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Experiências brasileiras com wetlands construídos aplicados ao tratamento de águas residuárias: parâmetros de projeto para sistemas horizontais

Brazilian experiences with constructed wetlands applied to wastewater treatment: design parameters for horizontal systems

Resumos

A utilização no Brasil de sistemas tipo wetlands construídos no tratamento de águas residuárias iniciou no ano de 1980, intensificando-se a partir do ano 2000. O objetivo deste trabalho é apresentar um estado da arte da aplicação no Brasil dos wetlands construídos de escoamento subsuperficial de fluxo horizontal (WCFH), identificando parâmetros de projeto e dados operacionais. Aborda-se, inicialmente, uma classificação para os wetlands construídos, seguido dos parâmetros de projeto e operação dos WCFH, destacando os diferentes critérios de dimensionamento, tais como os modelos oriundos da cinética de primeira ordem aplicável aos reatores tipo pistão, a relação de área per capita, o carregamento orgânico superficial e a taxa hidráulica, bem como a composição das unidades de tratamento e as macrófitas empregadas.

wetlands construídos; tratamento secundário; escoamento horizontal; parâmetros operacionais


The implementation of constructed wetlands for wastewater treatment in Brazil has started in the eighties, being intensified since the year 2000. The aim of this study is to present the state of art of implementation of horizontal sub-superficial flow constructed wetlands (HFCW) in Brazil, focusing on the identification of design parameters and operational data. Initially a classification for constructed wetlands is given, followed by design parameters and operational conditions for HFCW, highlighting different project criteria, e.g. models from first order kinetics for tubular piston reactors, the relation of superficial area per person, the organic superficial loading and the hydraulic loading, as well as the composition of units and macrophytes utilised.

constructed wetlands; secondary treatment; horizontal flow; operational parameters


INTRODUÇÃO

A tecnologia de tratamento de águas residuárias, conhecida como sistemas wetlands construídos, foi inicialmente empregada na Alemanha por Käthe Seidel do Instituto Max Planck em meados de 1950, para a remoção de fenol e na redução da carga orgânica de efluente de laticínio (KADLEC & KNIGHT, 1996KADLEC, R.H. & KNIGHT, R.L. (1996). Treatment Wetlands. Florida: Lewis Publishers. 893 p.). No Brasil, as primeiras experiências com a utilização dos wetlands na melhoria da qualidade das águas e no controle da poluição foram conduzidas no início de 1980 pelos pesquisadores Salati e Rodrigues (SALATI JR.; SALATI; SALATI, 1999SALATI JR., E.; SALATI, E.; SALATI, E. (1999). Wetlands projects developed in Brazil. Water Science and Technology, v. 40, n. 3, p. 19-25.). Nos anos 1990 ampliaram-se as experiências com wetlands construídos. Conte et al. (1992)CONTE, M.L.; LEOPOLDO, P.R.; ZUCCARI, M.L.; DAMASCENO, S. (1992). Tratamento de águas servidas no meio rural através do processo fito-pedológico: resultados preliminares. In: 16º Congresso Brasileiro de Engenharia Agrícola, Anais. Santa Maria: SBEA. p. 1018-1029. aplicaram a tecnologia por eles definida como processo fitopedológico no tratamento de águas residuárias no meio rural. Amorim, Leopoldo e Conte (1997)AMORIM, R.F.C.; LEOPOLDO, P.R.; CONTE, M.L. (1997). Sistemas de tratamento de esgotos Domésticos utilizando taboa. In: VI Congresso Brasileiro de Limnologia, Anais... São Carlos: CBL. 9 p. publicaram um estudo citando a utilização da taboa (Typha spp) para o tratamento de esgotos domésticos. Roston e Mansor (1999)ROSTON, D.M. & MANSOR, M.T.C. (1999). Tratamento de esgoto por sistemas de leitos cultivados de vazão sub-superficial: avalição da remoção de nitrogênio. In: 20º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental. Rio de Janeiro: ABES. CD-ROM. estudaram quatro módulos experimentais de escoamento horizontal plantados com macrófitas Typha spp e Eleocharis fistulosa, tratando efluente com características domésticas pós lagoa de estabilização. Philippi, Costa e Sezerino (1999) PHILIPPI, L.S.; COSTA, R.H.R.; SEZERINO, P.H. (1999). Domestic effluent treatment through integrated system of septic tank and root zone. Water Science and Technology, v. 40, n. 3, p. 125-131. apresentaram o desempenho de tratamento de um sistema zona de raízes (com área superficial de 450 m2) pós tanque séptico, implantado em 1994 na cidade de Agronômica, Santa Catarina. Essa unidade zona de raízes se manteve em operação contínua, sendo que o desempenho do sistema de tratamento em termos de remoção de material carbonáceo aumentou significativamente ao longo de mais de 10 anos de uso, passando de 71 e 69% de remoção de demanda química de oxigênio (DQO) e demanda bioquímica de oxigênio (DBO), respectivamente, para cerca de 98% de remoção para ambos os parâmetros (PHILIPPI et al., 2006).

