Acessibilidade / Reportar erro

Incapacidade em pessoas com dor lombar crônica atendidas na atenção primária

Resumo

Introdução:

A dor lombar é um problema musculoesquelético comum e pode tornar-se uma condição crônica, com níveis variados de incapacidade.

Objetivo:

Analisar os fatores associados à incapacidade em indivíduos com dor lombar crônica, acompanhados na Atenção Primária à Saúde.

Métodos:

Estudo transversal realizado com 82 usuários das unidades básicas de saúde do município de Florianópolis (Brasil), com queixa de dor lombar crônica. Foram investigadas variáveis sociodemográficas e clínicas, condições de saúde, estilo de vida e tratamento. A incapacidade percebida foi mensurada pelo questionário Roland Morris (≥ 14 pontos). Na análise inferencial foram utilizados os testes χ2 ou exato de Fisher para associação univariada e presença de incapacidade. A associação multivariável foi analisada por meio do modelo de regressão logística, estimando-se os valores das odds ratio (OR) brutas e ajustadas e seus respectivos IC95%.

Resultados:

Indivíduos adultos com 40-59 anos tiveram maiores chances de ter incapacidade (OR: 8,17; IC95%: 1,21 - 55,0), enquanto aqueles que eram profissionalmente ativos (OR: 0,08; IC95%: 0,02 - 0,33) e que relataram praticar atividade física com frequência ≥ 3 vezes na semana (OR: 0,19; IC95%: 0,04 - 0,83) tiveram menores chances do mesmo desfecho quando comparados aos demais.

Conclusão:

Os fatores relacionados à incapacidade foram idade, situação profissional e frequência de atividade física. Estratégias de incentivo de retorno ao trabalho e prática de atividade física e de exercícios devem ser incentivadas.

Palavras-chave:
Dor lombar; Desempenho físico funcional; Atenção Primária à Saúde

Abstract

Introduction:

Low back pain is a common musculoskeletal problem and can become chronic, with varying degrees of disability.

Objective:

Analyze the factors associated with disability in individuals with chronic low back pain (CLBP), treated in primary care.

Methods:

Cross-sectional study with 82 basic health unit (BHU) users in the municipality of Florianópolis (Brazil) with CLBP. Sociodemographic and clinical variables, health status, lifestyle and treatment were investigated. Self-rated disability was investigated using the Roland Morris questionnaire (≥ 14 points). The χ2 or Fisher’s exact tests were used in inferential analysis for univariate association and the presence of disability. Multivariate association was analyzed by logistical regression, estimating the crude and adjusted odds ratios (OR) and their respective confidence intervals (95%CI).

Results:

Adults aged 40-59 years had a greater chance of developing disability (OR: 8.17; 95%: 1.21 - 55.0), while professionally active individuals (OR: 0.08; 95%CI: 0.02 - 0.33) who reported engaging in physical activity ≥ 3 times a week (OR: 0.19; IC95%: 0.04 - 0.83) had less chance of the same outcome when compared to the other participants.

Conclusion:

Factors related to disability were age, employment status and frequency of physical activity. Incentive strategies to return to work and engage in regular physical activity and exercise should be encouraged.

Keywords:
Low back pain; Physical and functional performance; Primary care

Introdução

A dor lombar é um problema musculoesquelético comum, mas pode causar um enorme impacto social e econômico, sendo considerada a principal causa de limitação nas atividades e ausência no trabalho.1 Geralmente a resolução completa dos sintomas dolorosos ocorre em poucas semanas, mas em aproximadamente 15% das pessoas eles persistem,2 tornando-se uma condição crônica, com níveis variáveis de incapacidade.

A incapacidade relacionada à dor lombar crônica (DLC), caracterizada por dificuldades em executar atividades da vida diária em casa e/ou no trabalho,3 é um problema de saúde pública, pois interfere diretamente na vida social, profissional e familiar dos indivíduos.3-6 Consequentemente, a DLC é considerada um dos problemas mais frequentes nas consultas na Atenção Primária à Saúde7,8 e necessita de ações e estratégias multidisciplinares voltadas para o cuidado dessa população.

