeira e uma mistura dessas técnicas são algumas das possibilidades encontradas dentro da FCEE.

Entrevistas

O grupo de sete entrevistados (E) constituiu-se em quatro fisioterapeutas e três TOs, com tempo de trabalho na área entre 4 e 17 anos. Foram gravados um total de 161 minutos de entrevista, com tempo médio de 23 minutos por participante. As entrevistas foram realizadas nos escritórios e nas clínicas dos participantes que são localizados dentro da fundação.

Um dos participantes (E0), pelo seu tempo de experiência e cargo ocupado na instituição, foi encar-regado de traçar um panorama dos acometimentos dos pacientes e adaptações mais comuns feitas nos AAs de maneira a servir como base de comparação. Os demais (E1 a E6) descreveram situações reais de um paciente (P1 a P6) para o qual prescreverem um AA.

As informações coletadas das entrevistas foram dispostas em duas tabelas: os acometimentos dos pacientes descritos (Tabela1) e os AAs desenvolvidos para esses pacientes (Tabela 2). Na Tabela 1, que segue logo abaixo, estão dispostos os acometimentos dos pacientes.

Tabela 1
Quadro comparativo dos acometimentos dos pacientes (P)
Tabela 2
Quadro comparativo dos assentos adaptados dos pacientes (P)

Percebe-se pela análise da Tabela 1 que algumas características predominaram entre os pacientes descritos, sendo elas: a paralisia cerebral quadriespástica, a presença de rotação e abdução nas pélvis e pés, o padrão de cruzamento dos membros inferiores e superiores, e a falta de controle do tronco e da cabeça, acompanhados de cifose e/ou escoliose e hiperextensão. Sendo essas as características mais predominantes, pode-se também descrever um AA esperado, tal como indicado em literatura especializada11 Cherubini M, Melchiorri G. Descriptive study about congruence in wheelchair prescription. Eur J Phys Rehabil Med. 2012;48(2):217-22. PubMed
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,33 Moody L, Woodcock A, Heelis M, Chichi C, Fielden S, Stefanov D. Improving wheelchair prescription: an analysis of user needs and existing tools. Work. 2012;41(1):1980-4. DOI
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,1414 Edwards S. Fisioterapia neurológica: uma abordagem de resolução de problemas. Loures: Lusociancia; 2004.,1717 Cook AM, Polgar JM. Cook and Hussey's assistive technologies: principles and practice. 4 ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2015. 496 p.,1919 Engström B. Ergonomic seating: a true challenge: seating and mobility for the physically challenged risks & possibilities when using wheelchairs. Stallarholmen: Posturalis Books; 2011. para esses padrões. Seria ele: assento e encosto contornados ao corpo do paciente, com apoio de cabeça e suportes laterais, contentor e abdutor de pernas, mesa como suporte preferencial dos membros superiores, suporte de pés do tipo bandeja e uso de órtese corretora e/ou preventiva.

Assim como para a primeira tabela, para a Tabela 2 os AAs descritos estão dispostos separados por parte do corpo, sendo possível fazer uma comparação direta entre os acometimentos e os AAs prescritos. Quando a adaptação ou parte do assento não estava presente, colocou-se o descritivo “não existia”.

Ao analisar a Tabela 2, percebe-se que o que foi descrito como um assento esperado não foi o caso encontrado. Por exemplo: o P6 possui abdução da pélvis, mas utiliza um assento reto. Esse mesmo paciente não utiliza apoio de pés, fator que difere da literatura.2828 Waksvik K, Levy R. An approach to seating for the cerebral palsied. Can J Occup Ther. 1979;46(4):147-53. DOI
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Além disso, encontrou-se o uso de apoios laterais na maior parte dos casos, apesar da importância reportada da utilidade do uso da mesa pelos próprios participantes. Esse e outros fatores divergiram tanto da literatura, como, em momentos, até mesmo do que foi comentado pelo próprio participante como ideal, como será discutido a seguir.

Para facilitar a visualização do que é descrito pelas tabelas, para cada participante foram ilustradas figuras do paciente descrito nas entrevistas e seus respectivos AAs (Figura 1). As figuras possuem um esquema de um corpo sentado com setas representando as direções das deformidades e marcadores dos locais das órteses, e ao lado ilustrações representativas dos AAs com cores representativas de suporte em rosa e sustentação em verde.

