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Influência da deposição seca e da modificação em dispositivo de desvio automático sobre a qualidade da água de chuva

Influence of dry deposition and modification in automatic device on rainwater quality

RESUMO

No semiárido brasileiro, o armazenamento da água de chuva dá-se historicamente por meio de cisternas, e o aproveitamento inclui o consumo humano. Qualidade do ar atmosférico, deposição seca e manejo são importantes fatores que afetam a qualidade da água. Barreiras sanitárias contribuem para minimizar a entrada de poluentes em cisternas e são fundamentais para a manutenção da qualidade da água da chuva, possibilitando a ampliação do uso da água para fins restritivos. Nesta pesquisa, na primeira etapa, avaliou-se o desempenho de um dispositivo de desvio dos primeiros milímetros de água de chuva na retenção de poluentes, após intervalo de deposição seca de até 15 dias. Na segunda etapa, foi feita uma modificação em sua configuração original, visando aprimorar a retenção de materiais flotantes em seu interior. Na primeira etapa, observou-se que a contaminação da água de chuva aumentou ao longo dos dias de deposição. Obteve-se aumento da cor verdadeira a partir do sexto dia sem precipitação, e a maior eficiência na retenção desse parâmetro foi de 66,6%. Para a turbidez, apenas um dia de deposição seca foi suficiente para desenquadrar a qualidade da água de chuva para fins potáveis, apesar da boa eficiência de remoção de turbidez (acima de 90%). Dessa forma, os resultados da fase 1 mostram que o dispositivo deve ser esvaziado após cada dia de deposição seca. Os resultados da segunda etapa demonstraram que a modificação na configuração do dispositivo resultou em melhoria na eficiência de remoção de cor verdadeira (22,8%), turbidez (13,0%) e coliformes totais (99,4%).

Palavras-chave:
captação de água de chuva; deposição seca; barreira sanitária

ABSTRACT

The use of cisterns for rainwater storage is a common practice in Brazilian semi-arid region, which has been historically used for human consumption. Atmospheric air quality, dry deposition and management are important factors that affect the quality of rainwater. Sanitary barriers contribute to minimize pollutants entering in cisterns and are essential for maintaining the quality of rainwater, allowing uses for more restrictive purposes. In this research, in the first stage, the performance of the first flush device was evaluated in the retention of pollutants after a dry deposition interval of up to 15 days. In the second stage, a change was made to the original configuration in order to improve the retention of floating materials. In the first stage, it was observed that the rainwater contamination increased over the days of dry deposition. An increase in true color was obtained after the sixth day without precipitation and the highest color removal efficiency was 66.6%. For turbidity, only one day of dry deposition was enough to disqualify the quality of rainwater for human consumption, despite the good efficiency of removing turbidity (above 90%). Thus, the results of first stage indicate that the initial first flush device must be emptied after each day of dry deposition. The results of the second stage indicated that the change in the device configuration resulted in the efficiency of pollutants removal, represented by true color (22.8%), turbidity (13.0%), and total coliforms (99.4%).

Keywords:
rainwater collection; dry deposition; sanitary barrier

INTRODUÇÃO

A escassez de água é um problema que afeta boa parte da população mundial. Segundo Gohari et al. (2013)GOHARI, A.; ESLAMIAN, S.; MIRCHI, A.; ABEDI-KOUPAEI, J.; BAVANI, A.M.; MADANI, K. Water transfer as a solution to water shortage: a fix that can backfire. Journal of Hydrology, v. 491, p. 23 – 39, 2013. https://doi.org/10.1016/j.jhydrol.2013.03.021
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, a disponibilidade hídrica pode contribuir para o crescimento econômico e crises hídricas são obstáculos para o desenvolvimento sustentável, sendo tais crises umas das maiores ameaças para as sociedades humanas. Além disso, a heterogeneidade dos regimes de chuva no mundo faz com que, em algumas regiões, haja menor disponibilidade de água quando comparada a outras. Como exemplo, pode ser mencionado o Brasil, que está entre os países do mundo com maior disponibilidade hídrica em seu território; entretanto, o volume total de água disponível no país é desuniforme, visto que na região de semiaridez esse volume corresponde a apenas 3% de todo o montante disponível (MONTENEGRO; RAGAB, 2012MONTENEGRO, S.; RAGAB, R. Impact of possible climate and land use changes in the semiarid regions: a case study from Northeastern Brazil. Journal of Hydrology, v. 434, p. 55 – 68, 2012. https://doi.org/10.1016/j.jhydrol.2012.02.036
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).

