Acessibilidade / Reportar erro

Quantificação da produção de lodo de estações de tratamento de água de ciclo completo: uma análise crítica

Quantification of complete cycle water treatment plant sludge production: a critical assessment

RESUMO

Grande parte do lodo gerado em estações de tratamento de água (ETAs) no Brasil ainda é disposta em rios ou em aterros sanitários. Contudo, principalmente em grandes centros urbanos, legislações ambientais restritivas e custos logísticos crescentes têm levantado interesse em usos benéficos para esse resíduo. Para uma avaliação dos possíveis usos, além do conhecimento das características qualitativas do lodo, operadores e projetistas de ETAs devem ser capazes de prever, com algum grau de confiabilidade, sua massa e volume. Os objetivos deste trabalho são: comparar o desempenho de dois dos principais métodos quantitativos de estimativa de produção de lodo - o método de fórmulas empíricas e o de balanço de massa; investigar a prática disseminada de se estimar a concentração de sólidos em suspensão totais na água bruta por meio de modelos de regressão linear com a turbidez como variável independente e delinear condições para a aplicação dessa correlação.

Palavras-chave:
tratamento de água; abastecimento público; resíduos; produção de lodo.

ABSTRACT

Most of the water treatment plant (WTP) residuals generated in Brazil are still discharged into water bodies, or disposed in landfills. However, especially in large urban areas, ever-stringent environmental legislation and rising logistical costs have put focus into beneficial uses for those residuals. To evaluate the possible beneficial uses, beyond the knowledge of qualitative characteristics of the residuals, operators and designers should be able to predict, with some degree of certainty, its mass and volume. The objectives of this work are: to compare the performance of two of the main quantitative estimation methods for residuals production - the empirical formulas and the mass balance; to investigate the widespread practice of estimating the concentration of total suspended solids using turbidity as a surrogate; and to identify the conditions under which such procedure is acceptable.

Keywords:
water treatment; drinking water; residuals; sludge production.

INTRODUÇÃO

No Brasil, são ainda restritas e incipientes as experiências realizadas no equacionamento dos problemas concernentes ao lodo de estações de tratamento de água. Grande parte do lodo gerado ainda é disposta em rios e poucas estações têm se preocupado com o tratamento e a disposição do resíduo. Contribui para essa situação o fato de que raramente operadores e projetistas de estações de tratamento de água (ETAs) nacionais conseguem prever, com algum grau de confiabilidade, a massa e volume de resíduos produzidos pelo tratamento da água bruta; a se julgar pela realidade das estações do Estado de São Paulo, as linhas de tratamento dos resíduos são sistematicamente mal dimensionadas, geralmente resultando em sistemas disfuncionais e inadequados, tanto para o processamento do resíduo em material para algum uso benéfico quanto para sua disposição adequada.

Di Bernardo, Dantas (2005DI BERNARDO, L. & DANTAS, A.B. (2005) Métodos e técnicas de tratamento de água. São Carlos: Rima.) e Kawamura (2000KAWAMURA, S. (2000)Integrated design and operation of water treatment facilities. 2nd ed. New York: John Wiley & Sons.) mencionam que a melhor prática para o dimensionamento dos sistemas de tratamento de lodos é a baseada na realização de testes em estações-piloto ou, no mínimo, ensaios em escala de laboratório, por pelo menos um ano, com a água bruta do manancial a ser explorado pela futura ETA. Devido aos custos de se aderir a essa prática, muitos projetos são realizados tomando-se como parâmetro estimativas de produção de resíduos obtidas através de fórmulas empíricas, que relacionam a geração de resíduos à dosagem de produtos químicos e à quantidade de sólidos em suspensão afluentes à ETA. Apesar de terem base lógica sólida, essas fórmulas são dependentes de premissas que - como em modelos matemáticos em geral - se manifestam na forma de valores de constantes e coeficientes. Os valores para essas constantes e coeficientes fornecidos pelos manuais de projeto não tem validade universal, e podem não ser aplicáveis a uma dada condição; não obstante, frequentemente acabam sendo usados sem critério, com péssimos resultados práticos.

A motivação deste trabalho é explorar quais são as fragilidades dessa estratégia de estimação da geração de lodo por uma ETA e buscar soluções, de modo a aperfeiçoar sua aplicação, contribuindo, assim, para formas de gerenciamento modernas e responsáveis desses resíduos.

METODOLOGIA

Inicialmente, foram analisadas as séries históricas de cor, turbidez, carbono orgânico total e concentração de sólidos em suspensão totais (SST) de 130 estações de monitoramento operadas pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), abrangendo o período entre 1979 e 2011. Foram selecionadas somente estações localizadas em mananciais de abastecimento público e com mais de 30 medições simultâneas de todas as variáveis.

Na sequência, os métodos de quantificação de lodo (fórmulas empíricas e balanço de massa) foram avaliados comparativamente através da realização de campanhas de amostragem em diferentes tipologias de ETAs de ciclo completo, operadas pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP), cujas principais características são descritas a seguir.

ETA Presidente Prudente (ETA PPR)

A ETA capta águas do Rio do Peixe (70% da produção) e das represas existentes no ribeirão de Santo Anastácio ou no córrego Limoeiro. O primeiro corpo d'água é sujeito à intensa erosão e, em época de chuvas, transporta grande quantidade de matéria orgânica e inorgânica para a ETA. Durante a realização do presente trabalho, o cloreto de polialumínio (PAC) era o coagulante usado e um polieletrólito não iônico era empregado como auxiliar de coagulação, dependendo da qualidade da água bruta. Tanto o lodo dos decantadores (limpeza manual) quanto a água de lavagem dos filtros são lançados diretamente no corpo d'água.

ETA Alto Cotia (ETA ALC)

O manancial da ETA Alto Cotia é protegido e a captação se faz na Barragem da Graça, situada no rio Cotia. O coagulante usado é o sulfato de alumínio. O lodo proveniente dos decantadores (limpeza manual) e a água de lavagem dos filtros são lançados diretamente no corpo d'água.

