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É POSSÍVEL O PROFESSAR ANÔNIMO? A VOZ AINDA DISSONANTE DE VIOLETA LEME

IS IT POSSIBLE TO PROFESS ANONYMOUSLY? THE STILL DISSONANT VOICE OF VIOLETA LEME

¿ES POSIBLE EL PROFESAR ANÓNIMO? LA VOZ AÚN DISONANTE DE VIOLETA LEME

RESUMO

O presente artigo visa apresentar uma discussão acerca dos contornos da palavra e da ação docentes em nossa sociedade. A reflexão é conduzida e inspirada pela narrativa de uma professora que, no início do século XX, decide tornar pública a sua experiência nas escolas do estado de São Paulo e transformá-la em um livro intitulado O calvário de uma professora (1928). Orientados por aportes da filosofia e da psicanálise na educação, os argumentos aqui desenvolvidos buscam examinar as implicações, ao ofício docente e ao professar, de uma educação compreendida como atividade fabricadora, regida por uma lógica tecnocrática, que rechaça a fragilidade e a imponderabilidade próprias à ação educativa.

Palavras-chave
Docência; Fabricação educativa; Hannah Arendt; Filosofia da educação; Psicanálise na educação

ABSTRACT

This article aims to present a discussion about the contours of teaching speech and action in our society. The reflection is conducted and inspired by the narrative of a teacher who, at the beginning of the 20th century, decides to publicize her experience in schools in the state of São Paulo, Brazil. These experiences are transformed into a book entitled O calvário de uma professora (The Calvary of a Teacher, 1928). Guided by contributions from philosophy and psychoanalysis in education, the arguments developed here seek to examine the implications, for the teaching profession and its speech, of an education understood as a manufacturing activity, governed by a technocratic logic, which rejects the fragility and imponderability inherent to educational action.

Keywords
Teaching; Educational fabrication; Hannah Arendt; Philosophy and education; Psychoanalysis in education

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo presentar una discusión sobre los contornos de la palabra y del ser maestro en nuestra sociedad. La reflexión es conducida e inspirada por la narrativa de una maestra que, a principios del siglo XX, decide hacer pública su experiencia en las escuelas del estado de São Paulo, Brasil. Estas experiencias se transforman en un libro titulado O calvário de uma professora (El calvario de una profesora, 1928). Guiados por aportes de la filosofía y del psicoanálisis en la educación, los argumentos aquí desarrollados buscan examinar las implicaciones, a la profesión docente y al profesar, de una educación entendida como actividad de fabricación, regida por una lógica tecnocrática, que rechaza la fragilidad e imponderabilidad inherentes a la acción educativa.

Palabras-clave:
Docencia; Fabricación educativa; Hannah Arendt; Filosofía de la educación; Psicoanálisis en la educación

Introdução

[...] é o ato de leitura que finaliza a obra, que a transforma num guia de leitura, com suas zonas de indeterminação, sua riqueza latente de interpretação, seu poder de ser reinterpretada de maneira sempre nova em contextos históricos sempre novos.

Paul Ricœur

Iniciamos estas páginas com um questionamento acerca da iluminação que a instigante narrativa de uma professora primária do início do século XX poderia trazer à reflexão atual sobre a educação e, sobretudo, a respeito daqueles que ousam ensinar (FREIRE, 1997FREIRE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’Água, 1997.). No ano de 1928, Violeta Leme, sob o pseudônimo de Dora Lice, decide tornar pública a sua experiência como professora no estado de São Paulo e descreve, de forma romanceada e pela voz da protagonista Hermengarda, a potência e os desafios do que representava para ela uma missão, um dever diante da sociedade. Seu livro intitula-se O calvário de uma professora (1928) e é diretamente endereçado, na carta que o prefacia, ao Secretário do Interior do Estado de São Paulo. Violeta inicia a sua carta da seguinte forma:

Exmo. Sr. Secretário do Interior,

Ousamos, e grande ousadia é, Exmo. Sr., solicitar a vossa atenção para a insignificância destas páginas. Apelamos para vós porque tendes conservado intacta a pureza de vosso caráter, e estamos certas de que sabereis suavizar a rigidez fria da lei quando necessário for ao interesse indispensável da justiça.

Aprecias certamente a verdade; ela não foi alterada. Os fatos aqui narrados são autênticos; apenas para o bom andamento da narrativa, não obedecem a ordem cronológica. Abrindo as portas das escolas para que os vossos olhos vejam o seu interior, sem o aparato da espera, outro fim não temos senão pedir um pouco de atenção para a modesta educadora paulista, tão duramente tratada

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 3).

Quase três décadas mais tarde, em 1952, Violeta Leme reedita seu livro, revelando-se como autora. Segundo a professora, o uso de um pseudônimo na primeira edição do livro justificava-se pelo fato de que “os mandatários de várias categorias não perdoariam o atrevimento de um comentário a seus atos” (LEME, 1952 apud MORAES, 2019MORAES, D. Z. Violeta Leme Fonseca (Dora Lice): a biografia de uma professora a contrapelo do seu legado literário. In: VIDAL, D. G.; VICENTINI, P. P. (orgs.). Mulheres inovadoras no ensino (São Paulo, Séculos XIX e XX). Belo Horizonte: Fino Traço, 2019., p. 260). É justamente tal “atrevimento” diante dos mandatários, do mecanismo educacional e, sobretudo, o atrevimento diante daquilo que à ocasião fazia-se hegemônico no imaginário pedagógico que nos instigam hoje a resgatar, do acervo de obras raras e coleções especiais da biblioteca da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, uma narrativa que nos parece ser um precioso elemento para a reflexão contemporânea acerca do educar.