Figura 1
Ilustrações dos pacientes descritos e seus assentos adaptados.

As principais considerações que podem ser feitas para os pacientes descritos e seus AAs para que sejam compreendidas as escolhas feitas pelos participantes e a relação dessas proposições com o contexto em que estavam colocados são:

Para o P1, que foi o paciente mais jovem descrito, o E1 desenvolveu um assento preventivo, visto que as deformidades ainda não eram fixas. Esse participante comentou sobre a importância da participação ativa dos pais e cuidadores, visto que o paciente não era capaz de realizar transferências e as montagens necessárias de seu AA. Alguns dos problemas comentados pelo E1 foram que a dificuldade de acesso e espaço de tempo transcorrido entre a prescrição do assento até o seu efetivo uso fez com que o AA se encontrasse menor do que o esperado. Esse motivo fez com que o assento, que era inicialmente contornado ao corpo do paciente, tivesse que ser modificado de maneira artesanal para garantir o posicionamento correto do paciente. Além disso, pode-se perceber para esse mesmo paciente (P1) possíveis inadequações do AA, como o fato de a hipotonia do paciente fazer com que sua cabeça pendesse para o lado e, no entanto, o apoio de cabeça não ter sido prescrito.

O P2 foi o paciente descrito com acometimento mais grave. Para ele, o assento descrito era o mais adequado possível visto que suas deformidades, principalmente os padrões de cruzamento, eram tão graves que nem mesmo era possível fazer o uso correto das adaptações do assento como do abdutor. Para este paciente, o E2 reiterou a importância do uso da mesa como suporte principal para os membros superiores, sendo o único participante a tê-lo feito. Ele comentou que a causa maior de normalmente não optar pelo uso da mesa é o estigma social que pode ser gerado para os pacientes.

Para o P3, que tem maior comprometimento nos membros superiores e tronco, algumas das escolhas feitas divergem do esperado, mas adequam-se à condição de vida do paciente. Apesar do pouco controle de tronco, o paciente utiliza movimentos da cabeça para comunicação e controle de equipamentos e, por este motivo, teve o encosto da cabeça retirado. Além disso, o paciente é responsável pelo controle de sua própria cadeira, o que fez com que o E3 optasse pelo uso primário de apoios laterais para que facilitasse sua visualização quando estava se locomovendo. Essas alterações se diferenciam do que é proposto pela literatura, mas fazem-se indispensáveis para a melhor e real utilização do assento no contexto do paciente.

O P4 é tetraplégico, com sequelas neuromotoras como espasticidade e problemas de comunicação. Sua comunicação é feita por piscadas dos olhos. Seu assento era bem-adaptado à sua conformação corporal, no entanto, fazia-se bastante o uso do tilt,3232 Angelo J. Using single-subject design in clinical decision making: the effects of tilt-in-space on head control for a child with cerebral palsy. Assist Technol. 1993;5(1):46-9. DOI
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,3333 Ding D, Leister E, Cooper RA, Cooper R, Kelleher A, Fitzgerald SG, et al. Usage of tilt-in-space, recline, and elevation seating functions in natural environment of wheelchair users. J Rehabil Res Dev. 2008;45(7):973-83. DOI
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fato que afetava a visibilidade do paciente, dificultando sua participação. Além disso, por não poder mudar de posição e por causa da espasticidade, utilizava-se de um assento contornado a seu corpo com diversos tipos de sustentação, como cintos.

