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Desempenho ambiental da destinação e do tratamento de resíduos sólidos urbanos com reaproveitamento energético por meio da avaliação do ciclo de vida na Central de Tratamento de Resíduos - Caieiras

Environmental performance of the allocation and urban solid waste treatment with energetic reuse through life cycle assessment at CTR - Caieiras

RESUMO

A principal destinação de resíduos sólidos urbanos (RSU) coletados no Brasil tem sido aterros controlados e sanitários. Em raros casos, são aplicadas outras soluções, que poderiam trazer benefícios adicionais para as localidades. O aproveitamento do RSU é uma alternativa promissora. De imediato, apresenta-se a alternativa de geração de energia elétrica. Nesse caso, embora não se trate de potencial com dimensão suficiente para sustentar uma estratégia de expansão da oferta de energia elétrica do país em longo prazo, a geração de eletricidade mediante RSU é elemento importante de uma estratégia regional ou local e, portanto, não deve ser desconsiderada. Nesse cenário, este trabalho procurou estudar a viabilidade de implementação de tecnologias alternativas e complementares de destinação de RSU com geração de energia elétrica, levando em consideração seus impactos ambientais e utilizando como ferramenta a Avaliação de Ciclo de Vida (AVC). Os resultados mostraram que, entre as alternativas levadas em conta neste estudo, a geração de energia elétrica por intermédio dos processos combinados de tratamento mecânico biológico e incineração é a mais atraente em termos de impactos ambientais. A geração de energia elétrica por meio do processo de incineração mass burning mostrou-se também atraente no tocante a impactos ambientais. Como conclusão geral deste estudo, identificou-se a existência de alternativas e oportunidades para a implementação de projetos relacionados à geração de energia elétrica no Brasil por RSU, especialmente pelo processo de incineração, embora ainda existam barreiras econômicas, políticas e sociais que precisam ser vencidas.

Palavras-chave:
resíduo sólido urbano; energia; biogás; incineração; avaliação de ciclo de vida

ABSTRACT

The main destination of municipal solid waste (MSW) collected in Brazil has been landfills and sanitary landfills. In rare cases, other solutions are applied, which may bring additional benefits to localities. The use of MSW is a promising alternative. At once, it is an alternative of generating electricity. In this case, although it is not sufficient to support a strategy to expand the Brazilian electricity supply, in the long term, the generation of electricity through MSW is an important element of a regional or local strategy and therefore should not be disregarded. In that context, this study sought to study the feasibility of implementing alternative and complementary technologies for the disposal of MSW with generation of electricity, taking into account its environmental impacts and using the Life Cycle Assessment (LCA). The results showed that, among the alternatives taken into account in this study, the generation of electric energy by combined biological and mechanical Treatment and Incineration is the most attractive in terms of environmental impacts. The generation of electricity by means of the mass burning incineration process showed to be also attractive in terms of environmental impacts. As a general conclusion of this study it was identified the existence of alternatives and opportunities for implementation of projects related to the generation of electric energy in Brazil especially by the incineration process, although there are still economic, political and social needs that must be overcome.

Keywords:
municipal solid waste; energy; biogas; incineration; life cycle assessment

INTRODUÇÃO

No Brasil, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE, 2012ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS - ABRELPE. (2012) Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2012. Edição Especial 10 anos. São Paulo: ABRELPE. Disponível em: <Disponível em: http://www.abrelpe.org.br/Panorama/panorama2012.pdf > Acesso em: 23 out. 2014.
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), 58,0% dos resíduos sólidos urbanos (RSU) produzidos são encaminhados para aterros sanitários, principalmente nas grandes cidades do país. O restante é enviado a aterros controlados (24,2%) ou lixões (17,8%), presentes na maior parte das pequenas e médias cidades.