As narrativas, como a de Violeta, compõem parte singular do legado da experiência humana, uma vez que, ao narrar, um sujeito tem a oportunidade de reificar aquilo que essencialmente nos humaniza e singulariza: nossa experiência no mundo. A narrativa guarda, em sua materialidade, marcas de um alguém que a narra – e isso em nenhuma medida diminui a sua relevância como um objeto a ser socialmente examinado, interpretado. Uma vez que uma narrativa não se pretende como retrato preciso e estático da realidade, que “não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada, como uma informação ou um relatório” (BENJAMIN, 2012BENJAMIN, W. O narrador. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 2012., p. 221), buscamos compreendê-la como uma reelaboração possível da experiência vivida ou testemunhada por um alguém – um sujeito absolutamente único. “Uma narrativa não é um fluxo aleatório de ideias que descrevem uma dada situação. Ela traz em sua constituição a marca de uma interpretação, esta que produz e revela a presença de um sujeito” (VOLTOLINI, 2018VOLTOLINI, R. Psicanálise e formação docente. In: VOLTOLINI, R. (org.). Psicanálise e formação de professores: antiformação docente. São Paulo: Zagodoni, 2018., p. 85). Em meio a lembranças e lapsos, episódios enfatizados ou falas negligenciadas, aquele que narra, a partir de uma leitura que é sempre da ordem do singular, reconstrói, atribui permanência e sentido ao que poderia ter sido apenas um sopro fugaz da ação humana.

Buscaremos, assim, examinar alguns dos diversos trechos que revelam a potência – e a dissonância – da voz da professora paulista enredada pelas adversidades impostas a um ofício cujos contornos ainda eram traçados com grande dificuldade em uma sociedade que frequentemente ignorava a importância de uma educação pública. “Mais, pro via de que, esse governo qué se intrumetê na vida privada das famia da gente?” (LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 10), perguntou nhô Quim à jovem professora que buscava informações acerca da quantidade de crianças que habitavam o bairro rural no qual era pretendida a instalação de uma escola. Ao insistir na pergunta, a professora obteve a informação de que necessitava: na fazenda de nhô Quim trabalhavam cerca de dez ou doze crianças, nenhuma delas frequentava a escola e “dispois os pae já disserum, é botá escola aqui eles se mudam pronde os fios les possa ajudá no trabaio” (LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 11). Tal sorte de adversidade era ainda agravada pela posição à qual toda moça direita deveria resignar-se; a professora era constantemente julgada pelo público que, “acostumado a ver a mulher trancada em casa, estranhava ver na rua moças que se estavam habilitando para viver por si” (LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 22).

De maneira geral, Violeta busca em sua obra dar publicidade às condições precárias em meio às quais a docência se exercia em sua época, bem como às privações que o mecanismo educacional lhe impunha. A despeito do caráter romanceado que imprime à narrativa, a professora traz relatos detalhados de duras experiências vivenciadas por ela e outras normalistas com as quais convivia nos âmbitos profissional e pessoal. A experiência que passa de boca em boca, diz-nos Walter Benjamin, “é a fonte a que recorrem todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos” (2012, p. 214).

No que diz respeito às experiências relatadas, instiga-nos o fato de que, mesmo com o importante distanciamento temporal, grande parte das queixas de Violeta bem poderiam estar registradas em revistas, reportagens e até mesmo em trabalhos acadêmicos contemporâneos. Os elementos frequentemente considerados responsáveis pelo calvário docente mantiveram-se com contornos muito semelhantes no último século, sobretudo no que diz respeito à vinculação do sofrimento do professor com a precariedade das condições nas quais o seu ofício é exercido: baixos salários, edificações degradadas, recursos insuficientes, superlotação das salas, excesso de trabalho e tantos outros elementos que participam do cotidiano docente.

Mesmo diante de tal semelhança identificada, buscaremos nesta reflexão lançar luz a um aspecto reiteradamente trazido por Violeta em sua narrativa, porém abordado com menor frequência nas análises contemporâneas sobre essa temática. O que parece verdadeiramente motivar os seus mais profundos sofrimentos e inquietações é a privação da sua liberdade e o consequente apagamento de sua singularidade como professora. A carta que prefacia o seu livro assinala de forma contundente tais elementos que serão por diversas vezes ilustrados no decorrer do relato da professora. Violeta segue em sua carta:

É ela [a professora] a força máxima que impulsiona o complicado mecanismo da instrução pública. Mas, tão sobrecarregada de deveres, tão premida por feitores, muitas vezes brutais, já está ela perdendo o ânimo para o trabalho racional. Transformada em máquina, trabalha como máquina, e esse trabalho é contraproducente. Liberte-a das normas rígidas de programas forçados e extensos, não de acordo com as necessidades regionais. Deixe-a agir mais livremente. Seja ela menos escrava; tenha um pouco mais de autonomia em sua classe ou escola, e vereis o seu interesse pelo trabalho e pelo aperfeiçoamento do ensino. Tenha livre direito de debates, possa fazer demonstrações de sua experiência e será surpreendente o seu trabalho

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 3-4, grifos nossos).

As denúncias de Violeta deflagram, já à época, o flerte da educação com a promessa tecnocrática de transformar o ensino em um mecanismo, em uma atividade fabricadora estritamente regida por metodologias e pressupostos pretendidos como científicos e, por isso, considerados universais, hegemônicos e replicáveis. Tal condição, hoje profundamente enraizada em nosso imaginário pedagógico, parece ter sido intensificada pelos supostos avanços no campo das ciências da educação, na mesma medida em que silencia e apaga as vozes e os contornos singulares daqueles que impulsionam o complicado mecanismo da instrução pública.

Traremos assim os reclamos de Violeta como uma voz – ainda – dissonante na educação; uma voz que segue em sentido oposto aos enunciados vazios e anônimos que frequentemente ecoam no discurso educacional; uma voz que emerge de um contexto com importantes distinções e semelhanças em relação a este que hoje vivenciam os professores, quase um século mais tarde.

A Fabricação de um Mecanismo Educacional: uma Empreitadado Corpo à Alma Docente

O magistério é como engrenagem de possante máquina. Esta, se prende a mão ao pobre operário, leva-lhe o corpo todo. E, como da engrenagem sai aos pedaços o corpo do infeliz trabalhador, também assim esmagada fica a alma da pobre professora, presa no complicado mecanismo da instrução pública. Ou se amolda, fraca, incapaz, aos absurdos exigidos, ou se é um ser que raciocina e tem cultura, sentindo-se apoucada, deprimida, revolta-se. Mas, emudece, ante o rigorismo vexatório dos que mal interpretam as leis

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 54).