Contudo, as experiências brasileiras se intensificaram a partir do ano 2000, com aplicações de sistemas wetlands construídos para o tratamento de diferentes águas residuárias, distribuídas ao longo de todo o território nacional, sob diferentes formas e arranjos, com diferentes materiais filtrantes e macrófitas empregadas. Dentro desse contexto, o objetivo deste trabalho é apresentar um estado da arte da aplicação no Brasil dos wetlands construídos de escoamento subsuperficial de fluxo horizontal, identificando parâmetros de projeto e dados operacionais.

Classificação dos wetlands construídos

A Figura 1 apresenta uma classificação dos wetlands construídos em dois grandes grupos, quais sejam:

Figura 1.
Classificação dos wetlands construídos (adaptado de VYMAZAL & KROEPFELOVÁ, 2008). Em destaque o tipo de wetland utilizado neste estudo.

  1. de escoamento superficial;

  2. de escoamento subsuperficial.

Destaca-se neste estudo o escoamento subsuperficial horizontal.

Dada a diversidade de combinações aplicáveis aos wetlands construídos, não há ainda no Brasil uma tendência de padronização de uso, tampouco de nomenclatura, sendo possível encontrar na literatura diversas denominações, tais como: zona de raízes, filtros plantados com macrófitas, sistemas alagados construídos, leitos cultivados, banhados construídos, biofiltros com macrófitas, entre outros.

Nos wetlands construídos de escoamento subsuperficial de fluxo horizontal (WCFH), o efluente a ser tratado é disposto na porção inicial do leito, denominada zona de entrada, geralmente composta por brita, de onde irá percolar vagarosamente através do material filtrante até atingir a porção final, também composta por brita e chamada de zona de saída. Essa percolação tende a seguir na horizontal e é impulsionada por uma declividade de fundo (Figura 2).

Figura 2.
Representação em profundidade do wetland construído de escoamento subsuperficial de fluxo horizontal

Durante a percolação do afluente no WCFH, o esgoto entrará em contato com regiões aeróbias, anóxicas e anaeróbias. A camada aeróbia é mais evidente ao redor das raízes das macrófitas, pois estas tendem a transportar oxigênio da parte aérea para as raízes e, sobretudo, ocorre nessa porção do leito filtrante uma significativa convecção e difusão de oxigênio atmosférico. Quando da passagem do efluente na rizosfera, ocorre uma depuração através de processos físicos e químicos e, mais efetivamente, devido à degradação microbiológica (COOPER et al., 1996COOPER, P.F.; JOB, G.D.; GREEN, M.B.; SHUTES, R.B.E. (1996). Reed Beds and Constructed Wetlands for Wastewater Treatment. Swindon: WRc plc. 184 p .; BRIX, 1997BRIX, H. (1997). Do macrophytes play a role in constructed treatment wetlands?. Water Science and Techlogogy, v. 35, n. 5, p. 11-17.).

Parâmetros de projeto e composição dos wetlands construídos de escoamento subsuperficial de fluxo horizontal

Grande parte dos trabalhos desenvolvidos no Brasil aplica WCFH como etapa de tratamento secundário empregado no pós-tratamento de decanto-digestores tipo tanque séptico, reator anaeróbio compartimentado, reatores upflow anaerobic sludge blanket (UASB) ou lagoas anaeróbias.