Similar ao P2, o P5 também possui deformidades tão graves que apenas poderiam ser corretamente acomodadas com intervenção cirúrgica. Seu principal acometimento era nas pernas, com padrão de cruzamento. O papel do E5 foi essencial para o posicionamento do paciente de maneira que pudesse ser inserido na sociedade, pois o AA anterior que possuía não se adequava às suas necessidades. Nas palavras do participante (E5):

Quando ele [P5] veio para a avaliação, ele já tinha uma cadeira de rodas que tinha sido adaptada para ele no passado, só que era uma cadeira que não tinha nenhum sistema de tilt ou recline. Ele ficava praticamente deitado na cadeira. Embora não tivesse o sistema, ele ficava deitado porque como ele entra nesse padrão de extensão, os cintos não eram suficientes para quebrar esse padrão, então o ângulo do quadril do encosto e do assento ficava maior que 90° e ele acabava aumentando a extensão que ele fazia. Ele tinha dificuldade para se alimentar porque ele ficava praticamente deitado. Ele ficava olhando para o teto o tempo todo porque o ângulo da cadeira não ajudava muito. [...] foi o caso mais grave que eu já avaliei. Eu fiquei uns três meses pensando em como eu faria a cadeira dele, porque era realmente um caso muito grave, muito difícil de fazer. [...] Então, eu peguei essa cadeira [Conforma Tilt Ortobras] e primeiro fiz uma prova com ele. Fiz uns recortes no assento que eu achava que, respeitando, já que ele não descruza as pernas. Eu trouxe o ângulo para 90º para melhorar a alimentação dele. Eu avaliei que ele tinha essa mobilidade de quadril. O quadril não estava fixo a mais de 90º, então ele tinha condições de ficar a 90º, e aí comecei a fazer a parte de encosto. A gente fez um encosto com abas, suportes laterais de tronco para ajudar nessa estabilidade dele, e o assento com recorte respeitando essa deformidade que ele tem.

Por último, o P6 possui uma característica em que tem mais controle com os membros inferiores do que com os superiores e, sendo assim, faz uso dos membros inferiores para controle da cadeira de rodas. Este paciente também é capaz de comunicar claramente suas vontades e necessidades, tendo mais agência na adaptação de seu assento. O paciente não faz uso único da cadeira, sendo capaz de caminhar por pequenas distâncias e de transferir-se da cadeira sem auxílio. Uma das adaptações que foram feitas a pedido do paciente foi a retirada do apoio de pés que, segundo ele, atrapalhava para a locomoção. No entanto, um bom posicionamento dos pés é importante para uma boa postura2828 Waksvik K, Levy R. An approach to seating for the cerebral palsied. Can J Occup Ther. 1979;46(4):147-53. DOI
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e sua presença é recomendada mesmo que não seja utilizado durante todo o tempo.

Discussão

Encontrou-se na FCEE espaço prolífico na prescrição, desenvolvimento e manutenção de AAs. Ainda assim, alguns relatos feitos durante as entrevistas evidenciaram problemas no relatório de prescrição que podem dificultar a compreensão e replicação das informações, principalmente aqueles que são encarregados de construir ou adaptar os assentos e que não necessariamente têm formação em área de TO/fisioterapia. Também foi relatado que a prescrição não é padronizada e que fica a cargo do profissional as decisões e o desenvolvimento de relatório de prescrição.

Apesar de não ser possível fazer uma generalização para toda a instituição, visto que não foram entrevistados todos os profissionais, nos relatos analisados percebeu-se que os participantes consideraram com cuidado o bem-estar, saúde e segurança dos pacientes em seu contexto. Os profissionais trabalham com as limitações impostas pelos processos produtivos para atingirem da melhor forma possível os objetivos de adaptação de assentos.

Ficou claro também que há a necessidade de criação de objetivos próprios e específicos a cada cliente, como o caso do P6 que tinha objetivo de locomoção. Neste caso, é importante destacar que mesmo havendo preconização da literatura para certos posicionamentos e elementos adaptativos, a necessidade individual dos participantes é o principal e, por isso, diversas vezes essas recomendações precisam ser desconsideradas a favor de soluções individuais.

Além das necessidades individuais dos participantes, a capacidade produtiva e a falta de recursos para a compra de novos equipamentos foram os principais fatores limitantes para a confecção de AAs ideais preconizados pela literatura.1616 Pereira LMF, Caribé D, Guimarães P, Matsuda D. Acessibilidade e crianças com paralisia cerebral: a visão do cuidador primário. Fisioter Mov. 2011;24(2):299-306. DOI
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17 Cook AM, Polgar JM. Cook and Hussey's assistive technologies: principles and practice. 4 ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2015. 496 p.
-1818 Al-Turaiki MHS. Seating orthotics for young cerebral palsy patients: a report on practice in Saudi Arabia. Disabil Rehabil. 1996;18(7):335-40. DOI
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Ao compreender esse fator, muitas das escolhas dos participantes fizeram-se compreensíveis, como o uso de apoios de cabeça curvados mesmo em momentos em que outros modelos seriam mais adequados, especificamente pela facilidade de efetuar um processo de compra por licitação de um assento com partes já existentes de fábrica. Especificamente, o assento, o encosto e os suportes laterais foram as modificações mais prescritas pelos profissionais do estudo.

