Acupuntura no alívio da dor oncológica: revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados

Resumo

Introducão:

A dor oncológica implica em elevado impacto à saúde e qualidade de vida dos pacientes, sendo o tratamento baseado fundamentalmente no uso de opioides.

Objetivo:

Relatar a efetividade da acupuntura no tratamento da dor oncológica (secundária à doença ou ao seu tratamento) para o alívio do quadro álgico ou redução do consumo de opioides em comparação a outras intervenções.

Métodos:

Revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados orientada pelas recomendações do Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions. Foram selecionados estudos obtidos na Pubmed, Web of Science e CENTRAL.

Resultados:

A estratégia de busca resultou na inclusão de oito estudos, dos quais cinco compararam acupuntura e terapia farmacológica, enquanto três compararam acupuntura e placebo. Observou-se redução da dor e do consumo de analgésicos em sete estudos. Os ensaios apresentaram heterogeneidade clínica, inviabilizando a realização de metanálise.

Conclusão:

Os achados obtidos não fornecem evidências robustas para sustentar a utilização rotineira da acupuntura enquanto terapia adjuvante no tratamento da dor oncológica. Sua utilização, no entanto, é promissora, uma vez que os resultados apontaram uma tendência na redução da dor e no consumo de analgésicos, justificando, assim, a condução de novos estudos.

Palavras-chave:
Acupuntura; Dor oncológica; Terapias complementares; Prática clínica baseada em evidências

Abstract

Introduction:

Cancer pain has a considerable impact on patients’ health and quality of life, and its treatment is essentially based on opioid use.

Objective:

To report the effectiveness of acupuncture in relieving cancer pain (secondary to the disease or to the corresponding therapy) or in decreasing opioid use compared to other interventions.

Methods:

A systematic review of randomized clinical trials was conducted following the guidelines of the Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions. The trials were selected from the PubMed, Web of Science, and Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL) databases.

Results:

The search strategy resulted in the inclusion of eight trials, of which five compared acupuncture and drug therapy and three compared acupuncture and placebo. Seven trials reported decreased pain and analgesic use. The trials showed clinical heterogeneity, making a meta-analysis unfeasible.

Conclusion:

The findings herein provided no robust evidence to support the routine use of acupuncture as an adjuvant therapy in the treatment of cancer pain. However, its use is promising since the results showed a trend toward decreased pain and analgesic use, thus justifying further studies in the future.

Keywords:
Acupuncture; Cancer pain; Complementary therapies; Evidence-based clinical practice

Introdução

A dor oncológica é um dos principais sintomas em pacientes com câncer avançado, sendo causada principalmente pelo crescimento tumoral, infiltração de tecidos moles ou estruturas adjacentes, compressão nervosa, bem como consequência das modalidades terapêuticas de controle e tratamento do câncer, como intervenções cirúrgicas, quimioterapia e radioterapia,¹ eventualmente tornando-se uma sequela de longo prazo do tratamento oncológico.²

A alta prevalência deste evento é um problema global no campo da saúde. Cerca de 40% dos indivíduos recém-diagnosticados com câncer ou em estágio intermediário e 90% com câncer avançado apresentam quadro de dor de moderada a grave.³ Apesar da disponibilidade de tratamentos eficazes, a dor relacionada ao câncer pode ser inadequadamente controlada em até 50% dos pacientes.⁴

A primeira linha de tratamento da dor oncológica envolve a administração de analgésicos opioides, no entanto, essa intervenção pode resultar em efeitos colaterais como sedação, depressão respiratória, constipação e náuseas, o que compromete a qualidade de vida dos pacientes.^1,5 O uso de opioides a longo prazo pode causar dependência devido às altas doses prescritas e, consequentemente, aumento da prevalência de mortes por overdose.⁶ Neste cenário, ganha notoriedade a adoção da oncologia integrativa, que contempla o uso de terapias complementares às convencionais com o objetivo de melhorar o bem-estar e a qualidade de vida e aliviar os sintomas da doença e os efeitos colaterais da oncoterapia.⁷

A oncologia integrativa adota elementos da medicina tradicional chinesa e, dentre as alternativas terapêuticas, a acupuntura tornou-se uma intervenção complementar amplamente empregada para controlar uma variedade de sintomas e condições associadas ao câncer e aos efeitos adversos relacionados ao tratamento da doença.⁸