Os diferentes elementos atuantes no processo de tratamento no WCFH, tais como os critérios de dimensionamento e operação (carga orgânica, taxa hidráulica, regime de alimentação, entre outros), a configuração do wetland, a composição do material filtrante e as macrófitas empregadas possuem particularidades vinculadas à localidade do estudo e/ou aplicação da unidade de tratamento. Nota-se uma variabilidade significativa nos dados de dimensionamento e operação, assim como da composição do material filtrante, dificultando, portanto, uma análise comparativa e uma tendência de padronização.

A remoção de nutrientes nitrogênio e fósforo não é considerada, na maioria das vezes, como critério de projeto, mas sim a remoção da matéria orgânica carbonácea expressa em termos de DBO5. Destaca-se na literatura uma ampla faixa de remoção de nitrogênio e fósforo nos WCFH, relacionáveis ao ciclo vegetativo das plantas e às variações climáticas (CALIJURI et al., 2009CALIJURI, M.L.; BASTOS, R.K.X.; MAGALHÃES, T.B.; CAPELETE, B.C.; DIAS, E.H.O. (2009). Tratamento de esgotos sanitários em sistemas reatores UASB/wetlands construídas de fluxo horizontal: eficiência e estabilidade de remoção de matéria orgânica, sólidos, nutrientes e coliformes. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 14, n. 3, p. 421-430.). Em relação ao fósforo, mais especificamente, encontra-se nos WCFH uma queda de rendimento ao longo dos anos de operação (SOUZA; VAN HAANDEL; LIMA, 2004SOUZA, J.T.; VAN HAANDEL, A.; LIMA, E.P.C. (2004). Use of constructed wetland for the post-treatment of domestic sewage anaerobic effluent from UASB reactor. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 9, n. 4, p. 285-290.).

Critérios de dimensionamento para wetlands construídos de escoamento subsuperficial de fluxo horizontal

Três diferentes formas são mais comumente empregadas para o dimensionamento de WCFH, quais sejam:

  1. modelo oriundo da cinética de primeira ordem aplicada a reatores pistão;

  2. relação área per capita;

  3. carregamento orgânico superficial e taxa hidráulica.

Modelos oriundos da cinética de primeira ordem aplicável aos reatores tipo pistão

São os mais amplamente utilizados para prever a área superficial necessária para a promoção do tratamento secundário, conforme a Equação 1 (CONLEY; DICK; LIOW, 1991CONLEY, L.M.; DICK, R.I.; LIOW, L.W. (1991). An assessment of the root zone method of wastewater treatment. Research Journal of the Water Pollution Control Federation, v. 63, n. 3, p. 239-247.).

onde:

Ce = concentração efluente em termos de DBO5 (mg.L-1)

Co = concentração afluente em termos de DBO5 (mg.L-1)

KT = constante de reação da cinética de primeira ordem, dependente da temperatura T (d-1)

t = tempo de retenção hidráulico (d)

O tempo de retenção hidráulico na Equação 1 é função da porosidade do maciço filtrante, do volume do filtro e da vazão que se deseja tratar (Equação 2).

onde:

t = tempo de retenção hidráulico (d)

n = porosidade do material filtrante (m3 vazios.m-3 material)

V = volume do filtro (m3)

Q = vazão a tratar (m3.d-1)

A constante KT, destacada na Equação 1, pode ser obtida através de equações empíricas que relacionam a constante de reação a 20oC (K20) com a equação modificada de van't Hoff-Arrhenius (Equação 3) (WATER POLLUTION CONTROL FEDERATION, 1990WATER POLLUTION CONTROL FEDERATION. (1990). Natural System For Wastewater Treatment. Manual of Practice FD-16. Washington: WPCF.).

onde:

KT = constante de reação da cinética de primeira ordem, dependente da temperatura T (d-1)

K20 = constante de reação a 20oC (d-1)

T = temperatura crítica (ºC)

Grandezas para K20 variando de 0,21 a 2,92 d-1 foram reportadas (CONLEY; DICK; LIOW, 1991). Reed, Middlebrooks e Crites (1988)REED, S.C.; MIDDLEBROOKS, E.J.; CRITES, R.W. (1988). Natural systems for waste management and treatment. New York: McGraw-Hill. destacam em seus estudos uma faixa de aplicação para KT variando de 0,8 a 1,1 d-1. Conley, Dick e Liow (1991) argumentam que mais de dez sistemas tipo root zone empregados na Europa utilizaram valores para K20 em média de 0,70±0,23 d-1.