ETA Guaraú (ETA GUA)

A água que alimenta esta estação provém das barragens dos rios Jaguari, Jacareí, Cachoeira, Atibainha e Paiva Castro e chega à Estação Elevatória Santa Inês, de onde é bombeada para a Represa de Águas Claras, construída no alto da Serra da Cantareira. Para a coagulação, o produto mais utilizado na época da realização da presente investigação experimental era o sulfato de alumínio, sendo empregado também o cloreto de polialumínio (PAC) no início do estudo. Diferentemente de todas as outras ETAs avaliadas, esta possui um sistema de remoção do lodo dos decantadores automatizado e contínuo. A água de lavagem dos filtros é conduzida para um tanque de recuperação de sólidos e o sobrenadante retorna ao processo de tratamento. O lodo depositado no fundo do tanque de recuperação e o dos decantadores são encaminhados para a estação de tratamento de esgoto (ETE) Barueri.

ETA Cubatão (ETA CUB)

Há dois pontos de captação de água bruta nesta ETA: um no Rio Cubatão (Barragem Sub-Álvea) e outro no canal de Fuga da Usina Henry Borden (Represa Billings), embora quase a totalidade da vazão venha do primeiro manancial. O coagulante usado nesta ETA é o cloreto férrico. A água de lavagem dos filtros passa por tanques de sedimentação e o lodo resultante é misturado com o dos decantadores (limpeza manual) em um tanque de estocagem/homogeneização. A seguir, é condicionado, desaguado por centrífugas e encaminhado para aterro sanitário.

ETA Alto da Boa Vista (ETA ABV)

Esta ETA capta água da represa do Guarapiranga, que é alimentada pelos rios Embu-Mirim, Embu-Guaçu, Cipó, Vermelho, Ribeirão Itaim, Capivari e Parelheiros e pela transposição por bombeamento das águas da Billings (através de braço do rio Taquacetuba). O manancial apresenta qualidade comprometida, devido à poluição advinda da desordenada e indevida ocupação do entorno da represa. Na época da realização do presente estudo, a ETA usava, predominantemente, PAC, com complementação ou substituição esporádica por cloreto férrico ou sulfato de alumínio. O lodo dos decantadores (limpeza manual) é encaminhado para a ETE Barueri e a água de lavagem dos filtros, recirculada para o início da ETA.

ETA Franca (ETA FRA)

A captação desta ETA é feita no rio Canoas e o coagulante utilizado é o cloreto férrico. O lodo dos decantadores (limpeza manual) é descarregado em bateladas e transportado para a ETE Franca.

Medições de cor, turbidez, carbono orgânico total e série de sólidos (sólidos totais, sólidos dissolvidos e sólidos em suspensão totais) foram realizadas em amostras de água bruta, água coagulada, água floculada, água decantada e água filtrada. Aamostragem foi composta, com coletas de alíquotas de 1 L a cada 2 h, durante 12 h, duas vezes por mês. Os pontos de amostragem foram determinados mediante discussão com os operadores sobre as especificidades de cada ETA, de modo a garantir a maior representatividade das amostras e obter o efetivo balanço de massa de cada estação.

Os procedimentos para a determinação de cor, turbidez e série de sólidos foram os constantes em Eaton et al. (2005EATON, A.D.; CLESCERI, L.S.; GREENBERG, A.E.; FRANSON, M.A.H. (2005) Standard Methods for the examination of water and wastewater . Washington, D.C: AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION - APHA; AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION - AWWA; WATER ENVIRONMENT FEDERATION - WEF.). Algumas adaptações na determinação da série de sólidos foram realizadas em função das respectivas peculiaridades presentes nos diferentes tipos de águas. Devido à baixa concentração de sólidos, a determinação das concentrações de SST em algumas amostras exigiu a filtração de um volume maior que o 1 L especificado como máximo para obtenção da massa mínima de 2,5 mg de sólido seco na membrana. Para as ETAs ABV, Alto Cotia e Guaraú, o volume filtrado foi de 2 L e, para as demais, de 1,0 a 1,5 L. Ainda, para a secagem dos sólidos durante a determinação de sólidos totais (ST) e sólidos em suspensão totais (SST), as amostras foram aquecidas a 140°C por 12 h (ao invés de 103-105°C).

Dados de cor, turbidez, carbono orgânico total e concentração de SST na água bruta das estações foram utilizados para verificar a existência de correlação entre SST e as demais variáveis, tanto par a par quanto se assumindo múltiplas variáveis explicativas, por meio de regressão linear pelo método dos mínimos quadrados, utilizando-se o software MATLAB R2009a.

Utilizando-se dos dados de concentração de SST coletados ao longo das linhas de tratamento das ETAs, realizou-se o balanço de massa. De modo a evitar os obstáculos de balanços mais teóricos na definição dos volumes de controle, as seguintes premissas foram adotadas:

  • • Evitar a difícil prática de amostragem da água de lavagem de filtros e dos decantadores, bem como as limitações inerentes ao procedimento;

  • • Simplificar o equacionamento pela eliminação dos termos que representam as cargas dos produtos químicos, logo as imprecisões advindas de seus usos;

  • • Praticidade metodológica apropriada ao uso rotineiro.

Os resultados dos balanços de massa foram comparados com a produção de lodo estimada pela fórmula empírica proposta pela AWWA (1999AWWA - AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION. (1999) Water quality and treatment: a handbook of community water supplies . New York: McGraw-Hill.) para ETAs de ciclo completo (Equação 1), que utilizam sulfato de alumínio ou cloreto férrico como coagulante, em dosagens compatíveis com o mecanismo de varredura:

Onde:

  • W  produção de SST (kg massa seca.dia-1)
  • Q  vazão de água bruta a ser tratada (L.s-1)
  • D  4,89.DAl ou 2,9.DFe
  • DAl  dosagem de sulfato de alumínio (mgAl.L-1)
  • DFe  dosagem de cloreto férrico anidro (mg Fe.L-1)
  • Dp  dosagem de polímero seco (mg.L-1)
  • SST  sólidos em suspensão na água bruta (mgSST.L-1)
  • Dcap  dosagem de dureza cálcica removida (mg.L-1 CaCO3)
  • Dcal  dosagem de cal (mg.L-1)

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dados da rede de monitoramento de águas interiores da CETESB

A avaliação de se a concentração de SST é adequadamente descrita por um modelo linear com base na turbidez foi feita, inicialmente, com a série completa de dados de monitoramento de águas interiores da CETESB, abrangendo um período que se estende de 1979 até 2011. De um universo de 244 pontos de monitoramento com dados disponíveis, foram selecionados 130, que possuíam mais de 30 medições simultâneas de turbidez e concentração de SST.