De acordo com Campos (2012CAMPOS, H.K.T. (2012) Renda e Evolução da Geração per capita de Resíduos Sólidos no Brasil. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 17, n. 2, p. 171-180.), a geração de RSU per capita no Brasil é em média 0,96 kg/dia. Com a tendência de crescimento da economia nacional, espera-se que esses valores aumentem nos próximos anos. Isso fará com que surja a necessidade muito forte de políticas públicas mais rigorosas para a regularização das condições dos aterros sanitários, além de mais incentivo econômico para a reciclagem e para o reaproveitamento energético dos RSU. Exemplo disso é a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em vigor desde 2010, que promove e incentiva novas tecnologias para o tratamento, a destinação e o aproveitamento de RSU no país.

Assim, resíduos sólidos de origem urbana podem ser mais eficientemente destinados e reaproveitados para a produção de energia elétrica, como já acontece em várias partes do mundo, no entanto há alternativas tecnológicas para tais processos de destinação e reaproveitamento energético que merecem ser estudadas e avaliadas, considerando seus processos dissipativos e seus impactos ambientais durante seus ciclos de vida. Dessa forma, os investidores conseguem obter informações consistentes que os possibilitem analisar, projetar e implementar tecnologias mais sustentáveis para a gestão de RSU e seu aproveitamento energético, bem como motivação para isso.

Numa perspectiva de longo prazo, o Plano Nacional de Energia 2030 (PNE 2030) (EPE, 2007EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA - EPE. (2007) Plano Nacional de Energia 2030. Rio de Janeiro: EPE. Disponível em <Disponível em http://www.epe.gov.br/PNE/20080111_1.pdf >. Acesso em: 23 out. 2013.
http://www.epe.gov.br/PNE/20080111_1.pdf...
) considera a possibilidade de instalação de até 1.300 MW nos próximos 25 anos em termelétricas utilizando RSU, em uma indicação de que são esperados avanços importantes no aproveitamento energético desses resíduos. Ao lado dos evidentes benefícios ambientais, sanitários e sociais que proporciona, o aproveitamento energético de RSU já apresenta hoje alternativas tecnológicas maduras.

Com o surgimento do conceito de ciclo de vida, foi desenvolvida uma técnica para a avaliação de desempenho ambiental de produtos e processos, denominada de Avaliação de Ciclo de Vida (ACV), que avalia o desempenho ambiental de um produto ou de um processo ao longo de todo o seu ciclo de vida. Segundo Silva & Kulay (2006), tratando-se de uma metodologia de avaliação cujo foco se situa na função do produto ou processo, a ACV proporciona informações sobre as interações que ocorrem entre as etapas que constituem o ciclo de vida e o meio ambiente.

Gestão de resíduos sólidos urbanos no Brasil

Segundo a Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988BRASIL. (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 20 mar. 2014.
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), os RUS são de propriedade e responsabilidade das prefeituras, as quais são responsáveis por assegurar a coleta e a destinação final. A PNRS visa não somente ao correto gerenciamento dos resíduos sólidos, mas, de forma geral, à redução de sua geração.

Nota-se bem que a opção de destinação mais comum adotada pelo Brasil são os aterros sanitários, por conta do baixo custo e da disponibilidade de áreas, aparentemente em abundância, no entanto esse processo de destinação tem levado a práticas operacionais inadequadas entre as regiões, principalmente em virtude da escassez de recursos financeiros pelas prefeituras, acarretando em falhas de gestão e ineficiência do sistema. Em consequência, há aterros controlados e lixões que possuem alto potencial de poluição.

A incineração também é um processo de destinação de RSU, porém muito pouco utilizada no Brasil, estando restrita aos resíduos classificados como perigosos, pelo alto custo que esse processo ainda apresenta diante da realidade econômica do país.

Portanto, o tratamento dado aos RSU no Brasil ainda está muito aquém daquele praticado nos países mais desenvolvidos, o que ainda causa impactos ambientais, econômicos e sociais relativamente negativos quando comparados aos impactos causados por parte dos países desenvolvidos.

REAPROVEITAMENTO ENERGÉTICO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS

Produção de biogás em aterros sanitários

Um aterro sanitário pode ser definido como uma forma de disposição de RSU no solo que, segundo critérios de engenharia e procedimentos operacionais, permite o confinamento seguro, assim como garante o controle da poluição ambiental e a proteção da saúde pública, com a finalidade de minimizar os impactos ambientais em relação aos causados pelos lixões e aterros controlados.

