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O planejamento integrado de bacia hidrográfica e uso do solo na Escócia

Water basin management plan integrated in spatial plans in Scotland

RESUMO

A implementação da Diretiva da Água 2000/60/EC demandou a articulação entre a gestão da água e a gestão territorial na comunidade europeia, fomentando a integração entre diferentes níveis de planejamento, como o regional, aplicado na escala da bacia hidrográfica, e o local, aplicado em âmbito municipal. Na Escócia, a integração entre os diferentes setores e escalas de planejamento é conduzida pela aplicação da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). Neste artigo, foram comparados os procedimentos e etapas de elaboração de dois instrumentos de planejamento territorial realizados para a mesma área: o Plano de Bacia Hidrográfica da Escócia para 2009/2015 e sua AAE e o Plano de Desenvolvimento Local de Glasgow para 2010/2015 e sua respectiva AAE. Como resultado, as diferentes características dos instrumentos de planejamento analisados influenciam nos objetivos e no nível de detalhamento utilizado pelas AAEs, cujos resultados conduziram gradativamente à integração dos planos. Como conclusão, o uso da AAE mostrou-se efetivo para propiciar a integração dos diferentes instrumentos de planejamento, atendendo aos requisitos da Diretiva da Água.

Palavras-chave:
avaliação ambiental estratégica; plano de bacia hidrográfica; plano de desenvolvimento local; Escócia

ABSTRACT

The Water Directive 2000/60/EC regards the water basin management plans integrated in spatial plans in the European community, affecting the regional and local planning. In Scotland, the Strategic Environmental Assessment is used to combine distinct sectors and planning scales. This paper compared the procedures and steps of spatial planning for the same area: Scottish River Basin Management Plan 2009/2015 and Local Development Plan for Glasgow 2010/2015, with their Strategic Environmental Assessment as well. As a result, features of each planning tools affect the aims and details of Strategic Environmental Assessment, which conducts gradually the planning integration. The practice of Strategic Environmental Assessment is useful regarding the Water Directive objectives.

Keywords:
strategic environmental assessment; water basin management plan; spatial plan; Scotland

INTRODUÇÃO

A Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) tem sido apontada como um importante instrumento para incorporar a variável ambiental no processo de tomada de decisão aplicado a Políticas, Planos e Programas. Portanto, AAE informa aos tomadores de decisão sobre as consequências ambientais destas ações consideradas estratégicas - PPPs, inclusive sobre os efeitos cumulativos e sinérgicos decorrentes (STOEGLEHNER & WEGERER, 2006STOEGLEHNER, G. & WEGERER, G. (2006) The SEA-directive and the SEA-protocol adopted to spatial planning: similarities and differences. Environmental Impact Assessment Review, v. 26, n. 6, p. 586-599.). Tal ferramenta foi regulamentada na comunidade europeia por meio da Diretiva da AAE 2001/42/EC e Protocolo Europeu da AAE, com a definição do conteúdo mínimo e procedimentos de aplicação, o que permite analisar as experiências práticas em diferentes contextos (FINDLER & NOBLE, 2012FIDLER, C. & NOBLE, B. (2012) Advancing strategic environmental assessment in the offshore oil and gas sector: lessons from Norway, Canada and the United Kingdom. Environmental Impact Assessment Review, v. 34, p. 12-21.).

A Diretiva da AAE estabelece um processo de avaliação ambiental sistêmico focado nos aspectos ambientais relevantes para o nível estratégico (GONZÁLEZ et al., 2011GONZÁLEZ, A.; GILMER, A.; FOLEY, R.; SWEENEY, J.; FRY, J. (2011) Applying geographic information systems to support strategic environmental assessment: opportunities and limitations in the context of Irish land-use plans. Environmental Impact Assessment Review, v. 31, n. 3, p. 368-381.). Ela também define procedimentos para criação de registros e documentação mais efetiva, propiciando melhor inclusão das variáveis ambientais na tomada de decisão (JIRICKA & PRÖBSTI, 2008JIRICKA, A. & PRÖBSTI, U. (2008) SEA in local land use planning: first experience in the Alpine States. Environmental Impact Assessment Review, v. 28, n. 4/5, p. 328-337.). O Protocolo Europeu da AAE antecipa o envolvimento dos atores interessados na fase de definição do escopo dos estudos (STOEGLEHNER & WEGERER, 2006STOEGLEHNER, G. & WEGERER, G. (2006) The SEA-directive and the SEA-protocol adopted to spatial planning: similarities and differences. Environmental Impact Assessment Review, v. 26, n. 6, p. 586-599.). Com a adoção do Protocolo Europeu e da Diretiva da AAE 2001/42/CE, a AAE tornou-se um instrumento paralelo e integrado aos processos de elaboração de planos e programas de governo que apresentam possibilidades de gerar impactos ambientais significativos (MASCARENHAS; RAMOS; NUNES, 2012MASCARENHAS, A.; RAMOS, T.B.; NUNES, L. (2012) Developing an integrated approach for the strategic monitoring of regional spatial plans. Land Use Policy, v. 29, n. 3, p. 641-651.).

A Diretiva da Água 2000/60/EC cria uma estrutura legal para a proteção dos recursos hídricos europeus e prevenção contra sua deterioração. Sem uma regulamentação específica sobre os impactos ambientais, essa proteção teria sua efetividade limitada (CARTER & WHITE, 2012CARTER, J.G. & WHITE, I. (2012) Environmental planning and management in an age of uncertainty: the case of the Water Framework Directive. Journal of Environmental Management, v. 113, p. 228-236.).

O objetivo deste trabalho foi descrever a experiência estrangeira de como pode ser realizado o planejamento integrado nas bacias hidrográficas. É apresentado o sistema escocês de planejamento de uso e ocupação do solo e de recursos hídricos pós-Diretiva da Água, por meio de procedimentos e questões tratados durante a elaboração do Plano de Bacia Hidrográfica da Escócia para 2009/2015 (PBHE) e do Plano de Desenvolvimento Local de Glasgow para 2010/2015 (PDLG). Diferenças nos resultados da AAE foram identificadas e relacionadas às características dos planos estudados.