Adotou-se, inicialmente, o modelo sem constante da forma SST=b1.Turbidez, que é aquele tradicionalmente usado em conjunto com as fórmulas empíricas (AFEE, 1983AFEE - ASSOCIATION FRANÇAISE POUR L'ÉTUDE DES EAUX. (1983) Traitment des boues de stations de production d'eau potable . [S.l.]: AFEE.; AWWA, 1999AWWA - AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION. (1999) Water quality and treatment: a handbook of community water supplies . New York: McGraw-Hill.; CORNWELL, 2006CORNWELL, D.A. (2006) Water treatment residuals engineering . Denver: AWWA Research Foundation and American Water Works Association.; DI BERNARDO & DANTAS, 2005DI BERNARDO, L. & DANTAS, A.B. (2005) Métodos e técnicas de tratamento de água. São Carlos: Rima.; KAWAMURA, 1991KAWAMURA, S. (1991)Integrated design of water treatment facilities. Hoboken: Wiley.). Contudo, os resultados obtidos indicaram que esse modelo não era o mais apropriado para descrever a variação da concentração de SST dado que, para os dados de aproximadamente metade dos pontos de monitoramento, sua aplicação resultou em valores negativos de R² (Figura 1). Mesmo que a natureza desse e de qualquer outro modelo linear que relacione as duas variáveis seja essencialmente fenomenológica, a supressão da constante tira muito do significado físico do modelo, uma vez que a turbidez pode ser provocada por partículas coloidais com diâmetro inferior a 1 µm - que não são medidas pelos métodos convencionais de medição de sólidos (ou sedimentos) em suspensão e são, portanto, consideradas como sólidos dissolvidos.

Figura 1:
Frequência acumulada de valores de R² das regressões lineares em função dos valores de turbidez obtidos para os pontos de monitoramento selecionados, assumindo-se modelo com e sem constante.

Ademais, não há benefício prático em impor, a priori, um modelo sem constante; ao contrário, do ponto de vista estatístico, isto só impõe uma restrição adicional ao processo de ajuste aos dados, acrescentando uma fonte artificial de viés e diminuindo a flexibilidade do modelo. De fato, Helsel e Hirsch (2002HELSEL, D.R. & HIRSCH, R.M. (2002) Statistical Methods in Water Resources. In: Techniques of Water-Resources Investigations. Book 4, Hydrologic Analysis and Interpretation. Arlington, VA: United States Geological Service, 202AD. v. 36, p. 323.) apontam que a adoção de modelos lineares sem constante somente é justificável se todas as seguintes condições forem atendidas:

  • • Os dados da variável independente cobrem diversas ordens de magnitude;

  • • A relação entre as variáveis do modelo claramente aparenta ser linear desde zero até os valores extremos da variável independente;

  • • A hipótese nula de que o valor da constante é igual a zero não é rejeitada;

  • • Há algum benefício econômico ou científico de se suprimir a constante.

Por essas razões, adotou-se para a análise de regressão linear, modelo com constante, da forma SST=b1.Turbidez + b0. Contudo, mesmo com a inclusão da constante, o modelo foi inapropriado para explicar a variabilidade nos valores de concentração de SST observados. De acordo com os resultados obtidos, em somente sete desses pontos obteve-se inicialmente um bom ajuste com o modelo linear, com coeficiente de determinação superior a 0,8 (Tabela 1). Na maior parte dos pontos, o modelo foi capaz de explicar somente metade ou menos da variabilidade da concentração de SST, conforme mostrado na Figura 1.

Tabela 1:
Pontos de monitoramento com R²≥0,8 e respectivos valores da quantidade de dados (n) e coeficiente do modelo de regressão (b1).

A incapacidade do modelo de regressão baseado na turbidez de descrever a variação na concentração de SST possivelmente pode ser atribuída a dois fatores intimamente relacionados:

  1. 1. os corpos d'água não são bem comportados em termos da relação entre turbidez e concentração de sólidos em suspensão, isto é, são sujeitos a variações temporais nas características dos sólidos em suspensão suficientemente grandes para perturbar substancialmente sua correlação com a turbidez, e

  2. 2. a estratégia de amostragem adotada pelo programa de monitoramento da CETESB é inapropriada ao objetivo do presente estudo.

Em relação ao primeiro, é sabido que outras características dos sólidos em suspensão afetam a turbidez, tais como a distribuição granulométrica e o índice de refração (este último relacionado à composição das partículas) que, por sua vez, respondem a uma miríade de fenômenos responsáveis pelo transporte de sólidos da litosfera e atmosfera para a hidrosfera (BABIN et al., 2003BABIN, M.; MOREL, A.; FOURNIER-SICRE, V.; FELL, F.; STRAMSKI, D. (2003) Light scattering properties of marine particles in coastal and open ocean waters as related to the particle mass concentration. Limnology and Oceanography , v. 48, n. 2, p. 843-859.; BOWERS & BINDING, 2006BOWERS, D.G.; BINDING, C.E. (2006) The optical properties of mineral suspended particles: a review and synthesis. Estuarine, Coastal and Shelf Science , v. 67, n. 1-2, p. 219-230.; DAVIES-COLLEY & SMITH, 2001DAVIES-COLLEY, R.J. & SMITH, D.G. (2001) Turbidity, suspended sediment, and water clarity: a review. Journal of the American Water Resources Association , v. 37, n. 5, p. 1085-1101.; PENG & EFFLER, 2012PENG, F. & EFFLER, S.W. (2012) Mass-specific scattering coefficient for natural minerogenic particle populations: particle size distribution effect and closure analyses. Applied optics , v. 51, n. 13, p. 2236-49.; PENG et al., 2009PENG, F.; EFFLER, S.W.; PIERSON, D.C.; SMITH, D.G. (2009) Light-scattering features of turbidity-causing particles in interconnected reservoir basins and a connecting stream. NI , v. 43, n. 8, p. 2280-2292.; PENG et al., 2007PENG, F.; EFFLER, S.W.; O'DONNELL, D.; PERKINS, M.G.; WEIDEMANN, A. (2007) Role of minerogenic particles in light scattering in lakes and a river in central New York. Applied optics , v. 46, n. 26, p. 6577-6594.; STRAMSKI et al., 2004STRAMSKI, D.; BOSS, E.; BOGUCKI, D.; VOSS, K.J. (2009) The role of seawater constituents in light backscattering in the ocean. Progress In Oceanography , v. 61, n. 1, p. 27-56. ).