A acupuntura refere-se a um grupo terapêutico de técnicas caracterizadas pela inserção de agulhas em pontos específicos da pele (acupontos), seguida ou não por manipulação manual ou por estimulação elétrica.⁹ As agulhas regulam os níveis de opioides endógenos, serotonina e norepinefrina, assim como inibem nociceptores viscerais, citocinas inflamatórias e estimulam o sistema nervoso central.¹⁰

A incidência elevada do câncer e o aumento da sobrevida dos pacientes pressupõem novas estratégias de cuidados para os sintomas relacionados à doença, ou aqueles induzidos pelos tratamentos, e aos que precisam das ações paliativas para melhorar sua qualidade de vida. Nesta perspectiva, a acupuntura pode ser considerada como uma forma complementar de tratamento, especialmente para problemas clínicos para os quais as alternativas de tratamento convencionais são limitadas.¹¹

Mediante o exposto, o objetivo deste estudo é relatar a efetividade da acupuntura no tratamento da dor oncológica (secundária à doença ou ao seu tratamento) para o alívio do quadro álgico ou redução do consumo de opioides em comparação a outras intervenções.

Métodos

Trata-se de uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados, norteada pelas recomendações do Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions, versão 6.0,¹² relatada por meio do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA).¹³ A revisão foi protocolada no "International Prospective Register of Systematic Reviews" (PROSPERO), sob registro CRD42018111689.

Para a elaboração da questão de pesquisa, utilizou-se o acrônimo PICO. A questão norteadora foi: qual a efetividade da acupuntura no tratamento da dor oncológica (secundária à doença e/ou oncoterapia) quando comparada a diferentes técnicas de acupuntura, acupuntos, sham acupuncture ou terapia farmacológica no que tange a redução dos sintomas álgicos e do consumo de analgésicos?

A localização e seleção de estudos primários que respondam à pergunta de pesquisa demandaram uma estratégia rigorosa de busca que resultou em seleção dos estudos de forma abrangente, completa, objetiva e reprodutível para evitar riscos de viés ou não inclusão de estudos relevantes. Foram considerados ensaios clínicos randomizados que avaliaram o uso da acupuntura como estratégia para o alívio da dor oncológica secundária à doença ou à oncoterapia, quando comparada a outras estratégias de controle (farmacológicas ou não).

Não houve restrições quanto à data de publicação ou idioma (excetuando-se estudos disponíveis somente em mandarim). Foram excluídos estudos com outros delineamentos metodológicos ou que descreveram a utilização da acupuntura em outras doenças ou sintomas.

Uma pesquisa abrangente da literatura foi realizada entre janeiro e abril de 2020 nos bancos de dados internacionais MEDLINE/Pubmed, Web of Science (WOS) e Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), mediante utilização dos termos do Medical Subject Headings (MeSH Terms): “cancer pain” e “acupuncture.” Foram considerados seus sinônimos, a combinação dos termos por meio dos operadores booleanos “AND” e “OR”, e a utilização dos símbolos de truncagem “*” (Cochrane e Pubmed) e “$” (WOS) (Tabela 1).

Tabela 1
Estratégia de busca e bases de dados

Banco de dados	Descritores
Pubmed/ MEDLINE	(((((((((acupuncture[Title/Abstract] OR "acupuncture"[All Fields]) OR "acupuncture therapy"[Title/Abstract] OR "acupuncture therapy"[All Fields]) OR electroacupuncture[Title/Abstract]) OR "electroacupuncture"[All Fields]) OR "acupuncture points"[Title/Abstract] OR "acupuncture points"[All Fields]) OR acupoint*[Title/Abstract]) OR acupoint*[All Fields]) OR auriculotherapy[Title/Abstract]) OR "auriculotherapy"[All Fields])) OR "intradermal acupuncture"[Title/Abstract]) OR "intradermal acupuncture"[All Fields]) AND "cancer pain"[Title/Abstract] OR "cancer pain"[All Fields]) AND ((clinical[Title/Abstract] AND trial[Title/Abstract]) OR clinical trials as topic[MeSH Terms] OR clinical trial[Publication Type] OR random*[Title/Abstract] OR random allocation[MeSH Terms] OR therapeutic use[MeSH Subheading])
Web of Science	((acupuncture OR "acupuncture therapy" OR electroacupuncture OR "acupuncture points" OR acupoint OR auriculotherapy OR "intradermal acupuncture" AND "cancer pain")) AND TÓPICO: (("clinical trial"))
Cochrane Central	SEARCH #1: (acupuncture):ti,ab,kw SEARCH #2: (“acupuncture therapy”):ti,ab,kw SEARCH #3: (electroacupunture):ti,ab,kw SEARCH #4: (“acupuncture points”):ti,ab,kw SEARCH #5: (acupoint):ti,ab,kw SEARCH #6: (auriculotherapy):ti,ab,kw SEARCH #7: (“intradermal acupuncture”):ti,ab,kw SEARCH #8: (“cancer pain”):ti,ab,kw SEARCH #9: (#1 OR #2 OR #3 OR #4 OR #5 OR #6 OR #7) AND #8