Motivada por fatores que iam desde a necessidade de proteção política para a obtenção de uma cadeira em uma boa escola até o controle exercido por inspetores e diretores sobre os horários e a forma de ensinar de uma professora, Hermengarda, quando jovem, repudiava a possibilidade de ingressar no magistério:

– Nunca! Nunca serei professora pública! Uma pobre criatura, sempre humilhada, por tantos superiores hierárquicos – diretores, inspetores, secretário. Quero trabalhar sim, não porém como escrava! Quero trabalhar como um ser pensante, e não como essas infelizes criaturas, transformadas em verdadeiras máquinas, movidas tão somente pela pesadíssima e complicada engrenagem, denominada Diretoria Geral da Instrução Pública

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 22, grifos nossos).

O repúdio, entretanto, teve de ser contido em virtude das graves adversidades pelas quais passava a sua família naquele momento. Hermengarda – ainda que a contragosto – decidiu se lançar à árdua missão de ensinar, motivada, no primeiro momento, exclusivamente pela possibilidade de conseguir alguns recursos para dar aos seus pais: “Era a única tábua salvadora na sua difícil situação” (LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 23).

A jovem professora mal havia obtido a aprovação nos exames finais da Escola Normal quando se deparou com uma situação que para ela representaria a primeira de muitas humilhações impostas pelo magistério. Deveria ir à Secretaria “curvar-se ante inúmeros funcionários para conseguir informações sobre cadeiras vagas” (LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 27). Chegando lá, trouxeram à professora dois grandes livros com as listas das cadeiras vagas, da capital e do interior.

– Se requerer uma destas, perguntou apontando para as da capital, serei nomeada?

– Sim, senhora, diz o funcionário, simpático velhinho que a todos acolhia paternalmente, mas é preciso arranjar um bom padrinho.

– Não bastam, então, as notas que atestam a capacidade do professor! Exclama com despeito. É preciso rastejar-se aos pés de um político, para se obter o que de direito?

[...]

– Quais as cadeiras que podemos conseguir sem proteção?

– As distantes da capital. Quanto mais longe, mais depressa será nomeada.

A professora, lançando com indiferença os olhos para a lista de cadeiras do interior, apontou ao acaso um nome

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 30).

Além da incômoda subordinação da colocação das professoras à influência política de que dispunham, Hermengarda via, nas escolas em que lecionava, o sonho de criação de um mecanismo educacional espraiar-se do corpo à alma das professoras, sempre tão duramente tratadas. Tais corpos tinham como pano de fundo a precariedade de estruturas para ensinar e os baixíssimos salários conferidos às professoras.

Violeta narra o controle e a rígida fiscalização que diretores e inspetores exerciam sobre as professoras. Delas era exigido o rigoroso cumprimento dos horários e do tempo destinado a cada disciplina; seus corpos eram vigiados na forma como se apresentavam durante as aulas e, em algumas escolas, até mesmo os breves minutos de pausa da professora eram destinados à fiscalização do recreio das crianças. Como episódio exemplar da tentativa de controle do corpo docente, Violeta relata a situação constrangedora imposta a Hermengarda pelo diretor da escola em que lecionava.

Um dia, sentindo-se indisposta, depois de ter dado, em pé, sucessivamente, uma aula de aritmética e duas de leitura, no quadro parietal pelo método analítico, sentou-se para descansar um momento, enquanto ia palestrando com a classe sobre educação cívica.

Justamente, entra o diretor. Invectiva-a indignado:

– Dando aula sentada! A senhora ignora que o regulamento o proíbe?

Tinha por hábito ouvir calada as grosserias e observações. Mas, ou porque estivesse doente e não se pudesse conter, ou porque a indignasse em demasia a injustiça da observação, respondeu com energia:

– O regulamento não proíbe tal. Sei quais as aulas que devo dar em pé.

E, voltando-se para as alunas, continuou a lição. Saiu furioso o diretor e, chamando o porteiro:

– Seu Juvenal, vá à sala de d. Hermengarda, faça-a levantar-se e retire dela a cadeira.

– Eu, seu diretor?! Eu não posso fazer isso...

– Como! Se eu estou mandando!

– Mas eu não vou! Não posso fazer uma grosseria a uma professora.

– Sou o diretor, obedeça!

– Como porteiro, sou obrigado a obedecer ao diretor. Peço a minha demissão. Já não sou mais porteiro deste grupo. E assim não serei obrigado a desrespeitar uma senhora.

Aquele homem bom, de sentimentos delicados, mas que a má sorte colocara sob o mando de uma alma mesquinha, aquele pai de família preferiu perder o emprego e abandonou o estabelecimento.

No dia seguinte, Hermengarda não encontrou cadeiras em sua sala

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 56-57, grifos nossos).

A narrativa de Violeta lança luz a essa forma corporal de controle das professoras, que parecia constituir a etapa inicial – e não por isso menos importante – do sonho de construção de um mecanismo educacional. O controle dos corpos como forma de sujeição a uma determinada ordem tem sido uma temática amplamente debatida no campo da educação e é alvo constante do exame cuidadoso de diversos autores. Muitos desses estudos valem-se da reflexão foucaultiana para a análise de como certos mecanismos e práticas escolares participam do controle dos corpos de seus sujeitos – principalmente discentes. Em sua célebre obra Vigiar e Punir, Foucault (2014)FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 42. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. tece reflexões acerca das relações entre a disciplina, o controle e o que seria uma docilização dos corpos. “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 42. ed. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 134). Ainda segundo esse autor, a fabricação de um corpo dócil “implica uma coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos” (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 42. ed. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 135).

A despeito da presença e da relevância dessa forma de controle, nosso principal objeto de interesse nesta reflexão é constituído por contornos mais sutis e fugidios, ao incidir sobre o que Violeta considera a alma da professora. Incide sobre a sua forma de pensar, ajuizar e fazer escolhas como um alguém – como um sujeito absolutamente único capaz de fazer emergir o inesperado por meio de seus atos e palavras (ARENDT, 2015ARENDT, H. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. Revisão técnica e apresentação Adriano Correia. 12. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015.); incide sobre a sua maneira de fazer face à liberdade e à responsabilidade nela implicada. Essa forma de tentativa de controle que aqui examinaremos – forma tal que, como assinalado, parecia causar maior sofrimento à jovem professora – fazia-se presente desde as miudezas do trabalho docente, como o modo de fazer registros e preencher documentos, até as grandes escolhas a respeito da forma de conceber e conduzir a sua práxis. Sobre esse último ponto, era-lhe exigido que seguisse criteriosamente esse ou aquele método, como garantia de um “ensino bem-sucedido”.