METODOLOGIA

O sistema escocês de planejamento territorial foi selecionado por utilizar compulsoriamente a AAE como forma de integrar as decisões de planejamento regional às questões do planejamento local. Tal interação é realizada por meio de distintos instrumentos: o Plano de Bacia Hidrográfica e o Plano de Desenvolvimento Local. Dessa maneira, a integração entre os níveis regional e local de planejamento ocorre mediante a articulação entre gestores de recursos hídricos e de uso e ocupação do solo, usando o gerenciamento dos impactos ambientais como parâmetro de decisão.

Glasgow é a cidade mais populosa da Escócia, com quase 600 mil habitantes, e sua região metropolitana possui cerca de 1,2 milhão de habitantes. Problemas ambientais, de saúde pública e inovações nos meios de produção afetaram a pujança econômica da cidade, que, gradativamente, sofreu depressão econômica nos anos de 1950. Glasgow é caracterizada por ter o maior número de áreas contaminadas na Escócia, e, segundo Pacione (2013PACIONE, M. (2013) Private profit, public interest and land use planning: a conflict interpretation of residential development pressure in Glasgow’s rural-urban fringe. Land Use Policy, v. 32, p. 61-77.), há décadas o país adota a regeneração de áreas degradadas como política nacional, instituída pela Regeneration Strategy1 1 Regeneration Strategy, ou Estratégia de Regeneração (livre tradução), são diretrizes estabelecidas pelo governo escocês, em 2011, a fim de promover o processo de reversão econômica, física e social destinada a localidades onde as forças de mercado não são suficientes para a promoção da transformação desejada. , em português, estratégia de regeneração.

A Regeneration Strategy envolve questões relacionadas à qualidade ambiental, ao uso e à ocupação do solo e ao desenvolvimento socioeconômico. Dessa maneira, a integração entre distintos setores de planejamento, incluindo o gerenciamento de uso e ocupação do solo com os recursos hídricos, é uma premissa do sistema de planejamento territorial do governo escocês, o que justifica a sua seleção como referência neste artigo.

Primeiramente, foi realizada uma pesquisa sobre o gerenciamento dos recursos hídricos na Escócia. A Diretiva Europeia da Água 2000/60/EC e o PBHE foram consultados buscando-se a contextualização geral do processo de planejamento de recursos hídricos. Na sequência, foram estudadas as questões no tocante ao desenvolvimento local e ao crescimento urbano presentes nos seguintes relatórios: Appropriate Assessment2 2 Appropriate Assessment, ou Avaliação Detalhada (livre tradução), do plano de bacias hidrográficas da Escócia são dados complementares realizados para corpos hídricos específicos que se localizam em áreas territoriais especialmente protegidas, em conformidade com a Diretiva de Hábitat 92/46/EC. (avaliação detalhada) do PBHE; Strategy Environmental3 3 Strategy Environmental, ou Estratégia Ambiental (livre tradução), é um tipo de sumário executivo da AAE realizado para o plano de bacias hidrográficas da Escócia, com os principais resultados e diretrizes propostas para os meios físico e biótico. (estratégia ambiental) da AAE desenvolvida para o PBHE; o relatório ambiental da AAE do PBHE; o anexo 8 - Linking other planning process4 4 Anexo 8 - Linking other planning process, ou Ligando outros processos de Planejamento (livre tradução), consiste em um guia metodológico com mecanismos-chave para promover a integração entre o plano de bacias hidrográficas com outros planos e processos de planejamento (existentes ou em elaboração) no país. Envolve planos relacionados aos setores de: desenvolvimento espacial, agricultura, gerenciamento costeiro, áreas alagáveis, mudanças climáticas etc. (ligando outros processos de planejamento); e o anexo 11 - Other key planning process5 5 Anexo 11 - Other key planning process, ou Outros processos-chave de planejamento (livre tradução), são estudos complementares ao anexo 8 que se destinam a demonstrar o atendimento à Diretiva Europeia da Água 2000/60/EC. (outros processos-chave de planejamento). Os documentos estão disponíveis em http://www.sepa.org.uk/water/river_basin_planning.aspx.

Aconteceu uma reunião em janeiro de 2012 com um profissional técnico da Scottish Environmental Protection Agency (SEPA) (em português, Agência de Proteção Ambiental da Escócia), em Edimburgo, para discutir e esclarecer o processo de planejamento de recursos hídricos, a implementação do PBHE, a aplicação da AAE e as relações com o planejamento de uso e ocupação do solo. Por fim, o profissional técnico contribuiu na formulação de dois diagramas para representar as etapas e os conteúdos dos processos de planejamento: um para o PBHE, e outro da AAE.

Posteriormente, realizou-se uma pesquisa sobre o planejamento de uso e ocupação do solo em Glasgow. A Scottish Planning Circular 20096 6 Scottish Planning Circular, ou Portaria de Planejamento da Escócia (livre tradução), é um ato legal que altera a legislação sobre o sistema de planejamento espacial na Escócia. (Portaria de Planejamento da Escócia 2009) foi consultada para entendimento da regulamentação da estrutura do planejamento espacial escocês. Considerando como os impactos ambientais do PDLG influenciaram as decisões tomadas pelo poder público e os atores afetados no processo de planejamento municipal, também foram estudados os relatórios: Monitoring Statement7 7 Monitoring Statement, ou Situação do Monitoramento (livre tradução), é um relatório da evolução dos indicadores monitorados. (Situação do Monitoramento) e Main Issues Report8 8 Main Issues Report, ou Relatório dos Temas Principais (livre tradução), é um documento realizado para destacar os dados relativos aos temas definidos como prioritários no processo de planejamento espacial de localidades específicas. Por exemplo, uma região pode apresentar problemas de alagamento, enquanto outra possui problemas com trânsito etc. (Relatório dos Temas Principais), do PDLG; o Spatial Strategy Report9 9 Spatial Strategy Report, ou Relatório de Estratégia Espacial (livre tradução), é um documento específico com as áreas selecionadas para a regeneração e o novo desenvolvimento urbano, a fim de atender a Regeneration Strategy. (Relatório de Estratégia Espacial) e o Supporting Information10 10 Supporting Information, ou Informações de Apoio (livre tradução), constitui um relatório de indicadores detalhados para áreas específicas como as condições das habitações, disponibilidade de infraestrutura, entre outros. (Informações de Apoio) das áreas-chave de regeneração; o Environmental Report11 11 Environmental Report, ou Relatório Ambiental (livre tradução), consiste no conjunto de dados relativos ao meio físico e ao meio biótico. (Relatório Ambiental); e o respectivo apêndice da AAE aplicada ao PDLG. Os documentos podem ser encontrados em http://www.glasgow.gov.uk/index.aspx?articleid=3011.

