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TOPOLOGIA DA VIOLÊNCIA: UMA VISÃO PANORÂMICA

VIOLENCE TOPOLOGY: A PANORAMIC OVERVIEW

VIOLENCIA TOPOLÓGICA: UNA VISIÓN PANORÁMICA

Topologia da Violência, de Byung-Chul Han, apresenta problemáticas radicalmente potentes e difusas, oferecendo ao leitor uma visão panorâmica da violência em seus múltiplos impulsos, interpretações e curiosidades políticas, que produzem deslocamentos do olhar. A obra é dividida em duas partes. A primeira é intitulada “Macrofísica da violência” e a segunda, “Microfísica da violência”. Destaca-se a linguagem sincrética do autor, que provoca relações ambíguas em diversos encontros e correspondências com a realidade e os processos sócio-históricos e culturais da humanidade.

De acordo com o autor, da violência da decapitação (expressa pela sociedade pré-moderna da soberania) passamos para a violência da deformação (sociedade moderna caracterizada pela disciplina) e agora nos situamos na violência da positividade, a qual não possibilita diferenciar entre a liberdade e a coação, tendo no fenômeno da depressão a sua expressão patológica. Desse modo, a violência se transformou do visível para o invisível, de física para psíquica, do real para o virtual, de negativa para positiva. Trata-se, portanto, de “estágios da mudança topológica da violência, que é sempre mais internalizada, psicologizada e, assim, acaba se tornando invisível. Ela vai se livrando mais e mais da negatividade do outro ou do inimigo, tornando-se autorreferente” (HAN, 2017HAN, B.-C. Topologia da violência. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017. 269 p., p. 10-11).

O conceito de violência cria marcas ambíguas na história, por sua natureza psicossocial, de manipulação política, apresentando fortes tensões com a (des)educação, uma vez que aquele que violenta ou barbariza o outro acaba ferindo a si próprio ao produzir os efeitos da ignorância em ação. A aceleração da vida em processos de globalização desonera cada vez mais a abertura ao outro e coloca em suspensão suas negatividade e diferenciação, pelo excesso positivo da repressão externa, “que se expressa como superdesempenho, superprodução e supercomunicação, como um hiperchamar a atenção e hiperatividade” (HAN, 2017HAN, B.-C. Topologia da violência. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017. 269 p., p. 10).

Ao olharmos para as raízes históricas das formas violentas, perceberemos uma cultura em devir-simulacro que se experiencia como devoradora de vidas. Desde a mitologia grega, a violência é um método efetivo para os deuses alcançarem seus objetivos e vontades de afetos virulentos e perversos. O autor destaca que na “era pré-moderna a violência estava presente por todo lado e podia ser vista no universo cotidiano; era uma parte constitutiva essencial da práxis e da comunicação social” (HAN, 2017HAN, B.-C. Topologia da violência. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017. 269 p., p. 17), da qual o governante se utilizava para mostrar poder no exercício do domínio público. Por isso, tais práticas de violência mortal (encenações com a simbologia do sangue) carregam um significado político de popularização social do teatro da crueldade em praças públicas.

A contextualização e a historicidade da violência levam Han a observar uma mudança topológica dessa comunicação política e social, que sai dos palcos abertos e coletivos para uma espécie de infecção oculta, pautada em autoagressão coercitiva e rigorosa, disseminando-se como um vírus mortal. Hoje, o controle a que estamos submetidos acontece de forma intrapsíquica e é naturalizado, em todos os domínios vigentes, pela autocoerção e pela vigilância por desempenho. A ideia do capitalismo de que tempo é dinheiro tem relação com a histeria por acumular para sobreviver a uma morte condicionada, cuja preocupação não está no bem-viver. Diante disso, surge o nervosismo de atuar sem referências em vista da falta ou do vazio de ser, que agora reprograma a psiquê da violência em traços (auto)destrutivos, autorreprimendas e auto-humilhações. É justamente por causa desse contexto culturalmente esquizofrênico da coerção capitalista que operam as violências que subjugam e oprimem os sujeitos, agora destituídos de negatividade.

Dessa interrogação sobre o sujeito que deseja liberdade e prazer no ofício empreendedor surge a figura do trabalhador produtivo e morto, perdendo gradativamente o sentido da experiência com o outro pela barbarização dos laços sociais. Quando realizamos experiências culturais no encontro com o outro, esses novos conhecimentos da realidade nos alteram em relação aos limites que nos separam de outros mundos. A liberdade sem qualquer dimensão do outro e a desregulamentação da sociedade do desempenho ilimitado derrubam as barreiras, as proibições e as possibilidades de interpretação em favor do excesso de positividade e da “promiscuidade geral, da qual não surge qualquer energia repressiva” (HAN, 2017HAN, B.-C. Topologia da violência. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017. 269 p., p. 68), levando ao empobrecimento do ego, ao mal-estar, à autoagressividade e à depressão.