De modo geral, o aproveitamento do biogás tem as seguintes vantagens: redução dos gases de efeito estufa; receita adicional para aterros existentes (energia + créditos de carbono); utilização para geração de energia ou como combustível; e redução da possibilidade de ocorrência de autoignição e/ou explosão pelas altas concentrações de metano.

O biogás pode ser utilizado como combustível de baixa, média ou alta qualidade. Quando não utilizado, recomenda-se que seja queimado, pois o efeito do metano (seu principal componente) na atmosfera é muito mais impactante do que o do CO2, produto de sua combustão. Entre os usos mais comuns do biogás, pode-se citar o uso como combustível em turbinas, motores a gás e caldeiras para produção de energia elétrica, além da presença em células combustíveis também como fonte de energia. Adicionalmente, o biogás pode também ser purificado, ao aumentar a concentração de metano, e empregado como combustível nos veículos de transporte, ou ainda inserido em gasodutos juntamente com o gás natural. A tecnologia de aproveitamento do biogás produzido nos aterros é o uso energético mais simples dos RSU e consiste na recuperação do biogás oriundo da decomposição anaeróbia da fração orgânica de RSU, por ação de microrganismos que transformam os resíduos em substâncias mais estáveis, como: dióxido de carbono (CO2), água (H2O), metano (CH4), gás sulfídrico (H2S), mercaptanas e outros componentes (NMOCs, em inglês non methane organic compounds - compostos orgânicos não metanos).

O aproveitamento econômico do gás para a geração de energia elétrica fica limitado a um espaço de tempo relativamente pequeno (entre 12 e 18 anos) em relação ao tempo de duração das emissões (Figura 1).

Figura 1:
Evolução típica da produção de biogás em aterro sanitário.

Produção de biogás por meio da biodigestão anaeróbia

De acordo com Verma (2002VERMA, S. (2002) Anaerobic digestion of biodegradable organics in municipal solid wastes. 50 fls. Dissertation (Master in Earth Resources Engineering) - Columbia University, New York.), a digestão anaeróbia acelerada (DAA) pode ser definida como a conversão de material orgânico em dióxido de carbono, metano e o digerido pelas bactérias, em um ambiente pobre em oxigênio. Esse processo é o mesmo que ocorre em um aterro sanitário, porém é acelerado, por meio de equipamentos projetados para otimizar as condições da reação de forma a aumentar sua velocidade. O gás obtido durante a digestão anaeróbia, chamado de biogás, inclui, além do metano e do dióxido de carbono, alguns gases inertes e compostos sulfurosos. A digestão anaeróbia é consequência de uma série de interações metabólicas com a atuação de diversos grupos de microrganismos. A produção de metano acontece em um espectro amplo de temperaturas, mas aumenta significativamente em duas faixas, ditas mesofílica - entre 25 e 40ºC - e termofílica - entre 50 e 65ºC.

A maioria dos sistemas de digestão anaeróbia necessita de uma fase de pré-tratamento da carga de entrada, na qual são separados os resíduos não digeríveis. Dentro do digestor, a carga é diluída para atingir o teor de sólidos desejado e aí permanece durante o tempo de retenção designado (em torno de 20 dias). Para a diluição, uma ampla variedade de fontes de água pode ser utilizada, como água limpa, água de esgoto ou líquido recirculante do efluente de digestor. Frequentemente, necessita-se de um trocador de calor a fim de manter a temperatura no vaso de digestão. As impurezas do biogás são retiradas para que o produto esteja de acordo com a necessidade da sua aplicação. No caso de tratamento residual, o efluente do digestor é desidratado, e o líquido, reciclado para ser usado na diluição da carga de alimentação. Os biossólidos são aerobiamente tratados para a obtenção do produto composto e estabilizados para serem depositados em aterros ou usados como combustível para incineração (VERMA, 2002VERMA, S. (2002) Anaerobic digestion of biodegradable organics in municipal solid wastes. 50 fls. Dissertation (Master in Earth Resources Engineering) - Columbia University, New York.). A composição típica do biogás assim produzido é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1:
Composição típica do biogás.

