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Análise da qualidade sanitária da areia das praias de Santos, litoral do estado de São Paulo

Analysis of sand quality health in Santos beach, coast of São Paulo state

RESUMO:

Em Santos, litoral de São Paulo, a avaliação da qualidade microbiológica da água das praias é realizada pela prefeitura e pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB). Entretanto, a mesma atenção não é direcionada à areia das praias. A areia representa um potencial vetor de contaminação e pode constituir reservatório de microrganismos patogênicos. O objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade microbiológica da areia das praias de Santos, São Paulo. Utilizou-se a técnica das membranas filtrantes para os grupos de coliformes fecais (Escherichia coli ) e enterococos. As amostras foram coletadas em sete pontos das praias de Santos. Os ensaios foram realizados mensalmente durante 8 meses e os resultados, expressos em unidades formadoras de colônias (UFC) de bactérias por 100 g de areia, variaram de 40.000 a 2.700.000 para E. coli e de não detectado a 95.000 para enterococos, encontrando-se acima dos valores orientadores existentes em âmbito nacional (3.800 UFC.100g-1 - Rio de Janeiro) e internacional (100.000 UFC.100g-1 - Portugal). O contato com areia contaminada pode causar diversas doenças, comprometendo a qualidade de vida da população. Torna-se importante a realização de estudos baseados em evidências epidemiológicas de exposição e análises de risco, para se estabelecer padrões de qualidade e políticas públicas para monitoramento e gerenciamento da qualidade sanitária da areia das praias do litoral de São Paulo.

Palavras-chave:
areia de praias; avaliação microbiológica; microbiologia ambiental; Escherichia coli; Enterococcus; saúde pública

ABSTRACT:

In Santos, coast of São Paulo State, the evaluation of the microbiological quality of the beach water is performed weekly by the Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), the environmental agency of the São Paulo state government. However, the same attention is not given to the sand of the beaches. Sand represents a potential contamination vector and may constitute a reservoir of pathogenic microorganisms. This study aimed to evaluate the microbiological quality of sands from Santos beaches throughout the quantification of bacteria colonies from the groups of fecal coliforms (Escherichia coli ) and Enterococcus, using the membrane filter technique. The analyses were executed monthly during 8 months and the results, expressed in bacteria colony forming units (CFU) per 100 grams of sand, vary from 40,000 to 2,700,000 for E. coli and from not detected to 95,000 for Enterococcus, being above the currently guideline values in national (3,800 CFU.100g-1) and international (100,000 CFU.100g-1) levels. It's important to mention that these guideline values were based on results from microbiological analyses of sands collected from beaches that are distant from large urban areas. The contact with contaminated sand may cause diseases, provoking impacts on the population's life quality. There is a need for further studies based on epidemiological evidences of exposure and risk analysis, in order to establish quality standards and public policies aimed to monitoring and managing the sanitary quality of sands from São Paulo's coast beaches.

Keywords:
beach sand; microbiological evaluation; environmental microbiology; Escherichia coli; Enterococcus; public health

INTRODUÇÃO

A Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) está localizada no litoral do estado de São Paulo e contempla nove municípios: Santos, Cubatão, São Vicente, Guarujá, Bertioga, Praia Grande, Peruíbe, Itanhaém e Mongaguá. A RMBS é uma área costeira que abriga importantes e delicados ecossistemas. Praias, costões rochosos, restingas, manguezais e fragmentos florestais remanescentes da Mata Atlântica são alguns exemplos de sua diversidade ecológica.