O semiárido brasileiro é marcado pela falta de água em razão dos baixos índices de precipitação. Existem também outros fatores que contribuem para o agravamento da situação, como a alta taxa de evapotranspiração e as características geológicas, que promovem a existência de espessa rede de rios intermitentes e a presença de poucos rios perenes (CIRILO; MONTENEGRO; CAMPOS, 2010CIRILO, J.A.; MONTENEGRO, S.M.G.L.; CAMPOS, J.N.B. A questão da água no semiárido brasileiro. In: BICUDO, C.E.M.; TUNDISI, J.G.; SCHEUENSTUHL M.C.B. (org.). Águas do Brasil: análises estratégicas. São Paulo: Instituto de Botânica, v. 1, p. 81 – 91, 2010. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/318778262_A_questao_da_agua_no_Semiarido_brasileiro>. Acesso em: 01 abr. 2022.
https://www.researchgate.net/publication...
). Todos esses fatores flagelam a região e induzem a população a fazer uso de alguma forma de armazenamento de água para suprir o abastecimento humano nas épocas de seca. Logo, as cisternas tornaram-se um importante mecanismo para enfrentar a falta de água durante o período de estiagem. A utilização dessa tecnologia tem contribuído de forma positiva para o suprimento desse recurso perante a escassez hídrica persistente.

No Brasil, por meio do governo federal, foi implementado o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), que construiu e instalou, até o momento, 628.416 cisternas (ASA, 2020). Por meio do P1MC, a família beneficiada recebe uma cisterna de placa com capacidade de armazenamento de 16.000 L de água para suprir as necessidades básicas, tais como beber, cozinhar e escovar os dentes. O volume é indicado como suficiente para abastecer uma família de cinco pessoas durante oito meses de estação seca (FONSECA et al., 2014FONSECA, J.E.; CARNEIRO, M.; PENA, J.L.; COLOSIMO, E.A.; SILVA, N.B.; COSTA, A. G.F.C.; MOREIRA, L.E.; CAIRNCROSS, S.; HELLER, L. Reducing occurrence of giardia duodenalis in children living in semiarid regions: impact of a large scale rainwater harvesting initiative. PLOS Neglected Tropical Diseases, v. 8, n. 6, p. 10, 2014. https://doi.org/10.1371%2Fjournal.pntd.0002943
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). Por outro lado, apesar de, em geral, a água de chuva ser considerada de boa qualidade, ela pode ser alterada a depender de fatores como qualidade do ar atmosférico, impurezas depositadas sobre a superfície de captação e dutos de condução até as cisternas e o manejo da água (ALCOLEA et al., 2015ALCOLEA, A.; FERNÁNDEZ-LÓPEZ, C.; VÁSQUEZ, M.; CAPARRÓS, A.; IBARRA, I.; GARCÍA, C.; ZARROCA, M.; RODRÍGUEZ, R. An assessment of the influence of sulfidic mine wastes on rainwater quality in a semiarid climate (SE Spain). Atmospheric Environmental, v. 107, p. 85 – 94, 2015. https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2015.02.028
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; GIKAS; TSIHRINTZIS, 2017GIKAS, G.D.; TSIHRINTZIS, V.A. Effect of first-flush device, roofing material and antecedent dry days on water quality of harvested rainwater. Environmental Science Pollution Resource, v. 27, p. 21997 – 22006, 2017. https://doi.org/10.1007/s11356-017-9868-6
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).

A origem da contaminação da água de chuva armazenada em cisternas está associada à contaminação da superfície de captação, que por sua vez está relacionada com as contaminações presentes na atmosfera, ao uso e à ocupação do solo feito no entorno, às impurezas depositadas, incluindo excrementos de animais de pequeno porte, e ao material usado na construção das superfícies de captação (SILVA et al., 2017SILVA, S.T.B.; ARAÚJO, L.F.; ALMEIDA, A.J.G.A. GAVAZZA, S.; SANTOS, S.M. Comportamento de dispositivos de desvio das primeiras águas de chuva como barreiras sanitárias para proteção de cisternas. Águas Subterrâneas, v. 31, n. 2, p. 1 – 11, 2017. https://doi.org/10.14295/ras.v31i2.28658
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). Essas impurezas podem alterar as características físico-químicas e servir de abrigo para patógenos, comprometendo a qualidade das águas e, portanto, seu uso (ALVES et al., 2014ALVES, F.; KOCHLING, T.; LUZ, J.; SANTOS, S.M.; GAVAZZA, S. Water quality and microbial diversity in cisterns from semiarid areas in Brazil. Journal of Water and Health, v. 12.3, p. 513 – 525, 2014. https://doi.org/10.2166/wh.2014.139
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).

Diante do exposto, o desvio dos primeiros milímetros da água de chuva é necessário para melhorar a qualidade sanitária da água armazenada em cisternas, especialmente quando destinada para fins de abastecimento humano (ADARSH; PUTTASWAMAIAH, 2018ADARSH, S.; PUTTASWAMAIAH, S.G. Influence of atmospheric deposition and roof materials on harvested rainwater quality. Journal of Environmental Engineering, v. 144, n.12, p. 1 – 12, 2018. https://doi.org/10.1061/(ASCE)EE.1943-7870.0001460
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). Alguns dispositivos de desvio das primeiras águas de chuva têm-se mostrado eficientes na retenção de poluentes físico-químicos e microbiológicos incorporados a elas (SOUZA et al., 2011SOUZA, S.H.B.; MONTENEGRO, S.M.G.L.; SANTOS, S.M.; PESSOA, S.G.S. Avaliação da qualidade da água e da eficácia de barreiras sanitárias em sistemas para aproveitamento de águas de chuva. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 16, p. 81 – 93, 2011.; SILVA et al., 2017SILVA, S.T.B.; ARAÚJO, L.F.; ALMEIDA, A.J.G.A. GAVAZZA, S.; SANTOS, S.M. Comportamento de dispositivos de desvio das primeiras águas de chuva como barreiras sanitárias para proteção de cisternas. Águas Subterrâneas, v. 31, n. 2, p. 1 – 11, 2017. https://doi.org/10.14295/ras.v31i2.28658
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). Os dispositivos de desvio, em geral, diferem em relação a dois fatores principais: ao material construtivo, que em geral é de alvenaria ou de tubos de policloreto de vinila (PVC), e ao volume do escoamento desviado. Esta última consideração é passível de discussão e estudos, justamente para que se evitem desvios desnecessários ou insuficientes para a melhoria da qualidade da água de chuva.