Alguns estudos têm demonstrado que altos níveis de incapacidade estão diretamente associados a pobres resultados na recuperação.99 Costa LCM, Maher CG, McAuley JH, Hancock MJ, Herbert RD, Refshauge KM, et al. Prognosis for patients with chronic low back pain: Inception cohort study. BMJ. 2009;339:b3829. DOI
DOI...
,1010 Verkerk K, Luijsterburg PAJ, Heymans MW, Ronchetti I, Pool-Goudzwaard AL, Miedema HS, et al. Prognosis and course of disability in patients with chronic nonspecific low back pain: A 5-and 12-month follow-up cohort study. Phys Ther. 2013;93(12):1603-14. DOI
DOI...
Entre os fatores já estabelecidos na literatura relacionados à incapacidade provocada pela DLC, destaca-se a intensidade da dor, alguns fatores sociodemográficos (gênero e ausência de trabalho remunerado) e psicossociais.33 Salvetti MG, Pimenta CAM, Braga PE, Corrêa CF. Disability related to chronic low back pain: Prevalence abd associated factors. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(Esp):16-23. DOI
DOI...
,1111 Foster NE, Thomas E, Bishop A, Dunn KM, Main CJ. Distinctiveness of psychological obstacles to recovery in low back pain patients in primary care. Pain. 2010;148(3):398-406. DOI
DOI...
,1212 Lee H, Hübscher M, Moseley GL, Kamper SJ, Traeger AC, Mansell G, et al. How does pain lead to disability? A systematic review and meta-analysis of mediation studies in people with back and neck pain. Pain. 2015:156(6):988-97. DOI
DOI...
No entanto, considerando a DLC como uma condição multideterminada, outros aspectos relacionados às condições de saúde e aos comportamentos de saúde também precisam ser investigados.

Com o intuito de ampliar o conhecimento sobre os aspectos relacionados com a incapacidade na DLC, e considerando que essas informações podem ser úteis para direcionar ações de promoção de saúde, prevenção e reabilitação, o presente estudo tem como objetivo analisar fatores associados à incapacidade em pessoas com DLC que utilizam os serviços de Atenção Primária à Saúde.

Métodos

Desenho do estudo

Estudo quantitativo, descritivo e transversal, reali-zado com usuários da Atenção Primária no período de maio/2014 a julho/2015.

Critérios de seleção

Participaram do estudo pessoas com idade igual ou superior a 18 anos, que apresentavam como queixa principal dor lombar por tempo superior a seis meses e utilizavam os serviços das Unidades Básicas de Saúde (UBS) há mais de 12 meses.

Foram excluídas as pessoas que apresentavam problemas de saúde que prejudicassem as respostas durante a entrevista (comprometimento cognitivo, como nos casos de sequelas neurológicas graves) e/ou impossibilidade de compreensão das respostas ao questionário, e desistência de participar do estudo após ter respondido parte das questões contidas na entrevista.

Coleta de dados

Os participantes foram captados para este estudo durante a participação em grupos de autocuidado e de atividade física (AF) em um dos distritos sanitários do município de Florianópolis, SC, composto por 12 UBS e 27 equipes de saúde da família (ESF), apresentando uma população estimada em 98.486 habitantes.

Os pesquisadores visitaram 34 grupos de autocuidado (para dores crônicas) e de AF para divulgar a pesquisa e identificar indivíduos com dor lombar crônica que tivessem interesse em participar do estudo. Solicitou-se aos indivíduos que atendiam os critérios de inclusão o preenchimento e assinatura de uma ficha com dados para contato e agendamento da coleta dos dados.

As entrevistas foram agendadas por contato telefônico e realizadas nas UBS (n = 69) ou residências dos participantes (n = 12). A coleta de dados foi obtida através de entrevistas face a face, realizadas por duas fisioterapeutas e uma estudante de enfermagem.

Instrumentos de coleta

Foram aplicados dois instrumentos de coleta de dados: um questionário estruturado elaborado para a pesquisa e o questionário Roland Morris (QRM) para avaliar o nível de incapacidade.

O questionário estruturado contemplou a coleta de informações relacionadas às características sociodemográficas (sexo, idade, escolaridade, situação profissional e renda familiar), comportamentais (frequência de AF, tabagismo e índice de massa corporal), clínicas e de condições de saúde (autopercepção de saúde, presença de hérnia de disco, outras doenças crônicas e qualidade do sono), e relacionadas ao tratamento (medicação e orientações para o autocuidado).

