Análise de recalques em longo prazo no vazadouro de Marambaia, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro

Long-term settlement analysis of the dump site of Marambaia, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil

RESUMO

Este artigo versa sobre a análise da compressibilidade dos resíduos sólidos urbanos (RSUs) do antigo vazadouro da Marambaia, localizado no município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, que operou como um lixão durante o período de 1987 a 2003, quando foi encerrado e remediado. O estudo foi levado a cabo por meio de dados de monitoramento de recalque superficial, obtidos por meio de marcos superficiais de 2008 a 2015. As medidas de recalques foram analisadas à luz dos seguintes modelos de compressibilidade: Sowers, Meruelo, Ling et al. e Oweis. Os resultados do monitoramento apresentaram valores de recalques entre 79 e 204 mm, representando deformações na faixa de 0,16 a 0,41% em relação à altura inicial do maciço. Os modelos Sowers, Meruelo e Ling et al apresentaram valores de recalques relativamente próximos, evidenciando que, embora diferentes conceitualmente, podem ser usados para prever recalques em longo prazo com boa aproximação. O modelo de Oweis é o mais elaborado dos modelos analisados e o que apresentou valores mais elevados de recalques.

Palavras-chave:
resíduos sólidos; recalque; compressibilidade; aterro sanitário; vazadouros de resíduos; modelos de compressibilidade

ABSTRACT

This paper deals with the analysis of the compressibility of the old Marambaia dumping grounds’ MSW, located at Nova Iguaçu City (Rio de Janeiro) that was used as a waste dump from 1987 until 2003, when it was closed and remediated. The study was carried out based on superficial settlement monitoring data of reference points between 2008 and 2015. These data were analyzed considering the following compressibility models: Sowers, Meruelo, Ling et al. and Oweis. The results of the monitoring showed settlement values between 79 and 204 mm representing deformations in the range of 0.16 to 0.41% with regards to the of the landfill’s initial height. The models of Sowers, Merueloand Ling et al. render settlement values that are relatively close; revealing that, although being different in conception, both can be used to predict long-term settlements with a good approximation. The model of Oweis is the most elaborated of all models analyzed and predicted the greatest values for settlement.

Keywords:
solid waste; settlements; compressibility; landfill, old dump; models of compressibility

INTRODUÇÃO

Os primeiros estudos sobre recalques em aterros sanitários e lixões datam de 1940, porém apenas na década de 1970 os mecanismos de recalque foram definidos por Sowers (1973). De acordo com o autor, a compressão em aterros se deve a processos mecânicos e biológicos. Na década de 1990, autores como Landva e Clark (1990), Gabr e Valero (1995), Grisolia e Napoleoni (1996), Palma (1995) e Wall e Zeiss (1995) começaram a investigar áreas com resíduos sólidos e detalhar, por meio de experimentos de campo e laboratório, a influência dos processos mecânicos e biológicos na velocidade de recalques e os fatores intervenientes nesses processos. Esses autores concordam que os recalques mecânicos podem ocorrer sob a ação de sobrecargas, que são considerados os recalques primários, e sob carga constante e baixas velocidades, que são os recalques por fluência associados (creep) aos recalques secundários. A grande proporção dos recalques secundários deve-se principalmente à decomposição da matéria orgânica, podendo durar décadas. Esses recalques representam o maior percentual de compressão nos aterros e podem afetar a segurança da obra. De acordo com Edil, Ranguete e Wuellner (1990), os fatores que afetam a magnitude e a velocidade de recalques em resíduos sólidos são densidade inicial, quantidade de matéria orgânica, altura e sobrecarga adicional, nível de lixiviados e fatores ambientais, como umidade, temperatura e produção de biogás.

No Brasil, os primeiros estudos sobre as características geomecânicas de resíduos sólidos foram realizados, no final da década de 1990 e início de 2000, por pesquisadores como Carvalho (1999), Jucá, Mariano e Melo (1999), Abreu (2000), Pereira (2000), Simões (2000), Marques (2001), Monteiro (2003), entre outros.

Com a evolução dos estudos, sabe-se que a compressibilidade se deve não somente a processos mecânicos e biológicos, mas também ao transporte de gases e líquidos no interior do maciço de resíduos, e que cada um desses processos influencia um ao outro direta ou indiretamente. Segundo Bente et al. (2009), qualquer prognóstico quantitativo de recalques, de geração de gás e de lixiviados é bastante complexo.