Nesse contexto, tem-se o DesviUFPE, que tem ganhado destaque por promover a melhoria da qualidade da água acumulada em cisternas, por meio do desvio prévio e automático de chuva precipitada em volumes moduláveis conforme a necessidade (CARVALHO et al., 2018CARVALHO, J.R.S.; LUZ, J.; SANTOS, S.M.; GAVAZZA, S. A PVC-pipe device as a sanitary barrier for improving rainwater quality for drinking purposes in the Brazilian semiarid region. Journal of Water and Health, v. 16, p. 391 – 402, 2018. https://doi.org/10.2166/wh.2018.208
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).

Entretanto, apesar de o DesviUFPE ser uma tecnologia já consolidada, ele pode ainda ser melhorado, principalmente quanto à remoção de materiais flotantes, sendo, portanto, objeto de análise no presente estudo, para fins de aumento do potencial de proteção sanitária de água de chuva direcionada a cisternas.

Outra importante consideração nos estudos sobre aproveitamento de água de chuva diz respeito à deposição seca e ao intervalo de dias sem precipitação, que podem exercer influência sobre a qualidade da água da chuva direcionada à cisterna, requerendo, portanto, para aumento da qualidade sanitária da água, o desvio de parte dos poluentes incorporados à água.

A deposição seca caracteriza-se pelo transporte de espécies gasosas e particuladas da atmosfera, por transferência turbulenta, para superfícies com ausência de tal condição (HUANG et al., 2016HUANG, L.; MCDONALD-BULLER, E.C.; MCGAUGHEY, G.; KIMURA, Y.; ALLEN, D.T. The impact of drought on ozone dry deposition over eastern Texas. Atmospheric Environment, v. 127, p. 176 – 186, 2016. https://doi.org/10.1016/j.atmosenv.2015.12.022
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). É particularmente importante para estudos que envolvam o aproveitamento de água de chuva, uma vez que a deposição úmida será responsável por carrear os poluentes acumulados em uma superfície de captação, como telhados, para calhas e reservatório.

É importante destacar a necessidade de pesquisas sobre a deposição seca, já que com o aumento dos dias de deposição a contaminação sobre superfícies de captação tende a aumentar. Eventos chuvosos sequentes irão contribuir para carrear a contaminação acumulada para um reservatório, que pode ser a cisterna. Entretanto, é necessário que se estabeleça, para cada realidade local de aproveitamento de água de chuva, qual o limite de dias que justifica o desvio dessa linha de fluxo da cisterna, justamente por estar contaminada e ser incompatível com o uso previsto feito para ela.

Com isso, o presente trabalho objetivou avaliar a eficiência de um dispositivo automático de desvio de água de chuva, o DesviUFPE, em duas etapas de monitoramento. A primeira baseou-se na determinação de quantos dias sem precipitação, subsequentes a uma chuva, são suficientes para que a contaminação da superfície de captação se estabeleça novamente de forma a justificar novo desvio do primeiro fluxo de água (escoamento inicial). A definição de quantos dias são necessários para nova contaminação da superfície de captação é essencial para o aumento da segurança sanitária da água de chuva desviada para cisternas. Assim, pode-se desviar da linha de fluxo a água contaminada proveniente do escoamento inicial e direcionar à cisterna apenas a água de melhor qualidade. Sendo assim, analisamos para a condição estudada o semiárido pernambucano, calculando quantos dias foram necessários para justificar o desvio da água de chuva da linha de fluxo de cisterna, de forma a evitar, portanto, o descarte de volumes excedentes ou volumes insuficientes para preservar sua qualidade. A segunda etapa da pesquisa teve a finalidade de avaliar a capacidade de retenção de sólidos flotantes após modificação na estrutura do dispositivo de desvio. Isso porque, apesar dos bons resultados de eficiência do DesviUFPE (Carvalho et al., 2018CARVALHO, J.R.S.; LUZ, J.; SANTOS, S.M.; GAVAZZA, S. A PVC-pipe device as a sanitary barrier for improving rainwater quality for drinking purposes in the Brazilian semiarid region. Journal of Water and Health, v. 16, p. 391 – 402, 2018. https://doi.org/10.2166/wh.2018.208
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) na remoção de turbidez e indicadores microbiológicos, consideramos importante o aperfeiçoamento do dispositivo para que ele possa ampliar a remoção de indicadores sanitários da água de chuva que será armazenada em cisternas. Por essa razão, foi proposta uma modificação no DesviUFPE, com potencial de trazer melhoria na remoção de materiais flotantes.