Houve duas reuniões com profissionais técnicos no Glasgow City Council (Conselho Municipal de Glasgow), órgão responsável pelo planejamento de uso e ocupação do solo na cidade. A primeira reunião ocorreu em fevereiro de 2012 para discutir e esclarecer o processo de planejamento de uso e ocupação do solo e suas relações com o PBHE, levando em conta o estabelecimento das questões prioritárias, a seleção das áreas-chave para regeneração e a recuperação dos recursos hídricos. A segunda reunião deu-se em março de 2012, tendo como foco a condução do processo de realização da AAE para o PDLG, a fim de identificar o uso da AAE no processo de integração entre os setores de uso e ocupação do solo e os recursos hídricos. Por fim, os técnicos contribuíram para a formulação de dois diagramas que ilustram as etapas e os conteúdos dos processos de planejamento, um para o PDLG e outro da AAE, apresentados respectivamente nas seções “Uso e ocupação do solo” e “Avaliação Ambiental Estratégica” deste artigo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As formulações da Diretiva da AAE 2001/42/EC e da Diretiva da Água 2000/60/EC trouxeram transformações aos sistemas de planejamento de uso e ocupação do solo por toda a Europa. As bases do planejamento espacial na Escócia foram modificadas pelo Planning (Scotland) Act (Decreto de Planejamento) de 2006. Entre as características principais, está a reformulação da estrutura de gerenciamento de uso e ocupação do solo, pautada na hierarquização das escalas nacional, regional e local de planejamento, com o estabelecimento de prioridades e diretrizes para a gestão territorial. O sistema escocês incorporou a participação de indivíduos e comunidades locais nas tomadas de decisão, mas também salientou o fortalecimento do poder central na criação de regras para o processo de planejamento de uso e ocupação do solo (PACIONE, 2013PACIONE, M. (2013) Private profit, public interest and land use planning: a conflict interpretation of residential development pressure in Glasgow’s rural-urban fringe. Land Use Policy, v. 32, p. 61-77.).

Recursos hídricos

A comunidade europeia aprovou a Diretiva da Água 2000/60/CE, estabelecendo a estrutura de ações para as políticas de recursos hídricos, direcionadas à melhoria e à conservação das condições ecológicas dos corpos d’água (CARTER & WHITE, 2012CARTER, J.G. & WHITE, I. (2012) Environmental planning and management in an age of uncertainty: the case of the Water Framework Directive. Journal of Environmental Management, v. 113, p. 228-236.). Todos os membros da comunidade europeia devem promover a melhoria e a não deterioração dos recursos hídricos, sob o risco de ações punitivas. Tal meta é verificada durante as ações de planejamento por meio da aplicação da AAE.

A boa condição ecológica deve ser alcançada em todos os corpos d’água naturais, e o bom potencial ecológico é a meta para os corpos d’água fortemente modificados ou artificiais. O diagnóstico, as medidas e os prazos para o alcance de tais metas devem ser previstos no Plano de Bacia Hidrográfica.

A Diretiva da Água 2000/60/CE foi incorporada à legislação escocesa no fim de 2003 pelo Water Environment and Water Services Act (Decreto do Ambiente Aquático e Serviços Hídricos) (BLACKSTOCK et al., 2012BLACKSTOCK, K.L.; WAYLEN, K.A.; DUNGLINSON, J.; MARSHAL, K.M. (2012) Linking process to outcomes: internal and external criteria for a stakeholder involvement in river basin management planning. Ecological Economics, v. 77, p. 113-122.). Na Escócia, a SEPA é o órgão responsável pela elaboração e implementação do PBHE, cujo processo de elaboração recebe contribuições de autoridades consultivas e da sociedade em diferentes etapas relacionadas à coleta de dados e à tomada de decisões. Na Figura 1, podem ser observadas as etapas de elaboração do PBHE, incluindo os indicadores utilizados para gerenciar as condições dos recursos hídricos.

Figura 1:
Etapas do plano de bacia hidrográfica escocês.

O PBHE teve início por meio das considerações da Diretiva da Água e influencia todas as etapas sequenciais. Cada corpo d’água deve ser identificado e classificado por tipo: superficial, costeiro, subterrâneo ou artificial. Os corpos d’água superficiais são dispostos em categorias: rios, lagos, áreas alagadas ou estuários (BLACKSTOCK et al., 2012BLACKSTOCK, K.L.; WAYLEN, K.A.; DUNGLINSON, J.; MARSHAL, K.M. (2012) Linking process to outcomes: internal and external criteria for a stakeholder involvement in river basin management planning. Ecological Economics, v. 77, p. 113-122.). Caso algum corpo d’água pertença a áreas especialmente protegidas, um estudo mais detalhado, chamado Appropriate Assessment (Avaliação Detalhada), deve ser realizado, conforme a Diretiva de Hábitat 92/46/EC.

Após a identificação e classificação dos corpos hídricos, é realizado o diagnóstico das condições atuais, levando em conta aspectos hidromorfológicos, físico-químicos e ecológicos. A caracterização hidromorfológica aborda: vazão, nível da água, continuidade de fluxo, leito e margens. Aspectos físico-químicos são compostos da análise de pH, temperatura, oxigênio dissolvido, demanda bioquímica por oxigênio, salinidade, condutividade elétrica, propriedades organolépticas, entre outros. Características ecológicas são avaliadas pelo número e pela organização das comunidades aquáticas, como zooplânctons, fitoplânctons, comunidades bentônicas, peixes etc. Diferenças entre o conjunto de características encontradas e o esperado para o meio prístino permitem o enquadramento de sua condição: máxima, boa, moderada, pobre ou ruim (SOBRAL et al., 2007SOBRAL, M.C.; GUNKEL, G.; BARROS, A.M.L.; PAES, R.; FIGUEIREDO, R.C. (2007) Classificação de corpos de água segundo a diretiva-quadro da água da União Europeia - 2000/60/CE. Revista Brasileira de Ciências Ambientais, n. 11, p. 30-39.).