O QRM, validado e adaptado para população brasileira,1313 Nusbaum L, Natour J, Ferraz MB, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire - Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res. 2001;34(2):203-10. DOI
DOI...
foi aplicado para medir a incapacidade percebida em pessoas com dor lombar. O questionário é composto por 24 afirmações relacionadas às atividades de vida diária. A pontuação é calculada pelo número total de perguntas assinaladas com a resposta “sim”, variando de 0 (nenhuma incapacidade) a 24 pontos (incapacidade grave). Nesse estudo, usou-se o ponto de corte de 14 pontos para cima para determinar a presença de incapacidade.1414 World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. Geneva: World Health Organization; 1995. Full text link
Full text link ...

Análise das variáveis

A coleta de dados foi organizada segundo a idade (até 39 anos; entre 40 e 59 anos; 60 anos ou mais) e escolaridade (0 - 4 anos; 5 - 8 anos; 9- 11 anos; 12 anos ou mais). Em relação à situação profissional, considerou-se como “não ativos” os participantes que estavam afastados, desempregados ou aposentados, e “ativos” os indivíduos que estavam exercendo sua função profissional no momento do estudo. A renda familiar foi coletada em salários mínimos (SM) e classificada em baixa ≤ 3 SM e média/alta > 3. Em relação à AF, foram considerados os indivíduos praticantes de acordo com a frequência semanal (nunca; ≤ 2vezes na semana; ≥ 3 vezes na semana). Em relação à variável tabagismo, três categorias foram consideradas: não fumante, ex-fumante e fumante. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado e classificado em normal (18,5 a 24,9), sobrepeso (25 a 29,9) e obesidade (≥ 30).1515 Wilkens P, Scheel IB, Grundnes O, Hellum C, Storheim K. Prognostic factors of prolonged disability in patients with chronic low back pain and lumbar degeneration in primary care: A cohort study. Spine (Phila Pa 1976). 2013;38(1):65-74. DOI
DOI...

A autopercepção de saúde e a qualidade do sono foram avaliadas através das questões: Como você considera sua saúde? e Como você considera a qualidade do seu sono? Para ambas, as respostas foram dicotomizadas em: boa (excelente/boa/regular) e ruim (ruim/muito ruim).

A presença de hérnia de disco foi identificada por meio de laudos de diagnósticos por imagem. A presença de outras doenças crônicas foi considerada quando o participante declarava fazer acompanhamento e tratamento para pelo menos uma das seguintes condições: hipertensão arterial, diabetes mellitus, doenças pulmonares obstrutivas crônicas, fibromialgia, depressão/ansiedade.

O uso de medicação foi avaliado por intermédio do questionamento: Atualmente você utiliza algum medicamento para controlar ou aliviar a dor? A variável “orientações para autocuidado” foi avaliada através da pergunta: Durante o atendimento pelos profissionais de saúde você recebeu orientações para cuidar da sua dor lombar?

Análise e tratamento dos dados

Os dados foram duplamente digitados no programa Microsoft Excel 2010 (dois pesquisadores digitaram os dados e depois as tabelas foram comparadas), validados e transportados para análise no software Stata versão 13.0 (Stata Corp, College Station, Texas, USA). Para todas as variáveis coletadas foram calculadas as frequências absolutas e relativas. Na análise inferencial foram utilizados os testes χ2 ou exato de Fisher para associação univariada e presença de incapacidade. A associação multivariável foi analisada por meio do modelo de regressão logística, estimando-se os valores das odds ratio (OR) brutas e ajustadas e seus respectivos IC95%.

O modelo hierárquico foi adotado na análise multivariável para ajustar a variável dependente às variáveis explicativas. A entrada das variáveis no modelo seguiu a ordem de quatro níveis de ajuste: 1) variáveis sociodemográficas; 2) variáveis comportamentais; 3) variáveis relacionadas à condição de saúde; 4) variáveis relacionadas ao tratamento. Para a entrada das variáveis no modelo ajustado, o critério adotado foi o valor de p ≤ 0,20 na análise univariada. Na análise multivariável, as variáveis de ajuste foram aquelas do mesmo nível e do nível superior que apresentaram valor de p < 0,05.

Aspectos éticos

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Estado de Santa Catarina (parecer n. 252540, de 23/04/2013) e atende à resolução n.º 466/12, referente às pesquisas que envolvem seres humanos.

Resultados

Ao final do processo de recrutamento, 82 usuários participaram das entrevistas e foram incluídos nesse estudo (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do processo de recrutamento e composição da amostra.