METODOLOGIA

Área de Estudo

O presente estudo foi realizado no município de Caruaru, localizado a aproximadamente 140 km da capital do estado de Pernambuco, Recife. A população da cidade estimada para 2019 (IBGE, 2010) era de 356.872 habitantes, distribuídos em uma área de aproximadamente 921 km². O estado de Pernambuco possui 185 municípios, 122 deles pertencentes ao semiárido brasileiro, entre os quais o de Caruaru (Figura 1).

Figura 1
Delimitação do semiárido brasileiro e localização do município de Caruaru/PE.

O clima apresenta-se tropical do tipo semiárido, com temperatura média anual de 27°C, índice pluviométrico médio de 484 mm. As chuvas são mal distribuídas e escassas, com predominância de ocorrência entre os meses de maio a agosto (IBGE, 2010).

A condição geográfica dominante é caracterizada por concentrar grande contingente populacional (agreste pernambucano), sendo Caruaru a maior cidade situada no interior do estado e um importante polo industrial têxtil.

O presente trabalho envolveu duas etapas, e ambas utilizaram a barreira sanitária denominada DesviUFPE (Carvalho et al., 2018CARVALHO, J.R.S.; LUZ, J.; SANTOS, S.M.; GAVAZZA, S. A PVC-pipe device as a sanitary barrier for improving rainwater quality for drinking purposes in the Brazilian semiarid region. Journal of Water and Health, v. 16, p. 391 – 402, 2018. https://doi.org/10.2166/wh.2018.208
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). A primeira foi realizada na Instalação Experimental de Cisternas (IEC), localizada no Campus Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco (CAA/UFPE), em escala piloto. A segunda foi executada na zona rural do município de Caruaru, em escala real. Na Tabela 1, apresenta-se o esquema das etapas com seus respectivos objetivos.

Tabela 1
Esquema das etapas realizadas.

Etapa 1: Interferência da deposição seca sobre a qualidade da água de chuva

Nesta etapa da pesquisa foi utilizada a IEC, localizada no CAA/UFPE, no município de Caruaru (PE), para a realização da simulação de chuva.

A IEC é composta de uma edificação térrea, com dois telhados independentes, de 50 e 59 m², ambos cobertos com telhas cerâmicas, sobre os quais estão dispostos aspersores que, uma vez acionados, vertem água por toda a superfície.

Constituem complementos importantes para o adequado funcionamento da IEC: tanque de armazenamento da água a ser aspergida (com capacidade de 1.000 L), bomba hidráulica, manômetros, dutos e cisternas. O telhado de 50 m2 possuía duas quedas de água independentes, e utilizamos uma delas, correspondente à metade da área, portanto, 25 m2. Os aspersores estavam devidamente posicionados e o DesviUFPE mantinha sua configuração original (união de tubos de PVC 100 mm conectados entre si e à calha por joelhos de 90° e tês, com o primeiro milímetro de chuva coletado por meio de um registro de esfera e o segundo coletado em balde de plástico), como ilustrado na Figura 2. Para a análise da interferência da deposição seca na qualidade da água de chuva armazenada em cisternas, foram realizadas simulações pluviométricas que interromperam distintos intervalos de estiagem. Na simulação de chuva, foi realizada aspersão da água fornecida pela companhia de saneamento local, considerando-se os seguintes períodos de estiagem, em dias: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete e 15. Um medidor de pressão (manômetro) foi instalado no sistema com a finalidade de, associado à curva da bomba, monitorar a vazão e, consequentemente, a intensidade da aspersão (chuva simulada). Lima (2012)LIMA, J.C.A.L. Avaliação do desempenho de dispositivo de desvio das primeiras águas de chuva utilizado em cisternas no semiárido pernambucano. 2012. 101 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil e Ambiental) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, 2012. propôs uma curva para estabelecer a intensidade pluviométrica do sistema da instalação experimental com base na pressão no barrilete. Assim sendo, para a realização deste experimento, utilizou-se a pressão de 5 mca, que corresponde à precipitação típica da área de estudo, que é de 23 mm/h (APAC, 2018AGÊNCIA PERNAMBUCANA DE ÁGUAS E CLIMAS. Boletins pluviométricos anteriores. Recife, 2018. Disponível em: <http://old.apac.pe.gov.br/meteorologia/monitoramento-pluvio.php>. Acesso em: 13 dez. 2018.
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). A duração média de cada chuva artificial era de 60 min.

Figura 2
Instalação Experimental de Cisternas.

Para o dimensionamento do DesviUFPE, é necessário inicialmente calcular a capacidade de acumulação de água de chuva em 1 m de tubo de PVC (diâmetro nominal – DN 100 mm). O volume acumulado de 7,9 L é estabelecido pela Equação 1, que considera a área de tubo cilíndrico e seu comprimento. Posteriormente, o volume de descarte é calculado pela Equação 2, considerando-se a área de captação igual a 25 m² e a altura de precipitação de 1 mm ou 1 L.m-2. A definição da quantidade de tubos necessária para o dispositivo (em metros) é definida pela Equação 3.