Os modelos atuais tentam envolver grande parte dos fatores intervenientes - Oweis (2006), McDougall (2007), Hettiarachchi et al. (2007), Lobo et al. (2008) e Machado, Vilar e Carvalho (2008), Babu et al. (2010) - , ao passo que modelos mais antigos se basearam em conceitos da mecânica dos solos, como Sowers (1973) e Rao, Moulton e Seals (1997), enquanto outros em equações empíricas com diferentes funções, logarítmica, de potência e hiperbólica, caso de Yen e Scanlon (1975); Edil, Ranguete e Wuellner (1990), Gandola et al. (1994) e Ling et al. (1998).

Embora tenha ocorrido um considerável avanço no entendimento dos processos intervenientes da compressibilidade dos resíduos, a correlação desses múltiplos fatores é complicada, necessitando de dados em escala real de monitoramento de aterros para melhorar a compreensão sobre o problema e a previsão de recalques em longo prazo.

O acompanhamento dos recalques dos aterros sanitários, bem como a velocidade associada a tais recalques, é importante para a estimativa da vida útil do aterro sanitário, o reaproveitamento das áreas após o encerramento da disposição, o projeto e a implantação dos sistemas de drenagem superficial e de drenagem de efluentes, a estabilidade do aterro sanitário e o desempenho do sistema de cobertura final.

O presente trabalho teve como objetivo avaliar a compressibilidade dos resíduos do antigo vazadouro de Marambaia, localizado no município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, por meio de dados de monitoramento dos recalques superficiais realizado ao longo de um período de aproximadamente 8 anos, de 01 de fevereiro de 2008 a 04 de setembro de 2015. Com base nesses dados, foram previstos os recalques em longo prazo do maciço de resíduos (CORRÊA, 2017) utilizando quatro modelos matemáticos, Sowers (1973), Meruelo (PALMA, 1995), Ling et al. (1998) e Oweis (2006).

MODELOS DE PREVISÃO DE RECALQUES

Foram escolhidos quatro modelos com distintas abordagens para a estimativa de recalques no aterro controlado de Marambaia: o de Sowers (1973), baseado nos conceitos da Mecânica dos Solos; o de Meruelo (PALMA, 1995), que leva em consideração os recalques secundários por biodegradação e é expresso por uma equação cinética de primeira ordem; o empírico de Ling et al. (1998), expresso em termos de uma função hiperbóloca; e o de Oweis (2006), que estima recalques ocasionados por processos mecânicos e por biodegradação.

Modelo de Sowers (1973)

Sowers (1973) foi o primeiro a apresentar um modelo de compressibilidade de resíduos sólidos urbanos (RSUs) baseado na Teoria de Adensamento proposta por Terzaghi (1943). Segundo Sowers (1973), a compressibilidade dos resíduos sólidos pode ser dividida em inicial, primária e secundária. A compressão inicial deve-se à expulsão de gás no interior do maciço de resíduos e à compressão dos resíduos, ocorre imediatamente após a colocação da sobrecarga. A compressão primária é decorrente da dissipação de poro-pressões e do esmagamento das partículas de resíduos, como consequência do aumento da tensão ocasionado por sobrecargas de resíduos. Esse recalque ocorre em um tempo maior que o recalque imediato, da ordem de 30 dias (SOWERS, 1973; MORRIS; WOODS, 1990; EDIL; RANGUETE; WUELLNER, 1990). A compressão secundária deve-se a fatores como fluência (creep) e decomposição biológica. Os recalques decorrentes de processos de fluência são consequência da acomodação gradual das partículas sólidas no interior dos espaços vazios, independentemente do processo de sobrecarga a que o maciço é submetido, porém com velocidade de deformação inferior à dos recalques primários. Os recalques por decomposição da matéria orgânica são a causa mais importante da redução de volume em aterros de resíduos sólidos, visto que se prolongam por um longo período de tempo e sua velocidade depende de fatores como composição dos resíduos, temperatura e umidade (SOWERS, 1968). De acordo com Sowers (1973), a magnitude da compressão primária é expressa pela Equação 1.

$S_p={C’}_c.H_0.log\left(\right({\sigma }_{v0}+{∆\sigma }_{v0})/{\sigma }_{v0})$ (1)

Em que:

• S_p =  recalque ao final da consolidação primária;
• H₀ =  altura inicial do aterro;
• C’_c =  índice e de compressibilidade;
• σ_v0 =  tensão efetiva prévia no aterro;
• ∆σ_v0 =  sobrecarga efetiva.