Tem-se, então, a possibilidade de estimar a área superficial requerida para o WCFH (Equação 4), trabalhando-se com as Equações 1a 3.

onde:

A = área superficial requerida (m2)

Q = vazão afluente (m3.d-1)

Co = concentração afluente em termos de DBO5 (mg.L-1 = g.m-3)

Ce = concentração efluente em termos de DBO5 (mg.L-1 = g.m-3)

KT = obtida pela Equação 3 (d-1)

n = porosidade do material filtrante (m3 vazios.m-3 material)

p = profundidade média do filtro (m)

Infere-se, através da Equação 4, que quanto maior a área superficial do WCFH, menor será a constante de reação (KT), pois a carga orgânica aplicada (g.m-2.d-1) será menor. Dos diferentes trabalhos brasileiros publicados até o ano de 2011, poucos apresentam os valores de constante de reação (KT), em termos de matéria carbonácea, destacando-se os valores obtidos por Sezerino (2006), Olijnyk et al. (2007)OLIJNYK, D.P. (2008). Avaliação da nitrificação e desnitrificação de esgoto doméstico empregando filtros plantados com macrófitas (Wetlands) de fluxos vertical e horizontal - sistemas híbridos. Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. e Dias et al. (2011)DIAS, E.H.O.; MAGALHÃES, T.B.; CALIJURI, M.L.; BASTOS, R.K.X. (2011). Coeficientes de remoção de parâmetros químicos em wetlands construídas em escala piloto. In: 26° Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental. Porto Alegre: ABES. PEN-DRIVE., visualizados na Tabela 1. Recentemente, Costa et al. (2013) obtiveram, após 4 anos de monitoramento, uma constante de decaimento expressa em termos de DQO de 0,81 d-1 para WCFH (área superficial de 72,30 m2 e plantado com Typha latifolia), empregado no tratamento de esgoto sanitário pós reator UASB, cujas eficiências médias de remoção no wetland foram de 70% para DBO e 72% para DQO.

Tabela 1.
Constantes de degradação (K20) em wetlands construídos de fluxo horizontal.

Relação área per capita

A relação m2.pessoa-1 é empregada no dimensionamento expedito e, em muitos casos, como único critério de dimensionamento, notadamente para unidades residenciais unifamiliares. Para afluentes com características de esgoto doméstico e/ou sanitário, faixas de aplicação encontram-se variando de 1 a 5 m2.pessoa-1 quando os WCFH são empregados como tratamento secundário precedidos, na maioria dos casos, de decanto-digestores (PHILIPPI & SEZERINO, 2004).

Para diferentes características de águas residuárias afluentes aos WCFH, percebe-se uma ampla faixa de valores para a relação área per capita, dificultando, assim, o estabelecimento de uma relação de dimensionamento relacionada ao parâmetro m2.pessoa-1. A Tabela 2 apresenta faixas de valores da relação área per capita empregadas em WCFH implantados no Brasil, considerando as diferentes águas residuárias afluentes.

Tabela 2.
Faixa de valores extremos da relação área per capita em wetlands construídos de fluxo horizontal reportados na literatura brasileira, considerando-se como limite o ano de 2011.

Carregamento orgânico superficial e taxa hidráulica

Outro critério de dimensionamento utilizado é a relação de cargas orgânicas e taxas hidráulicas afluentes aos WCFH. A partir dessas relações empíricas, pode-se estimar a área superficial requerida do filtro.