(1) Á r e a t u b o = π D 2 4 V o l u m e = Á r e a t u b o * C o m p r i m e n t o t u b o = 7 , 9 L
(2) V o l u m e D e s c a r t e e m    c a d a d i s p o s i t i v o d e d e s v i o = 25 m 2 * 1 L . m 2 = 25  L
(3) Q u a n t i d a d e m e t r o s t u b o = 25 L 7 , 9 L . m 1 = 3 , 2 m

Para facilitar a instalação do dispositivo, optou-se por dividir o tubo em dois segmentos de 1,6 m de comprimento cada.

Durante o processo de simulação, o primeiro milímetro da água, que lavou o telhado após cada período sem chuva considerado, foi direcionado através de calha para o DesviUFPE, que exerceu a função de concentrar os poluentes. O segundo milímetro de precipitação seguiu em direção ao balde de plástico.

Na amostragem realizada no balde de plástico, foi necessário realizar agitação constante de todo o volume de água armazenado, para evitar a sedimentação dos sólidos no fundo do recipiente.

Na sequência, as amostras foram armazenadas em recipientes de polietileno com capacidade de 500 mL para análises físico-químicas posteriores. Os parâmetros cor verdadeira e turbidez foram analisados conforme metodologia 2120C e 2123B do Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 2017AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. American Water Works Association. Water Environment Federation. Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 23 ed. Washington: APHA/AWWA/WEF, 2017.).

As chuvas simuladas nessa etapa da pesquisa procediam da água do sistema público de abastecimento e, portanto, em casos de precipitação natural entre os intervalos predeterminados, a contagem dos dias de deposição seca era retomada a partir dessa precipitação ocorrida. As chuvas naturais foram acompanhadas por meio dos dados coletados na estação climatológica do Laboratório Multiusuário de Tecnologia para o Semiárido (LAMTESA), localizado na UFPE, campus Caruaru, no CAA, ou na Agência Pernambucana de Águas e Clima (APAC).

Etapa 2: Capacidade de retenção de sólidos após modificação no DesviUFPE

Esta etapa foi realizada em residência situada na comunidade Lajedo do Cedro, zona rural do município de Caruaru (PE). O ponto de coleta possui coordenadas 8°12’37.6” S, 36°05’41.0” W e tinha, em seu entorno, ruas não pavimentadas, presença de vegetação e animais (boi, cachorro, gato e pássaros). Foram instalados dois DesviUFPE (um deles mantendo a configuração original e o outro modificado), cada um com a capacidade de acumulação de 1 mm de água de chuva, conectados ao mesmo telhado, mas recebendo, cada um, água de chuva proveniente da metade da área total do telhado disponível (Figura 3). Dessa forma, os desvios estavam sob condições análogas, ou seja, tinham a mesma capacidade de acúmulo de água de chuva e a mesma área de captação.

Figura 3
Dispositivos DesviUFPE instalados na zona rural de Caruaru/PE.

A instalação dos desvios ocorreu com a modificação da estrutura física de um dos DesviUFPE para avaliar a possível melhoria em sua eficiência na retenção dos materiais flotantes carreados após a lavagem do telhado, quando comparada à do desvio em sua configuração original.

O DesviUFPE modificado difere na geometria da configuração original no que diz respeito a uma cruzeta que foi utilizada na parte superior de cada tubo, de tal forma que os “braços” da cruzeta se encontrassem em cota inferior à da calha (Figura 4). Na parte superior da cruzeta foi colocada uma tampa de rosquear e foi feito um orifício de aproximadamente 1 mm de diâmetro no centro da tampa para garantir que a pressão no interior do tubo fosse igual à atmosférica.

Figura 4
Diferenças entre as estruturas do DesviUFPE.

A modificação promove, de acordo com fatores físicos e hidráulicos, a retenção, na porção superior da cruzeta, de materiais carreados da área de captação e que foram leves o suficiente para flotar. Sendo assim, é possível que a qualidade da água de chuva após a passagem pelo DesviUFPE seja melhorada.

No dimensionamento dos desvios também foram consideradas as Equações 1, 2 e 3.

Entretanto, neste caso, a área do telhado foi igual a 8 m², a altura de precipitação foi de 1 mm ou 1 L.m-2 e a capacidade de acúmulo de água em 1 m de tubo de PVC foi de 7,854 L.m-1 (LIMA, 2012LIMA, J.C.A.L. Avaliação do desempenho de dispositivo de desvio das primeiras águas de chuva utilizado em cisternas no semiárido pernambucano. 2012. 101 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil e Ambiental) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, 2012.). Logo, cada DesviUFPE teve o comprimento de 1 m de tubo.

Foram realizadas três coletas no mês de janeiro de 2018, com amostras em dois pontos distintos: no interior de cada desvio e no balde plástico, onde era armazenado o excedente ao primeiro milímetro precipitado. Para avaliar a possível eficiência na modificação do desvio, as coletas foram realizadas logo após as precipitações ocorridas naturalmente. Tais precipitações foram de 1,6, 0,9 e 4,7 mm nos três dias de experimento (APAC, 2018AGÊNCIA PERNAMBUCANA DE ÁGUAS E CLIMAS. Boletins pluviométricos anteriores. Recife, 2018. Disponível em: <http://old.apac.pe.gov.br/meteorologia/monitoramento-pluvio.php>. Acesso em: 13 dez. 2018.
http://old.apac.pe.gov.br/meteorologia/m...
).