A compressão secundária ou em longo prazo é expressa pela Equação 2.

$S_s={C’}_{\alpha }.H.log(t_2/t_1)$ (2)

Na qual:

• S_S =  recalque por compressão secundária no tempo t₂;
• H =  altura do aterro no tempo t₁;
• t₁ =  tempo em dias para a estabilização da compressão primária;
• t₂ =  tempo em dias para o qual é feita a previsão do recalque;
• C’_α =  índice de compressão secundária.

Modelo de Meruelo

O modelo de Meruelo (PALMA, 1995) visa à previsão de recalques secundários considerando processos de degradação biológica que ocorrem nos resíduos sólidos. O modelo depende da perda de massa dos materiais degradáveis sob condições anaeróbias e cujo principal fator limitante no processo de biodegradação é a taxa de hidrólise. ­Assume-se que todo o material hidrolisado encontrará condições ambientais favoráveis (substrato e microrganismos) para ser completamente eliminado a uma determinada taxa. Esse modelo relaciona os parâmetros fundamentais que determinam os processos de degradação, como o tempo, o teor de matéria orgânica nos resíduos, a umidade, o ritmo de desenvolvimento dos processos de degradação, conforme Equação 3.

$S_s=\left(\right(\alpha .H.COD)/(k_h.T_c\left)\right).(1-e^{kh.Tc}).(e^{-kh.t’}-e^{-kh.t0})$ (3)

Em que:

• S_s =  recalques ocorridos;
• t₀ =  tempo decorrido até o início do monitoramento;
• t’ =  tempo para o qual se deseja prever os recalques (t’ > t₀);
• α =  coeficiente de perda de massa transformada em recalques;
• H =  altura do aterro;
• COD =  conteúdo de matéria orgânica biodegradável dos RSUs;
• T_c =  tempo de construção do aterro;
• k_h =  coeficiente de hidrólise.

Modelo de Ling et al. (1998)

Ling et al. (1998), a partir das análises das limitações dos modelos baseados em funções logarítmicas e de potência, propuseram a utilização de uma função hiperbólica para estimativa de recalques em aterros sanitários, representada pela Equação 4.

$S=t/\left(\right(1/{\rho }_0)+(t/S_{ult}\left)\right)$ (4)

Na qual:

• S =  diferença entre o recalque no instante considerado e o recalque inicial;
• t =  diferença entre o instante considerado e o início das medições do monitoramento; ρ₀ = taxa ou velocidade inicial de recalques;
• S_ult =  recalque último.

Os parâmetros ρ₀ e S_ult são determinados pela transformação da Equação 5, a partir de relações t/S versus t, por análise de regressão linear.

$t/S=(1/{\rho }_0)+(t/S_{ult})$ (5)

Logo, os inversos do intercepto e da inclinação fornecem os parâmetros ρ₀ e S_ult.

Ling et al. (1998) apresentaram comparações de simulações realizadas utilizando o modelo proposto pelos autores em termos de função hiperbólica com os modelos em termos de funções logarítmicas e de potência. Os autores verificaram que os casos analisados com função hiperbólica apresentaram melhores resultados.

Modelo de Oweis (2006)

Oweis (2006) desenvolveu um modelo que prevê recalques provenientes de processos mecânicos e biológicos. O autor propõe várias equações para condições distintas no aterro, como recalques devido ao peso das camadas sobrejacentes, recalques mecânicos devido ao processo de fluência (creep) sob tensão efetiva constante e recalques provenientes da perda de massa ou conversão de matéria orgânica em gás.

O recalque mecânico durante o preenchimento do aterro é calculado por meio da Equação 6.

$U_p=\mathrm{0,87}.H.m’.t_c.C_c$ (6)

Em que:

• U_p =  recalque primário dos RSUs para a espessura projetada;
• H =  espessura projetada;
• C_c =  índice de compressão em termos de deformação vertical;
• m’ =  taxa de preenchimento (aumento na espessura da camada/unidade de tempo);
• t_c =  tempo para conclusão do preenchimento.

No tempo t_c, enquanto se preenche o aterro, o recalque estimado pelo creep é calculado pela Equação 7.