A maioria dos participantes era do sexo feminino (80,5%), com média de idade de 55,5 anos (desvio padrão - DP = 12,6 anos), 12 ou mais anos de estudo e renda familiar considerada baixa. Em relação à atividade profissional, 51,2% não exerciam atividades profissionais remuneradas no momento da entrevista. Em relação à dor lombar, o tempo médio de duração dos sintomas foi de 10 anos (DP = 9,67 anos). A pontuação média do QRM foi de 12,3 pontos (DP = 6,8) e a prevalência de incapacidade foi de 45,1% (IC95%: 34,5 - 56,1).

A análise univariada mostrou associações estatisti-camente significativas entre incapacidade e as seguintes variáveis: idade, situação profissional, frequência de AF, IMC, percepção de saúde, presença de doenças crônicas, qualidade do sono, uso de medicação e recebimento de orientações para autocuidado, conforme valores apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos participantes e prevalência de incapacidade (análise univariada)

Após os modelos de ajuste, as variáveis que permaneceram associadas significativamente à presença de incapacidade foram idade, situação profissional e frequência de AF. Os resultados apontaram que a chance de apresentar incapacidade foi 8,17 vezes maior nos indivíduos com idade entre 40 e 59 anos quando comparados aos que tinham até 39 anos. Aqueles que relataram ser profissionalmente ativos e que praticavam AF três ou mais vezes na semana tiveram 92% e 81% menores chances de apresentar incapacidade quando comparados aos inativos e aos que nunca praticavam AF, respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2
Associação entre incapacidade percebida e as variáveis sociodemográficas e condição de saúde (análise multivariável)

Discussão

Os resultados apontaram que entres as característi-cas sociodemográficas, a idade e a situação profissional, e entre as comportamentais, a maior frequência de AF, foram as variáveis associadas à incapacidade entre os participantes do estudo.

Em relação à idade, os indivíduos adultos (entre 40 e 59 anos) tiveram maiores chances de ter incapacidade quando comparados aos adultos mais novos (até 39 anos) e aos idosos. Estudos que abordam pessoas com dor lombar crônica apresentam resultados controversos quanto à relação entre idade e incapacidade. Em estudos prévios,3,15 a idade não foi apontada como fator relacionado com a incapacidade, no entanto, apenas adultos foram investigados. A este respeito, outros autores1616 Houde F, Cabana F, Léonard G. Does age affect the relationship between pain and disability? A descriptive study in individuals suffering from chronic low back pain. J Geriatr Phys Ther. 2016;39(3):140-5. DOI
DOI...
não identificaram associação entre idade mais avançada e incapacidade na linha de base, mas a mesma foi preditora de maior incapacidade na avaliação dos pacientes após um ano. Já a intensidade da dor parece estar relacionada com incapacidade, sendo a primeira maior em indivíduos mais jovens quando comparados com idosos.1717 Jegan NRA, Brugger M, Viniol A, Strauch K, Barth J, Baum E, et al. Psychological risk and protective factors for disability in chronic low back pain - a longitudinal analysis in primary care. BMC Musculoskelet Disord. 2017;18(1):114. DOI
DOI...
Sugere-se que a dor explica a maior parte da variância em indivíduos jovens, mas que outros fatores, tais como autoeficácia, humor, nível de força muscular e condicionamento, possam contribuir para a percepção da incapacidade, produzindo resultados diferentes em adultos e idosos. Nem sempre é possível distinguir a incapacidade causada especificamente pela dor, sugerindo que a presença de outras dores e multimorbidades podem interferir na percepção sobre a incapacidade funcional provocada pela dor lombar crônica.1616 Houde F, Cabana F, Léonard G. Does age affect the relationship between pain and disability? A descriptive study in individuals suffering from chronic low back pain. J Geriatr Phys Ther. 2016;39(3):140-5. DOI
DOI...