A cidade de Santos está situada nas bordas das escarpas da Serra do Mar. Detém oito quilômetros de praias e foi registrada no Guinness World Records (2012GUINNESS WORLD RECORDS. 2012 Best Brazilian Guinness World Records . Disponível em: <Disponível em: http://www.guinnessworldrecords.com/news/2012/9/best-brazilian-guinness-world-records-in-honor-of-independence-day-44636 >. Acessado em: 13 abr. 2016.
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) como portadora do jardim frontal de praia de maior extensão do mundo, abrigando 23,5% da população da Baixada Santista (IBGE, 2016IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. (2016) Censo demográfico 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm >. Acesso em: 28 fev. 2016.
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). Além disso, é a cidade mais economicamente atuante e sede do maior complexo portuário da América Latina, o Porto de Santos, que representa grande influência na economia do estado de São Paulo. Outro fator relevante a ser considerado é a característica turística por conta das praias e patrimônios históricos, recebendo visitantes de diversas origens durante todos os períodos do ano, principalmente em épocas de veraneio, quando a população da cidade chega ao ápice. A população residente em 2010 foi contabilizada em 419.400 habitantes (IBGE, 2016IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. (2016) Censo demográfico 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm >. Acesso em: 28 fev. 2016.
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) e a população estimada para o ano de 2015 foi de 433.966 habitantes (IBGE, 2016IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. (2016) Censo demográfico 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm >. Acesso em: 28 fev. 2016.
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), entretanto, nas temporadas de férias e nos feriados prolongados a cidade recebe uma população flutuante calculada em 1,5 milhão de pessoas (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA, 2013ENCYCLOPEDIA BRITANNICA (2013) Santos. Disponível em: <Disponível em: http://escola.britannica.com.br/article/483544/Santos >. Acesso em: 22 mar. 2016.
http://escola.britannica.com.br/article/...
).

O desenvolvimento econômico de Santos, aliado ao aumento populacional e à falta de planejamento urbano, gerou, nas últimas décadas, uma série de aspectos ambientais que, mal geridos, acarretaram em impactos negativos aos elementos bióticos e abióticos dos ecossistemas do município. A poluição das praias por agentes biológicos é uma das principais consequências da urbanização, em decorrência de diversos fatores, como o descarte irregular de efluentes e resíduos sólidos.

De acordo com estudo realizado por Rego (2010REGO, J.C.V. (2010) Qualidade sanitária de água e areia de praias da Baía de Guanabara . Dissertação (Mestrado em Ciências na área da Saúde Pública) - Fundação Oswaldo Cruz, RJ.), a qualidade ambiental das praias tem adquirido importância crescente por razões ambientais e de saúde pública. A condição sanitária das praias foi, durante muito tempo, apenas monitorada pela qualidade de suas águas, apesar da areia representar possível fonte de contágio de microrganismos patogênicos. Praias consideradas impróprias ao banho apresentam, também, areia com qualidade sanitária comprometida, cujo contato direto deve ser evitado (LAMPARELLI; SATO; BRUNI, 2003LAMPARELLI, C.C.; SATO, M.I.Z.; BRUNI, A.C. (2003) A qualidade sanitária das águas das praias e sua correlação com a ocorrência de distúrbios gastrointestinais em banhistas. In: Congresso Brasileiro de Pesquisas Ambientais e Saúde. Santos: COPEC, 2003.). A areia das praias constitui habitat para uma variedade de organismos. Muitos dos microrganismos nela presentes são de origem natural, mas há também os que estão associados às atividades antrópicas, incluindo bactérias, fungos, vermes, protozoários e vírus, que podem ser potencialmente patogênicos. A matriz areia é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um vetor de infecção (PEREIRA et al., 2013PEREIRA, E.; FIGUEIRA, C.; AGUIAR, N.; VASCONCELOS, R.; VASCONCELOS, S.; CALADO, G.; BRANDÃO, J.; PRADA, S. (2013) Microbiological and mycological beach sand quality in a volcanic environment: Madeira archipelago, Portugal.Science of the Total Environment, v. 461-462, p. 469-479.). Muitos estudos foram e continuam sendo desenvolvidos a fim de avaliar a condição sanitária da areia das praias de diversos países e as consequências do contato com areias contaminadas. Conforme os estudos de Heaney et. al (2012HEANEY, C.D.; SAMS, E.; DUFOUR, A.P.; BRENNER, K.P.; HAUGLAND, R.A.; CHERN, E.; WING, S.; MARSHALL, S.; LOVE, D.C.; SERRE, M.; NOBLE, R.; WADE, T.J. (2012) Fecal indicators in sand, sand contact, and risk of enteric illness among beachgoers.Epidemiology, v. 23, n. 1, p. 95-106.), há uma correlação positiva entre atividades em contato com a areia e o surgimento de doenças entéricas, em função da concentração de microrganismos fecais.