Em rios, a distribuição granulométrica de partículas é sujeita a variações significativas em diversas escalas de tempo. Em todos os casos, verifica-se a transição de condições erosivas a deposicionais (ou vice-versa) no corpo d'água e/ou alteração das fontes dos sedimentos que aportam ao corpo d'água, que podem resultar no enriquecimento ou empobrecimento da concentração de partículas de um dado intervalo granulométrico, com consequentes efeitos na relação entre turbidez e sólidos em suspensão.

Em termos de escalas de tempo grandes, essa transição é associada principalmente ao impacto de intervenções antropogênicas no uso e ocupação do solo das bacias hidrográficas, principalmente devido à urbanização e à agricultura, que interferem na fonte de sedimentos (por exemplo, DEARING & JONES, 2003DEARING, J.A. & JONES, R.T. (2003) Coupling temporal and spatial dimensions of global sediment flux through lake and marine sediment records. Global and Planetary Change , v. 39, n. 1-2, p. 147-168.; VAN HENGSTUM et al., 2006VAN HENGSTUM, P.J.; REINHARDT, E.G.; BOYCE, J.I.; CLARK, C. (2006) Changing sedimentation patterns due to historical land-use change in Frenchman's Bay, Pickering, Canada: evidence from high-resolution textural analysis. Journal of Paleolimnology , v. 37, n. 4, p. 603-618.; JOHNSON et al, 1997JOHNSON, L.; RICHARDS, C.; HOST, G.; ARTHUR, J. (1997) Landscape influences on water chemistry in Midwestern stream ecosystems. Freshwater Biology , v. 37, n. 1, p. 193-208.). Um exemplo claro do impacto sedimentológico da transformação antropogênica de paisagens naturais é dado pelo trabalho de Van Hengstum et al. (2006VAN HENGSTUM, P.J.; REINHARDT, E.G.; BOYCE, J.I.; CLARK, C. (2006) Changing sedimentation patterns due to historical land-use change in Frenchman's Bay, Pickering, Canada: evidence from high-resolution textural analysis. Journal of Paleolimnology , v. 37, n. 4, p. 603-618.), no qual a granulometria de núcleos de sedimentos retirados de uma baía refletiu as diversas etapas de ocupação do solo da bacia drenada (vegetação natural, agricultura e urbanização); no caso, o tamanho das partículas de sedimento progressivamente diminuiu como consequência do favorecimento de condições erosivas na bacia.

Em escalas de tempo inferiores, tais variações resultam principalmente do regime hidrológico da bacia, que determina a intensidade e frequência das chuvas e, por conseguinte, o hidrograma do corpo d'água (FLORSHEIM et al., 2011FLORSHEIM, J.L.; PELLERIN, B.A.; OH, N.H.; OHARA, N.; BACHAND, P.A.M.; BACHAND, S.M.; BERGAMASCHI, B.A.; HERNES, P.J.; KAVVAS, M.L. (2011) From deposition to erosion: Spatial and temporal variability of sediment sources, storage, and transport in a small agricultural watershed. Geomorphology , v. 132, n. 3-4, p. 272-286.; SUI; HE; LIU, 2009SUI, J.; HE, Y.; LIU, C. (2009) Changes in sediment transport in the Kuye River in the Loess Plateau in China. International Journal of Sediment Research , v. 24, n. 2, p. 201-213.; LENZI & MARCHI, 2000LENZI, M. & MARCHI, L. (2000) Suspended sediment load during floods in a small stream of the Dolomites (northeastern Italy). Catena , v. 39, p. 267-282.; WALLING & MOOREHEAD, 1987WALLING, D.E. & MOOREHEAD, P.W. (1987) Spatial and temporal variation the particle-size characteristics of fluvial suspended sediment. Geografiska Annaler , v. 69, n. 1, p. 47-59, 1987.). A dinâmica subjacente é complexa, e diferentes desfechos em termos de enriquecimento ou empobrecimento de uma dada fração granulométrica são possíveis, a depender de fatores como o nível de sedimentos armazenados no leito e a susceptibilidade da bacia a processos erosivos (WALLING & MOOREHEAD, 1987WALLING, D.E. & MOOREHEAD, P.W. (1987) Spatial and temporal variation the particle-size characteristics of fluvial suspended sediment. Geografiska Annaler , v. 69, n. 1, p. 47-59, 1987.; SUI; HE; LIU, 2009SUI, J.; HE, Y.; LIU, C. (2009) Changes in sediment transport in the Kuye River in the Loess Plateau in China. International Journal of Sediment Research , v. 24, n. 2, p. 201-213.). Os trabalhos de Wass et al. (1997WASS, P.D.; MARKS, S.D.; FINCH, J.W.; LEEKS, G.J.L.; INGRAM, J.K. (1997) Monitoring and preliminary interpretation of in-river turbidity and remote sensed imagery for suspended sediment transport studies in the Humber catchment. Science of the Total Environment , v. 194-195, n. 96, p. 263-283.) e Pfannkuche e Schmidt (2003PFANNKUCHE, J. & SCHMIDT, A. (2003) Determination of suspended particulate matter concentration from turbidity measurements: particle size effects and calibration procedures. Hydrological Processes , v. 17, n. 10, p. 1951-1963.) oferecem evidências diretas dessas flutuações nos modelos de regressão para turbidez e concentração de SST.

Outro aspecto da qualidade das águas dos corpos d'água que altera a relação entre turbidez e concentração de SST e é potencialmente variável ao longo do tempo é a participação de partículas orgânicas na massa total de sólidos em suspensão (LONGWORTH; LUCOTTE; FARELLA, 2007LONGWORTH, B.E.; LUCOTTE, M.; FARELLA, N. (2007) Linking lithology and land use to sources of dissolved and particulate organic matter in headwaters of a temperate, passive-margin river system. Geochimica et Cosmochimica Acta , v. 71, n. 17, p. 4233-4250.; NADEU et al., 2012NADEU, E.; BERHE, A.A.; DE VENTE, J.; BOIX-FAYOS, C. (2012) Erosion, deposition and replacement of soil organic carbon in Mediterranean catchments: a geomorphological, isotopic and land use change approach. Biogeosciences , v. 9, n. 3, p. 1099-1111.), que pode ser diminuída com a remoção de vegetação nativa, principalmente a ripária (FARELLA et al., 2001FARELLA, N.; LUCOTTE, M.; LOUCHOUARN, P.; ROULET, M. (2001) Deforestation modifying terrestrial organic transport in the Rio Tapajos, Brazilian Amazon. Organic Geochemistry , v. 32, p. 1443-1458.) e aumentada com o aporte de águas residuárias (LOUCHOUARN; LUCOTTE; FARELLA, 1999LOUCHOUARN, P.; LUCOTTE, M.; FARELLA, N. (1999) Historical and geographical variations of sources and transport of terrigenous organic matter within a large-scale coastal environment. Organic Geochemistry , v. 30, n. 7, p. 675-699.) e, possivelmente, esgoto doméstico.