Outro fator associado à incapacidade foi a situação profissional. As pessoas que estavam desenvolvendo suas atividades profissionais tinham menos chances de apresentar incapacidade. Outros estudos que analisaram pacientes com dor lombar crônica mostraram que pessoas que não estão empregadas apresentam maior chance de incapacidade,1010 Verkerk K, Luijsterburg PAJ, Heymans MW, Ronchetti I, Pool-Goudzwaard AL, Miedema HS, et al. Prognosis and course of disability in patients with chronic nonspecific low back pain: A 5-and 12-month follow-up cohort study. Phys Ther. 2013;93(12):1603-14. DOI
DOI...
,1818 Grotle M, Foster NE, Dunn KM, Croft P. Are prognostic indicators for poor outcome different for acute and chronic low back pain consulters in primary care? Pain. 2010;151(3):790-7. DOI
DOI...
,1919 Garcia BT, Vieira EBM, Garcia JBS. Relationship between chronic pain and working activities in patients with painful syndromes. Rev Dor. 2013;14(3):204-9. DOI
DOI...
e que uma maior participação em atividades profissionais parece estar relacionada com melhor recuperação dos sintomas produzidos pela DLC.1010 Verkerk K, Luijsterburg PAJ, Heymans MW, Ronchetti I, Pool-Goudzwaard AL, Miedema HS, et al. Prognosis and course of disability in patients with chronic nonspecific low back pain: A 5-and 12-month follow-up cohort study. Phys Ther. 2013;93(12):1603-14. DOI
DOI...

Ressalta-se que no presente estudo foram conside-rados inativos não somente as pessoas que não tinham um trabalho remunerado, mas também os aposentados e afastados (por doença) de suas atividades profissionais, sugerindo que estes indivíduos também têm maior probabilidade de desenvolver incapacidade. Estar longe de atividades laborais pode ter relação com a incapacidade, pois os indivíduos tendem a dar mais atenção à dor, sentindo-se muitas vezes desvalorizados socialmente.3 Pessoas que continuam suas atividades profissionais, ainda que parcialmente, geralmente mantêm-se fisicamente mais ativas e com maior convívio social, sendo esses fatores relacionados com melhores resultados na recuperação funcional.1010 Verkerk K, Luijsterburg PAJ, Heymans MW, Ronchetti I, Pool-Goudzwaard AL, Miedema HS, et al. Prognosis and course of disability in patients with chronic nonspecific low back pain: A 5-and 12-month follow-up cohort study. Phys Ther. 2013;93(12):1603-14. DOI
DOI...

Entre os fatores comportamentais, a prática de AF se associou com a presença de incapacidade, apontando que pessoas com DLC que não praticavam nenhuma atividade física tinham maior probabilidade de apresentar incapacidade funcional. Esses resultados corroboram os encontrados em uma revisão sistemática20 que também aponta associação entre prática de AF e incapacidade. Ressalta-se que embora a Organização Mundial de Saúde2121 World Health Organization. Global recommendations on physical activity for health. Geneva: World Heal Organization; 2010. Full text link
Full text link...
preconize 150 minutos de AF moderada por semana para manter as funções cardiorrespiratórias e musculares, os resultados encontrados sugerem que a AF, mesmo quando praticada em menor tempo do que o recomendado, pode ser benéfica para essa população.

A associação entre inatividade física e incapacidade pode ser interpretada de acordo com o modelo medo/evitação da dor, que tem como eixo central a forma como as pessoas interpretam a sua dor.2222 Leeuw M, Goossens MEJB, Linton SJ, Crombez G, Boersma K, Vlaeyen JWS. The fear-avoidance model of musculoskeletal pain: current state of scientific evidence. J Behav Med. 2007;30(1):77-94. DOI
DOI...
Uma interpretação catastrófica do que é suscetível de gerar medo da dor e/ou uma nova lesão leva a comportamentos de prevenção e proteção em situações que envolvam potencialmente níveis mais elevados de dor ou danos, como as práticas de AF e/ou outras atividades de lazer que envolvam movimento e exercícios.23

No presente estudo, aproximadamente metade da amostra não praticava nenhuma modalidade de exercícios. Estilos de vida que não incluem AF (lazer, trabalho, atividades domésticas) e/ou exercício costumam estar associados ao comportamento sedentário, que tem sido apontado como um dos fatores relacionados a outras condições crônicas (diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, depressão).24 No entanto o mesmo pode ser modificado através de ações e práticas de promoção de saúde, como as ações ofertadas na Atenção Primária, que incentivam a realização de exercícios e AF como lazer. Nesse sentido, a Política Nacional de Promoção de Saúde no Brasil tem promovido a ampliação de ações que estimulem a AF nas comunidades,2525 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. LFull text link
LFull text link...
e embora as mesmas não sejam destinadas às populações específicas, sugere-se que essas ações também sejam ofertadas para pessoas com dores crônicas.