Da mesma forma que na recuperação de gás do aterro, o biogás pode ser consumido diretamente, situação em que apresenta poder calorífico entre 19 e 25 MJ/Nm3, ou tratado para separação e aproveitamento do metano, cujo poder calorífico é semelhante ao do gás natural. Em termos elétricos, considerando a eficiência elétrica do motor de cogeração de 35% na conversão de energia térmica para energia elétrica, podem ser obtidos entre 50 e 150 kWh por tonelada de RSU, dependendo do conteúdo energético do resíduo.

O processo de incineração

Usinas WTE, da sigla em inglês para waste-to-energy, são aquelas que utilizam a incineração de RSU para produzir o vapor que vai acionar uma turbina a vapor - acoplada a um gerador de energia elétrica - ou será usado diretamente em processos industriais (ou para aquecimento). O processo de geração de energia elétrica pela incineração dos RSU é semelhante ao de usinas térmicas convencionais de ciclo Rankine, e a capacidade de geração depende diretamente da eficiência da transformação do calor em energia elétrica e do poder calorífico do material incinerado.

Usinas de incineração podem gerar entre 400 e 700 kWh por tonelada de RSU. A tecnologia dominante é conhecida como mass burning, em que os resíduos são incinerados como chegam, sem nenhum processo de tratamento ou beneficiamento. O rendimento das usinas WTE na conversão para energia elétrica é relativamente baixo, entre 20 e 25%, refletindo a restrição de se operar em temperaturas muito elevadas.

Para o Brasil, considerando os dados fornecidos por Campos (2012CAMPOS, H.K.T. (2012) Renda e Evolução da Geração per capita de Resíduos Sólidos no Brasil. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 17, n. 2, p. 171-180.), geram-se em média 192.000 t/dia de RSU. Caso fossem incinerados, considerando em média o valor de 0,5 MWh/t, possibilitariam a obtenção de 35 TWh/ano. Adotando uma visão mais otimista, com até 700 kWh/t, esse valor poderia ser de 50 TWh/ano.

METODOLOGIA

Especificamente para a análise de Inventário de Ciclo de Vida (ICV) e de Avaliação de Impactos de Ciclo de Vida (AICV), foi utilizado o programa SimaPro 7.3.3, um software de última geração largamente utilizado no mundo para desenvolver estudos de Avaliação de Ciclo de Vida (ACV). O escopo do estudo, incluindo a fronteira e o detalhamento, foi definido a partir das rotas selecionadas de destinação de RSU. Para isso, foi considerado o ciclo de vida do processo desde a chegada do RSU ao aterro sanitário, sua triagem quando aplicável, os processos de tratamento e reaproveitamento da biomassa como fonte de energia elétrica e a destinação da biomassa residual.

Na avaliação, foram incluídos: as rotas estudadas; as funções dos processos propostos para estudo; as unidades funcionais; as fronteiras das rotas; os procedimentos de alocação de recursos; as categorias de impacto selecionadas e a avaliação desses impactos, bem como a interpretação subsequente; os dados atualizados das rotas de destinação; os pressupostos estabelecidos; as limitações do estudo; a análise da qualidade dos dados; e a revisão crítica do estudo.

A Central de Tratamento de Resíduos - Caieiras

O desenvolvimento da ACV levou em conta as rotas alternativas de destinação de RSU, consideradas neste trabalho para efeito comparativo, utilizando dados do Aterro Sanitário Caieiras (CTR-Caieiras), localizado no município de Caieiras, no estado de São Paulo. A ­CTR-Caieiras destaca-se como uma central de tratamento e destinação de resíduos sólidos urbanos e industriais, porém para este trabalho foram avaliados somente os primeiros.