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), em sua Resolução 274/200, que define os critérios de balneabilidade em águas brasileiras, no Art. 8º recomenda aos órgãos ambientais a avaliação das condições parasitológicas e microbiológicas da areia, para futuras padronizações (BRASIL, 2001BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. (2001) Resolução CONAMA 274, de 29 de novembro de 2000. Define os critérios de balneabilidade em águas brasileiras. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 25 jan. 2001. Seção 1, n. 18, p. 70-71.). Em âmbito estadual, a Lei nº 14.366, de 15 de março de 2011, inclui no monitoramento das praias a análise periódica da qualidade da areia das praias do litoral, dos rios e represas do estado de São Paulo (BRASIL, 2011aBRASIL. (2011a) Lei nº 14.366, de 15 de março de 2011. Inclui no monitoramento das Praias a análise periódica da qualidade da areia das praias do litoral, dos rios e represas do Estado de São Paulo. Diário Oficial do Estado de São Paulo , São Paulo, SP, 16 mar 2011. Caderno 1, p. 2.). A Resolução CONAMA 357/2005 e sua alteração e complementação realizada pela Resolução CONAMA 430/2011, que dispõe sobre a classificação de corpos d'água e diretrizes ambientais para seu enquadramento, utiliza os coliformes termotolerantes como padrão de qualidade microbiológica, e permite sua substituição pela Escherichia coli (BRASIL, 2005BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. (2005) Resolução CONAMA 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 18 mar 2005. Seção 1, n. 53, p. 58-63.; 2011bBRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. (2011b) Resolução CONAMA 430, de 13 de maio de 2011. Dispõe sobre as condições e padrões de lançamento de efluentes, complementa e altera a Resolução nº 357, de 17 de março de 2005, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Diário Oficial da União , Braília, DF, 16 maio 2011. Seção 1, n. 92, p. 89.). Já a Resolução CONAMA 274/2000 utiliza os enterococos, gênero de bactérias do grupo estreptococos fecais, como padrão de qualidade de águas marinhas, por apresentarem algumas vantagens em relação a outros indicadores de contaminação fecal, como a habilidade de sobreviver por mais tempo na água e em ambientes com maior salinidade e a maior resistência à dessecação e ao cloro (BRASIL, 2001BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. (2001) Resolução CONAMA 274, de 29 de novembro de 2000. Define os critérios de balneabilidade em águas brasileiras. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 25 jan. 2001. Seção 1, n. 18, p. 70-71.).

Recentemente, a prefeitura do Rio de Janeiro, por meio de uma Resolução da Secretaria do Municipal de Meio Ambiente (SMAC nº 468/10SMAC - SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE. (2010) Resolução SMAC nº 468, de 28 de janeiro de 2010. Dispõe sobre a análise e informações das condições das areias das praias no Município do Rio de Janeiro. Diário Oficial do Rio de Janeiro , Rio de Janeiro, RJ, 29 jan. 2010. Ano XXIII, nº 211.) estabeleceu limites máximos para classificação das areias para recreações de contato primário, não recomendando o contato com areias nas quais tenham sido determinadas concentrações superiores a 3.800 unidades formadoras de colônias (UFC) de Escherichia coli por 100 g de areia (SMAC, 2010SMAC - SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE. (2010) Resolução SMAC nº 468, de 28 de janeiro de 2010. Dispõe sobre a análise e informações das condições das areias das praias no Município do Rio de Janeiro. Diário Oficial do Rio de Janeiro , Rio de Janeiro, RJ, 29 jan. 2010. Ano XXIII, nº 211.). A determinação desse valor foi baseada nos resultados das análises realizadas na areia de uma praia considerada limpa e sem influência de urbanização (CETESB, 2013CETESB - COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. (2013) Qualidade das Praias Litorâneas no Estado de São Paulo 2012 . Série Relatórios. São Paulo: CETESB . 189 p. ). Na Europa, onde foram desenvolvidos estudos sobre qualidade microbiológica de areias, também foram propostos padrões, conforme indicado na Tabela 1.