As alterações dos parâmetros analisados permitem identificar quais atividades exercem pressões ambientais, que podem ser originadas por poluição (difusa, pontual, de áreas contaminadas etc.), captação (abastecimento doméstico e/ou industrial, irrigação, energia elétrica), modificações físicas (obras de engenharia, reflorestamento, agricultura etc.) e alterações bióticas (espécies invasoras). Informações sobre as atividades exercidas por diferentes setores capazes de afetar o corpo d’água em questão são coletadas nas respectivas agências responsáveis.

As agências responsáveis pelo controle das atividades identificadas são consultadas e contribuem para a definição das estratégias para a melhoria do uso sustentável dos recursos naturais. A Diretiva da Água estabelece que o PBHE liste as autoridades consultivas que participaram do processo de elaboração, apresentando como os comentários realizados foram incorporados aos resultados propostos (ALBRECHT, 2013ALBRECHT, J. (2013) The Europeanization of water law by the Water Framework Directive: a second chance for water planning in Germany. Land Use Policy, v. 30, n. 1, p. 381-391.). Tal obrigação atende à Convenção de Aarhus, que regulamenta o envolvimento das partes interessadas durante a elaboração de planos e programas quanto aos recursos naturais (CARTER & HOWE, 2005CARTER, N.; KREUTZWISER, R.D.; DE LOË, R.C. (2005) Closing the circle: linking land use planning and water management at the local level. Land Use Policy, v. 22, n. 2, p. 115-127.).

As estratégias são compostas de medidas de recuperação e de definição dos responsáveis por controle e implementação. As medidas de recuperação devem ser efetivadas por meio de ações estabelecidas com os atores envolvidos. Tais ações podem ser medidas legais, incentivos econômicos ou atividades de divulgação e educação ambiental e são estabelecidas considerando a extensão espacial do dano e aspectos econômicos e tecnológicos das medidas mitigadoras, bem como a adequação do enquadramento do corpo hídrico realizado previamente. Segundo Carter e White (2012CARTER, J.G. & WHITE, I. (2012) Environmental planning and management in an age of uncertainty: the case of the Water Framework Directive. Journal of Environmental Management, v. 113, p. 228-236.), as agências responsáveis pelos planos de bacia hidrográfica não são capazes de atender, isoladamente, aos requisitos da Diretiva da Água. É necessário o envolvimento de outros setores, como aqueles relacionados ao uso e à ocupação do solo, às atividades agrícolas e à conservação florestal (ALBRECHT, 2013ALBRECHT, J. (2013) The Europeanization of water law by the Water Framework Directive: a second chance for water planning in Germany. Land Use Policy, v. 30, n. 1, p. 381-391.; GRINDLAY et al., 2011GRINDLAY, A.L.; ZAMORANO, M.; RODRÍGUEZ, M.I.; MOLERO, E.; URREA, M.A. (2011) Implementation of the European Water Framework Directive: integration of hydrological and regional planning at the Segura River Basin, southeast Spain. Land Use Policy, v. 28, n. 1, p. 242-256.).

Conforme Therivel (2004THERIVEL, R. (2004) Strategic environmental assessment in action. London: Earthscan. 276 p.), a realização da AAE permite a inserção da variável ambiental durante o processo de tomada de decisão estratégica, possibilitando uma melhor alternativa de desenvolvimento definida pelo debate com os atores afetados. De acordo com Carter e Howe (2005CARTER, N.; KREUTZWISER, R.D.; DE LOË, R.C. (2005) Closing the circle: linking land use planning and water management at the local level. Land Use Policy, v. 22, n. 2, p. 115-127.), o resultado da AAE cria oportunidades para o refinamento e fortalecimento do plano de bacia hidrográfica. Ele também pode direcionar os objetivos do desenvolvimento local ao encontro das diretrizes de tal plano.

Finalmente, é estabelecido o plano de recuperação da bacia hidrográfica com o prazo para a implementação e atribuição das responsabilidades de execução para a sociedade e agentes institucionais. O produto final do processo é formatado em um relatório pela SEPA e encaminhado ao governo escocês para a aprovação do processo (BLACKSTOCK et al., 2012BLACKSTOCK, K.L.; WAYLEN, K.A.; DUNGLINSON, J.; MARSHAL, K.M. (2012) Linking process to outcomes: internal and external criteria for a stakeholder involvement in river basin management planning. Ecological Economics, v. 77, p. 113-122.).

A implementação do PBHE pode ser verificada pelo monitoramento das ações previstas nos planos de desenvolvimento, vinculando o gerenciamento dos recursos hídricos ao planejamento de uso e ocupação do solo. O monitoramento contribui ainda para o acompanhamento da execução das medidas mitigadoras e demais recomendações previstas na AAE, permitindo aprimorar os métodos de previsão de impactos e a coleta de dados (MASCARENHAS; RAMOS; NUNES, 2012MASCARENHAS, A.; RAMOS, T.B.; NUNES, L. (2012) Developing an integrated approach for the strategic monitoring of regional spatial plans. Land Use Policy, v. 29, n. 3, p. 641-651.; JOÃO, 2007JOÃO, E. (2007) The importance of data and scale issues for strategic environmental assessment. Environmental Impact Assessment Review, v. 27, n. 5, p. 361-364.).

Uso e ocupação do solo

A Scottish Planning Circular 01/2009 (Portaria de Planejamento Espacial da Escócia 01/2009) concentra as principais diretrizes estabelecidas para o planejamento de uso e ocupação do solo no Scotland Planning Act (Decreto de Planejamento Espacial da Escócia). A estrutura do sistema de planejamento de uso e ocupação do solo na Escócia é composta do Plano de Desenvolvimento Estratégico, na escala regional, do Plano de Desenvolvimento Local, em âmbito municipal, e da Supplementary Guidance12 12 Supplementary Guindance, ou Diretrizes Suplementares (livre tradução), é um documento que reúne as propostas de ocupação urbana na escala do bairro. (Diretriz Suplementar), na escala comunitária. O Scotland Planning Act estabelece a aplicação da AAE durante a elaboração dos planos de desenvolvimento.