Em relação às limitações da estratégia de coleta de amostras do monitoramento da CETESB, alguns aspectos críticos para a estimação da concentração de SST por meio de medições de turbidez devem ser ressaltados. O procedimento de amostragem empregado pela CETESB é baseado na coleta de amostras simples, pontuais, com frequência fixa, que apesar de ocorrer falhas na regularidade da série de dados de alguns pontos de monitoramento, tende a ser bimestral.

Em relação à representatividade das amostras simples, não foi encontrada documentação que a comprovasse ou mesmo que relatasse o processo de definição das posições dos pontos em geral. Segundo Martin, Smoot e White (1992MARTIN, G.; SMOOT, J.; WHITE, K. (1992) A comparison of surface-grab and cross sectionally integrated stream-water-quality sampling methods. Water Environment Research , v. 64, n. 7, p. 866-876.), amostras coletadas em um único ponto de rios podem ter distribuição granulométrica de partículas e concentração de sólidos significativamente diferentes daquelas coletadas com técnicas de integração horizontal (ao longo da largura do corpo d'água) e vertical (ao longo da profundidade). Apesar de amostragens simples poderem fornecer dados representativos, devem ser devidamente validadas com técnicas de integração.

Quanto à questão da frequência fixa, é amplamente documentado na literatura que tal estratégia é limitada quando aplicada ao monitoramento de turbidez e concentração de SST - e variáveis de qualidade d'água sensíveis a condicionantes hidrológicas em geral -, exigindo intervalos entre coletas extremamente pequenos para que sejam integralmente capturadas as grandes flutuações que ocorrem durante eventos de curta duração, como, no caso de rios, picos de vazão que sucedem episódios de precipitação intensa (DROPPO & JASKOT, 1995DROPPO, I.G. & JASKOT, C. (1995) Impact of river transport characteristics on contaminant sampling error and design. Environmental science & technology v. 29, n. 1, p. 161-70, 1995.; HARMEL et al., 2006HARMEL, R.D.; COOPER, R.J.; SLADE, R.M.; HANEY, R.L.; ARNOLD, J G. (2006) Cumulative uncertainty in measured streamflow and water quality data for small watersheds. Transactions of the ASABE , v. 49, n. 3, p. 689-702.; JONES et al., 2012JONES, A.S.; HORSBURGH, J.S.; MESNER, N.O.; RYEL, R.J.; STEVENS, D.K. (2012) Influence of Sampling Frequency on Estimation of Annual Total Phosphorus and Total Suspended Solids Loads 1. JAWRA , Journal of the American Water Resources Association v. 5200, p. 1-18.). Mais ainda, além da frequência de coleta de amostras ser baixa, a pouca sobreposição entre as redes fluviométrica do DAEE e de monitoramento da CETESB resulta na indisponibilidade de dados de vazão para a maior parte dos pontos de monitoramento avaliados, impedindo a separação de dados de turbidez e concentração de SST associados com picos de vazão dos demais, procedimento que poderia ajudar na melhoria da qualidade dos modelos de regressão (RASMUSSEN et al., 2009RASMUSSEN, P.P.; GRAY, J.R.; GLYSSON, G.D.; ZIEGLER, A.C. (2009) Guidelines and procedures for computing time-series suspended-sediment concentrations and loads from in-stream turbidity-sensor and streamflow data. In: SERVICE, U.S.G. (Org.). Book 3, Applications of hydraulics, Section C, Sediment and erosion techniques . Arlington, VA: United States Geological Service.).

A relação entre SST e turbidez pode ser afetada ainda por limitações da medição da turbidez, em particular pela cor real da água. Constituintes dissolvidos ou particulados causadores de cor podem absorver luz que, caso contrário, poderia ser espalhada, levando à subestimação da turbidez da amostra e distorcendo a relação dessa variável com a concentração de sólidos em suspensão (CORNWELL, 2006CORNWELL, D.A. (2006) Water treatment residuals engineering . Denver: AWWA Research Foundation and American Water Works Association.; RASMUSSEN et al., 2009RASMUSSEN, P.P.; GRAY, J.R.; GLYSSON, G.D.; ZIEGLER, A.C. (2009) Guidelines and procedures for computing time-series suspended-sediment concentrations and loads from in-stream turbidity-sensor and streamflow data. In: SERVICE, U.S.G. (Org.). Book 3, Applications of hydraulics, Section C, Sediment and erosion techniques . Arlington, VA: United States Geological Service.).

Por fim, avaliando-se agregadamente todos os dados de sólidos em suspensão e turbidez, observou-se tendência de convergência da correlação entre essas duas variáveis (Figura 2). Observação similar foi realizada por Williamson e Crawford (2011WILLIAMSON, T.N. & CRAWFORD, C.G. (2011) Estimation of suspended-sediment concentration from total suspended solids and turbidity data for Kentucky, 1978-1995. Journal of the American Water Resources Association v. 47, n. 4, p. 739-749.). Nota-se que a relação entre turbidez e concentração de SST é particularmente ambígua para baixos valores de turbidez e que fica mais precisa com o aumento da mesma. Mais especificamente, altos níveis de espalhamento de luz provavelmente só são possíveis em suspensões naturais com alta área total projetada das partículas na direção do feixe de luz - variável esta que se relacionada mais proximamente com a concentração das partículas - situação na qual outras características óticas são menos pronunciadas, diminuindo assim o efeito de sua variabilidade na relação entre turbidez e concentração de SST.

Figura 2:
Gráfico de dispersão de todos os pares de valores de turbidez e concentração de sólidos em suspensão totais, obtidos no monitoramento da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, na forma logarítmica.