Tabela 1:
Propostas de padrões para qualidade microbiológica das areias.

No estado de São Paulo ainda não há propostas vigentes de padrões para qualidade microbiológica das areias. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) realizou, nas últimas décadas, alguns estudos das areias de praias do litoral paulista, e detectou a presença de indicadores de contaminação fecal. Na cidade de Santos foi analisada somente a praia do Boqueirão. No Relatório de Qualidade das praias litorâneas no estado de São Paulo, a CETESB concluiu que o ano de 2012 se diferenciou significativamente de 2011 para as concentrações de enterococos, apresentando quantidades superiores às observadas no ano anterior (CETESB, 2013CETESB - COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. (2013) Qualidade das Praias Litorâneas no Estado de São Paulo 2012 . Série Relatórios. São Paulo: CETESB . 189 p. ).

Dados atualizados referentes às praias da cidade de Santos ainda são insuficientes para gerar informações sobre a realidade da condição microbiológica da areia de suas praias. A CETESB reconhece a importância das avaliações que permitam compreender a evolução da qualidade das areias das praias e sua utilidade nas medidas de proteção à saúde coletiva, sendo, assim, importantes ferramentas de gestão para a orla. O presente estudo teve como finalidade avaliar a qualidade sanitária de amostras de areia das praias de Santos por meio da determinação do número de UFC de bactérias específicas dos grupos coliformes termotolerantes (E. coli ) e estreptococos fecais (enterococos) em 100 g de areia, gerando dados que possam subsidiar futuras pesquisas e estudos relacionados à qualidade sanitária de areias para recreação de contato primário.

METODOLOGIA

Área de estudo

Os pontos de amostragem estavam localizados nas áreas de recreação distribuidas pela praia. Fezes de animais como cães, ratos e pombos constituem fonte de contaminação, pois contém quantidades significativas de microrganismos que podem apresentar patogenicidade. Os pontos analisados ficam próximos às calçadas, chuveirinhos, sanitários e recipientes coletores de lixo.

De acordo com o relatório de balneabilidade da CETESB (2013CETESB - COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. (2013) Qualidade das Praias Litorâneas no Estado de São Paulo 2012 . Série Relatórios. São Paulo: CETESB . 189 p. ), a areia, diferentemente da água, é um meio que não sofre homogeneização constante, portanto, pode apresentar mosaicos de contaminação. Visando obter resultados de melhor representatividade espacial, adotou-se o método de amostragem composta. A amostra composta consiste de várias amostras obtidas de pontos, profundidades e distâncias diferentes. Essas parcelas são misturadas para formar uma mistura homogênea. Em cada um dos 7 pontos de análise, foram coletados aproximadamente 50 g de 5 pontos equidistantes em uma área de 2,25 m² da faixa delimitada de areia, totalizando 250 g por área de amostragem. As amostras arenosas foram armazenadas em frascos coletores estéreis e transportadas em material isotérmico (bolsa térmica) contendo termogel, à temperatura de 2º a 8ºC, e mantidas sob refrigeração até o início das análises. A Figura 1 exibe a localização espacial dos sete pontos, e a Tabela 2 relaciona seus detalhes e coordenadas geográficas.

Figura 1:
Orla da praia de Santos com marcação dos pontos de amostragem.

Tabela 2:
Localização dos pontos de coleta.