O plano de desenvolvimento local define como determinadas áreas serão modificadas e como devem ser no futuro, determinando o tipo de uso que deve ser empreendido ou evitado (PACIONE, 2013PACIONE, M. (2013) Private profit, public interest and land use planning: a conflict interpretation of residential development pressure in Glasgow’s rural-urban fringe. Land Use Policy, v. 32, p. 61-77.). Para Genelleti et al. (2007GENELETTI, D.; BAGLI, S.; NAPOLITANO, P.; PISTOCCHI, A. (2007) Spatial decision support for strategic environmental assessment of land use plans: a case study in southern Italy. Environmental Impact Assessment Review, v. 27, n. 5, p. 408-423.), a distribuição espacial permite a representação das consequências ambientais significativas para direcionar o uso e a ocupação do solo.

O Glasgow City Council (GCG) (Conselho Municipal de Glasgow) é o órgão responsável pela elaboração e implementação do Plano de Desenvolvimento Local de Glasgow (PDLG) para 2010/2015. É prevista por lei a participação de autoridades consultivas na elaboração do plano, e o envolvimento comunitário é estabelecido como uma das questões principais do processo de planejamento. Na Figura 2, pode ser verificada a estrutura do processo de planejamento de uso e ocupação do solo, incluindo as etapas e os principais indicadores utilizados.

Figura 2:
Etapas do Plano de Desenvolvimento Local de Glasgow.

O PDLG deve atender aos requisitos da Scottish Planning Circular 01/2009 (Portaria de Planejamento Espacial da Escócia 01/2009), a qual influencia todas as etapas sequenciais. O diagnóstico do plano é formulado haja vista as considerações previstas em outras políticas, planos e programas (como o plano de bacia hidrográfica) e bases de referência utilizadas para monitorar as condições ambientais, presentes no chamado Environment Report (Relatório Ambiental). Inicialmente, são revistas as determinações do monitoramento da versão anterior do plano, documentadas no Monitoring Statement (Situação do Monitoramento). Tais diretrizes devem servir de orientações para o novo plano. Esses documentos de referência passaram por uma consulta à sociedade no ato de sua formulação.

A análise dos dados da versão anterior do plano direciona a definição das questões prioritárias, seguidas de alternativas de desenvolvimento e reunidas no Main Issues Report (Relatório dos Temas Principais). A atualização dos dados antigos permite que sejam avaliadas as consequências temporais da ação, o que facilita a previsão dos impactos cumulativos do plano em questão (GONZÁLEZ et al., 2011GONZÁLEZ, A.; GILMER, A.; FOLEY, R.; SWEENEY, J.; FRY, J. (2011) Applying geographic information systems to support strategic environmental assessment: opportunities and limitations in the context of Irish land-use plans. Environmental Impact Assessment Review, v. 31, n. 3, p. 368-381.; VANDERHAEGEN & MURO, 2005VANDERHAEGEN, M. & MURO, E. (2005) Contribution of a European spatial data infrastructure to the effectiveness of EIA and SEA studies. Environmental Impact Assessment Review, v. 25, n. 2, p. 123-142.).

O Main Issues Report apresenta a justificativa e o critério das alternativas instituídas, incluindo a indicação da opção proposta. Tal relatório deve ser encaminhado para a avaliação das autoridades consultivas pertencentes aos setores de patrimônio histórico (Historic Scotland), conservação ambiental (Scottish Natural Heritage) e de recursos hídricos (SEPA). Essas agências contribuem para a definição das propostas do PDLG.

O próximo passo é a seleção das áreas-chave para regeneração e novo desenvolvimento urbano, compondo a chamada Spatial Strategy (Estratégia Espacial). Segundo João (2002JOÃO, E. (2002) How scale affects environmental impact assessment. Environmental Impact Assessment Review, v. 22, n. 4, p. 289-310.), a delimitação da escala espacial é fator decisivo para a qualidade das informações e para o gerenciamento adequado. O recorte espacial selecionado permite que as autoridades identifiquem as chamadas Supporting Information (Informações de Apoio), isto é, os dados que devem ser detalhados sobre as condições e demandas de habitação, de serviços urbanos e de áreas industriais e comerciais. O uso de informações espaciais como base de referência auxilia no entendimento dos padrões de distribuição dos efeitos ambientais (GONZÁLEZ et al., 2011GONZÁLEZ, A.; GILMER, A.; FOLEY, R.; SWEENEY, J.; FRY, J. (2011) Applying geographic information systems to support strategic environmental assessment: opportunities and limitations in the context of Irish land-use plans. Environmental Impact Assessment Review, v. 31, n. 3, p. 368-381.; GENELETTI et al., 2007GENELETTI, D.; BAGLI, S.; NAPOLITANO, P.; PISTOCCHI, A. (2007) Spatial decision support for strategic environmental assessment of land use plans: a case study in southern Italy. Environmental Impact Assessment Review, v. 27, n. 5, p. 408-423.; VANDERHAEGEN & MURO, 2005VANDERHAEGEN, M. & MURO, E. (2005) Contribution of a European spatial data infrastructure to the effectiveness of EIA and SEA studies. Environmental Impact Assessment Review, v. 25, n. 2, p. 123-142.).

Nessa etapa, a consulta pública ajuda a adequar as questões técnicas às demandas comunitárias, definindo de maneira compartilhada as medidas que serão incorporadas na nova versão do plano. As medidas selecionadas são avaliadas pela aplicação da AAE para que sejam identificados os impactos ambientais das propostas.

Por fim, as alternativas selecionadas devem ser consolidadas na forma de ações estabelecidas por políticas públicas municipais distribuídas no espaço, configurando o mapeamento das intervenções nas áreas-chave, que serão acompanhadas por um programa de ação (PACIONE, 2013PACIONE, M. (2013) Private profit, public interest and land use planning: a conflict interpretation of residential development pressure in Glasgow’s rural-urban fringe. Land Use Policy, v. 32, p. 61-77.). A nova versão do PDLG e o programa de ação são encaminhados ao governo escocês para aprovação do seu processo de elaboração, e os instrumentos precisam ser revistos a cada cinco e dois anos, respectivamente.