Complementarmente, realizou-se a busca por literatura cinzenta, que consiste na identificação de estudos como relatórios governamentais, teses, dissertações e resumos publicados em anais de congressos e no banco de dados ClinicalTrials.gov (U.S National Library of Medicine). Também foram investigadas as listas de referências dos ensaios clínicos randomizados recuperados a fim de identificar estudos potencialmente elegíveis que não foram localizados na estratégia de busca.

Todos os estudos recuperados foram triados e avaliados quanto à sua elegibilidade de acordo com os critérios de inclusão por dois revisores independentes. O processo de triagem e seleção contemplou duas fases: (i) avaliação dos títulos e dos resumos de todos os estudos identificados; (ii) leitura na íntegra dos estudos selecionados e justificação das exclusões. O nível de concordância entre os revisores sobre inclusão ou exclusão de estudos foi determinado pela medida Kappa.

Os dados obtidos foram organizados para apresentação em uma síntese narrativa contemplando: autoria e ano de publicação, país de origem, título do manuscrito e periódico, além das informações clínicas como número de participantes, grupos de intervenção e comparação, tempo e principais desfechos. A análise crítica dos estudos incluídos foi realizada por meio da ferramenta Cochrane Risk of Bias Tool para avaliação do risco de viés, disponível no programa Review Manager, versão 5.3.¹⁴

Os estudos foram julgados por dois revisores segundo as categorias baixo risco de viés, alto risco de viés e risco indeterminado de viés para os domínios: geração da aleatorização da amostra por sequência de alocação (viés de seleção); cegamento de participantes e pesquisadores (viés de desempenho); cegamento de avaliadores de desfecho (viés de detecção); desfechos incompletos (viés de atrito); relato seletivo dos desfechos (viés de relato). O nível de concordância entre os revisores foi determinado pelo índice Kappa e as divergências passaram pelo escopo de um terceiro revisor.

Todos os ensaios clínicos incluídos foram categorizados por meio do sigilo de alocação, de acordo com o Handbook Cochrane, sendo: categoria A (processo de alocação adequadamente descrito); categoria B (o processo de alocação não está claramente descrito, mas o estudo aponta a realização de randomização); categoria C (o sigilo de alocação foi conduzido de forma inadequada, por exemplo, ordem de chegada, número de prontuário, data de nascimento, etc.); categoria D (não foi evidenciada a randomização dos participantes).

Adicionalmente, aplicou-se o questionário STRICTA (Standards for Reporting Interventions in Clinical Trials of Acupuncture), instrumento que estabelece padrões para o relato de ensaios clínicos nos quais a acupuntura tenha sido aplicada. A lista de verificação contempla a justificativa da acupuntura, detalhes do agulhamento, regime de tratamento, outros componentes do tratamento, histórico do praticante e intervenções de controle ou comparador.¹⁵ Estudos publicados em data anterior a 2010, ano de publicação do STRICTA, foram desconsiderados nesta etapa de avaliação. Os autores declaram não haver conflitos de interesse ou fontes de fomento para a elaboração e condução desta revisão sistemática.

Resultados

A estratégia de busca resultou na recuperação de 1205 estudos (Figura 1). O índice de concordância Kappa foi de 0,829 (p = < 0,001).

Figura 1
Fluxograma PRISMA de Identificação, Seleção, Elegibilidade e Inclusão de Ensaios Clínicos. Review Manager 5.3, 2021.