O uso de tilt (mudança de angulação de todo o sistema) e recline (mudança de angulação do encosto),3232 Angelo J. Using single-subject design in clinical decision making: the effects of tilt-in-space on head control for a child with cerebral palsy. Assist Technol. 1993;5(1):46-9. DOI
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,3333 Ding D, Leister E, Cooper RA, Cooper R, Kelleher A, Fitzgerald SG, et al. Usage of tilt-in-space, recline, and elevation seating functions in natural environment of wheelchair users. J Rehabil Res Dev. 2008;45(7):973-83. DOI
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apesar de comentados por alguns participantes,não pareciam ser considerados como importantes para a questão de posicionamento postural e sim para o reposicionamento do corpo e para a facilitação do transporte, alimentação, etc. Para o posicionamento postural foram consideradas pelos participantes apenas a conformação do assento e as contenções e sustentações necessárias.

Os padrões de seleção de assentos específicos que foram encontrados podem ser divididos em duas hipóteses: a primeira em relação às variáveis de influência da capacidade produtiva dos AAs e a segunda relativa ao estigma social causado aos pacientes por utilizarem certos AAs. No primeiro caso, de capacidade produtiva, na maior parte dos momentos em que a literatura preconiza o uso de assentos com perfil adaptado à anatomia, percebeu-se o uso de assentos retos com suportes laterais, dada a dificuldade em produzir os assentos contornados ao corpo. Esses suportes, prescritos pela maior parte dos participantes, são confeccionados em madeira e em espuma, posicionados em estruturas de cadeiras de rodas pré-adquiridas pela fundação. Além disso, os abdutores e cintos também estão presentes na maior parte dos casos e cumprem função de posicionamento e de segurança dos pacientes, visto que a maior parte dos pacientes possuía movimentações espásticas.

No segundo caso, dado o estigma social que pode surgir quando os pacientes utilizam certas adaptações aos AAs, a maior parte dos profissionais preferiu o uso de apoios laterais em detrimento de mesas e bandejas, a utilização de menos suportes do que o necessário e, em algumas vezes, principalmente no último caso (P6), a retirada de elementos imprescindíveis do assento, no caso o apoio de pés.1717 Cook AM, Polgar JM. Cook and Hussey's assistive technologies: principles and practice. 4 ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2015. 496 p.,2525 Karp G. Choosing a wheelchair: a guide for optimal independence. Cambridge: O’Reilly; 1998.,2828 Waksvik K, Levy R. An approach to seating for the cerebral palsied. Can J Occup Ther. 1979;46(4):147-53. DOI
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Esse estigma ordena pela “normalização” das pessoas com deficiência querendo que se aproximem de uma posição considerada normal. Percebe-se, assim, que algumas decisões são tomadas para que haja menos negatividade e vitimização em relação ao paciente, o que, no entanto, acaba valorizando a estética e não o melhor acesso dos pacientes às suas atividades de vida diária.1717 Cook AM, Polgar JM. Cook and Hussey's assistive technologies: principles and practice. 4 ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2015. 496 p.