Avaliação Ambiental Estratégica

No sistema escocês, a AAE deve ser realizada pelo responsável do instrumento de planejamento em questão. Dessa maneira, a AAE do PBHE foi conduzida pela SEPA, enquanto que a AAE do PDLG, pelo GCC. A SEPA oferece um guia para outras agências escocesas elaborarem a AAE, chamado SEA Tool Kit (Manual de Apoio para conduzir AAE), composto de formulários com questões principais que devem ser respondidas durante a aplicação da AAE.

A Diretiva Europeia 2001/42/EC regulamenta os procedimentos da AAE. Já a demanda pela aplicação da AAE é responsabilidade de setores específicos. A norma que visa à melhoria e à não deterioação dos recursos hídricos foi estabelecida pela Diretiva da Água 2000/60/EC, a qual requer a aplicação da AAE para os planos de bacia hidrográfica na Europa. Por sua vez, para o setor de uso e ocupação do solo, a Scottish Planning Circular 2009 (Portaria de Planejamento Espacial da Escócia 2009) requisita a aplicação da AAE para os instrumentos de planejamento espacial na Escócia.

Pela Figura 3, pode-se observar a sequência de procedimentos da AAE do PBHE com os indicadores utilizados em cada etapa. A AAE do PBHE parte dos objetivos de melhoria e não deterioração dos corpos hídricos definidos pela Diretiva da Água. As bases de referência da AAE são compatibilizadas com os padrões e o objetivo de outras políticas, planos e programas previstos para a mesma região. Com base nessas informações, são selecionados os critérios necessários para a continuidade da avaliação. A seguir, é realizada a análise do gerenciamento das pressões ambientais identificadas pelos mecanismos propostos de intervenção: requisitos legais, incentivos econômicos ou ações de divulgação e educação ambiental.

Figura 3:
Etapas da Avaliação Ambiental Estratégica aplicada ao plano de bacia hidrográfica escocês.

As alternativas de ação são comparadas entre diferentes cenários, utilizando a previsão do comportamento das bases de referência no tocante às tendências atuais de desenvolvimento. Os cenários avaliados levam em conta os efeitos ambientais da não intervenção, do resultado das alternativas propostas e de possíveis medidas potencializadoras dos recursos naturais perante o ciclo hidrológico completo. Nessa etapa, tendo em vista considerações técnicas, podem ser identificadas necessidades de futuro aprofundamento de estudos específicos ou ainda o detalhamento das propostas.

Os processos de consulta às autoridades competentes e de participação dos atores envolvidos auxiliam na seleção dos mecanismos a serem adotados para o gerenciamento das pressões ambientais vigentes e na indicação das melhores práticas viáveis de serem implementadas no prazo proposto pela Diretiva da Água. A AAE considera a distribuição dos impactos positivos e negativos gerados pela implementação do PBHE, procurando evitar que efeitos desproporcionais afetem quaisquer setores ou atores envolvidos (BLACKSTOCK et al., 2012BLACKSTOCK, K.L.; WAYLEN, K.A.; DUNGLINSON, J.; MARSHAL, K.M. (2012) Linking process to outcomes: internal and external criteria for a stakeholder involvement in river basin management planning. Ecological Economics, v. 77, p. 113-122.).

Como resultado, a AAE aponta áreas e medidas prioritárias para intervenção, pensando nas melhores práticas para atingir a melhoria e não deterioração das condições ecológicas dos corpos hídricos. Entre as áreas e medidas de intervenção prioritárias, estão indicações para estímulo ou restrição de atividades relativas ao uso e à ocupação do solo em regiões específicas, influenciando diretamente nas decisões do PLDG.

A Figura 4 permite verificar a sequência de procedimentos da AAE do PDLG com os indicadores empregados em cada etapa. O PDLG tem como objetivo o processo de regeneração de áreas-chave no município, considerando parâmetros biofísicos, sociais e econômicos. As bases de referência são integradas aos padrões e objetivos de outras políticas, planos e programas previstos para a mesma área, incluindo as diretrizes do PBHE. Com base nesse conjunto de dados, são selecionados os critérios de avaliação. A participação das autoridades consultivas, como a SEPA, ajuda na definição dos critérios. Segundo Helbron et al. (2011HELBRON, H.; SCHMIDT, M.; GLASSON, J.; DOWNES, N. (2011) Indicators for strategic environmental assessment in regional land use planning to assess conflicts with adaptation to global climate change. Ecological Indicators, v. 11, n. 1, p. 90-95.), os planos de uso e ocupação do solo podem estar comprometidos com interesses setoriais distintos para a mesma área.

Figura 4:
Etapas da Avaliação Ambiental Estratégica do Plano de Desenvolvimento Local de Glasgow.

Os critérios selecionados permitem analisar as alternativas previstas no PDLG, apontando quais medidas são aceitáveis ou não. As medidas aceitáveis são avaliadas ante diferentes cenários previstos nas áreas-chave de regeneração, o que permite o detalhamento das bases de referência, incluindo indicadores de habitação, serviços públicos e atividades econômicas das áreas específicas.

Os impactos ambientais das ações propostas permitem indicar políticas municipais prioritárias distribuídas no espaço, configurando o mapeamento das intervenções nas áreas-chave, que são acompanhadas por um programa de ação. Nos resultados, a AAE ainda inclui a indicação da necessidade de novas AAEs específicas para áreas críticas e possíveis medidas mitigadoras para os níveis de projeto.