Dentre os motivos de exclusão na segunda triagem destacam-se: utilização de outras práticas integrativas (6); efeitos da acupuntura na qualidade de vida (1); prevenção da piora da neuropatia periférica induzida por quimioterapia (1); estudos que não delimitaram a dor oncológica (3); estudos indisponíveis na íntegra (8); estudos disponíveis somente em mandarim (2); estudos em andamento (2).

A validação interna dos oito estudos incluídos^16-23 contemplou a avaliação do risco de viés para os domínios: seleção, desempenho, detecção, atrito e relato. Os domínios foram classificados como baixo risco de viés, alto risco de viés e risco indeterminado de viés (Figura 2). A concordância entre avaliadores (Kappa) para a classificação individual dos campos foi 0,623 (p < 0.001 IC 95%).

Figura 2
Resumo do risco de viés. Review Manager 5.3, 2021.

Dois estudos apresentaram alto risco de viés de seleção por utilizarem métodos não recomendáveis para alocação: moeda enviesada²⁰ e envelope simples.²² Por sua vez, dois estudos foram classificados como risco indeterminado de viés de seleção porque mencionam a randomização, mas não descrevem o processo.^16,18

Apenas um estudo realizou o cegamento de participantes e de profissionais, utilizando agulhas e agulhas placebos.¹⁷ Nos demais ensaios houve risco elevado ou indeterminado de viés de desempenho. Este fato se deve à heterogeneidade clínica entre intervenções e comparadores.

Para o domínio viés de detecção, 50% dos estudos não explicitam o cegamento dos avaliadores, sendo categorizados, portanto, como risco indeterminado de viés.^16,18,22,23

Dois estudos foram julgados como alto risco para viés de segmento. Um deles apresentou perdas significativas de segmento nos grupos tratamento e controle, resultando em heterogeneidade estatística,¹⁹ enquanto o outro distribuiu de forma desproporcional os indivíduos entre os grupos intervenção e controle.²²

Apesar de não identificar-se relato seletivo de resultados, três estudos receberem financiamento, atribuindo, assim, um julgamento de alto risco de viés de relato.^17,18,20

Na avaliação crítica do sigilo de alocação, quatro estudos foram classificados como categoria A,^17,19,21,23 pois descreveram adequadamente o processo de alocação; dois como categoria B,^18,22 por mencionarem o processo de randomização dos participantes; e dois estudos alocaram os participantes de forma inadequada, recebendo, portanto, categoria C.^16,20 Nenhum estudo foi identificado como categoria D. As Tabelas 2 e 3 sintetizam os resultados dos estudos incluídos.

Tabela 2
Síntese narrativa e dados gerais dos estudos

Autores/Ano	País	Título	Periódico/Base
Alimi et al., 200323	França	Analgesic effect of auricular acupuncture for cancer pain: a randomized, blinded, controlled trial	Journal of Clinical Oncology/Pubmed
Zhou et al., 200722	China	Acupuncture plus three-step analgesic ladder principle for cancer pain relief: Clinical observation on 24 cases	Journal of Acupuncture and Tuina Science/ Grey literature
Chen et al., 201321	China	Electroacupuncture treatment for pancreatic cancer pain: A randomized controlled trial	Pancreatology/Pubmed
Lam et al., 201719	China	A pilot randomized controlled trial of acupuncture at the Si Guan Xue for cancer pain	BMC Complementary Medicine and Therapies/Pubmed
Zhou et al., 201718	China	The effect of acupuncture on chemotherapy-associated gastrointestinal symptoms in gastric cancer	Current Oncology/Pubmed
Kim et al., 201817	Coreia do Sul	Intradermal acupuncture along with analgesics for pain control in advanced cancer cases: A pilot, randomized, patient-assessor-blinded, controlled trial	Integrative Cancer Therapies/Pubmed
Ruela et al., 201820	Brasil	Effectiveness of auricular acupuncture in the treatment of cancer pain: randomized clinical trial	Revista da Escola de Enfermagem da USP/ Pubmed
Xu et al., 201816	China	Clinical analysis of electroacupuncture and multiple acupoint stimulation in relieving cancer pain in patients with advanced hepatocellular carcinoma	Journal of Cancer Research and Therapeutic/Pubmed

Tabela 3
Distribuição dos estudos segundo número de participantes, grupo intervenção e grupo controle e principais desfechos