Determinação do número de unidades formadoras de colônias de bactérias

O ensaio para avaliação da concentração de E. coli e enterococos foi realizado com base nas Normas Técnicas CETESB L5.230/2012 e L5.212/2012, respectivamente (CETESB 2012aCETESB - COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. (2012a) Norma L5.230. Escherichia coli - Determinação pela técnica de membrana filtrante: método de ensaio . São Paulo: CETESB.; 2012bCETESB - COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. (2012b) Norma L5.212. Enterococos - Determinação pela técnica de membrana filtrante: método de ensaio São Paulo: CETESB.). O processamento das amostras foi realizado em laboratório, sobre bancada esterilizada com álcool 70%, utilizando materiais e instrumentos devidamente esterilizados. Todo o procedimento foi realizado no perímetro alcançado pelo bico de Bunsen, mantendo-se em condições de assepsia.

Para que a filtração fosse efetuada, necessitou-se transferir o material biológico contido na areia para o meio líquido por meio de extração. Foram pesados e distribuídos 10 g de cada amostra, em 7 Erlenmeyers contendo barras magnéticas de agitação e 100 mL de água de diluição, composta por dihidrogenofosfato de potássio (KH2PO4), cloreto de magnésio hexahidratado (MgCl2.6H2O) e água purificada, previamente autoclavados e identificados conforme numeração do ponto de análise. A mistura foi submetida à agitação com agitadores magnéticos durante 15 minutos, para lavagem eficiente da areia. Após a extração, cada mistura contida nos Erlenmeyers foi filtrada com gazes e peneiras esterilizadas, para que o excesso de partículas suspensas fosse eliminado da solução. Em condições de assepsia, alíquotas de 10 mL dos líquidos filtrados foram transferidas para frascos contendo 90 ± 2 mL de água de diluição estéril. Para quantificação de E. coli , foram feitas diluições a fim de viabilizar a contagem das colônias que se desenvolveram. A solução contendo o material biológico foi diluída, de acordo com a necessidade, em água de diluição preparada conforme as especificações das Normas Técnicas da CETESB.

Após a montagem dos ensaios com as diluições, foi iniciado o processo de filtração a vácuo através de membranas filtrantes com porosidade de 0,45 µm, que retém as bactérias em sua superfície. A filtração foi feita com a utilização de bomba de vácuo, frasco Kitasato para o armazenamento do material a ser descartado, funil de Buchner e porta-filtro. Todo material foi processado e manuseado em torno do Bico de Bunsen, para minimizar riscos de contaminação. Volumes de 100 mL das diluições da mistura foram filtrados. No intervalo de cada filtração foi feita a higienização do filtro com tríplice lavagem, usando água de diluição e água destilada esterilizada. As membranas filtrantes contendo os microrganismos foram delicadamente transferidas, dentro do raio de alcance do bico de Bunsen, para placas de Petri contendo os meios de cultura Agar Biochrome Coliform para quantificação de E. coli e Ágar mEI para a quantificação dos enterococos, de acordo com as referidas normas técnicas da CETESB. Após a filtração, as placas de Petri contendo os meios de cultura e as membranas foram depositadas em incubadoras bacteriológicas, por um período de 24 ± 2 h, a 35º ± 2ºC para E. coli e 41º ± 0,5ºC para enterococos.

Após 24 horas, as placas foram retiradas das incubadoras. Contou-se visualmente o número de colônias que se desenvolveram nas placas, e o número de UFC foi determinado por meio de cálculos referentes a cada diluição.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados foram avaliados a partir do cálculo de UFC de coliformes e estreptococos em 100 g de areia (UFC.100g-1), considerando as diluições efetuadas. A Tabela 3 apresenta os resultados obtidos.

Tabela 3:
Resultados dos ensaios microbiológicos (103 UFC.100g-1).

Os ensaios foram iniciados no mês de julho de 2013, sendo o último realizado em fevereiro de 2014. Os resultados variaram de 40.000 a 2.700.000 UFC.100g-1 para E. coli e de não detectado (N.D.) a 95.000 UFC.100g-1 para enterococos. A Figura 2 apresenta a concentração média de E. coli de todos os meses para cada ponto amostral.