Em relação aos materiais de coleta, utilizaram-se recipientes de polietileno com capacidade para 500 mL, todos esterilizados em autoclave a 121°C, por 15 minutos. Na amostragem realizada no balde de plástico, foi necessário realizar agitação constante de todo o volume de água armazenado, para evitar a sedimentação dos sólidos no fundo. Após a coleta, as amostras foram acondicionadas em caixas térmicas e encaminhadas para exame. As análises bacteriológicas foram realizadas em capela de fluxo laminar, fazendo-se uso de kits CHROMOCULT de membranas filtrantes para a investigação de Escherichia coli e coliformes totais. Após o tempo de incubação (24 horas a 35°C), foi utilizado um contador manual de colônias para a contagem de unidades formadoras de colônias (UFC).

Os métodos de análise estavam de acordo com o Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 2017AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. American Water Works Association. Water Environment Federation. Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 23 ed. Washington: APHA/AWWA/WEF, 2017.), e os resultados foram comparados aos valores máximos permitidos (VMP) estabelecidos pela Portaria GM/MS n° 888/2021, do Ministério da Saúde (MS), conforme Tabela 2. Compararam-se os resultados com a portaria do MS por se ter observado que as águas de chuva eram usadas para fins potáveis na residência.

Tabela 2
Métodos e análises para a investigação do desempenho do DesviUFPE modificado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Etapa 1: Interferência da deposição seca sobre a qualidade da água de chuva

Apenas uma amostragem é insuficiente para tecer conclusões sobre a efetiva eficiência do DesviUFPE, mas os resultados são úteis por demonstrar a evolução da qualidade da água de chuva precipitada sobre o telhado ao longo do período seco analisado.

Os resultados obtidos revelam a deterioração da qualidade da água de chuva e o aumento da concentração de poluentes no decorrer dos dias sem precipitação. A Tabela 3 apresenta os resultados obtidos no interior do DesviUFPE (primeiro milímetro) e após desvio (balde plástico – segundo milímetro) ao fim da simulação da chuva para cada período de estiagem considerado. Os resultados obtidos para a água usada na simulação de chuvas (caixa de polietileno), fornecida pela companhia estadual de saneamento, também são apresentados na Tabela 3. Percebe-se que há aumento gradativo no teor de impurezas incorporadas na água antes de ela passar pelo DesviUFPE, que se reflete nos parâmetros cor verdadeira e turbidez. Ao fim do experimento, as concentrações de cor verdadeira, no interior do desvio, alcançaram 99 mgPt-Co.L-1 e 517 UT de turbidez, o que corresponde ao aumento de nove e 11 vezes em relação às concentrações encontradas no primeiro dia de cor verdadeira (11 mgPt-Co.L-1) e turbidez (47,8 UT), respectivamente. Tais observações corroboram Egodawatta, Thomas e Goonetilleke (2009)EGODAWATTA, P.; THOMAS, E.; GOONETILLEKE, A. Understanding the physical processes of pollutant build-up and wash-off on roof surfaces. Science of The Total Environment, v. 407, p.1834 – 1841, 2009. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2008.12.027
https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2008...
, que relatam que 80% do total de partículas presente na atmosfera é depositado no telhado durante os sete primeiros dias sem chuva.

Tabela 3
Resultados dos parâmetros físico-químicos realizados na etapa 1.

Melhores eficiências na remoção da cor verdadeira deram-se nos primeiros quatro e cinco dias, com eficiências de 66,6 e 65,5%, respectivamente (Figura 5). A partir do sexto dia, houve aumento no teor de cor verdadeira no após o desvio, mostrando que cinco dias sem precipitação são suficientes para requerer o uso do desvio num evento sequente, para esse parâmetro específico. Ademais, as concentrações no interior do DesviUFPE no primeiro, segundo e terceiro dias foram de 11, 15 e 26 mgPt-Co.L-1 respectivamente, o que não representa um aumento elevado da contaminação, justificando os baixos valores de eficiência do dispositivo.

Figura 5
Resultados de cor verdadeira para as amostras no interior e após o DesviUFPE.

A eficiência na redução da cor verdadeira variou de 26,9 a 66,6%, confirmando a importância do uso da barreira sanitária no controle da qualidade da água de chuva, principalmente no decorrer dos dias sem precipitação.

Em relação ao parâmetro de turbidez, o DesviUFPE mostrou-se eficiente em reter materiais no interior do desvio, até mesmo no cenário de 15 dias sem ocorrência de precipitação. Remoção de cerca de 90% foi obtida a partir do terceiro dia de deposição seca, permanecendo em torno dessa porcentagem até o fim do experimento (Figura 6).

Figura 6
Resultados de turbidez para as amostras no interior do DesviUFPE e após desvio.