Estudo	Intervenção (n)	Comparação (n)	Principais desfechos
Alimi et al., 200323	Três braços diferentes. Braço 1 (Intervenção - Acupuntura auricular - pontos selecionados individualmente para cada paciente, n = 28).	Braço 2 (Grupo controle 1 - Acupuntura auricular em pontos placebos - acupuntura não efetiva (n = 23) Braço 3 (Grupo controle 2 - Sementes fixadas em pontos placebos (n = 28)	A intensidade da dor diminuiu em 36% aos dois meses em relação ao valor basal no grupo intervenção; houve pouca mudança para os pacientes que receberam placebo (2%). Diferença (p < 0,0001). Os escores de dor no D30 também foram menores no grupo intervenção (Média ± DP, 44 ± 19) do que no grupo controle 1 (Média ± DP, 54 ± 25) ou vontrole 2 (Média ± DP, 56 ± 19).
Zhou et al., 200722	Acupuntura (sessões diárias) combinada à abordagem de três etapas de escada analgésica (n = 24). Aplicação em pontos correspondentes à localização da dor.	Abordagem de escada analgésica em três etapas (n = 12)	A taxa efetiva total e taxa de efeito marcante do grupo intervenção foram 87,5% e 54,2%, respectivamente, enquanto aqueles do grupo controle foram 66,7% e 25%, respectivamente, indicando uma diferença estatística (p < 0,05) em termos de eficácia terapêutica.
Chen et al., 201321	Grupo Intervenção Eletroacupuntura (n = 30)	Grupo Placebo (Sham) (n = 30)	No grupo intervenção, após três sessões, a intensidade da dor diminuiu em comparação com a linha de base (1,67, IC de 95%; 1,46 - 1,87). No grupo Sham houve pequena redução da dor entre as três sessões (0,13, IC 95% 0,08 a 0,35). Diferença entre os dois grupos: p < 0,001.
Lam et al., 201719	Três braços diferentes com sete sessões de tratamento: Braço 1 (Si Guan Xue, n = 12);	Braço 2 (Si Guan Xue combinado aos acupontos mais comumente utilizados (n = 9) Braço Controle (acupontos mais comumente utilizados (n = 9)	No dia 5 a redução da dor foi mais proeminente no Braço 2 quando comparado com o grupo controle (p < 0,05). Não houve diferença no escore de dor entre os três grupos (p > 0,05). Nenhum evento adverso grave foi observado.
Zhou et al., 201718	Quimioterápico padrão (Oxaliplatina-Paclitaxel) + acupuntura (n = 28)	Quimioterápico padrão (Oxaliplatina-Paclitaxel) (n = 28)	A dor persistiu por 7 (± 2) minutos no grupo intervenção e 16 (± 5) minutos no grupo controle. Em comparação com o grupo controle, o grupo experimental apresentou redução na frequência ou duração da dor (p < 0,05).
Kim et al., 201817	Acupuntura intradérmica (n = 14)	Sham acupuntura (n = 13)	64,3% dos pacientes (9/14) do grupo intervenção relataram redução no consumo de analgésicos em comparação com 38,5% (5/13) do grupo Sham (p = 0,180). O nível autorrelatado de dor reduziu após o tratamento (-1,54 ± 1,45 e -1,15 ± 1,57) no primeiro acompanhamento (-1,57 ± 2,06 e -1,54 ± 1,20) e no final do seguimento (-1,00 ± 2,22 e - 1,08 ± 1,38) nos grupos intervenção e controle, respectivamente (p < 0,001).
Ruela et al., 201820	Acupuntura auricular (nos pontos de equilíbrio energético e nos pontos indicados para o tratamento da dor) (n = 11)	Grupo placebo: acupuntura auricular (pontos fixos de placebo) (n = 12)	Houve diferença entre os grupos quanto à redução da intensidade da dor (p < 0,001) e do uso de analgésicos (p < 0,05). Houve diferença significativa nas doses diárias de analgésicos (p = 0,010), e quantidade de analgésicos consumidos (p = 0,019).
Xu et al., 201816	Eletroacupuntura (estimulação de múltiplos acupontos) (n = 32)	Adesivo transdérmico de Fentanil (n = 33)	O escore de dor do grupo intervenção diminuiu significativamente no terceiro dia (p < 0,05), mas os escores de dor não foram diferentes (p > 0,05) quatro dias após o tratamento. A incidência de reações adversas nos dois grupos foi de 9,4% e 12,1%, respectivamente (p > 0,05).