Dados obtidos no monitoramento das ETAs escolhidas no presente trabalho

Para as ETAs estudadas, foram avaliados modelos de regressão para a relação entre turbidez e concentração de SST com e sem constante. Apesar de modelos com constante serem, do ponto de vista estatístico - e mesmo físico, conforme discutido anteriormente - mais apropriados, a análise de regressão foi realizada também com modelos sem constante para fins de comparação com o intervalo de valores desses coeficientes reportados por Cornwell (2006CORNWELL, D.A. (2006) Water treatment residuals engineering . Denver: AWWA Research Foundation and American Water Works Association.) e Di Bernardo e Dantas (2005DI BERNARDO, L. & DANTAS, A.B. (2005) Métodos e técnicas de tratamento de água. São Carlos: Rima.) para este tipo de modelo.

Tanto modelos com e sem constante foram em geral malsucedidos, conforme mostrado nas Tabelas 2 e 3, especialmente para ETA ALC, para o qual o valor negativo de R² indica que o modelo linear sem constante é absolutamente inadequado. A única exceção é a ETA PPR, que apresentou R²=0,79 (modelo sem constante) e 0,81 (modelo com constante). Cabe notar que os níveis distintivamente altos de turbidez verificados na água bruta dessa ETA ao longo da campanha de amostragem estão dentro do intervalo no qual correlações lineares significativas entre turbidez e concentração de SST são mais prováveis, conforme mostrado na Figura 2.

Tabela 2:
Número de medições, coeficientes de determinação e coeficientes das regressões lineares da forma (SST=b1.Turbidez) de cada estação de tratamento de água estudada.
Tabela 3:
Número de medições, coeficientes de determinação e coeficientes das regressões lineares da forma (SST=b1.Turbidez+b0) de cada estação de tratamento de água estudada.

Observa-se que cada ETA apresenta uma correlação aparentemente diferente entre concentração de SST e turbidez (Figura 3). Contudo, a comparação quantitativa entre elas é limitada pelo mau ajuste do modelo linear, que resultou em baixa significância (dado pelo valor p) da maior parte dos valores dos coeficientes obtidos, em intervalos de confiança extremamente grandes. Apesar de a distribuição de probabilidade dos resíduos de regressão de cada ETA não poder ter sido determinada devido à escassez de dados, valores de p e intervalos de confiança foram calculados para os coeficientes assumindo-se distribuição normal.

Figura 3:
Gráfico de dispersão de concentração de sólidos suspensos totais e turbidez para medidos nas estações de tratamento de água (A) e detalhe para o intervalo de turbidez ≤25 UNT (B).

A comparação entre a produção total de lodo obtida pelo balanço de massa e aquela estimada pela fórmula empírica elaborada pela AWWA (1999) para cada ETA é mostrada na Figura 4. A ETA ABV foi excluída dessa etapa de análise, devido ao pequeno número de medições de concentração de sólidos em suspensão nas águas coagulada e floculada, essenciais para a realização do balanço de massa.

Figura 4:
Gráficos de dispersão de produção de lodo medida (pelo balanço de massa) e estimada (pela fórmula empírica) - barras de erros correspondem a um desvio padrão para as estações de tratamento de água Alto Cotia, Cubatão, Franca, Guaraú e Presidente Prudente.

Devido à má qualidade das correlações entre concentração de SST e turbidez obtidas para as ETAs, optou-se por aplicar nas fórmulas empíricas as concentrações de SST efetivamente medidas nas respectivas águas brutas.

Durante a realização dos balanços de massa, verificou-se que, em todas as ETAs, esporadicamente, ocorre acúmulo de sólidos nas unidades de floculação, observação prontamente confirmada por relatos das equipes operacionais das estações. Como na grande maioria dos casos a diferença entre as concentrações de SST da água floculada e coagulada indicou que a massa acumulada diariamente poderia ser substancial, esse lodo foi incluído no cômputo da produção diária de sólidos, junto com aqueles oriundos dos decantadores e filtros. Ressalta-se, assim, a importância da amostragem de água floculada para a realização de balanço massa, principalmente devido à prática comum de desligamento dos floculadores por parte dos operadores das ETAs.

A análise visual dos gráficos de dispersão sugere que há algum grau de concordância entre a produção de lodo medida por balanço de massa e aquela estimada pela fórmula empírica, com esta sendo capaz de explicar boa parte da variância da produção de lodo medida (com exceção da ETA GUA, que será discutida adiante).

Contudo, em termos porcentuais, desvios substanciais foram obtidos (Tabela 4). Não foi encontrada uma tendência universal para esses desvios. Nas ETAs PPR e FRA, a fórmula empírica, em geral, superestimou a produção de lodo; nessa ETA, a mediana dos desvios (em relação à geração de sólidos medida) atingiu 129%. Na ETA PPR, o desempenho da fórmula empírica foi substancialmente melhor, com a mediana dos desvios na ordem de 11%. Para a ETA FRA - a única a utilizar cloreto férrico no período estudado - uma possível explicação para a superestimação por parte da fórmula empírica diz respeito à quantidade de águas ligadas ao precipitado de hidróxido de ferro. Entretanto, mesmo adotando a suposição não realística de que os hidróxidos de ferro não possuem nenhuma água fisicamente adsorvida à sua superfície, ainda se obtém valores de produção de lodo em geral superestimados, com mediana dos desvios igual a aproximadamente 58%.

Tabela 4:
Estatísticas dos desvios da produção de lodo medida em relação à produção estimada pela fórmula empírica.

Para as demais ETAs (ALC, CUB e GUA), a fórmula empírica proveu, em geral, subestimativas da produção de lodo. Em particular, a ETA GUA se destaca das demais por se desviar sistematicamente das previsões da fórmula empírica, com o erro de estimativa aumentando concomitantemente com a produção de lodo estimada. A análise de regressão linear revelou, por meio de um modelo sem constante de ajuste excelente (R²=0,89), que a fórmula empírica dá conta de aproximadamente 53% dos sólidos produzidos pela ETA (fração correspondente ao valor da constante do modelo).

Muito provavelmente, isso pode ser atribuído a dois aspectos em relação aos quais a água bruta da ETA GUA se distingue das demais. Conforme mostrado na Figura 5, observa-se que nessa ETA os sólidos dissolvidos (SD) responderam por uma fração comparativamente alta dos sólidos totais, e que essa fração permaneceu essencialmente constante - resultando, consequentemente, em uma razão aproximadamente fixa entre concentração de SST e SD.