No 15° dia seguido sem precipitação, obtiveram-se, no interior do desvio, a maior retenção de poluentes (98,4%) e o maior valor de turbidez (517 UT). As maiores concentrações de turbidez são observadas a partir do quinto dia e, sendo assim, recomenda-se que o desvio da água de chuva por meio do DesviUFPE se dê a partir do quinto dia sem precipitação, para evitar a utilização de água com elevadas concentrações de turbidez, caso ela seja utilizada para fins não potáveis. Entretanto, ao se proporem usos potáveis, deve-se seguir a recomendação da portaria nacional de potabilidade, que traz como limite para a turbidez o valor de 5 UT. Sendo assim, em função dos valores de turbidez encontrados após um dia de deposição seca, recomenda-se que o desvio seja feito a partir do primeiro dia, a fim de garantir melhor eficiência do processo de desinfecção e evitar maiores riscos sanitários ao se consumir a água.

Uma importante consideração a respeito da deposição seca é a associação com o volume de água não direcionado à cisterna. Em janeiro de 2018, período em que foi realizado o experimento, foram registrados oito dias com chuvas de no mínimo 1 mm de precipitação (APAC, 2018AGÊNCIA PERNAMBUCANA DE ÁGUAS E CLIMAS. Boletins pluviométricos anteriores. Recife, 2018. Disponível em: <http://old.apac.pe.gov.br/meteorologia/monitoramento-pluvio.php>. Acesso em: 13 dez. 2018.
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). Caso o DesviUFPE fosse utilizado para desviar água em cada um dos oito eventos chuvosos ocorridos, o volume que não seria destinado à cisterna nas condições testadas (25 m² de telhado) seria de 200 L. Todavia, ao se considerarem os cinco dias de deposição seca como o período para requerer um novo desvio, tem-se para o mês de janeiro duas chuvas com intervalo entre um evento e outro superior a cinco dias, o que representaria, portanto, descarte total de apenas 50 L. Essa informação pode ser especialmente útil ao se considerar que a maior parcela da população que utiliza água de chuva é aquela que convive com escassez hídrica persistente e, portanto, todo litro de água é considerado essencial.

Vale ressaltar que toda a água que não é direcionada às cisternas, ou seja, que segue previamente para o interior do DesviUFPE, não deve ser desperdiçada. O uso do desvio fez-se necessário para melhorar a qualidade da água destinada a consumo humano, mas a água desviada pode ser usada em fins domésticos que não necessitem de elevado padrão de qualidade, tais como lavagem de roupas, pisos, descargas e outros.

Etapa 2: Capacidade de retenção de material flotante após modificação no DesviUFPE

A Tabela 4 mostra os valores obtidos para cada parâmetro analisado e visa avaliar a alteração da eficiência na retenção de poluentes no interior do DesviUFPE, após modificação em sua configuração original. Destaca-se que, para todos os parâmetros analisados, a eficiência de remoção foi superior nos experimentos realizados com o DesviUFPE modificado; entretanto, apesar de superiores, os resultados em ambas as condições experimentais são aproximados, e os dados utilizados referem-se a apenas três eventos chuvosos, resultando, portanto, em baixa amostragem. Em águas de chuva, a presença de cor e turbidez pode estar associada à deposição de sólidos suspensos, restos de vegetais e excrementos de animais presentes nos telhados e calhas. Analisando-se o parâmetro de cor verdadeira, observa-se maior eficiência na retenção dos sólidos que causam cor no dispositivo que teve sua configuração modificada. Houve eficiência de 57,1 e 64,6% nos dispositivos em configuração original e modificado, respectivamente. Isso corresponde ao aumento de 1,13 vez na eficiência de um em relação ao outro.

Tabela 4
Resultados dos parâmetros físico-químicos e microbiológicos avaliados na etapa 2.

Para a cor aparente não houve variação entre as configurações adotadas do DesviUFPE. Em ambos os casos, a eficiência situou-se em 78%. O resultado das eficiências demonstra a importância do uso do dispositivo como barreira sanitária, ainda que as amostras não atendam ao padrão brasileiro de potabilidade de água, que é de 15 mgPt-Co.L-1.

Em relação ao parâmetro de turbidez, constatou-se maior eficiência no desvio quando há modificação em sua configuração. O DesviUFPE, em sua configuração original, apresentou eficiência média de remoção de turbidez de 73%, enquanto no DesviUFPE com estrutura modificada tal eficiência foi de 82%. Entretanto, apesar do aumento na remoção, os valores de turbidez não atenderam à portaria de potabilidade após a água passar pelo dispositivo de desvio. Esse resultado ratifica a importância da alteração da estrutura do DesviUFPE, que contribui para que sólidos mais leves permaneçam na porção superior do dispositivo, aumentando a chance de não serem carreados para o interior da cisterna e melhorando, assim, a qualidade da água de chuva. Deve-se destacar que a presença de sólidos em suspensão pode servir de abrigo para microrganismos patogênicos, assim como diminuir a eficiência da desinfecção. Por isso, a boa eficiência de remoção desse parâmetro aumenta a segurança sanitária das águas de chuva.