Dos oito estudos incluídos, três compararam acupuntura com diferentes estratégias farmacológicas de tratamento da dor oncológica,^16,18,22 dos quais dois demonstraram redução da intensidade da experiência álgica e/ou diminuição do consumo de analgésicos. Somente um estudo não evidenciou diferenças estatísticas em benefício da intervenção.¹⁶

Os cinco estudos remanescentes compararam diferentes técnicas de acupuntura sem a combinação com agentes farmacológicos.^{17,19,20,21,23} Em todos eles, observou-se redução da intensidade da dor quando comparada aos grupos que receberam placebo.

Nos estudos incluídos, a eficácia analgésica da acupuntura foi mensurada com a utilização de escala de avaliação numérica,^17,19,20-22 escala visual analógica,^16,23 e escala da Organização Mundial da Saúde para avaliação da qualidade de vida (WHOQOL-100 Quality-Of-Life Assessment Scale).¹⁸

Os oito estudos incluídos apresentaram hetero-geneidade clínica no que concerne à: diferentes técnicas de acupuntura (eletroacupuntura, acupuntura intradérmica, auriculoterapia); acupuntura aplicada isoladamente ou combinada à terapia farmacológica; utilização de múltiplos acupontos; e dor oncológica de múltipla etiologia, inviabilizando, assim, a realização de metanálise.

No que concerne os padrões recomendados para o relato de ensaios clínicos que utilizam acupuntura enquanto intervenção, somente um dos estudos declarou a utilização do checklist do STRICTA.¹⁹

Cinco ensaios clínicos utilizaram a acupuntura tradicional chinesa,^16,18-21 enquanto um estudo aplicou acupuntura tradicional coreana.¹⁷ Todos os estudos embasaram a utilização da acupuntura, fundamentando a sua prática. Três estudos relataram o qi (energia vital) como tipo de resposta procurada durante as sessões.^19-21

Sobre o agulhamento, todos os estudos descreveram as características das agulhas. Dois estudos não citaram o número de inserções de agulhas por participante por sessão.^17,21 Todos os estudos descreveram os nomes dos acupontos ou sua respectiva localização anatômica. Não houve menção à utilização de intervenções concomitantes à acupuntura. Apenas um estudo não descreveu o número de inserções por indivíduo.¹⁷ Todos os estudos mencionaram a frequência e duração das sessões de tratamento. Quanto ao histórico dos praticantes, três estudos não reportam a certificação e qualificação dos profissionais.^16,18,21

Todos os estudos descreveram adequadamente as intervenções realizadas no grupo comparação, no entanto, somente dois deles orientaram adequadamente os pacientes sobre o procedimento.^17,20 Somente um estudo declarou variações significativas de tratamento durante o tempo de segmento.¹⁹

Observou-se inconsistência nos protocolos de tratamento de acupuntura descritos nos ensaios clínicos, havendo variabilidade na seleção de pontos, número de agulhas, profundidade de inserção, manipulação e estimulação das agulhas, presença ou não de sensação de agulha (qi) e número e duração das sessões.

Discussão

O objetivo desta revisão sistemática foi avaliar a efetividade de diferentes técnicas de acupuntura no tratamento adjuvante da dor oncológica quando comparada a diferentes alternativas de controle da dor. Neste contexto foram analisados 376 pacientes em oito ensaios clínicos randomizados, distribuídos de forma aleatória para os desfechos redução da experiência álgica e redução do consumo de analgésicos.

Diversas revisões sistemáticas similares avaliaram os efeitos da acupuntura para o alívio da dor induzida por neoplasia de múltiplas etiologias ou oncoterapia (quimioterapia, radioterapia, cirurgia oncológica e terapia hormonal). Os resultados não apontaram superioridade da acupuntura, quando comparada à medicina convencional, para o alívio da dor oncológica em adultos. A qualidade da evidência foi considerada moderada.^15,24-26

Por outro lado, uma metanálise com 29 ensaios clínicos randomizados, oriundos de bases de dados internacionais e chinesas, apontou que a acupuntura foi superior para o alívio da dor nos subgrupos presença de malignidade e dor induzida por cirurgia. Os pesquisadores sugerem que a acupuntura pode ser adotada como parte de uma abordagem multimodal para reduzir a dor relacionada ao câncer.²⁷