Figura 5:
Gráfico de dispersão das concentrações de sólidos em suspensão totais e sólidos dissolvidos na água bruta das diversas estações de tratamento de água.

A fórmula empírica da AWWA (1999AWWA - AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION. (1999) Water quality and treatment: a handbook of community water supplies . New York: McGraw-Hill.) não possui nenhum termo que contabilize diretamente os sólidos dissolvidos; apesar de passíveis de coagulação (como no caso de remoção de cor ou de compostos orgânicos precursores de produtos de desinfecção), assume-se que componham uma fração desprezível da massa de hidróxidos metálicos precipitados pelo mecanismo de varredura. Contudo, deve ser notado que neste trabalho membranas de 1,2 µm foram utilizadas na determinação da concentração de SST e que, portanto, partículas coloidais - que são o objeto natural da coagulação - eventualmente presentes nas amostras foram mensuradas como SD.

Desse modo, se uma fração considerável dos sólidos dissolvidos na ETA GUA corresponder a coloides, a fórmula empírica evidentemente subestimará a produção de lodo, e o fará de maneira sistemática se sua participação nos sólidos totais for consistentemente alta. Cornwell (2006CORNWELL, D.A. (2006) Water treatment residuals engineering . Denver: AWWA Research Foundation and American Water Works Association.) aponta que, em águas com alta concentração de carbono orgânico dissolvido, pode ser necessária a inclusão de um termo adicional em fórmulas empíricas.

Comparando-se a relação SD/SST da água bruta (Figura 5) com a razão (1-SSTestimado)/SSTestimado, que equivaleria a massa de lodo associada aos coloides medidos como SD (Figura 4), obtém-se que aproximadamente 4% da massa de SD é incorporada ao lodo gerado na ETA.

Esses mesmos fatores podem ser responsáveis pela subestimação da produção de lodo nas ETAs CUB e ALC, nas quais os SD também correspondem à boa parte da concentração de sólidos totais. Nesses casos, o efeito dos coloides na fração dissolvida dos sólidos não se expressou tão claramente devido à variação mais randômica da razão entre as concentrações de SD e SST. Um segundo fator que pode levar a subestimação é a presença de impurezas nos insumos das ETAs.

Mesmo que os resultados reunidos aqui sejam insuficientes para que novas variáveis possam ser inseridas de maneira apropriada na fórmula empírica, qualitativamente, ignorar os fatores mencionados até agora e tratá-los simplesmente como componentes de erro aleatórios podem levar a estimativas excessivamente grosseiras da produção de lodo de uma ETA.

CONCLUSÕES

Assim como no caso dos dados de monitoramento da CETESB, os resultados obtidos para as ETAs destoam do que é reportado na literatura, confirmando que a identificação de correlações entre concentração de SST e turbidez é elusiva, e não constitui tarefa trivial.

Os resultados apresentados neste trabalho sugerem que o acoplamento da fórmula empírica da AWWA com modelos de regressão de SST e turbidez possa não configurar uma boa prática de projeto de novas ETAs. Combinados, as fontes de erros de ambos tornam o processo de estimação da produção de lodo uma tarefa muito trabalhosa, dado os cuidados necessários no planejamento experimental e execução das coletas de amostras para obtenção dos modelos de regressão.

No âmbito do projeto de novas ETAs convencionais, uma parte do apelo prático de fórmulas empíricas é esvaziada ao se eliminar a perspectiva do uso de correlações entre SST e turbidez - principalmente em situações nas quais o coeficiente do modelo seja retirado da literatura - já que passa a ser necessária a realização de campanhas de amostragem para a determinação da concentração de SST.

Para ETAs já existentes, raciocínio similar se aplica. Descartada a possibilidade de uso de modelos de regressão baseados em turbidez para a estimativa de SST, a realização de balanço de massa oferece precisão e representatividade na estimativa superiores as das fórmulas empíricas.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao engenheiro Nelson Menegon Junior pela cessão de dados da CETESB; aos responsáveis pelas Estações de Tratamento de Água da SABESP, pelo apoio nas coletas das amostras e à professora Dra. Linda Lee Ho do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, pelo auxílio na avaliação estatística dos dados.