A CTR-Caieiras abrange uma área de aproximadamente 2.000.000 m2, disponível para a implantação e a operação das fases do aterro. A ­CTR-Caieiras recebe em média 8.600 t de RSU por dia, e a maior parcela (6.000 t) é proveniente da cidade de São Paulo; o restante do RSU provém de Caieiras e de alguns outros municípios vizinhos. A CTR-Caieiras possui capacidade volumétrica de até 23.000.000 m3, sendo composto de cinco fases e tendo vida útil estimada em 30 anos (ESSENCIS, 2011ESSENCIS SOLUÇÕES AMBIENTAIS S.A. (2011) CTR-CAIEIRAS Relatório Ambiental da CTR-Caieiras. Caieiras (SP): Biblioteca da Central de Tratamento de Resíduos.).

Fluxograma do processo e levantamento de dados

A aplicação da metodologia ACV foi feita por meio de estudo de caso, utilizando dados da CTR-Caieiras, sendo identificado como fronteira do estudo o RSU disposto no aterro. Os inventários usados para as investigações levaram em conta insumos e emissões de cinco rotas, denominadas de:

  • Rota 1: desde a chegada do RSU ao aterro até a queima do biogás no flare;

  • Rota 2: desde a chegada do RSU ao aterro até a geração de energia elétrica pelo biogás do aterro;

  • Rota 3: desde a chegada do RSU ao aterro até a geração de energia elétrica pelo biogás gerado por meio de tratamento mecânico biológico;

  • Rota 4: desde a chegada do RSU ao aterro até a geração de energia elétrica mediante incineração;

  • Rota 5: desde a chegada do RSU ao aterro até a geração de energia elétrica por intermédio de tratamento mecânico biológico e incineração.

Como base para este trabalho, foi adotada como unidade funcional 1 t de RSU entregue na CTR-Caieiras, e as fronteiras do sistema foram estabelecidas entre a chegada do RSU ao aterro e a entrega de energia elétrica produzida. As rotas e fronteiras estabelecidas para o estudo podem ser vistas na Figura 2.

Figura 2:
Fluxo do sistema de produto.

Com relação às rotas consideradas neste trabalho, todos os dados relativos à caracterização dos resíduos, à triagem, ao aterramento, a emissões de gases, a sistemas de coleta de gases e à queima de metano pelo flare foram provenientes da CTR-Caieiras, conforme mencionado anteriormente. Portanto, os resultados de impactos ambientais refletem única e exclusivamente esse cenário, já que, para outras realidades, os dados não serão os mesmos, levando a conclusões distintas.

Concernente aos processos e às tecnologias de biodigestão anaeróbia e incineração de RSU, os dados foram obtidos com os principais fornecedores de tecnologias, da literatura e também na Universidade de Boras, na cidade de Boras, na Suécia, já que inexistem tais dados no Brasil.

No que diz respeito à obtenção de energia elétrica por meio de processo térmico (incineração), algumas informações também foram coletadas em Boras, pois existe operação implementada e consolidada naquela cidade. Quanto à geração de energia elétrica mediante o biogás, os dados foram obtidos no Aterro Bandeirantes, em São Paulo, onde existe tecnologia instalada para esse tipo de conversão.

Os dados coletados no exterior e em outras localidades foram tratados e customizados para o cenário da CTR-Caieiras com o intuito de refletir a realidade local.

Para o estudo, foram utilizados os inventários de Ecoinvent V2.2, que fazem parte do software SimaPro 7.3.3. Usando como referência os dados ajustados para a realidade da CTR-Caieiras, foi possível fazer a análise comparativa, pelo método Tool for Reduction and Assessment of Chemical and other Environmental Impacts (TRACI), da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA), dos impactos ambientais e à saúde humana causados pelas rotas alternativas. Para tanto, pensou-se em valores relativos de impactos e efeitos ambientais das seguintes categorias selecionadas: aquecimento global; ecotoxicidade; depleção da camada de ozônio; oxidação fotoquímica; efeitos respiratórios; substâncias cancerígenas e não cancerígenas; acidificação e eutrofização.