Foram identificadas importantes diferenças nos distintos processos de AAE estudados. As técnicas aplicadas nos processos de AAE podem variar, gerando incertezas quanto à seleção do método mais adequado (GONZÁLEZ et al., 2011GONZÁLEZ, A.; GILMER, A.; FOLEY, R.; SWEENEY, J.; FRY, J. (2011) Applying geographic information systems to support strategic environmental assessment: opportunities and limitations in the context of Irish land-use plans. Environmental Impact Assessment Review, v. 31, n. 3, p. 368-381.; JIRICKA & PRÖBSTI, 2008JIRICKA, A. & PRÖBSTI, U. (2008) SEA in local land use planning: first experience in the Alpine States. Environmental Impact Assessment Review, v. 28, n. 4/5, p. 328-337.). A AAE do PBHE é caracterizada por ser uma avaliação ambiental focada em um único setor. Portanto, seus objetivos são previamente definidos pela Diretiva da Água, e, ao final do processo, é proposta a definição de atividades a serem estimuladas ou proibidas em áreas específicas. A AAE do PDLG, por sua vez, tem a característica de ser uma avaliação ambiental espacial. Ela envolve a consideração de diversos interesses setoriais, o que aumenta o número de variáveis para a definição dos critérios de avaliação, culminando em objetivos compartilhados. Ao término do processo, a AAE do PDLG indica políticas municipais prioritárias distribuídas em áreas específicas, a necessidade de aprofundamento de estudos em áreas críticas e ainda possíveis medidas mitigadoras para os níveis de projeto.

De acordo com Ball (2001BALL, J. (2001) Environmental future state visioning: towards a visual and integrative approach to information management for environmental planning. Local Environment, v. 6, n. 3, p. 351-366.), por conta da diversidade dos problemas ambientais, a participação dos atores afetados é fundamental para um modelo efetivo de planejamento e gerenciamento dos recursos naturais. Experiências práticas mostram que as estratégias definidas com os atores afetados geralmente são mais aceitas e apoiadas (CARTER; KREUTZWISER; DE LOË, 2005CARTER, N.; KREUTZWISER, R.D.; DE LOË, R.C. (2005) Closing the circle: linking land use planning and water management at the local level. Land Use Policy, v. 22, n. 2, p. 115-127.).

O modelo escocês adota a contribuição dos atores afetados na forma de participação da sociedade e de autoridades consultivas. Na Irlanda, autoridades consultivas também são formalmente inseridas durante a definição do escopo dos instrumentos de planejamento de uso e ocupação do solo, envolvendo setores de proteção ambiental, patrimônio histórico e de recursos naturais terrestres e marinhos (GONZÁLEZ et al., 2011GONZÁLEZ, A.; GILMER, A.; FOLEY, R.; SWEENEY, J.; FRY, J. (2011) Applying geographic information systems to support strategic environmental assessment: opportunities and limitations in the context of Irish land-use plans. Environmental Impact Assessment Review, v. 31, n. 3, p. 368-381.).

A participação de distintas agências setoriais nos processos de planejamento ajuda a consolidar o gerenciamento ambiental da área, reduzindo o conflito de objetivos. A criação de procedimentos interinstitucionais colaborativos entre setores afetados pode fortalecer a implementação dos planos e programas de ação propostos (CARTER & WHITE, 2012CARTER, J.G. & WHITE, I. (2012) Environmental planning and management in an age of uncertainty: the case of the Water Framework Directive. Journal of Environmental Management, v. 113, p. 228-236.).

Assim como identificado em estudos feitos para a Áustria, antes da adoção ou submissão para aprovação dos instrumentos de planejamento, a Diretiva da AAE orienta que sejam descritos os modos como foram considerados os resultados das AAEs realizadas e dos procedimentos de consulta aos atores afetados (STOEGLEHNER & WEGERER, 2006STOEGLEHNER, G. & WEGERER, G. (2006) The SEA-directive and the SEA-protocol adopted to spatial planning: similarities and differences. Environmental Impact Assessment Review, v. 26, n. 6, p. 586-599.). Esse procedimento favorece o equilíbrio entre as questões ambientais, econômicas e sociais pautado na identificação dos impactos cumulativos e sinérgicos das propostas (CARTER; KREUTZWISER; DE LOË, 2005CARTER, N.; KREUTZWISER, R.D.; DE LOË, R.C. (2005) Closing the circle: linking land use planning and water management at the local level. Land Use Policy, v. 22, n. 2, p. 115-127.).

Estudos realizados na Espanha mostram que a articulação regional e local demanda apoio político e fortalece a importância dos instrumentos de planejamento, a fim de garantir que os recursos hídricos sejam adequadamente considerados durante as decisões de planejamento espacial (GRINDLAY et al., 2011GRINDLAY, A.L.; ZAMORANO, M.; RODRÍGUEZ, M.I.; MOLERO, E.; URREA, M.A. (2011) Implementation of the European Water Framework Directive: integration of hydrological and regional planning at the Segura River Basin, southeast Spain. Land Use Policy, v. 28, n. 1, p. 242-256.). Segundo Fischer et al. (2009FISCHER, T.B.; KIDD, S.; JHA-THAKUR, U.; GAZZOLA, P.; PEEL, D. (2009) Learning through EC directive based SEA in spatial planning? Evidence from the Brunswick Region in Germany. Environmental Impact Assessment Review, v. 29, n. 6, p. 421-428.), a rejeição de determinadas propostas de infraestrutura foi mencionada como consequência dos processos de AAE na Alemanha.

Na Escócia, os atores envolvidos no processo de planejamento de recursos hídricos enfatizaram a necessidade de interação entre o plano de bacia hidrográfica e o plano de desenvolvimento local (BLACKSTOCK et al., 2012BLACKSTOCK, K.L.; WAYLEN, K.A.; DUNGLINSON, J.; MARSHAL, K.M. (2012) Linking process to outcomes: internal and external criteria for a stakeholder involvement in river basin management planning. Ecological Economics, v. 77, p. 113-122.), entretanto o poder de decisão é transferido para o governo central, que fica responsável pela definição de diretrizes que limitam a atuação dos poderes locais de uso e ocupação do solo (PACIONE, 2013PACIONE, M. (2013) Private profit, public interest and land use planning: a conflict interpretation of residential development pressure in Glasgow’s rural-urban fringe. Land Use Policy, v. 32, p. 61-77.). Dessa maneira, o sistema escocês de planejamento de recursos hídricos é criticado pela formatação final do plano de bacia hidrográfica que havia sido construído coletivamente, sob responsabilidade da agência ambiental (BLACKSTOCK et al., 2012BLACKSTOCK, K.L.; WAYLEN, K.A.; DUNGLINSON, J.; MARSHAL, K.M. (2012) Linking process to outcomes: internal and external criteria for a stakeholder involvement in river basin management planning. Ecological Economics, v. 77, p. 113-122.).