Embora interpretasse Hermengarda, inteligentemente, os pontos obscuros ou falhos do programa escolar, a nulidade que a política colocara na direção de um estabelecimento de ensino obrigava-a a segui-lo segundo a sua pequenina inteligência. E [o diretor], quando sabia nulo o resultado do esforço da professora, acusava-a de negligência ou falta de método

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 56, grifos nossos).

É possível traçar, guardadas as diferenças, uma importante analogia entre a situação narrada pela autora e a hoje vivenciada por alguns professores. O discurso educacional contemporâneo, profundamente marcado por uma lógica tecnocrática, busca reduzir a educação – e com ela a experiência escolar – a uma relação essencialmente técnica e objetiva. O sucesso dessa relação, por sua vez, decorreria exclusivamente da adequada utilização de um conjunto específico de técnicas e métodos para o ensino de determinados conteúdos.

Leandro de Lajonquière (1997LAJONQUIÈRE, L. Dos erros e em especial daquele de renunciar à educação. Estilos da Clínica, São Paulo, n. 2, p. 26-43, 1997. https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v2i2p27-43
https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624....
, 1998LAJONQUIÈRE, L. A psicanálise e o mal-estar pedagógico. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 8, maio/ago. 1998., 2009)LAJONQUIÈRE, L. Infância e ilusão (psico)pedagógica: escritos de psicanálise e educação. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009., em diversos trabalhos, dedica-se ao exame dessa lógica que parece se impor na educação e assinala, a partir de aportes da psicanálise, a existência de uma ilusão de adequação, profundamente enraizada em nosso ideário pedagógico. A ilusão de adequação, segundo o autor, decorre da “crença hegemônica no campo pedagógico sobre a possibilidade de a intervenção educativa vir a ser naturalmente adequada à suposta realidade psicológica de uma criança” (LAJONQUIÈRE, 2009LAJONQUIÈRE, L. Infância e ilusão (psico)pedagógica: escritos de psicanálise e educação. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009., p. 9). Uma vez que a pedagogia – amparada nesse ponto essencialmente pelos saberes oriundos da psicologia – teria se tornado capaz de conhecer o sujeito a quem se dirige no ensinar, ela seria também capaz de ajustar, de adequar com precisão sua forma de endereçamento. Tal ajuste, por sua vez, viria a garantir o sucesso da educação entendida como simples processo de aprendizagem.

Em consonância com as falas do diretor de Hermengarda, ao tomarmos a educação a partir de uma lógica tecnocrática, além do sucesso, o fracasso educativo, consequentemente, seria também passível de ser explicado em termos de uma inadequação metodológica (LAJONQUIÈRE, 1998LAJONQUIÈRE, L. A psicanálise e o mal-estar pedagógico. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 8, maio/ago. 1998.) ou de sua má aplicação – em virtude da falta de recursos, do despreparo dos professores, da falta de planejamento, da defasagem dos alunos, entre outros aspectos. Nessa forma de se conceber o ensino, note-se, resta ao professor em seu ofício um lugar bastante restrito e até mesmo supérfluo, se o pensarmos como um alguém capaz de operar – por meio de atos e palavras – o inesperado, o imprevisto (ARENDT, 2015ARENDT, H. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. Revisão técnica e apresentação Adriano Correia. 12. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015.). Em lugar de um sujeito, de um alguém com nome e sobrenome, bastaria a existência de algo capaz de operacionalizar a prescrição pedagógica.

Como acontecimento ilustrativo de tal lógica, Violeta narra o episódio no qual Hermengarda foi duramente tratada por ter agido em discordância com aquilo que se esperava de uma professora naquele contexto:

Estava Hermengarda, em sua sala de aula, ensinando maternalmente as suas alunas de primeiro ano. Apesar de já não ter a liberdade de ação, que gozava em sua escola isolada, trabalhava com ânimo.

As horas tão subdivididas por tantas matérias, e a fiscalização deprimente exercida sobre ela, muito contribuíam para perturbar-lhe o trabalho e entravar o progresso da classe.

Mas, mesmo assim, era tal o seu esforço que ainda conseguia bastante.

Entrou na sala o diretor, trazendo nos lábios um sorriso enigmático. E, com um modo brando que não lhe era comum:

– O inspector deseja falar-lhe no meu gabinete.

[...]

Sem deixar perceber o seu receio, dirigiu-se com aparente calma, onde a esperavam.

O inspetor, que lhe era desconhecido, saudou-a secamente. Sem convidá-la a sentar-se, inquiriu com modo brusco:

– Que classe ensina?

– Primeiro ano.

– Que método adotado?

Sentiu-se Hermengarda atrapalhada, temendo lhe fossem feitas perguntas sobre o método analítico, então obrigatório, e do qual não tinha ainda bem prática, (pois estava aprendendo à sua própria custa, uma vez que em seu tempo de escola ainda não estava em moda o referido método) titubeou na resposta:

– Para lhe ser franca... estou pondo em experiência o que me indica a razão... de conformidade com...

– Como! Arvorou-se em reformadora? Não sabe que está sujeita a graves penalidades por haver infringido as leis do ensino?! E desprezar a direção dos seus superiores?

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 59-60, grifos nossos).

A reação de indignação do inspetor diante da forma como Hermengarda costumava orientar a sua prática, experimentando o exercício da razão, dá testemunho do modo como o mecanismo educacional e seus operadores percebiam a ousadia de determinadas professoras em seu ofício: representava um risco, uma infração, uma verdadeira insubordinação. Tal situação remete-nos, com importantes semelhanças, à observação de Hannah Arendt a respeito dos sujeitos que integram uma sociedade de trabalhadores quando essa atinge seu último estágio, a sociedade de empregados. Essa forma de organização social

requer de seus membros um funcionamento puramente automático, como se a vida individual realmente houvesse sido submersa no processo vital global da espécie e a única decisão ativa exigida do indivíduo fosse deixar-se levar, por assim dizer, abandonar a sua individualidade, as dores e as penas de viver ainda sentidas individualmente, e aquiescer a um tipo funcional, entorpecido e “tranquilizado” de comportamento

(ARENDT, 2015ARENDT, H. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. Revisão técnica e apresentação Adriano Correia. 12. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015., p. 400).