Os RSU inventariados foram compostos da seguinte forma: 14% papel; 4% papelão; 21% plásticos; 43% orgânicos; 4% minerais; 5% laminados de embalagem; 3% vidros; 4% tecidos e 2% outros materiais. A unidade funcional utilizada foi: 1 t de RSU disposto na ­CTR-Caieiras. Para as rotas 1, 2 e 3, foi considerada 50% de umidade nos RSU. Para as rotas 3 e 5, considerou-se 22,9% de umidade nos RSU.

As categorias tradicionais de poluição, que incluem depleção de ozônio, aquecimento global, critério de saúde humana, formação de smog, acidificação e eutrofização, foram incluídas no TRACI, afinal há vários programas e normas mundiais que visam reduzir os efeitos dessas categorias de impacto.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise comparativa do perfil ambiental das rotas

Os resultados observados foram classificados quanto aos impactos potenciais de longo prazo, ou seja, aqueles previstos para um período de mais de 100 anos. Em longo prazo, os impactos causados por substâncias carcinogênicas, substâncias não carcinogênicas, ecotoxicidade e eutrofização apontam valores consideráveis, como pode ser visto nas Figuras 3, 4, 5 e 6.

Figura 3:
Comparação de processos em longo prazo.

Figura 4:
Acidificação, substâncias cancerígenas: impactos em longo prazo, rotas 1 a 5.

Figura 5:
Substâncias não cancerígenas, efeitos respiratórios, eutrofização: impactos em longo prazo, rotas 1 a 5.

Figura 6:
Ozônio, ecotoxidade, smog: impactos em longo prazo, rotas 1 a 5.

No caso dos impactos causados por substâncias carcinogênicas, as rotas relacionadas ao aterramento total (rotas 1 e 2) apresentaram-se como as mais agressivas, pois seus poluentes possuem fator de degradabilidade mais longo. Assim, eles são mais persistentes no meio em que são emitidos. O mesmo efeito foi verificado nos impactos potenciais de substâncias não carcinogênicas e ecotoxicidade, tornando a rota 3 a menos impactante. Os resultados mostraram que esta última, associada ao processo de tratamento mecânico biológico, demonstra-se como a menos impactante no que diz respeito ao potencial impacto no aquecimento global e na acidificação. Esse resultado deve-se à segregação de resíduos orgânicos que não são aterrados e que, portanto, causam menor impacto ambiental em comparação às demais tecnologias de aterro, bem como pouco adensam as emissões de gases poluentes.

Com os resultados, notou-se também que os processos relativos ao aterramento são os mais agressivos na maioria das categorias de impacto, à exceção de acidificação e smog fotoquímico, nos quais os processos de incineração são mais prejudiciais.

No caso da categoria de impacto da eutrofização, as rotas 4 e 5 (relativas à incineração) apresentaram agressividade significante no longo prazo. Para o efeito potencial de depleção de ozônio, as rotas relativas ao aterramento aparecem como as mais agressivas no longo prazo. Já no caso de emissões de NOx, as rotas relativas à incineração atuam como as mais fortes no longo prazo.

Normalização e ponderação dos resultados

A normalização fornece um indicador da contribuição relativa de um sistema de produto para um ou mais problemas ambientais verificados na metodologia de perfil ambiental adotada. Para essa análise, foram utilizados os valores normalizados pela metodologia TRACI, publicados em Bare, Gloria e Norris (2006BARE, J.; GLORIA, T.; NORRIS, G. (2006) Development of the method and US normalization database for life cycle impact assessment and sustainability metrics. Environmental Science & Technology, v. 40, n. 16, p. 5108-5115.), considerando os impactos ambientais anualizados para a América do Norte.

Os dados de impacto ambiental anualizados e utilizados no cálculo são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2:
Dados anualizados TRACI.

Com os valores anualizados da Tabela 2, obtidos como resultado da metodologia TRACI, para cada rota estudada, foi elaborado o seguinte cálculo com cada uma das categorias de impacto: (Ind/t) / valor anual normalizado nas categorias de impacto TRACI (Ind/ano) = t/ano.