$U_{stc}=\mathrm{0,435}.{C’}_{\alpha }.m’.(1+(t_c.ln\left(t_c\right))-t_c)$ (7)

Na qual:

• U_stc =  recalque estimado pelo creep;
• C’_α =  índice de compressão secundária modificado em termos de deformação;
• m’ =  taxa de preenchimento (aumento na espessura da camada/unidade de tempo);
• t_c =  tempo para conclusão do preenchimento.

Assumindo que o preenchimento se encerra no tempo t_c, o creep adicional se dará pela Equação 8.

${\Delta U}_s=\mathrm{0,435}.H.{C’}_{\alpha }.ln(t/t_c)$ (8)

Em que:

• H =  espessura projetada do maciço;
• t =  tempo em dias (t_c ≤ t).

Os recalques por decomposição biológica durante o preenchimento do aterro, são calculados de acordo com a Equação 9.

$U_d=\beta .m’.(t_c-(1/k).(1-e^{-ktc}\left)\right)$ (9)

Na qual:

• U_d =  recalque por decomposição no tempo t_c;
• m’ =  taxa constante de aumento da camada de resíduos com o tempo;
• k =  constante de decaimento durante o preenchimento;
• t_c =  tempo para conclusão do preenchimento do aterro;
• β =  fração da massa de resíduos com potencial para se converter a gás.

Já o recalque pós vida útil do aterro, referente à decomposição biológica, é dado pela Equação 10.

$U_{d(t\ge tc)}=\beta .H.(1-(1/t_{c}k).(1-e^{-ktc}).(1-e^{-k’(tpc-tc)}\left)\right)$ (10)

Em que:

• U_d(t≥tc) =  recalque por decomposição no tempo t_pc maior ou igual a t_c;
• H =  espessura projetada do maciço;
• t_c =  tempo para conclusão do preenchimento do aterro;
• t_pc =  tempo > t_c;
• β =  fração da massa de resíduos com potencial para se converter em gás;
• k =  constante de decaimento durante o preenchimento;
• k’ =  constante de decaimento pós-preenchimento.

MATERIAIS E MÉTODOS

Vazadouro de Marambaia

O Vazadouro de Marambaia tem área aproximada de 20 ha, situa-se no bairro de Vila de Cava, no Município de Nova Iguaçu, com acesso pela Estrada Zumbi dos Palmares (RJ-111). Conhecido como Lixão de Marambaia, o vazadouro atendeu ao município de Nova Iguaçu de 1987 até fevereiro de 2003, quando foi remediado. Durante esse período, foi operado de forma precária e informal, consistindo apenas de espalhamento dos resíduos a cargo de um trator de esteiras. De acordo com Mattos (2005), o volume de RSUs e resíduos dos serviços de saúde dispostos no vazadouro até o término de sua vida útil foi estimado em 2.814.751 t.

Por causa da localização do antigo lixão, às margens do Rio Iguaçu, houve pressão dos órgãos ambientais para sua remediação e essa movimentação passou a ser mais efetiva a partir do início de programas estaduais que visavam à melhoria das condições de saneamento da Baixada Fluminense. Assim, foi estabelecido um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para a recuperação da área degradada, concluída em 2003. A partir de 2014, todos os equipamentos de controle e monitoramento ambiental da área em estudo foram desmobilizados.

Monitoramento dos recalques

O monitoramento geotécnico dos recalques no Aterro Controlado da Marambaia contou com a instalação de 20 marcos superficiais (MSs) distribuídos por toda a área do aterro, como mostra a Figura 1. No entanto, neste artigo apresentam-se os dados de recalques dos seguintes MSs: 01, 03, 04, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19 e 20, por conterem medidas mais coerentes. O aterro foi encerrado em 2003, porém os marcos foram instalados em 2008. O período total de monitoramento foi de aproximadamente oito anos.

Figura 1 -
Localização dos marcos superficiais no Vazadouro de Marambaia.

A topografia do terreno, com informação das cotas de cada região do aterro, foi obtida na etapa de conformação dos taludes, durante a execução do projeto de recuperação da área, bem como as alturas do maciço de resíduos em que se situavam os MSs.

Calibração dos modelos de previsão de recalque

Como o monitoramento dos recalques começou cinco anos após o encerramento do aterro, considerou-se que a compressão primária já havia ocorrido. De modo que o modelo de Sowers (1973) foi utilizado para calcular o índice de compressão secundária e fazer a previsão de recalques em 50 anos. A calibração do modelo de Sowers (1973) foi realizada em dois passos: primeiro, cauculou-se o índice de compressão secundária em função da formulação do modelo, considerando t₁ de um dia, com o objetivo de validar matematicamente a Equação 2, H₀ no início do monitoramento, t₂ como o intervalo de tempo em dias decorrido entre a primeira e a última leitura topográfica de cada marco superficial e S_s fixado como o valor de recalque de cada marco ao fim do monitoramento.