Semelhante entorpecimento e abandono da singularidade de um alguém é, a partir da percepção de Violeta, também exigido pelo mecanismo educacional.

Então a alma delicada se despedaça aos embates brutais. O carácter enérgico se quebra, restando apenas um corpo sem vontade, que se deixa dirigir por qualquer… E, quando esse mesmo corpo, alquebrado, já não se pode mover, a perversa engrenagem o lança fora por inútil, numa triste aposentadoria. E, desprezado fica o ser que ela matou moralmente e invalidou por completo

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 55, grifos nossos).

Observa-se hoje o que nos parece ser uma agudização da tentativa de controle dos processos e relações educativas; a partir de uma lógica utilitária, busca-se transformar a educação em um meio para atingir determinados fins. É possível verificar nos discursos educacionais contemporâneos a presença de diversas concepções acerca do que seria o papel ou a finalidade da educação: bons resultados em avaliações internacionais, desenvolvimento econômico e social, criação de mão de obra qualificada, preparação para um futuro já cuidadosamente desenhado, entre outros aspectos.

Ocorre, contudo, que, ao ser-lhe atribuída uma finalidade específica, o educar perde aquilo que constitutivamente o configura como uma atividade humana, como um laço entre sujeitos, e passa a habitar o território da fabricação – processo com princípio e fim definidos, do qual decorrerá um produto previamente determinado. Sob lógica da fabricação, observa Arendt, “a coisa fabricada é um produto final no duplo sentido que o processo de produção chega nele a um fim e também que ele é apenas um meio para produzir esse fim” (2005ARENDT, H. Trabalho, obra, ação. Cadernos de Ética e Filosofia Política, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 175-201, 2005., p. 185).

Para que atinja os fins prévia e rigidamente definidos, a educação escolar é regida por diversos discursos e dispositivos que almejam garantir a governabilidade e a padronização de suas ações e procedimentos. Expandindo as fronteiras de tais pretensões, uma educação pautada por uma lógica que busca obliterar a dimensão do indeterminado, da singularidade inerente à condição humana, insere-se em um modelo no qual a padronização extrapola os conteúdos “para inscrever-se na alma, para se transformar em governabilidade dos indivíduos e de suas formas de ser” (CARVALHO, 2016CARVALHO, J. S. F. Por uma pedagogia da dignidade: memórias e reflexões sobre a experiência escolar. São Paulo: Summus, 2016., p. 70).

Há, sob a lógica da fabricação pedagógica, uma tendência na qual se observa a valorização “de um suposto saber que se coloca acima da pluralidade de julgamentos e opiniões – recorrente na padronização globalizada de programas e objetivos educacionais a partir de diretrizes de organismos técnicos internacionais” (CARVALHO, 2017CARVALHO, J. S. F. Educação, uma herança sem testamento: diálogos com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Perspectiva/FAPESP, 2017., p. 37). Visando esvaziar a possibilidade de enunciação, a tecnoburocracia “despreza a palavra, trivializa e degrada a interação política que a palavra deveria proporcionar, no propósito, desgraçadamente bem-sucedido no mundo contemporâneo, de afirmar o caráter supérfluo do sujeito histórico como agente de transformação” (SILVA, 2001 apud CARVALHO, 2017CARVALHO, J. S. F. Educação, uma herança sem testamento: diálogos com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Perspectiva/FAPESP, 2017., p. 38). Como forma de operacionalizar tais princípios, instituem-se de forma cada vez mais precisa e assertiva as metodologias e técnicas necessárias ao encontro professor-aluno.

Dessa forma, esvazia-se a possibilidade de aquele que ensina fazer-se como um sujeito a quem é permitida a enunciação em nome próprio, em nome de algo talhado na tradição e na experiência essencialmente humana. Em meio a prescrições precisas e enunciados vazios, não parece mais possível ao professor fazer-se personagem de uma narrativa a quem é permitido tecer julgamentos, apresentar escolhas e, assim, confrontá-las com outras possibilidades, diante de uma herança que nos chega sem testamento (CARVALHO, 2017CARVALHO, J. S. F. Educação, uma herança sem testamento: diálogos com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Perspectiva/FAPESP, 2017.).

A Personalidade da Professora, o mais Importante Elemento na Educação

Cada vez que um homem fala a outro de maneira autêntica e plena, há, no sentido próprio, transferência, transferência simbólica – alguma coisa se passa que muda a natureza dos dois seres em presença.

Jacques Lacan

Em alguns trechos da narrativa, Violeta refere-se à importância que a personalidade da professora tem na educação, afinal, é ela “o mais importante elemento na educação da infância, é ela quem mais coopera na grande obra da formação do caráter nacional!” (LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 3). Tal fala colide frontalmente com concepções basilares de uma educação que, em razão de sua pretendida objetividade e cientificidade, deve garantir que o ensino escolar seja o mais padronizado, objetivo, impessoal, imparcial e sem partido possível. Nesse contexto, é justamente a personalidade – os contornos singulares – dos sujeitos envolvidos no laço educativo – docentes e discentes – que se deve extinguir para que tudo se passe como previsto, para que nada escape ao controle.

Perguntamo-nos, nesse ponto, o que Violeta parecia delinear quando se referia à personalidade da professora? Quais leituras e interpretações podemos tecer a partir dessa percepção de Violeta acerca do educar? E, ainda, quais os possíveis efeitos da tentativa de obliteração da personalidade da professora ao ato educativo?

Desprovidos de uma definição precisa sobre o que Violeta considera a personalidade da professora, recolhemos da narrativa elementos que podem nos auxiliar a traçar alguns contornos para tal expressão. Identificamos que, ao narrar as experiências de Hermengarda e de suas colegas de profissão, a autora menciona características e atitudes que, segundo ela, devem orientar e compor a práxis docente: Violeta fala sobre interesse, vontade, esforço, responsabilidade, entusiasmo e suficiência moral. Em seus relatos, lança luz à necessidade de que as professoras sejam livres para fazer escolhas, para priorizar esse ou aquele aspecto das orientações recebidas, defende que tenham autonomia em sua classe ou escola, e, sobretudo, que tenham “livre direito de debates” para que possam, assim, “fazer demonstrações de sua experiência” (LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 4).