No caso das pessoas com DLC, a prática de exercícios e AF é recomendada como parte da terapêutica em função dos seus benefícios no alívio da dor e redução da incapacidade.88 Jordan KP, Jöud A, Bergknut C, Croft P, Edwards JJ, Peat G, et al. International comparisons of the consultation prevalence of musculoskeletal conditions using population-based healthcare data from England and Sweden. Ann Rheum Dis. 2014;73(1):212-8. DOI
DOI...
A prática de exercícios e/ou AF como lazer, em intensidade moderada ou vigorosa, pode reduzir a dor e incapacidade.26 Além disso, a AF também está associada ao bem-estar físico, mental e inclusão social dos indivíduos,2727 Souza JB. Can exercise induce analgesia in patients with chronic pain? Rev Bras Med Esporte. 2009;15(2):145-50. DOI
DOI...
tornando-se dessa forma uma ferramenta potencialmente útil à promoção da saúde para populações com dores crônicas.

Apesar de suas limitações (desenho transversal, amostragem por conveniência e medidas autorreferidas), que restringem a generalização dos resultados, o presente estudo apresenta relevância por ampliar a investigação dos fatores associados à incapacidade funcional em um grupo de pessoas com DLC que são acompanhadas na Atenção Primária à Saúde, sendo um contexto ainda pouco explorado em alguns países, como o Brasil.

Sugere-se, portanto, a ampliação de estudos sobre a incapacidade em usuários dos serviços da Atenção Primária, principalmente em relação aos fatores preditores de incapacidade e fatores de risco modificáveis, que possam ser prevenidos e trabalhados pelos profissionais de saúde. Além disso, propõe-se também a utilização de instrumentos para ampliar a investigação sobre outros parâmetros relacionados à prática de exercícios (frequência, duração, intensidade, modalidade).

Conclusão

Os resultados apresentados sugerem que a idade, situação profissional e frequência de atividade física são fatores associados com a incapacidade em pessoas com dor lombar crônica. As estratégias de atenção à saúde para essa população devem ser direcionadas para o incentivo de atividade física e/ou exercícios e retorno ao trabalho.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina - FAPESC (Santa Catarina, Brasil) pelo financiamento recebido.