Figura 2:
Concentração média dos meses para cada ponto.

Os dados, para ambos os microrganismos estudados, indicam que existem variações da quantidade de indicadores de contaminação fecal de acordo com os meses do ano, sem um padrão estabelecido. Entretanto, foi evidenciada maior frequência de contaminação por E. coli nos pontos 1 (José Menino), 4 (Boqueirão) e 7 (Ponta da Praia).

Para E. coli , os números encontram-se, em geral, acima dos padrões propostos em outras regiões, tanto em âmbito nacional (3.800 UFC.100g-1 - Rio de Janeiro) quanto internacional (100.000 UFC.100g-1 - Portugal). Vale ressaltar que esses valores orientadores foram baseados em resultados de análises microbiológicas oriundas de areia de praias distantes de grandes centros e que, apesar dessas propostas, não existe um padrão que tenha sido baseado em estudos epidemiológicos ou avaliação do risco microbiológico para a segura exposição dos banhistas, portanto, segundo a CETESB (2013CETESB - COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. (2013) Qualidade das Praias Litorâneas no Estado de São Paulo 2012 . Série Relatórios. São Paulo: CETESB . 189 p. ), a classificação da areia de uma praia como apropriada ou não para o uso torna-se bastante complicada. Para enterococos não foram encontrados, no período de realização do presente estudo, padrões que possam servir de comparação ou referência.

As concentrações de bactérias na areia e na água das praias divergem muito entre si. O estudo realizado por Pinto, Pereira e Oliveira (2012PINTO, A.B.; PEREIRA, C.R.; OLIVEIRA, A.J.F.C. (2012) Densidade de Enterococcus sp em águas recreacionais e areias de praias do município de São Vicente-SP, Brasil e sua relação com parâmetros abióticos. O Mundo da Saúde, v. 36, n. 4, p. 587-593.), no município de São Vicente, São Paulo, mostrou que houve diferenças significativas entre as densidades de bactérias encontradas na água e na areia, sendo que altas densidades foram determinadas tanto em areia seca quanto úmida. Nesse mesmo estudo, o valor máximo para enterococos obtido foi de 15.600 UFC.mL-1, em areia seca da Praia do Gonzaguinha.

No estudo de Bonilla et al. (2007BONILLA, T.D.; NOWOSIELSKI, K.; CUVELIER M.; HARTZ, A.; GREEN, M.; ESIOBU, N.; MCCORQUODALE, D.S.; FLEISHER, J.M.; ROGERSON, A. (2007) Prevalence and distribution of fecal indicator organisms in South Florida beach sand and preliminary assessment of health effects associated with beach sand exposure. Marine Pollution Bulletin v. 54, n. 9, p. 1472-1482.), níveis de enterococos, coliformes fecais e E. coli foram consistentemente mais concentrados na areia das praias comparada à água do mar, em três praias do sul da Flórida, Estados Unidos. A densidade de bactérias encontrada nas areias foi 2 a 23 vezes maior do que na coluna d'água.

Estudos conduzidos por Halliday e Gast (2011HALLIDAY, E. & GAST, R.J. (2011) Bacteria in beach sands: an emerging challenge in protecting coastal water quality and bather health. Enviromental Science and Technology, v. 45, n. 2, p. 370-379.), nos Estados Unidos, geraram resultados da ordem de 2.429.000 UFC/100 g para enterococos em praias do sul da Flórida, em amostras de areia seca. Em análises de areia seca realizadas por Pinto (2010PINTO, K.C. (2010)Avaliação sanitária das águas e areias de praias da Baixada Santista, São Paulo. Dissertação (Mestrado em Saúde Ambiental) - Universidade de São Paulo, São Paulo.), na Praia do Boqueirão, Santos, foi encontrado o número máximo de 330.000 NMP.100g-1 (número mais provável por 100 g de areia) para E. coli e 33.000 NMP.100g-1 para enterococos.