As tabelas 3, 4, 5, 6, 7, 8 mostram os resultados individuais da normalização para cada uma das rotas averiguadas.

Tabela 3:
Categorias de impacto em longo prazo.

Tabela 4:
Valores anuais TRACI em longo prazo, rota 1.

Tabela 5:
Valores anuais TRACI em longo prazo, rota 2.

Tabela 6:
Valores anuais TRACI em longo prazo, rota 3.

Tabela 7:
Valores anuais TRACI em longo prazo, rota 4.

Tabela 8:
Valores anuais TRACI em longo prazo, rota 5.

Pode-se observar nas rotas 1 e 2 que as diferenças não foram substanciais, já que as características dos processos analisados são muito parecidas. A rota 1 e a rota 2 diferiram somente no processo de geração de energia elétrica. Enquanto a primeira considerou o processo de queima do biogás em flare, a segunda baseou-se na geração de energia elétrica, no entanto em ambas as rotas o processo de aterramento foi comum e, portanto, os impactos, quando comparados, apresentaram valores muito parecidos.

Com as tabelas, é possível observar também que, para as duas rotas analisadas, os valores mais significativos de impacto ambiental nas categorias avaliadas foram aqueles referentes à ecotoxicidade, à saúde humana e aos tóxicos cancerígenos e não cancerígenos, os quais representam os efeitos relacionados aos processos de contaminação causados pelo aterramento dos RSU in natura. Nas outras categorias analisadas, os impactos foram de baixo potencial em ambas as rotas.

Já na rota 3, viu-se que as categorias de maior impacto ambiental continuaram sendo a ecotoxicidade, a saúde humana e os tóxicos cancerígenos e não cancerígenos, porém em menor intensidade do que nas rotas 1 e 2, por conta principalmente da remoção dos resíduos orgânicos, que na rota 3 são destinados ao processo de biodigestão anaeróbia. Quanto às outras categorias de impacto ambiental - depleção da camada de ozônio, acidificação e eutrofização -, elas foram de baixo potencial, no entanto menores quando comparadas às das rotas 1 e 2. A rota 3 apresentou, comparativamente às rotas 1 e 2, melhor resultado entre as categorias de impacto ambiental levadas em consideração nesta análise.

Na rota 4, relativa ao processo de incineração mass burning, as categorias referentes à ecotoxicidade, à saúde humana e aos tóxicos cancerígenos e não cancerígenos ainda persistiram como relevantes. Essa última rota apresentou valor maior do que a rota 3 em ecotoxicidade, em razão sobretudo das emissões causadas pelo processo de combustão, porém em relação às categorias saúde humana e tóxicos cancerígenos e não cancerígenos os valores são menores para a rota 4.

Na rota 5, considerando os processos de geração de energia elétrica pelo biogás de biodigestão anaeróbia, combinado com o processo de geração de energia elétrica por meio da incineração, também persistiram em relevância as categorias de impacto referentes à ecotoxicidade, à saúde humana e aos tóxicos cancerígenos e não cancerígenos. Assim como a rota 4, a rota 5 apresentou valores maiores do que a rota 3 nessas categorias de impacto, em função principalmente das emissões causadas pelo processo de combustão.

Todavia, a rota 5 apresentou um indicador comparativo um pouco melhor que o referente à rota 4, e bem melhor do que os das rotas 1, 2 e 3. Ela mostrou-se bastante atrativa, levando-se em conta os resultados de impactos ambientais verificados. Isso porque ela combina processos que se complementam no que diz respeito ao reaproveitamento mais eficiente dos RSU e, por consequência, ao melhor aproveitamento da recuperação energética desses resíduos. Essa foi a rota que, comparativamente, apresentou o melhor resultado entre as categorias de impacto ambiental averiguadas neste estudo.