A narrativa de Violeta tem profundas ressonâncias com algumas das reflexões desenvolvidas por Hannah Arendt em sua obra Responsabilidade e Julgamento. Nela, Arendt (2004)ARENDT, H. Responsabilidade e julgamento. Tradução Rosaura Einchenberg. Revisão técnica Bethânia Assy e André Duarte. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. apresenta-nos elementos importantes que podem iluminar a nossa discussão a respeito da ideia de personalidade. Segundo a autora, pensar e lembrar são o modo humano “de deitar raízes, de cada um tomar seu lugar no mundo a que todos chegamos como estranhos. O que em geral chamamos de uma pessoa ou uma personalidade, distinta de um mero ser humano ou de um ninguém, nasce realmente desse processo do pensamento que deita raízes” (ARENDT, 2004ARENDT, H. Responsabilidade e julgamento. Tradução Rosaura Einchenberg. Revisão técnica Bethânia Assy e André Duarte. São Paulo: Companhia das Letras, 2004., p. 166, grifos nossos). Aquilo que nos singulariza, que nos torna um ser único, nasce – como diz essa autora na referida obra – de nossa faculdade de pensar.

O pensamento, embora não apareça diretamente sob a luz do domínio público, observa Vanessa Sievers de AlmeidaALMEIDA, V. S. A distinção entre conhecer e pensar em Hannah Arendt e sua relevância para a educação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 3, p. 853-865, set./dez 2010. https://doi.org/10.1590/S1517-97022010000300014
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a partir de Arendt, é como uma “resposta às nossas experiências no mundo. Lembramos do acontecido e procuramos compreendê-lo, de modo que o ocorrido ganhe um sentido para nós” (2010, p. 857). Apesar de não ser uma ação – uma vez que ocorre em um diálogo interior do sujeito consigo mesmo e não junto aos outros –, o pensamento é uma atividade, “uma atividade que tem certos resultados morais, isto é, uma atividade em que aquele que pensa se constitui em alguém, em uma pessoa ou uma personalidade” (ARENDT, 2004ARENDT, H. Responsabilidade e julgamento. Tradução Rosaura Einchenberg. Revisão técnica Bethânia Assy e André Duarte. São Paulo: Companhia das Letras, 2004., p. 171). É justamente o pensar, assinala Almeida, o “pressuposto de uma ação que não se isenta de sua responsabilidade pelo mundo” (2010, p. 864).

O pensar – no sentido específico que lhe confere Arendt: uma reflexão ajuizante da experiência cotidiana – é uma faculdade conferida a todos. Além disso, o pensar não chega a um fim, não visa produzir algo e jamais constitui algo acabado: “O pensamento é como a teia de Penélope, desfaz-se toda manhã o que se terminou de fazer na noite anterior” (ARENDT, 2019ARENDT, H. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Tradução Cesar Augusto R. de Almeida, Antônio Abranches e Helena Franco Martins. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019., p. 107). Assim, lançar-se ao pensar implica lançar-se ao reconhecimento da condição humana – e mundana – de incompletude. A cada novo acontecimento, somos impelidos a olhar para o mundo e nele “assumir o lugar do ‘árbitro’ das múltiplas e incessantes ocupações da existência humana no mundo, do juiz que nunca encontra uma solução definitiva para esses enigmas, mas respostas sempre novas à pergunta que está realmente em questão” (ARENDT, 2019ARENDT, H. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Tradução Cesar Augusto R. de Almeida, Antônio Abranches e Helena Franco Martins. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019., p. 232). Nesse sentido, então, Hermengarda resiste à submissão ao que considera ser um maquinário educacional, ou poderíamos dizer um mecanismo de rechaço do pensar e do agir.

Tendo um sistema de ensino todo seu, organizava Hermengarda planos de aula que davam ótimos resultados. Lia autores estrangeiros (nada possuíamos em vernáculo, sobre pedagogia e psicologia) e aprendia neles o que os dirigentes ignoravam.

Esforçada, como era, sabia pôr em prática com muito proveito para as alunas o que a teoria lhe ensinava.

A leitura, no primeiro ano, era o que mais cuidado lhe dava. Dividia em turmas as alunas e experimentava os melhores métodos apontados pela pedagogia de então. Sem adotar nenhum deles, tirava de cada um o que havia de mais racional e mais conviesse à criança brasileira

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 46-47, grifos nossos).

Note-se que Hermengarda não ignorava por completo os métodos prescritos para o ensino, tampouco as teorias a que tinha acesso. Esses serviam-lhe, antes, como um parâmetro, como uma fundamentação para os caminhos que, em seu ofício, ela traçaria e enunciaria em nome próprio. A professora tinha clareza de que às letras deveria somar a tinta de sua viva voz (COMÊNIO, 1966COMÊNIO, J. A. Didática magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Tradução Joaquim Ferreira Gomes. Lisboa: Gráfica de Coimbra, 1966.).

Trazemos, nesse ponto, a interessante análise desenvolvida por Douglas Emiliano Batista (2013)BATISTA, D. E. Da magnificência da didática a um ensino não-todo: um ensaio de psicanálise e educação. 2013. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-23052013-145751/pt-br.php. Acesso em: 15 fev. 2021
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, em sua tese de doutorado, acerca de uma dimensão pouco explorada da conhecida obra de Comênio, publicada no século XVII, Didática Magna. Nomeado por Comênio como “Didacografia”, o método universal de ensinar tudo a todos seria capaz de “fazer imprimir na mente dos alunos – ao mesmo tempo e por meio do ensino de um só professor – o conhecimento de todas as coisas” (BATISTA, 2013BATISTA, D. E. Da magnificência da didática a um ensino não-todo: um ensaio de psicanálise e educação. 2013. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-23052013-145751/pt-br.php. Acesso em: 15 fev. 2021
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p. 30). Batista, por sua vez, a despeito da pretensiosa afirmação de universalidade de Comênio, que costuma direcionar as análises de sua obra às implicações da centralização e da autonomização do método, desvela um importante aspecto da proposição comeniana. Acrescentando camadas à discussão de que a criação de um método universal transformaria imediata e necessariamente o professor em um “replicador de conhecimentos enciclopédicos, como o operário executor de um plano prévia e absolutamente resolvido” (BATISTA, 2013BATISTA, D. E. Da magnificência da didática a um ensino não-todo: um ensaio de psicanálise e educação. 2013. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-23052013-145751/pt-br.php. Acesso em: 15 fev. 2021
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p. 84), o autor lança luz ao modo como Comênio situa o professor na própria metáfora didacográfica. Na Didacografia, diz Comênio,

[o] papel são os alunos, em cujos espíritos devem ser impressos os caracteres das ciências. Os tipos são os livros didáticos e todos os outros instrumentos propositadamente preparados para que, com a sua ajuda, as coisas a aprender se imprimam nas mentes com pouca fadiga. A tinta é a viva voz do professor, que transfere o significado das coisas, dos livros para as mentes dos alunos. O prelo é a disciplina escolar que a todos dispõe e impele para se embeberem dos ensinamentos

(COMÊNIO, 1966COMÊNIO, J. A. Didática magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Tradução Joaquim Ferreira Gomes. Lisboa: Gráfica de Coimbra, 1966., p. 458).