Posteriormente, com os valores calculados de C’_α, para cada MS e o com o t₁ adotado, utilizou-se a ferramenta solver com o objetivo de minimizar o desvio entre as curvas de recalques medidos e calculados. Para a aplicação da ferramenta solver, foram estabelecidos os parâmetros C’_α e t₁ como variáveis de decisão, a Equação 2 foi considerada como função objetivo e aplicou-se a restrição de um desvio próximo de zero entre as curvas medidas e calculadas.

Com essas condições, a ferramenta solver forneceu novos valores de C’_α e t₁ para todos os MSs, correspondendo a uma faixa de 0,0009 a 0,0026 e 18 a 132 dias, respectivamente.

O t₁ foi considerado como variável porque não se sabia exatamente quando ocorreu a compressão primária; dessa forma, no cálculo da projeção de recalques em longo prazo foram considerados esses novos valores de t₁.

Para calibrar o modelo de Meruelo (PALMA, 1995), adotaram-se os seguintes valores: COD = 0,50, valor sugerido pela United Nation Framework Convention on Climate Change (UNFCCC, 2011) como a fração de carbono orgânico degradável nos RSUs que pode se decompor; T_c foi considerado o tempo que o aterro operou (5.810 dias); t₀ foi considerado o tempo decorrido até o início do monitoramento, ou seja, 7.605 dias; t’ foi considerado o tempo decorrido até o término do período de observação de cada MS, e o recalque foi fixado como sendo o último observado no monitoramento.

Primeiramente, encontraram-se os valores do k_h para cada MS, por meio das equações das curvas exponenciais obtidas da dispersão dos dados de recalques medidos com relação ao tempo. Os valores encontrados variaram entre 0,0006 e 0,0016 dia^-1. De posse desses valores, reorganizou-se a Equação 3 do modelo em função do parâmetro α; os valores encontrados variaram dentro da faixa de 0,0574 a 1,0755.

Em seguida, utilizando a ferramenta solver, foram obtidos novos valores de α para cada marco superficial de modo que a solução da Equação 3 melhor se ajustasse às curvas de recalques medidos. Os valores de α variaram entre 0,0556 e 0,5363. Essa faixa de valores foi utilizada para o cálculo da previsão de recalques.

A calibração do modelo de Ling et al. (1998) consistiu na obtenção da ρ₀ e do S_ult, com base em uma análise de regressão linear dos dados de monitoramento de cada MS, plotando-se as dispersões t/S versus t e obtendo-se as equações das retas que melhor se ajustavam aos dados. Uma vez obtidas as equações, analisaram-se os inversos do intercepto e da inclinação, que eram ρ₀ e S_ult, respectivamente. Os valores inicialmente encontrados de ρ₀ e S_ult variaram, respectivamente, na faixa de 0,068 a 0,179 mm/dia e de 80 a 5.000 mm

Posteriormente, foi realizado um ajuste com a utilização da ferramenta solver, tendo como objetivo obter menores desvios entre recalques monitorados e calculados de cada MS. As faixas de valores obtidas para ρ₀ e S_ult foram bastante aproximadas, pois variaram entre 0,067 e 0,155 mm/dia e 68 e 5.000 mm, respectivamente.

A calibração do modelo de Oweis (2006) consistiu na utilização das Equações 8 e 10, que preveem o recalque após o encerramento das atividades do aterro devido aos mecanismos de fluência (ΔUs) e decomposição biológica (Ud).

Inicialmente, foi necessário reorganizar os termos da Equação 8 em função de C’_α, de modo que o tempo de preenchimento do aterro foi o próprio tempo de operação (t_c = 5.810 dias), o tempo para o qual se desejava prever os recalques foi o decorrido até o fim do período de observação para cada MS (t = 9.380 ou 10.376, dependendo do grupo de marcos); os valores de C’_α obtidos variaram na faixa de 0,007 a 0,016.

Na sequência, reorganizou-se a Equação 10 em função de β. O parâmetro k foi adotado como 0,004167 (USEPA, 1998), k’ foi considerado como o valor encontrado para o k_h do modelo de Meruelo, t_c e t_pc foram os mesmos adotados para a Equação 8, sendo t_pc igual a 9.380 e 10.376. Os valores de β encontrados variaram na faixa de 0,002 a 0,004. Nessas equações foram considerados os recalques últimos observados com o monitoramento.