A condutividade elétrica (CE) relaciona-se à presença de íons livres em solução, que por sua vez está associada à capacidade da água para conduzir corrente elétrica. Diversos íons podem estar presentes na atmosfera, nos materiais construtivos usados em telhados, calhas e tubulações, podendo solubilizar-se na água de chuva precipitada e contribuir para os valores de condutividade elétrica. Os valores encontrados no presente trabalho variam entre 15,7 μS.cm-1 (menor) e 47,4 μS.cm-1 (maior) (Tabela 4). Observa-se que ambos os dispositivos foram eficientes na remoção de íons que causam condutividade elétrica, com valores iguais a 49,0 e 51,9% para o dispositivo original e o dispositivo modificado, respectivamente.

De acordo com Souza et al. (2011)SOUZA, S.H.B.; MONTENEGRO, S.M.G.L.; SANTOS, S.M.; PESSOA, S.G.S. Avaliação da qualidade da água e da eficácia de barreiras sanitárias em sistemas para aproveitamento de águas de chuva. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 16, p. 81 – 93, 2011., as variações nos valores do pH das amostras podem estar associadas ao contato da água com matéria orgânica, restos de animais e poeira, cuja dissolução ocasiona reações químicas responsáveis por variações no pH. Os valores encontrados para esse parâmetro, entre 6,2 e 6,8, estavam em total acordo com a portaria brasileira de potabilidade água (BRASIL, 2017cBRASIL. Portaria n° 888, de 04 de maio de 2021. Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde. Anexo XX trata do controle e da vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2017c. Disponível em: <https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-888-de-4-de-maio-de-2021-318461562>. Acesso em: 13 mai. 2021.
https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria...
).

Para os parâmetros microbiológicos, utilizaram-se os grupos microbianos indicadores de contaminação por coliformes totais e Escherichia coli, e os resultados estão apresentados nas Figuras 7 e 8, respectivamente. Constatou-se que a eficiência do DesviUFPE original chegou a 83,0 e 71,4% para coliforme total e Escherichia coli, respectivamente, enquanto o desvio modificado atingiu percentuais de remoção de 98,6% para coliforme total e de 91,5% para Escherichia coli. A melhor eficiência do DesviUFPE modificado deve estar associada à melhor remoção de turbidez detectada (81,8% no DesviUFPEm e 72,7% no DesviUFPE), uma vez que microrganismos geralmente são carreados com outros materiais.

Figura 7
Média dos valores obtidos para coliformes totais.
Figura 8
Média dos valores obtidos para Escherichia coli.

A importância da análise dos parâmetros microbiológicos para águas que se destinam ao consumo humano dá-se por sua relação com a incidência de doenças gastrointestinais. Sendo assim, o uso do dispositivo de desvio dos primeiros milímetros de água é indispensável, especialmente ao se considerar que a população rural utiliza a chuva como fonte principal de água, até mesmo para fins potáveis. Entretanto, apesar de elevada remoção de tais indicadores, recomendamos que a utilização da água para fins potáveis, mesmo após a passagem pelo dispositivo de desvio, seja feita após sua desinfecção, uma vez que não houve ausência dos grupos microbianos indicadores de contaminação.

CONCLUSÕES

Na primeira etapa da pesquisa, foi observada a influência da deposição seca sobre a qualidade da água de chuva. Observou-se que, ao longo dos dias de deposição seca, houve piora na qualidade da água de chuva que lavou a atmosfera e a superfície de captação. Foi possível notar que cinco dias sem precipitação já são suficientes para requerer o uso do desvio das primeiras águas de chuva num evento sequente, quando a água não se destina a consumo humano. No entanto, esse intervalo deve ser de um dia, ao se considerar o parâmetro turbidez, seguido de desinfecção, para água de chuva que venha a ser destinada ao consumo humano, para que sejam diminuídos os riscos sanitários ao se consumirem tais águas.

Na segunda etapa deste trabalho, pôde-se concluir que a modificação na estrutura física do dispositivo de desvio dos primeiros milímetros de água foi mais eficiente em remover sólidos flotantes do que a configuração original. O DesviUFPE modificado apresentou melhor desempenho quando comparado ao DesviUFPE na estrutura original, principalmente na retenção de indicadores microbiológicos. Foi observada remoção de 83,3 e 71,4% para o DesviUFPE e de 98,6 e 91,5% para o DesviUFPE modificado no que diz respeito a coliformes totais e Escherichia coli, respectivamente. Esses resultados confirmam a importância do desvio das primeiras águas de chuva como barreira sanitária na melhoria da qualidade da água armazenada em cisternas. Entretanto, para fins potáveis, recomendamos a desinfecção das águas de chuva analisadas.

O DesviUFPE modificado melhorou a qualidade da água de chuva captada em área rural do semiárido brasileiro, tipicamente conhecido por apresentar sedimentos arenosos e contaminantes microbiológicos, em virtude da suspensão de areia de vias não pavimentadas e da presença de fezes de animais. Entretanto, apesar de resultados positivos, é preciso cautela e recomenda-se a reprodução de experimentos com mais dados para que conclusões mais seguras possam ser obtidas.

  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo: 443304/2018-1.
  • Reg. ABES: 20200227

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2020
  • Aceito
    22 Jul 2021
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