REFERÊNCIAS

  • AFEE - ASSOCIATION FRANÇAISE POUR L'ÉTUDE DES EAUX. (1983) Traitment des boues de stations de production d'eau potable . [S.l.]: AFEE.
  • AWWA - AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION. (1999) Water quality and treatment: a handbook of community water supplies . New York: McGraw-Hill.
  • BABIN, M.; MOREL, A.; FOURNIER-SICRE, V.; FELL, F.; STRAMSKI, D. (2003) Light scattering properties of marine particles in coastal and open ocean waters as related to the particle mass concentration. Limnology and Oceanography , v. 48, n. 2, p. 843-859.
  • BOWERS, D.G.; BINDING, C.E. (2006) The optical properties of mineral suspended particles: a review and synthesis. Estuarine, Coastal and Shelf Science , v. 67, n. 1-2, p. 219-230.
  • CORNWELL, D.A. (2006) Water treatment residuals engineering . Denver: AWWA Research Foundation and American Water Works Association.
  • DAVIES-COLLEY, R.J. & SMITH, D.G. (2001) Turbidity, suspended sediment, and water clarity: a review. Journal of the American Water Resources Association , v. 37, n. 5, p. 1085-1101.
  • DEARING, J.A. & JONES, R.T. (2003) Coupling temporal and spatial dimensions of global sediment flux through lake and marine sediment records. Global and Planetary Change , v. 39, n. 1-2, p. 147-168.
  • DI BERNARDO, L. & DANTAS, A.B. (2005) Métodos e técnicas de tratamento de água. São Carlos: Rima.
  • DROPPO, I.G. & JASKOT, C. (1995) Impact of river transport characteristics on contaminant sampling error and design. Environmental science & technology v. 29, n. 1, p. 161-70, 1995.
  • EATON, A.D.; CLESCERI, L.S.; GREENBERG, A.E.; FRANSON, M.A.H. (2005) Standard Methods for the examination of water and wastewater . Washington, D.C: AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION - APHA; AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION - AWWA; WATER ENVIRONMENT FEDERATION - WEF.
  • FARELLA, N.; LUCOTTE, M.; LOUCHOUARN, P.; ROULET, M. (2001) Deforestation modifying terrestrial organic transport in the Rio Tapajos, Brazilian Amazon. Organic Geochemistry , v. 32, p. 1443-1458.
  • FLORSHEIM, J.L.; PELLERIN, B.A.; OH, N.H.; OHARA, N.; BACHAND, P.A.M.; BACHAND, S.M.; BERGAMASCHI, B.A.; HERNES, P.J.; KAVVAS, M.L. (2011) From deposition to erosion: Spatial and temporal variability of sediment sources, storage, and transport in a small agricultural watershed. Geomorphology , v. 132, n. 3-4, p. 272-286.
  • HARMEL, R.D.; COOPER, R.J.; SLADE, R.M.; HANEY, R.L.; ARNOLD, J G. (2006) Cumulative uncertainty in measured streamflow and water quality data for small watersheds. Transactions of the ASABE , v. 49, n. 3, p. 689-702.
  • HELSEL, D.R. & HIRSCH, R.M. (2002) Statistical Methods in Water Resources. In: Techniques of Water-Resources Investigations. Book 4, Hydrologic Analysis and Interpretation. Arlington, VA: United States Geological Service, 202AD. v. 36, p. 323.
  • JOHNSON, L.; RICHARDS, C.; HOST, G.; ARTHUR, J. (1997) Landscape influences on water chemistry in Midwestern stream ecosystems. Freshwater Biology , v. 37, n. 1, p. 193-208.
  • JONES, A.S.; HORSBURGH, J.S.; MESNER, N.O.; RYEL, R.J.; STEVENS, D.K. (2012) Influence of Sampling Frequency on Estimation of Annual Total Phosphorus and Total Suspended Solids Loads 1. JAWRA , Journal of the American Water Resources Association v. 5200, p. 1-18.
  • KAWAMURA, S. (1991)Integrated design of water treatment facilities. Hoboken: Wiley.
  • KAWAMURA, S. (2000)Integrated design and operation of water treatment facilities. 2nd ed. New York: John Wiley & Sons.
  • LENZI, M. & MARCHI, L. (2000) Suspended sediment load during floods in a small stream of the Dolomites (northeastern Italy). Catena , v. 39, p. 267-282.
  • LONGWORTH, B.E.; LUCOTTE, M.; FARELLA, N. (2007) Linking lithology and land use to sources of dissolved and particulate organic matter in headwaters of a temperate, passive-margin river system. Geochimica et Cosmochimica Acta , v. 71, n. 17, p. 4233-4250.
  • LOUCHOUARN, P.; LUCOTTE, M.; FARELLA, N. (1999) Historical and geographical variations of sources and transport of terrigenous organic matter within a large-scale coastal environment. Organic Geochemistry , v. 30, n. 7, p. 675-699.
  • MARTIN, G.; SMOOT, J.; WHITE, K. (1992) A comparison of surface-grab and cross sectionally integrated stream-water-quality sampling methods. Water Environment Research , v. 64, n. 7, p. 866-876.
  • NADEU, E.; BERHE, A.A.; DE VENTE, J.; BOIX-FAYOS, C. (2012) Erosion, deposition and replacement of soil organic carbon in Mediterranean catchments: a geomorphological, isotopic and land use change approach. Biogeosciences , v. 9, n. 3, p. 1099-1111.
  • PENG, F. & EFFLER, S.W. (2012) Mass-specific scattering coefficient for natural minerogenic particle populations: particle size distribution effect and closure analyses. Applied optics , v. 51, n. 13, p. 2236-49.
  • PENG, F.; EFFLER, S.W.; O'DONNELL, D.; PERKINS, M.G.; WEIDEMANN, A. (2007) Role of minerogenic particles in light scattering in lakes and a river in central New York. Applied optics , v. 46, n. 26, p. 6577-6594.
  • PENG, F.; EFFLER, S.W.; PIERSON, D.C.; SMITH, D.G. (2009) Light-scattering features of turbidity-causing particles in interconnected reservoir basins and a connecting stream. NI , v. 43, n. 8, p. 2280-2292.
  • PFANNKUCHE, J. & SCHMIDT, A. (2003) Determination of suspended particulate matter concentration from turbidity measurements: particle size effects and calibration procedures. Hydrological Processes , v. 17, n. 10, p. 1951-1963.
  • RASMUSSEN, P.P.; GRAY, J.R.; GLYSSON, G.D.; ZIEGLER, A.C. (2009) Guidelines and procedures for computing time-series suspended-sediment concentrations and loads from in-stream turbidity-sensor and streamflow data. In: SERVICE, U.S.G. (Org.). Book 3, Applications of hydraulics, Section C, Sediment and erosion techniques . Arlington, VA: United States Geological Service.
  • STRAMSKI, D.; BOSS, E.; BOGUCKI, D.; VOSS, K.J. (2009) The role of seawater constituents in light backscattering in the ocean. Progress In Oceanography , v. 61, n. 1, p. 27-56.
  • SUI, J.; HE, Y.; LIU, C. (2009) Changes in sediment transport in the Kuye River in the Loess Plateau in China. International Journal of Sediment Research , v. 24, n. 2, p. 201-213.
  • VAN HENGSTUM, P.J.; REINHARDT, E.G.; BOYCE, J.I.; CLARK, C. (2006) Changing sedimentation patterns due to historical land-use change in Frenchman's Bay, Pickering, Canada: evidence from high-resolution textural analysis. Journal of Paleolimnology , v. 37, n. 4, p. 603-618.
  • WALLING, D.E. & MOOREHEAD, P.W. (1987) Spatial and temporal variation the particle-size characteristics of fluvial suspended sediment. Geografiska Annaler , v. 69, n. 1, p. 47-59, 1987.
  • WASS, P.D.; MARKS, S.D.; FINCH, J.W.; LEEKS, G.J.L.; INGRAM, J.K. (1997) Monitoring and preliminary interpretation of in-river turbidity and remote sensed imagery for suspended sediment transport studies in the Humber catchment. Science of the Total Environment , v. 194-195, n. 96, p. 263-283.
  • WILLIAMSON, T.N. & CRAWFORD, C.G. (2011) Estimation of suspended-sediment concentration from total suspended solids and turbidity data for Kentucky, 1978-1995. Journal of the American Water Resources Association v. 47, n. 4, p. 739-749.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2012
  • Aceito
    28 Ago 2015
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - ABES Av. Beira Mar, 216 - 13º Andar - Castelo, 20021-060 Rio de Janeiro - RJ - Brasil - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: esa@abes-dn.org.br