Após obter as variáveis desejadas, utilizou-se a ferramenta solver estabelecendo-se os parâmetros C’_α, k’ e β como variáveis de decisão, as Equações 8 e 10 como funções objetivo e aplicando a restrição de um desvio próximo de zero entre as curvas medidas e calculadas. A curva com os valores calculados foi adotada com os valores médios de recalque obtidos com as Equações 8 e 10. Os novos valores obtidos de C’_α, k’ e β variaram nas faixas de 0,03 a 0,08, de 0,0008 a 0,252 e de 0,002 a 0,010, respectivamente. Os gráficos de calibração de todos os modelos estão apresentados na Figura 2.

Figura 2 -
Calibração dos modelos de Sowers (1973), Meruelo (PALMA, 1995), Ling et al. (1998) e Oweis (2006).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As Figuras 3A e 3B mostram as curvas de recalques medidos em função do tempo de monitoramento. Na Tabela 1 encontram-se o período de leitura de cada marco superficial, a altura inicial do maciço no ponto monitorado, o recalque observado e a deformação correspondente.

Figura 3 -
Curvas de recalques obtidas com os marcos superficiais. (A) Marco superficial com cinco anos de observação; (B) marco superficial com oito anos de observação.

Tabela 1 -
Resumo dos dados dos marcos superificais monitorados.

MS	Período de leituras	H (m)	Recalque (mm)	Deformação (%)
1	1/02/2008 a 04/09/2015	35,876	92	0,26
3	1/02/2008 a 04/09/2015	35,854	79	0,22
4	1/02/2008 a 04/09/2015	35,439	143	0,40
11	1/02/2008 a 04/09/2015	49,783	204	0,41
12	1/02/2008 a 04/09/2015	51,120	116	0,23
13	1/02/2008 a 12/12/2012	50,608	122	0,24
14	1/02/2008 a 12/12/2012	50,756	79	0,16
15	1/02/2008 a 12/12/2012	50,324	111	0,22
16	1/02/2008 a 12/12/2012	50,193	141	0,28
18	1/02/2008 a 12/12/2012	50,293	155	0,31
19	1/02/2008 a 12/12/2012	49,677	126	0,25
20	1/02/2008 a 04/09/2015	50,199	136	0,27

• MS: marco superficial.

Os recalques apresentaram valores que variaram entre 79 e 204 mm, representando deformações na faixa de 0,16 a 0,41%. Observa-se que no período monitorado a magnitude das deformações é relativamente pequena, quando comparada com valores apresentados por outros autores. Por exemplo, Wall e Zeiss (1995) indicam deformação entre 25 e 50%; Abreu (2000) encontrou valores entre 18 e 28% monitorando o Aterro Bandeirantes, em São Paulo; Simões e Catapreta (2013) observaram deformações significativas (da ordem de 31%) em seis anos de monitoramento no Aterro Experimental de Belo Horizonte.

As medidas de recalques começaram cinco anos após o encerramento das atividades no aterro. Por isso, é muito provável que os recalques mais elevados já haviam ocorrido, quando os resíduos estavam frescos e mais sujeitos aos processos de decomposição, principalmente levando-se em consideração os altos valores de temperatura e umidade, característicos do clima tropical úmido da região, e a influencia da composição dos resíduos no Brasil, constituída de aproximadamente 50% de matéria orgânica, fração da composição de resíduos mais sujeita a sofrer decomposição. Assim, pode-se concluir que é possivel que a maior proporção dos recalques ocorreu nos primeiros anos após o encerramento do aterro. Sowers (1968) e Edil, Ranguete e Wuellner (1990) afirmam que a maior parte dos recalques ocorre no primeiro ou segundo ano após o encerramento do aterro. Grenn e Jammenjad (1997), baseando-se em experimentos de laboratório, observam que quando se submete resíduos domésticos a cargas estáticas, mais de 70% do recalque ocorre imediatamente, enquanto 30% ocorre durante um longo período de tempo.

De acordo com McDougall (2008), vários fatores podem influenciar os recalques: umidade, temperatura, composição dos resíduos, qualidade dos lixiviados (pH), condutividade de gás e líquido no interior do maciço, geometria do local, compactação, cobertura diária, recirculação de lixiviados e sequência de preenchimento do aterro.