A maioria dos valores encontrados na literatura nacional reportam o carregamento orgânico em termos de DBO e DQO, com uma grande faixa de amplitude, variando de 2,08 gDBO.m-2.d-1 (CALIJURI et al., 2009) a 66 gDBO.m-2.d-1 (OLIJNYK et al., 2007) e de 5 gDQO.m-2.d-1 (OLIJNYK, 2008) a 909,2 gDQO.m-2.d-1 (FIA et al., 2008FIA, R.; MATOS, A.T.; SCHUERY, F.C.; TEODORO, P.E.P.; LUIZ, F.A.R. (2008). Uso de sistemas alagados construídos no tratamento das águas residuárias do processamento dos frutos do cafeeiro. In: XXXI Congreso Interamericano AIDIS. Santiago: AIDIS.). Há, também, carregamento orgânico expresso em termos de sólidos em suspensão (SS), com faixa variando entre 1,9 gSS.m-2.d-1 (OLIJNYK, 2008) a 41 gSS.m-2.d-1 (OLIJNYK et al., 2007). Em termos de taxa hidráulica superficial, a faixa de aplicação varia entre 19 L.m-2.d-1 (MEIRA et al., 2001MEIRA, C.M.B.S.; CEBALLOS, B.S.O.; SOUZA, J.T.; KONIG. A. (2001). Wetlands vegetados no polimento de águas superficiais poluídas - primeiros resultados. In: 21° Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental. João Pessoa: ABES. CD-ROM.) a 720 L.m-2.d-1 (CASSINI et al., 2010CASSINI, S.T.; AVELAR, J.C.; GONÇALVES, R.F.; PINOTTI, L.M.; KELLER, R. (2010). Evaluation of steel slag as filter bed of constructed wetland in post treatment of Anaerobic Baffled Reactor treating wastewater. In: 12th International Conference on Wetland Systems for Water Pollution Control. Venice: IWA, v. 1, p. 219-226.).

Cabe ressaltar que esse carregamento orgânico se refere à área superficial do WCFH. Contudo, quando se avalia o carregamento em relação à área transversal ao fluxo, tem-se valores bem mais elevados, o que remete diretamente à colmatação da porção inicial do filtro. Sezerino (2006) reporta a ocorrência de colmatação em WCFH com material filtrante composto por areia (d10 = 0,20 mm; U = 4,9) após 16 meses de operação, quando da aplicação contínua de uma carga de 52 gSS.m-2 seção transversal.d-1. O estudo recomenda, ainda, uma carga transversal aplicada de no máximo 16 gSS.m-2 seção transversal.d-1, para a manutenção de remoções superiores a 65 e 80% para DQO e SS, respectivamente.

Composição dos wetlands construídos de escoamento subsuperficial de fluxo horizontal

Dentre os diferentes elementos que compõem os wetlands construídos, destacam-se: a área superficial empregada, o material filtrante, as macrófitas utilizadas, o tempo de retenção hidráulico (t) e o período de avaliação do desempenho de tratamento.

Em relação à área superficial empregada, os trabalhos publicados no Brasil apresentam uma grande variação de valores, com estudos em WCFH de escala de bancada, cuja área é de 0,41 m2, até sistemas em escala de campo com 450 m2. Em relação à profundidade e à geometria são adotados, na grande maioria dos estudos, valores máximos de 1,50 m de profundidade e uma geometria retangular, com comprimento bem superior à largura, a fim de promover uma tendência de escoamento tal qual fluxo pistão. Como exemplo dessa relação comprimento versus largura, destaca-se o estudo de da Costa et al. (2013), os quais empregaram uma relação igual a 8 (comprimento de 24,10 m e largura de 3,0 m). A brita e a areia se tornam os materiais filtrantes mais comuns nas experiências brasileiras, o tempo de retenção hidráulico (t) varia entre 0,5 e 12,3 dias e as espécies de macrófitas do gênero Typha são as mais empregadas (Figura 3).

Figura 3.
Variação na composição dos wetlands construídos de fluxo horizontal (WCFH) de acordo com estudos publicados no Brasil até o ano de 2011. Gráficos cujo somatório das porcentagens excede 100% se referem à utilização de variantes para o elemento avaliado, relatados em um mesmo estudo.

Macrófitas empregadas nos wetlands construídos de escoamento subsuperficial de fluxo horizontal

Diversas macrófitas são empregadas nos wetlands construídos. A escolha da macrófita está relacionada à tolerância da planta quanto a ambientes saturados de água e/ou esgoto, seu potencial de crescimento e a presença dessas plantas nas áreas onde o sistema de tratamento será implantado, pois assim as macrófitas estarão adaptadas às condições climáticas locais.