Os diferentes métodos de análise produzem resultados em unidades distintas, dificultando a comparação. Todos os realizados apontam para a necessidade de monitoramento da qualidade sanitária da areia das praias, a fim de gerar dados e subsídios que possam servir de alicerce para futuras padronizações, visando proteger a saúde pública e preservar o meio ambiente.

A Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, nos Artigos 461 (XIII) e 472 (II), estabelece a garantia de limpeza e qualidade da areia das praias, bem como amplo acesso às informações sobre fontes, causas e níveis de poluição, além da presença de substâncias potencialmente danosas à saúde (RIO DE JANEIRO, 2010RIO DE JANEIRO. (2010) Lei Orgânica do Município . 2. ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos da Procuradoria-Geral do Município.). Nesse sentido, a garantia da qualidade da areia das praias deveria ser inserida na Lei Orgânica do Município de Santos, uma vez que a mesma garante a preservação das praias, mas não estabelece de forma explícita o controle sanitário da areia.

O contato com areia contaminada pode causar doenças como infecções intestinais, verminoses, doenças de pele, infecções da unha e do couro cabeludo e alergias respiratórias, provocando impactos na qualidade de vida da população. Ações de saneamento e programas educacionais terão influência direta na melhoria da qualidade sanitária da areia das praias.

CONCLUSÕES

As concentrações de coliformes fecais e enterorocos nas amostras de areia analisadas apresentaram-se, em média, acima dos padrões propostos mundialmente e nacionalmente. A legislação estadual vigente, por meio da Lei nº 14.366, prevê no monitoramento das praias do estado de São Paulo a análise periódica da areia, entretanto, não propõe padrões de qualidade que assegurem a inocuidade do contato com a areia.

Diante da lacuna existente na legislação do estado de São Paulo, é de fundamental importância a realização de mais estudos que possibilitem o estabelecimento de parâmetros legais. Uma vez determinada a contaminação microbiológica da areia das praias de Santos, existe a necessidade de estudos baseados em evidências epidemiológicas de exposição e análises de risco microbiológico, a fim de se estabelecer padrões de qualidade e políticas públicas para monitoramento e controle da qualidade sanitária da areia das praias do litoral de São Paulo.

REFERÊNCIAS

  • BONILLA, T.D.; NOWOSIELSKI, K.; CUVELIER M.; HARTZ, A.; GREEN, M.; ESIOBU, N.; MCCORQUODALE, D.S.; FLEISHER, J.M.; ROGERSON, A. (2007) Prevalence and distribution of fecal indicator organisms in South Florida beach sand and preliminary assessment of health effects associated with beach sand exposure. Marine Pollution Bulletin v. 54, n. 9, p. 1472-1482.
  • BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. (2001) Resolução CONAMA 274, de 29 de novembro de 2000. Define os critérios de balneabilidade em águas brasileiras. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 25 jan. 2001. Seção 1, n. 18, p. 70-71.
  • BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. (2005) Resolução CONAMA 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 18 mar 2005. Seção 1, n. 53, p. 58-63.
  • BRASIL. (2011a) Lei nº 14.366, de 15 de março de 2011. Inclui no monitoramento das Praias a análise periódica da qualidade da areia das praias do litoral, dos rios e represas do Estado de São Paulo. Diário Oficial do Estado de São Paulo , São Paulo, SP, 16 mar 2011. Caderno 1, p. 2.
  • BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. (2011b) Resolução CONAMA 430, de 13 de maio de 2011. Dispõe sobre as condições e padrões de lançamento de efluentes, complementa e altera a Resolução nº 357, de 17 de março de 2005, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Diário Oficial da União , Braília, DF, 16 maio 2011. Seção 1, n. 92, p. 89.
  • CETESB - COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. (2012a) Norma L5.230. Escherichia coli - Determinação pela técnica de membrana filtrante: método de ensaio . São Paulo: CETESB.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jun 2016
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2015
  • Aceito
    23 Mar 2016
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