De igual forma, dentro de um mesmo aterro podem ocorrer recalques que resultam em deformações com faixa de valores bastante variáveis como consequência da heterogeneidade dos resíduos, das diferentes profundidades das camadas, da distribuição da água no maciço, das condições climáticas, da composição e da idade dos resíduos.

Previsão de recalques

Com base nos parâmetros obtidos pela calibração dos modelos, foi realizada uma previsão de recalques para o período de até 50 anos após o início do monitoramento. Apresentam-se, na Figura 4, os resultados da previsão para MS-01, MS-12, MS-16 e MS-20. Na Tabela 2 são apresentados os resultados dos recalques e das deformações obtidos com os modelos de previsão de recalques.

Figura 4 -
Previsão de recalques para MS-01, MS-12, MS-16 e MS-20.

Tabela 2 -
Resumo dos dados de recalque (em m) e deformação (%) dos marcos superficiais calculados com os modelos de previsão para 50 anos.

MS	Sowers (1973 )		Meruelo (1995)		Ling et al. (1998 )		Oweis (2006 )
	Rec. (m)	Def. (%)	Rec. (m)	Def. (%)	Rec. (m)	Def. (%)	Rec. (m)	Def. (%)
1	0,080	0,22	0,081	0,23	0,122	0,34	0,339	0,95
3	0,086	0,24	0,094	0,26	0,066	0,19	0,273	0,76
4	0,153	0,43	0,149	0,42	0,191	0,54	0,677	1,91
11	0,281	0,56	0,092	0,18	1,354	2,72	1,038	2,09
12	0,186	0,36	0,138	0,27	0,178	0,35	0,693	1,36
13	0,214	0,42	0,162	0,32	0,213	0,42	0,789	1,56
14	0,141	0,28	0,099	0,19	0,110	0,22	0,509	1,00
15	0,158	0,31	0,119	0,24	0,656	1,30	0,706	1,40
16	0,209	0,42	0,155	0,31	0,281	0,56	0,803	1,60
18	0,158	0,31	0,082	0,16	0,781	1,55	1,023	2,03
19	0,230	0,46	0,104	0,21	0,337	0,68	0,807	1,62
20	0,225	0,45	0,164	0,33	0,243	0,48	0,709	1,41

• MS: marco superficial; Rec.: recalque; Def.: deformação.

Por meio dos gráficos de previsão de recalques em longo prazo observa-se que os modelos de Sowers (1973), Meruelo (PALMA, 1995) e Ling et al. (1998), embora diferentes conceitualmente, apresentaram valores de recalques previstos relativamente próximos. O modelo de Oweis (2006) é o único que soma as parcelas de recalques por fluência e biodegradação, e talvez por essa razão apresente recalques maiores com relação aos demais modelos. No entanto, apesar de apresentar valores mais conservadores, observa-se, por meio das curvas de calibração da Figura 2, que os recalques obtidos com o modelo de Oweis (2006) estão bastante aproximados dos recalques medidos. Mostrando, portanto, que, para previsões com tempos mais curtos, o modelo se ajustou melhor aos dados reais, medidos em campo.

Os modelos de Sowers (1973) e Ling et al. (1998) baseiam-se, respectivamente, em funções logarítmica e hiperbólica, são conhecidos por modelos que correlacionam o recalque secundário em função do tempo decorrido. De acordo com McDougall (2008), esses modelos, apesar de expressarem formulação simples, apresentam razoável estimativa de recalques quando são calibrados por meio de dados de monitoramento de campo. Esse autor avalia que o modelo de Ling et al. (1998) apresenta melhor resultado do que o modelo de Sowers, pois a trajetória de recalques obtida por intermédio desse modelo mostra tendência de estabilização dos recalques, o que é mais realista com os processos que ocorrem no aterro, ao contrário do modelo de Sowers, que apresenta recalques contínuos com o tempo.

O modelo de Meruelo leva em consideração apenas os recalques por biodegradação, ignorando os recalques mecânicos. ­Observa-se, pelos gráficos da Figura 4, que esse modelo estimou os menores recalques. A dificuldade de utilizar esse modelo decorre da determinação do COD, pois, dada a heterogeneidade dos resíduos, é difícil obter amostras representativas. Os processos de biodegradação são a causa principal de recalques em aterros, porém, embora possam durar décadas, esses recalques tendem a findar em um determinado tempo.