Batista destaca nos escritos comenianos o fato de que, por mais que esteja em jogo uma “transferência tipográfica” do significado das coisas, dos livros para a mente dos alunos, “sem a voz do professor, não seria possível, segundo Comênio, conferir vida aos ‘tipos móveis’ dos livros didáticos, aos conhecimentos socialmente partilhados, aos enunciados de saber, isto é, à ‘erudição já preparada’ pela Academia” (2013, p. 84). A voz do professor é, assim, “nada menos do que vital na didacografia ou na instrução simultânea, uma vez que sem ela o conhecimento público, no que concerne ao ensino das novas gerações, acabaria se tornando letra morta sobre a superfície de papel dos livros didáticos” (BATISTA, 2013BATISTA, D. E. Da magnificência da didática a um ensino não-todo: um ensaio de psicanálise e educação. 2013. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-23052013-145751/pt-br.php. Acesso em: 15 fev. 2021
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p. 84). Dessa forma, a despeito da pretensão de controle e uniformização do ensino,

a particularidade da voz do professor – isto é, sua enunciação – opera como contraponto em face de toda uniformização universalizante ou de toda universalização uniformizante, posto que a voz se trata, afinal, da tinta viva sem a qual o maquinário escolar não é capaz de ensinar nada a ninguém, isto é, trata-se da tinta viva sem a qual nada se marca ou nada se imprime na alma do aluno

(BATISTA, 2013BATISTA, D. E. Da magnificência da didática a um ensino não-todo: um ensaio de psicanálise e educação. 2013. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-23052013-145751/pt-br.php. Acesso em: 15 fev. 2021
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p. 84, grifos nossos).

A existência de um sujeito, à revelia dos mais rigorosos esforços de controle, embaralha toda tentativa de sustentação de um “cálculo educativo”. À medida que há sujeito, há resto, há falta, há desproporção.

[U]ma vez que os enunciados não são eles mesmos capazes, em princípio, de “saltar” da superfície de papel dos livros em que habitam a fim de com isso se fazerem imprimir textualmente na cabeça dos alunos, é preciso, então, colocar em cena necessariamente uma voz, uma enunciação, uma fala singular que verse acerca deles. E, ao se dar lugar aí à viva voz do professor, o puro enunciado já não restará o mesmo, uma vez que poderá ele receber mediante isso vida

(BATISTA, 2013BATISTA, D. E. Da magnificência da didática a um ensino não-todo: um ensaio de psicanálise e educação. 2013. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-23052013-145751/pt-br.php. Acesso em: 15 fev. 2021
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, p. 84, grifos nossos).

Violeta reclamava, a todo instante, vida aos enunciados e tinha clareza de que não bastavam a prescrição, a fiscalização ou qualquer tipo de controle do ofício docente para que a educação viesse a acontecer. Sabia não ser disso que se tratava a educação. A educação se estrutura e é endereçada de um alguém para outro alguém, é um laço. Em diálogo com outra professora, Hermengarda observa:

A vitória, minha querida, nessa campanha grandiosa da alfabetização, depende mais da suficiência moral do professor que da perfeição das leis e regulamentos que regem o ensino. Pode-se seguir à risca o melhor programa sem que o ensino seja educativo. Nem é, bem sei, a rigorosa fiscalização que transformará em bom o mau professor. Sem o esforço e boa vontade deste, em vão trabalhará o governo

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 148, grifos nossos).

A professora percebia e evidenciava a imensa distância existente entre o prescrito e o encontro educativo. Diante da apática objetividade de um mecanismo, ela colocava a personalidade da professora. Era ela, como um alguém, que deveria criar ou encontrar brechas no maquinário educacional para que o laço educativo pudesse ser estabelecido entre sujeitos. Ao deslocar o cerne do ensino da prescrição metodológica para a personalidade da professora, Violeta subverte a lógica fabricadora da educação e cria condições para que algo da ordem do desejo possa emergir; a professora sustenta em seu ofício a condição de incompletude. A partir da psicanálise, assinalamos ser justamente a apresentação da educação como algo em falta que permite ao aluno transitar de um ponto ao outro no discurso, revelando-se como sujeito no campo da palavra. Para que a educação se faça possível é necessário que se mantenha sempre aberta “a possibilidade de que surja esse imprevisto por excelência chamado desejo” (LAJONQUIÈRE, 2009LAJONQUIÈRE, L. Infância e ilusão (psico)pedagógica: escritos de psicanálise e educação. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009., p. 126).

Ao reconhecer e sustentar o laço educativo como uma relação entre sujeitos, na qual o desejo e o imprevisto entram em cena, o professor abre-se à possibilidade de confronto com um alguém em “plena posse de sua história singular, de suas dimensões de razão e de afetividade, de consciência e de inconsciente, assim como de sua capacidade em produzir significações” (IMBERT, 2001IMBERT, F. A questão da ética no campo educativo. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2001., p. 101). Em consonância com a voz de Violeta, Marcelo Ricardo PereiraPEREIRA, M. R. O nome atual do mal-estar docente. Belo Horizonte: Fino Traço, 2016. propõe que, se há momentos em que se pode dizer “que alguém venha a ser um bom professor, esse somente o será quando ele atuar no avesso daquilo que prevê a racionalidade técnica dos inumeráveis compêndios pedagógicos de nosso entorno” (2016, p. 21).

Sabem acaso os fazedores de leis o que seja alfabetizar? Já tiveram diante de si, sob a sua única responsabilidade, uma classe de quarenta criancinhas, vivas sim, mas ignorantes de tudo?