Como pôde ser constatado, de forma geral, com os resultados, a normalização mostrou que os impactos ambientais causados por emissões de substâncias carcinogênicas, não carcinogênicas e pela ecotoxicidade são muito significativos. Os impactos relativos ao aquecimento global, ao smog fotoquímico, à depleção de ozônio e à acidificação são muito menos agressivos, embora devam ser considerados em análises individuais de cada rota, como, por exemplo, no caso de emissões atmosféricas, aquelas que contemplam processos de combustão.

Embora ainda haja muita preocupação com a emissão de processos de combustão utilizados na incineração de RSU, as tecnologias modernas têm evoluído substancialmente e apresentam nos dias atuais processos bastante confiáveis na separação de poluentes agressivos. Portanto, tais tecnologias são comumente empregadas nos países desenvolvidos.

Essas mesmas tecnologias foram consideradas na elaboração dos inventários utilizados neste estudo, possibilitando a verificação dos impactos ambientais causados por elas em comparação aos impactos das demais, os quais podem ser considerados como menores em termos ambientais.

CONCLUSÕES

A gestão adequada dos RSU, orientada para a sua utilização energética, contribui para reduzir o consumo de combustíveis fósseis e aliviar o impacto ambiental. Nesse sentido, este estudo teve o objetivo principal de analisar algumas alternativas de disposição e aproveitamento energético de RSU por meio da identificação de efeitos ambientais e da comparação dessas alternativas, de modo a propor diretrizes relativas aos aspectos ambientais.

Os resultados mostraram que, entre as alternativas consideradas aqui, a geração de energia elétrica por intermédio dos processos combinados de tratamento mecânico biológico e incineração é a mais atraente, tanto em termos de impactos ambientais (considerando resultados normalizados) quanto em termos econômicos. A princípio, a incineração era vista como uma alternativa ambiental não amigável, pelos prejuízos ambientais causados, no entanto as tecnologias vêm se aprimorando nas últimas décadas e, atualmente, a incineração possui tecnologias de ponta que proporcionam confiabilidade na remoção de gases tóxicos. Portanto, é possível manter a emissão de gases capaz de atender às mais rigorosas leis ambientais no mundo e no Brasil.

No tocante a impactos ambientais, as alternativas de geração de energia elétrica pelo biogás apresentaram-se como mais agressivas (considerando os resultados normalizados) no longo prazo, quando comparadas ao processo de incineração e ao processo combinado, embora em alguns parâmetros específicos do perfil ambiental tenham se mostrado como mais atraentes, mesmo quando se compararam os impactos no curto prazo.

Outro fator importante que pode ser visto como gargalo para o desenvolvimento de projetos de geração de energia elétrica por RSU é a falta de políticas de incentivo para o setor.

Como conclusão geral deste estudo, observou-se a identificação da existência de opções e oportunidades para a implementação de projetos relacionados à geração de energia elétrica no Brasil pelo RSU, especialmente por meio do processo combinado de tratamento mecânico biológico e de incineração, com a ressalva de que ainda existem barreiras econômicas, políticas e sociais que precisam ser vencidas. Todavia, as tecnologias apresentadas merecem ser cada vez mais investigadas, viabilizadas e aplicadas, pois oferecem disposição, tratamento e aproveitamento energético de RSU mais eficientes e sustentáveis, a exemplo dos países mais desenvolvidos do mundo.

Destacam-se algumas recomendações para o incentivo à viabilização de investimentos nessa área: melhorias no sistema de licenciamento ambiental, pois este ainda é muito complexo e moroso no Brasil; implementação de projetos de lei que adotem incentivos fiscais para a realização de projetos relacionados à geração de energia elétrica por RSU; ampliação da disseminação de estudos e tecnologias de geração de energia elétrica por RSU; realização de consórcios entre municípios com o intuito de obter escala, a fim de viabilizar a implementação de projetos de geração de energia elétrica por RSU.

REFERÊNCIAS

  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS - ABRELPE. (2012) Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2012 Edição Especial 10 anos. São Paulo: ABRELPE. Disponível em: <Disponível em: http://www.abrelpe.org.br/Panorama/panorama2012.pdf > Acesso em: 23 out. 2014.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2015
  • Aceito
    14 Set 2016
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