Somam-se a essa problemática de autoflagelação do imaginário as novas mídias e técnicas de comunicação, que vão reduzindo o caráter de resistência do ser no outro, deletando as diferenças e as ideias contraditórias como se o ser humano não tivesse dissensos. “O mundo virtual é pobre em alteridade e em seu caráter de resistência. Nos espaços virtuais o ego pode se movimentar sem precisar lidar com o princípio da realidade, que seria o princípio do outro e da resistência” (HAN, 2017HAN, B.-C. Topologia da violência. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017. 269 p., p. 71), encontrando um terreno propício aos narcisismos digitais (autoconcorrência) desprovidos de ligações intensas. No embalo positivo da sociedade, sem restabelecer a relação com o outro, é reforçado ainda mais o fenômeno da violência por meio de hostilidades e do rechaço social a grupos que se abrem às diversidades interconectadas. No âmbito da macrologia da violência, estão as relações de tensão (constitutiva da negatividade do outro) entre ego e alter, entre amigo e inimigo, entre interior e exterior, por manifestações topológicas e patológicas da invasão da violência macrofísica introjetada. O autor justifica o hiato de violência que priva a possibilidade de articulação, (rel)ação e aniquila o sujeito ao poder, fazendo uso da liberdade como violência destrutiva que conduz, seduz e transforma minha vontade (em consumo recreativo) e a destrói. Han aponta que o uso da violência seria a tentativa desesperada de converter a própria impotência em poder, pois só é poderoso quem tem a capacidade de governar sem a violência. Na completa ausência de uma tensão negativa na vida em sociedade, perdemos o vigor existencial e nos reificamos na diferença consumista (uma lógica do igual que divide e opõe) como forma de reação virulenta diante da alteridade.

No âmbito da microfísica da violência está a situação geradora da violência sistêmica edificada no sistema social, fazendo com que persistam as injustiças que levam à autoexploração e às relações de poder desiguais. Todos os membros da sociedade são atingidos pela ditadura do desempenho e da otimização (oposta ao poder da união), o que torna a violência positiva mais danosa à humanidade do que a negativa. Ao desenvolver embates com Foucault para aprofundar sua investigação da sociedade na reviravolta do disciplinar para o desempenho, Han defende que “o imperativo do desempenho converte a liberdade em coação; em lugar da exploração estranha entra a autoexploração, sendo que o sujeito de desempenho explora a si mesmo até se ruir. Aqui, a violência e a liberdade coincidem” (2017, p. 182).

A violência da transparência anuncia o discurso social da transparência do igual, da autotransparência humana (de comunicação maquinal, funcional, no nivelamento do outro em reação em cadeia do igual), sem sentido hermenêutico ou inquietação de mundo, utopia e negatividade. A linguagem transparente elimina ambivalências e torna tudo vago, isolado, opaco, viral, e a política desanda em teatrocracia. Aliás, o valor da superexposição em faces mercadológicas faz desaparecerem os valores cultural e existencial da sociedade da hipervisibilidade, visto que a comunicação não cria elos entre nós, mas se torna competitiva e produtiva. Diante do destrutivo excesso de informação em todos os âmbitos da vida, aniquila-se a vitalidade em nome de hiperatividades vazias de desempenho com impulsos de violência.

Na visão de Han, o meio é a era da massa e traz para a linguagem a ambiguidade de ser um meio de comunicação (supercomunicação em práticas de entropia) tanto simbólico quanto diabólico. Assim, “a nova violência da linguagem não é negativa, mas positiva. Ela não se volta contra o outro, mas ao contrário, parte de uma massa do igual, de uma massificação do positivo” (HAN, 2017HAN, B.-C. Topologia da violência. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017. 269 p., p. 215). A linguagem sem qualquer ocultação do excesso sem distância atua massivamente, sendo submetida a uma coerção expositiva e despida do mistério interpretativo (converte-se em indiferença), do estar em relação com o outro, aprofundando autorreferências da vida sem valor (descartável e supérflua) e da falta de ser.

A violência global repercute em modificações perceptivas, cognitivas e comportamentais entre o império do controle e dos conflitos. Por isso, é necessário escovar a história da globalização capitalista a contrapelo, expondo a necessidade de se pensar em uma nova política e ontológica do humano de visão descentralizada, desterritorializada e de produção de multitudes. A lógica da globalização possui a contraface de extermínio e aniquilação daqueles que não a aceitam. Na verdade, só um forte sentimento de pertencimento pode gerar o impulso para o agir conjunto na política da violência sociotécnica saturada de controvérsias e perpetrada pela necropolítica da globalização como processo de desaparição/desintegração da negatividade dos sujeitos. Na era das necessidades urgentes do mercado e da vulgarização das formas de sociabilidade, de justiça social e de abertura aos outros, indicamos a leitura da obra para pensar os paradoxos da globalização em uma análise crítica dos fenômenos de violência em suas implicações políticas, socioeducacionais, psicossociais e de desempenho (prisão ao modus operandi da globalização na gestão da barbárie, exclusão e autoritarismo).

  • Resenha do Livro: Topologia da violência, de Byung-Chul Han

Referências

  • HAN, B.-C. Topologia da violência Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2017. 269 p.
Editor de Seção: Sandra Maria Zákia L Sousa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2021
  • Aceito
    28 Abr 2021
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