Os resultados dos modelos e, principalmente, os parâmetros envolvidos são muito sensíveis às condições particulares de cada aterro sanitário. De igual forma, as experiências realizadas demonstram a necessidade de aprofundar as investigações em aterros sanitários de diferentes características, com o propósito de obter modelos de comportamentos próprios e, assim, alcançar tendência de caráter universal (PEREIRA, 2000).

CONCLUSÕES

O monitoramento de recalques no antigo Vazadouro da Marambaia por meio de MSs permitiu avaliar o comportamento compressivo dos resíduos e obter parâmetros para calibrar os modelos matemáticos de Sowers (1973), Meruelo (PALMA, 1995), Ling et al. (1998) e Oweis (2006), bem como realizar uma previsão dos recalques futuros em 50 anos.

A grande importância deste estudo consiste em mostrar resultados de monitoramento de recalques em longo prazo em um antigo vazadouro, muito comum no Brasil, tendo em vista que praticamente metade dos resíduos coletados destina-se a lixões e aterros controlados e pouquíssimas dessas áreas são monitoradas. Como alertado por Ling et al. (1998), Pereira (2000) e Ivanova, Richards e Smallman (2008) e Van Elk et al. (2014), o conhecimento do comportamento compressivo desse tipo de material é necessário para o reaproveitamento dessas áreas em futuras obras.

Os resultados do monitoramento apresentaram valores que variaram entre 79 e 204 mm, representando deformações na faixa de 0,16 a 0,41% em relação à altura inicial do maciço. A baixa magnitude dos recalques observados pode ser atribuída à idade antiga dos resíduos no vazadouro e ao fato de o monitoramento ter começado cinco anos após o encerramento das operações no aterro, quando, provavelmente, a grande proporção de recalques já havia ocorrido. Edil, Ranguete e Wuellner (1990) e Sowers (1968) indicam que a maior parte dos recalques ocorre no primeiro e no segundo ano após o encerramento do aterro.

Mesmo assim, a previsão de recalques utilizando os modelos de cálculo mostra que a massa de resíduos do Vazadouro de Marambaia seguirá se deformando, confirmando que os recalques decorrentes de processos de biodegradação dos resíduos seguirão ocorrendo por muitos anos depois do fechamento do aterro.

Neste trabalho, calcularam-se recalques utilizando quatro modelos de compressibilidade conceitualmente diferentes: o de Sowers (1973), que propõe uma função logarítmica para calcular os recalques secundários; o empírico de Ling et al. (1998), baseado em uma função hiperbólica; o de Meruelo (PALMA, 1995), que leva em consideração apenas os recalques ocasionados por biodegradação dos resíduos e é expresso por uma equação cinética de primeira ordem; e o de Oweis (2006), que considera recalques mecânicos tanto os ocasionados por sobrecarga de resíduos como aqueles sob carga constante e os recalques por biodegradação.

Os resultados mostram que os recalques previstos podem variar siginificativamente dependendo do modelo empregado. No entanto, as curvas de previsão mostram que os modelos de Sowers (1973), Meruelo (PALMA, 1995) e Ling et al. (1998) apresentaram trajetórias de recalques previstos relativamente próximas. Ao passo que o modelo de Oweis (2006) apresentou resultados mais conservadores, embora a curto prazo apresentou resultados muito aproximados aos valores medidos em campo. Os modelos de Ling et al. (1998) e Sowers (1973) são bastante simples de serem empregados, envolvem poucos parâmetros e apresentaram estimativa razoável dos recalques, é recomendável que sejam empregados desde que sejam calibrados com dados de campo.

De acordo com Babu et al. (2010), um estudo comparativo de diferentes modelos, tendo em vista a sua aplicação em um caso prático, permite avaliar a confiabilidade e limitações de cada modelo, porém a acurácia de um modelo de previsão é ditada pelos dados do aterro e a representatividade das condições locais pelos parâmetros utilizados.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Diogo Barbosa Arantes, gerente operacional, e Caio Dias Martini Alves, supervisor de projetos e operações da Central de Tratamento de Resíduos de Nova Iguaçu, empresa HAZTEC Teconologia e Planejamento Ambiental SA, pela obtenção dos dados.

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• 1
  Reg. ABES: 176034

FONTE DE FINANCIAMENTO

• Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Ago 2019
• Data do Fascículo
  May-Jun 2019

Histórico

• Recebido
  20 Fev 2017
• Aceito
  02 Maio 2018