References

  • 1
    Hoy D, March L, Brooks P, Blyth F, Woolf A, Bain C, et al. The global burden of low back pain: Estimates from the Global Burden of Disease 2010 study. Ann Rheum Dis. 2014;73(6):968-74. DOI
    » DOI
  • 2
    Gore M, Sadosky A, Stacey BR, Tai KS, Leslie D. The burden of chronic low back pain: Clinical comorbidities, treatment patterns, and health care costs in usual care settings. Spine (Phila Pa 1976). 2012;37(11):E668-77. DOI
    » DOI
  • 3
    Salvetti MG, Pimenta CAM, Braga PE, Corrêa CF. Disability related to chronic low back pain: Prevalence abd associated factors. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(Esp):16-23. DOI
    » DOI
  • 4
    Souza L, Oliver Frank A. Patients’ experiences of the impact of chronic back pain on family life and work. Disabil Rehabil. 2011;33(4):310-8. DOI
    » DOI
  • 5
    Bailly F, Foltz V, Rozenberg S, Fautrel B, Gossec L. The impact of chronic low back pain is partly related to loss of social role: a qualitative study of 25 patients. Osteoarthr Cartil. 2014;22:S438. DOI
    » DOI
  • 6
    Hartvigsen J, Hancock MJ, Kongsted A, Louw Q, Ferreira ML, Genevay S, et al. What low back pain is and why we need to pay attention. Lancet. 2018;391(10137):2356-67. DOI
    » DOI
  • 7
    St Sauver JL, Warner DO, Yawn BP, Jacobson DJ, McGree ME, Pankratz JJ, et al. Why patients visit their doctors: Assessing the most prevalent conditions in a defined American population. Mayo Clin Proc. 2013;88(1):56-67. DOI
    » DOI
  • 8
    Jordan KP, Jöud A, Bergknut C, Croft P, Edwards JJ, Peat G, et al. International comparisons of the consultation prevalence of musculoskeletal conditions using population-based healthcare data from England and Sweden. Ann Rheum Dis. 2014;73(1):212-8. DOI
    » DOI
  • 9
    Costa LCM, Maher CG, McAuley JH, Hancock MJ, Herbert RD, Refshauge KM, et al. Prognosis for patients with chronic low back pain: Inception cohort study. BMJ. 2009;339:b3829. DOI
    » DOI
  • 10
    Verkerk K, Luijsterburg PAJ, Heymans MW, Ronchetti I, Pool-Goudzwaard AL, Miedema HS, et al. Prognosis and course of disability in patients with chronic nonspecific low back pain: A 5-and 12-month follow-up cohort study. Phys Ther. 2013;93(12):1603-14. DOI
    » DOI
  • 11
    Foster NE, Thomas E, Bishop A, Dunn KM, Main CJ. Distinctiveness of psychological obstacles to recovery in low back pain patients in primary care. Pain. 2010;148(3):398-406. DOI
    » DOI
  • 12
    Lee H, Hübscher M, Moseley GL, Kamper SJ, Traeger AC, Mansell G, et al. How does pain lead to disability? A systematic review and meta-analysis of mediation studies in people with back and neck pain. Pain. 2015:156(6):988-97. DOI
    » DOI
  • 13
    Nusbaum L, Natour J, Ferraz MB, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire - Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res. 2001;34(2):203-10. DOI
    » DOI
  • 14
    World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. Geneva: World Health Organization; 1995. Full text link
    » Full text link
  • 15
    Wilkens P, Scheel IB, Grundnes O, Hellum C, Storheim K. Prognostic factors of prolonged disability in patients with chronic low back pain and lumbar degeneration in primary care: A cohort study. Spine (Phila Pa 1976). 2013;38(1):65-74. DOI
    » DOI
  • 16
    Houde F, Cabana F, Léonard G. Does age affect the relationship between pain and disability? A descriptive study in individuals suffering from chronic low back pain. J Geriatr Phys Ther. 2016;39(3):140-5. DOI
    » DOI
  • 17
    Jegan NRA, Brugger M, Viniol A, Strauch K, Barth J, Baum E, et al. Psychological risk and protective factors for disability in chronic low back pain - a longitudinal analysis in primary care. BMC Musculoskelet Disord. 2017;18(1):114. DOI
    » DOI
  • 18
    Grotle M, Foster NE, Dunn KM, Croft P. Are prognostic indicators for poor outcome different for acute and chronic low back pain consulters in primary care? Pain. 2010;151(3):790-7. DOI
    » DOI
  • 19
    Garcia BT, Vieira EBM, Garcia JBS. Relationship between chronic pain and working activities in patients with painful syndromes. Rev Dor. 2013;14(3):204-9. DOI
    » DOI
  • 20
    Lin CWC, McAuley JH, Macedo L, Barnett DC, Smeets RJ, Verbunt JA. Relationship between physical activity and disability in low back pain: A systematic review and meta-analysis. Pain. 2011;152(3):607-13. DOI
    » DOI
  • 21
    World Health Organization. Global recommendations on physical activity for health. Geneva: World Heal Organization; 2010. Full text link
    » Full text link
  • 22
    Leeuw M, Goossens MEJB, Linton SJ, Crombez G, Boersma K, Vlaeyen JWS. The fear-avoidance model of musculoskeletal pain: current state of scientific evidence. J Behav Med. 2007;30(1):77-94. DOI
    » DOI
  • 23
    Zale EL, Ditre JW. Pain-related fear, disability, and the fear - Avoidance model of chronic pain. Curr Opin Psychol. 2015;5:24-30. DOI
    » DOI
  • 24
    Vuori IM, Lavie CJ, Blair SN. Physical activity promotion in the health care system. Mayo Clin Proc. 2013;88(12):1446-61. DOI
    » DOI
  • 25
    Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. LFull text link
    » LFull text link
  • 26
    Pinto RZ, Ferreira PH, Kongsted A, Ferreira ML, Maher CG, Kent P. Self-reported moderate-to-vigorous leisure time physical activity predicts less pain and disability over 12 months in chronic and persistent low back pain. Eur J Pain. 2014;18(8): 1190-8. DOI
    » DOI
  • 27
    Souza JB. Can exercise induce analgesia in patients with chronic pain? Rev Bras Med Esporte. 2009;15(2):145-50. DOI
    » DOI

Editado por

Editora associada:

Angélica Cavalcanti de Sousa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2020
  • Revisado
    16 Ago 2021
  • Aceito
    18 Ago 2021
Pontifícia Universidade Católica do Paraná Rua Imaculada Conceição, 1155 - Prado-Velho -, Curitiba - PR - CEP 80215-901, Telefone: (41) 3271-1608 - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: revista.fisioterapia@pucpr.br