Na realização das entrevistas foi solicitado aos participantes que descrevessem um paciente para o qual prescreveram algum tipo de AA; nessas descrições foram apresentados apenas pacientes com deficiências severas e necessidades de múltiplas adaptações. Levanta-se, assim, a hipótese de que os usuários de cadeira de rodas com deformidades pouco severas não são considerados na adaptação dos assentos. Salienta-se, no entanto, que as pequenas deformidades também devem ser posicionadas, visto que se deixadas não atendidas podem agravar-se e tornarem-se um problema.3434 Footer CB. The effects of therapeutic taping on gross motor function in children with cerebral palsy. Pediatr Phys Ther. 2006;18(4):245-52. DOI
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Também pode ser discutido o tempo despendido entre a prescrição do AA e sua confecção, uma vez que há um processo de licitação para a sua compra e fabricação e que provavelmente chegará ao usuário final com certo atraso. Esse problema é de maior impacto em crianças, pois ainda estão em fase de crescimento e passam por outras modificações corporais devido ao seu estado de saúde.1717 Cook AM, Polgar JM. Cook and Hussey's assistive technologies: principles and practice. 4 ed. St. Louis: Mosby Elsevier; 2015. 496 p. Sendo assim, o assento que foi prescrito num dado momento pode ser recebido com os mais diversos problemas, como foi o caso do P1, em que o assento foi considerado pequeno demais para o paciente no momento do recebimento do produto.

Por último, o desconhecimento das diversas possibilidades de adaptação dos AAs pode acarretar restrições na sua construção, causando repetições de elementos conhecidos que nem sempre podem ser a melhor solução para o problema individual. Uma parceria criada com projetistas seria uma possibilidade de aproximar as necessidades dos pacientes e os conhecimentos dos profissionais da saúde.

Conclusão

Neste artigo foi avaliada a situação real da prática de prescrição e adaptação de AAs por profissionais qualificados em um contexto de uma instituição pública estadual. Percebeu-se que nesse contexto a determinação de uma postura adequada é mediada pelas necessidades funcionais, vontades e gostos dos pacientes, bem como das capacidades produtivas do assento, recursos financeiros e tempo de fabricação. Como consequência, os resultados finais obtidos diferem de modelos teóricos considerados ideais.

Apesar de não ser necessariamente o caso dos resultados obtidos pelos participantes do estudo, é importante destacar alguns elementos que devem ser ponderados nos momentos da realização desta atividade na prática. A excessiva criação de concessões a elementos de posicionamento, sob uma ótica da dificuldade de socialização, podem ser prejudiciais aos pacientes. Da mesma maneira, a criação de padrões de adaptação dos assentos sem uma visão crítica de sua real aplicação a um sujeito com características específicas deve ser ponderada, pois tais adaptações podem ser danosas à saúde e à qualidade de vida das pessoas com deficiência.

Além do mais, a capacidade de prescrever e adaptar os assentos pelos profissionais interfere diretamente na qualidade do assento final do paciente. Se o profissional for capaz de realizar a adaptação por si, tendo acesso a todos os fatores envolvidos como recursos materiais, pessoal qualificado, espaços e ferramentas adequados, pode alcançar resultados que se aproximem o máximo possível de sua necessidade real.

Deve-se ainda considerar que pode haver perda de informação no processo de transferência das informações sobre as necessidades de adaptação para agentes que irão desenvolver o assento, resultando, assim, em um assento não adequado ao sujeito-alvo. É necessária, portanto, a criação de sistemas de comunicação robustos e padronizados com os quais a boa comunicação possa ser mantida.

Em adição, sugere-se que em trabalhos futuros seja feita a comparação entre os resultados obtidos no processo de prescrição de assentos adaptados e a capacidade funcional dos indivíduos, preferencialmente usando índices funcionais reconhecidos como a MIF (Escala de Medida de Independência Funcional) ou a CIF (Classificação Internacional da Funcionalidade) como tentativa de encontrar padrões relacionais entre esses dois elementos. Nesta pesquisa isso não foi feito pois na instituição selecionada não eram usados esses padrões de maneira universal, o que dificultaria a comparação entre os casos tal como realizado no artigo apresentado.

Finalmente, acredita-se que o treinamento e atualização dos profissionais referente à capacidade construtiva dos assentos, opções disponíveis, novas tecnologias e estado da arte de AAs, inserção de novos recursos humanos, financeiros e tecnológicos, e melhor planejamento do processo podem ser soluções que possibilitem o desenvolvimento de AAs cada vez melhor adaptados às necessidades dos usuários.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação Catarinense de Educação Especial pela parceria na realização do projeto e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

Editor associado:

Aldo Fontes-Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2020
  • Revisado
    18 Mar 2021
  • Aceito
    14 Maio 2021
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