Para Counsell e Haughton (2006COUNSELL, D. & HAUGHTON, G. (2006) Sustainable development in regional planning: the search for new tools and renewed legitimacy. Geoforum, v. 37, n. 6, p. 921-931.), os procedimentos de integração de instrumentos de planejamento levam a posturas políticas que resultam em ganhos e perdas. Segundo Grindlay et al. (2011GRINDLAY, A.L.; ZAMORANO, M.; RODRÍGUEZ, M.I.; MOLERO, E.; URREA, M.A. (2011) Implementation of the European Water Framework Directive: integration of hydrological and regional planning at the Segura River Basin, southeast Spain. Land Use Policy, v. 28, n. 1, p. 242-256.), após a Diretiva da Água, a comunidade europeia vivencia um estágio inicial de regulamentação dos recursos hídricos e, consequentemente, de uso e ocupação do solo que delega às agências responsáveis pelos recursos hídricos o gerenciamento e controle das ações exercidas na bacia hidrográfica.

CONCLUSÃO

A articulação das escalas regional e local é fundamental para o sucesso do planejamento de uso e ocupação do solo. Isso porque a escala regional permite antecipar os possíveis problemas (com menor precisão), enquanto a local possibilita maior precisão dos dados. Dessa forma, o planejamento territorial articulado consegue tanto prever (e evitar) degradação dos recursos naturais em tempo hábil, em função da escala regional, quanto obter mais controle das consequências dos planos, em função da escala local.

A Diretiva da AAE, ao exigir a avaliação de impacto ambiental dos planos de uso e ocupação do solo, e a Diretiva da Água, ao estabelecer como meta a melhoria das condições ecológicas de todos os corpos hídricos, proporcionaram uma inovação na atribuição de poderes de controle territorial, subordinando o setor de uso e ocupação do solo local às diretrizes regionais definidas no plano de bacia hidrográfica. A diminuição do poder de decisão dos órgãos locais sobre o uso e a ocupação do solo é balanceada pela criação de momentos de participação da sociedade ao longo do processo de elaboração do plano de bacia hidrográfica; tais momentos são fortalecidos pela aplicação da AAE.

A priorização dos recursos hídricos, a formalização de procedimentos de consulta, a participação da sociedade ao longo do processo de elaboração dos planos e a integração entre os instrumentos de planejamento territorial são características positivas do modelo adotado na Escócia. Todavia, a concentração do poder de decisão no setor de recursos hídricos e a formatação final do plano de bacia hidrográfica pela agência ambiental precisam ser mais bem avaliadas, o que demanda a realização de futuras pesquisas.

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de estudos de doutorado, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento do estágio no exterior, e à Professora Doutora Elsa João, por gentilmente ter me supervisionado na University of Strathclyde (Glasgow, Escócia) e ter me colocado em contato com os profissionais escoceses que participaram das reuniões citadas neste trabalho.

REFERÊNCIAS

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  • Fonte de Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
  • 1
    Regeneration Strategy, ou Estratégia de Regeneração (livre tradução), são diretrizes estabelecidas pelo governo escocês, em 2011, a fim de promover o processo de reversão econômica, física e social destinada a localidades onde as forças de mercado não são suficientes para a promoção da transformação desejada.
  • 2
    Appropriate Assessment, ou Avaliação Detalhada (livre tradução), do plano de bacias hidrográficas da Escócia são dados complementares realizados para corpos hídricos específicos que se localizam em áreas territoriais especialmente protegidas, em conformidade com a Diretiva de Hábitat 92/46/EC.
  • 3
    Strategy Environmental, ou Estratégia Ambiental (livre tradução), é um tipo de sumário executivo da AAE realizado para o plano de bacias hidrográficas da Escócia, com os principais resultados e diretrizes propostas para os meios físico e biótico.
  • 4
    Anexo 8 - Linking other planning process, ou Ligando outros processos de Planejamento (livre tradução), consiste em um guia metodológico com mecanismos-chave para promover a integração entre o plano de bacias hidrográficas com outros planos e processos de planejamento (existentes ou em elaboração) no país. Envolve planos relacionados aos setores de: desenvolvimento espacial, agricultura, gerenciamento costeiro, áreas alagáveis, mudanças climáticas etc.
  • 5
    Anexo 11 - Other key planning process, ou Outros processos-chave de planejamento (livre tradução), são estudos complementares ao anexo 8 que se destinam a demonstrar o atendimento à Diretiva Europeia da Água 2000/60/EC.
  • 6
    Scottish Planning Circular, ou Portaria de Planejamento da Escócia (livre tradução), é um ato legal que altera a legislação sobre o sistema de planejamento espacial na Escócia.
  • 7
    Monitoring Statement, ou Situação do Monitoramento (livre tradução), é um relatório da evolução dos indicadores monitorados.
  • 8
    Main Issues Report, ou Relatório dos Temas Principais (livre tradução), é um documento realizado para destacar os dados relativos aos temas definidos como prioritários no processo de planejamento espacial de localidades específicas. Por exemplo, uma região pode apresentar problemas de alagamento, enquanto outra possui problemas com trânsito etc.
  • 9
    Spatial Strategy Report, ou Relatório de Estratégia Espacial (livre tradução), é um documento específico com as áreas selecionadas para a regeneração e o novo desenvolvimento urbano, a fim de atender a Regeneration Strategy.
  • 10
    Supporting Information, ou Informações de Apoio (livre tradução), constitui um relatório de indicadores detalhados para áreas específicas como as condições das habitações, disponibilidade de infraestrutura, entre outros.
  • 11
    Environmental Report, ou Relatório Ambiental (livre tradução), consiste no conjunto de dados relativos ao meio físico e ao meio biótico.
  • 12
    Supplementary Guindance, ou Diretrizes Suplementares (livre tradução), é um documento que reúne as propostas de ocupação urbana na escala do bairro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Ago 2017
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2015
  • Aceito
    07 Nov 2016
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