A penetração das raízes das macrófitas no material filtrante dos wetlands também é um parâmetro de relevância quando de sua aplicação no tratamento de efluentes, pois essa mobilidade promove boas condições para o processo físico de filtração, aumenta a área disponível para a aderência de microrganismos e aumenta a aeração da rizosfera (BRIX, 1997).

Dentre 42 trabalhos brasileiros publicados entre os anos de 1998 e 2011, a Typha spp se destaca como sendo a macrófita mais empregada, seguida de Eleocharis spp e Zizaniopsis spp (Figura 4).

Figura 4.
Plantas mais utilizadas em wetlands construídos de fluxo horizontal no Brasil. O somatório das porcentagens excede 100% devido à utilização de duas ou mais macrófitas em um mesmo estudo.

O plantio propriamente dito não segue uma regra geral, porém, recomenda-se a troca constante de indivíduos que não vingaram após o processo de transplante do ambiente natural para o wetland construído. Quando se trata da retirada das macrófitas dos ambientes naturais e o replantio para o wetland, recomenda-se que seja feita escavação manual, separando-se rizomas que contenham no mínimo dois nódulos não danificados (PHILIPPI & SEZERINO, 2004). Destaca-se que não há explicito na literatura brasileira a utilização das macrófitas empregadas em WCFH, após sua poda, como um subproduto agregador de valor.

CONCLUSÕES

Os parâmetros físicos e dinâmicos que são relevantes no projeto de sistemas wetlands construídos de escoamento subsuperficial de fluxo horizontal são:

  • vazão de efluente a ser tratado: no Brasil aplicam-se, via de regra, WCFH para pequenas vazões, inferiores a 10.000 L.d-1 (cujo equivalente populacional se refere a cerca de 66 pessoas, quando considerado um per capita de 150 L.d-1);

  • o tempo de retenção hidráulico (t) no reator wetland construído: na maioria dos estudos brasileiros, esse tempo é teórico, obtido pela relação entre volume da unidade, vazão afluente e porosidade do material filtrante, sendo reportado no máximo 12 dias de retenção. Não está reportado na literatura brasileira um tempo de retenção hidráulico mínimo requerido, tampouco esse elemento é empregado como parâmetro de projeto;

  • constante de reação, ou constante de degradação biológica: raros são os estudos que apresentam a constante obtida a partir da remoção de DBO5, dada a dificuldade do estabelecimento do modelo de escoamento do reator. Valores para K20 variam de 0,36 a 1,08 d-1;

  • material filtrante: devido à necessidade de utilização de materiais com elevada condutividade hidráulica, mais de 64% dos trabalhos brasileiros pesquisados utilizam brita na composição dos WCFH;

  • área superficial do filtro: não existe uma recomendação de área mínima requerida do filtro na literatura brasileira, tampouco uma tendência de padronização de área por equivalente populacional. Apresenta-se e discute-se na comunidade acadêmica brasileira como ponto de partida para a obtenção da área do superficial, o emprego do modelo oriundo da cinética de primeira ordem aplicada a reatores pistão, considerando-se uma eficiência mínima de remoção de DBO5 como sendo 80%;

  • profundidade e geometria: verifica-se como profundidade valores máximos de 1,50 m e uma geometria retangular, com comprimento bem superior à largura, a fim de promover uma tendência de escoamento de fluxo pistão;

  • macrófitas: apesar da Typha spp., popularmente conhecida por Taboa, destacar-se como a mais empregada, nota-se uma variação na utilização das plantas, motivado muitas vezes pela estética.

O emprego dos WCFH no tratamento de diferentes águas residuárias está em amplo crescimento no Brasil, notadamente na última década. Contudo, publicações que remetem às avaliações de desempenho de tratamento e dados operacionais de longo prazo são ainda raros, reforçando a necessidade de ações conjuntas entre os órgãos de fomento à pesquisa, instituições de ensino e pesquisa, poder público, setor privado e comunidades envolvidas.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2012
  • Aceito
    26 Nov 2014
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