Outro estudo similar apontou que, em comparação com o tratamento padrão (comprimidos de sulfato de morfina de liberação controlada), a acupuntura e as terapias relacionadas reduziram significativamente a dor, sugerindo ainda que a intervenção apresentou um tempo de início analgésico significativamente menor em comparação com a terapia convencional.⁹

No contexto dos cuidados paliativos oncológicos, um estudo retrospectivo que analisou o prontuário de 68 pacientes demonstrou que a acupuntura melhorou a dor e outros sintomas como depressão e fadiga. Observou-se que pacientes com maiores índices de dor basal e doença avançada apresentaram maior probabilidade de experimentar redução da dor.²⁸

Enquanto tratamento adjuvante, a acupuntura pode potencializar a duração do efeito analgésico da terapia farmacológica convencional em pacientes com câncer avançado. Quando comparada a utilização isolada de morfina versus a combinação de morfina e acupuntura, observou-se incremento de sete horas de duração dos efeitos analgésicos.²⁹ Logo, a acupuntura pode ser recomendada como terapia complementar se a dor oncológica for mal controlada com as alternativas convencionais.³⁰

O número de sessões de acupuntura, profundidade de agulhamento, manipulação de acupuntura e tempo de retenção de agulha foram amplamente diferentes entre os estudos incluídos. Na acupuntura tradicional, a intervenção não é padronizada e pode ser ajustada de acordo com a síndrome (Zheng) de cada paciente.³¹ A acupuntura é uma intervenção complexa na qual os regimes de tratamento são seguidos de acordo com a necessidade e resposta individual, geralmente identificada com base na experiência do profissional.

As complicações da acupuntura são raras, tornando-a um método seguro para o tratamento da dor em pacientes com câncer. Dentre os estudos incluídos, alguns relataram efeitos adversos entre os participantes que receberam acupuntura: hemorragia subcutânea,¹⁶ dor no local de aplicação da acupuntura com duração de três dias,¹⁹ hematomas nos acupontos²⁰ e fadiga.¹⁷ Cabe salientar que não foram relatados eventos adversos graves. Estes dados são corroborados por um estudo alemão com 97.733 pacientes (mais de 760.000 sessões) que relatou apenas seis casos de eventos adversos potencialmente graves, incluindo depressão, crise hipertensiva, reação vasovagal, ataque de asma e pneumotórax.³²

As terapias integrativas complementares corres-pondem à demanda crescente em pacientes com dor relacionada ao câncer. Essa demanda precisa ser considerada junto às terapias farmacêuticas e/ou intervencionistas.³³ A integração baseada em evidências de acupuntura e analgésicos, guiada pelas preferências de tratamento do paciente, representa um aspecto essencial do cuidado centrado no paciente e tem potencial para atender às necessidades não atendidas de controle da dor do câncer.³⁴

Conclusão

Embora a utilização de diferentes técnicas de acupuntura esteja associada à redução da dor do câncer e diminuição do uso de analgésicos, os achados obtidos não fornecem evidências robustas para sustentar a utilização rotineira desta intervenção enquanto terapia adjuvante no tratamento da dor oncológica. A baixa qualidade metodológica dos ensaios clínicos incluídos, bem como tamanhos amostrais inadequados e inviabilidade em sintetizar e graduar evidências de diferentes tipos de estudos devido à heterogeneidade clínica, corroboram para a sustentação dos resultados. Estes resultados podem ter sofrido limitações devido à inviabilidade de acesso a estudos publicados somente em bases chinesas ou redigidos em mandarim, bem como à diversidade de técnicas utilizadas nos estudos.

A utilização da acupuntura para aliviar a dor relacionada ao câncer parece ser promissora, uma vez que evidenciou-se uma tendência na redução da experiência álgica e do consumo de analgésicos. Desta forma, estudos clínicos melhor delineados, focados no impacto terapêutico e econômico de curto e longo prazo são necessários para determinar a implementação desta prática integrativa enquanto terapia alternativa ou adjuvante no contexto do controle da dor oncológica para assegurar regimes de analgesia individualizados e eficazes. Recomenda-se a adoção do STRICTA para a descrição do protocolo de tratamento a fim de viabilizar maior reprodutibilidade da metodologia de ensaios clínicos que utilizam a acupuntura enquanto intervenção.

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Editado por

Editora associada:

Ana Paula Cunha Loureiro

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Dez 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  28 Abr 2021
• Revisado
  31 Maio 2021
• Aceito
  21 Jun 2021