[...]

Já foram obrigados a adotar um processo que não é o seu e por isso mesmo difícil de execução, mesmo quando não é absurdo e antipedagógico como tantas vezes se dá?

Certo que não. Do contrário teríamos leis mais brandas e mais adaptáveis ao meio a que se destinam

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 200).

A obrigação de pôr em prática um “processo que não é o seu”, de aplicar um roteiro rígida e externamente definido e de conformar-se ao mecanismo educacional restringe a fala docente a uma fala alicerçada sobre um conhecimento que demanda e impõe àquele que a professa – bem como ao seu ouvinte – uma identificação objetivante, estática e de visada totalizante. Ao ocupar esse lugar, o que restaria aos sujeitos no laço educativo?

A educação, tal qual a concebemos aqui, situa-se no solo da transmissão entendida como “uma comunicação eminentemente humana porque opera na dimensão histórica. Muitas espécies são capazes de comunicar algo no presente imediato, mas só os humanos legam uma herança cultural que se estende no tempo” (CARVALHO, 2021CARVALHO, J. S. F. Igualdade é uma palavra que o sonho humano alimenta. Rancière e a crítica aos discursos pedagógicos contemporâneos. Revista Educação, Santa Maria, v. 46, n. 1, 2021. https://doi.org/10.5902/1984644445306
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, s. p.). Na relação educativa que se desdobra entre um adulto e uma criança, faz-se necessário que aquele já velho no mundo assuma a sua responsabilidade por ele e transmita aos recém-chegados uma insígnia filiatória, isto é, uma marca que lhes permita integrar e, sobretudo, interferir na história humana já em curso.

A assunção dessa responsabilidade, pelo mundo e pela criança, possibilita ao professor o exercício de sua liberdade, isto é, permite que opere como um agente no ato educativo, como um alguém que fala em nome próprio em seu ofício. Tal condição parece incompatível à função de um aplicador, na qual parece restar ao professor seguir uma prescrição; basta que se comporte (ARENDT, 2015ARENDT, H. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. Revisão técnica e apresentação Adriano Correia. 12. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015.) – em lugar de agir – conforme um roteiro externo. Em vez da ação, diz-nos Arendt, “a sociedade espera de cada um dos seus membros certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e variadas regras, todas elas tendentes a ‘normalizar’ os seus membros, a fazê-los comportarem-se, a excluir a ação espontânea ou a façanha extraordinária” (2015, p. 50).

A despeito do embaralhamento que a existência de um sujeito e a ação humana podem causar, Violeta lamenta o comportamento de certas professoras, que parecem renunciar a um lugar de agente em seu ofício e, “na sua vida vegetativa, dão apenas umas aulas muito medíocres, para fazerem jus aos vencimentos. Perdem o entusiasmo, ensinam quase que maquinalmente, seguindo a rotina, em um grande atraso” (LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 67). Nesse ponto, trazemos novamente uma reflexão de Arendt sobre aqueles que assumem um lugar de recusa do pensar ou, ainda, poderíamos dizer, sobre aqueles que se deixaram levar por um maquinário:

[...] a inabilidade de pensar não é uma imperfeição daqueles muitos a quem falta inteligência, mas uma possibilidade sempre presente para todos – incluindo aí os cientistas, os eruditos e outros especialistas em tarefas de espírito. Todos podemos vir a nos esquivar daquela interação conosco mesmos [...]. Uma vida sem pensamento [...] não é apenas sem sentido; ela não é totalmente viva. Homens que não pensam são como sonâmbulos

(2019, p. 214).

A passagem de Lacan, com a qual iniciamos esta seção, faz menção àquilo que se dá quando um sujeito se endereça a outro de maneira autêntica e plena: “transferência simbólica – alguma coisa se passa que muda a natureza dos dois seres em presença” (2009, p. 149, grifos nossos). A palavra plena, diz Lacan, é palavra que faz ato: a partir dela, o sujeito “encontra, depois, outro que não o que era antes” (2009, p. 147). É a palavra plena capaz de operar transformações, de fundar um antes e um depois. Essa forma de endereçamento parece guardar importantes semelhanças com aquilo que se passa no laço educativo. É pressuposto – ou ao menos é desejável – que, em maior ou menor medida, os sujeitos saiam mudados do encontro educativo.

Note-se, conforme assinalado por SalesSALES, L. S. Linguagem no discurso de Roma: programa de leitura da psicanálise. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 20, n. 1, p. 49-58, jan./abr. 2004. https://doi.org/10.1590/S0102-37722004000100007, que o valor da fala não está na informação objetiva que transmite,

[...] mas na reverberação do discurso do outro que constitui a fala plena. [...] Na fala, o que importa é o ato de endereçamento ao outro. “Pois, nela, a função da linguagem não é informar, mas evocar” (LACAN, 1953b/1966, p. 299). Falar é sobretudo requisitar a resposta do outro, provocá-lo por um nome que ele assume ou recusa

(2004, p. 53-54).

Lacan opõe a palavra plena – aquela “que realiza a verdade do sujeito” (2009, p. 71) – à palavra vazia, palavra “em que o sujeito se perde nas maquinações do sistema da linguagem, no labirinto dos sistemas de referência que lhe dá o estado cultural em que, mais ou menos, toma parte” (LACAN, 2009LACAN, J. O seminário. Jacques Lacan; texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; versão brasileira Betty Milan. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. (Livro 1: os escritos técnicos de Freud, 1953-1954.), p. 71). Sobre esse aspecto, Voltolini propõe que visar a uma fala plena, quando pensamos no caso dos docentes, significa “visar a uma palavra que produza abertura, que resista, portanto, à fala vazia típica do discurso politicamente correto, do queixume sobre os problemas práticos do cotidiano escolar” (2018, p. 85) ou ainda, acrescentamos, visar a uma palavra que resista à renúncia de um lugar de enunciação sob o pretexto da adequação técnica e metodológica. A fala plena, continua o autor, “privilegia a fala como acontecimento, ou pelo menos visa produzir nela algo da dimensão do acontecimento. Um acontecimento é algo que se opõe à tendência conservadora da percepção, ele recusa a fechar-se sobre seu instante e por isso tende a fazer história” (VOLTOLINI, 2018VOLTOLINI, R. Psicanálise e formação docente. In: VOLTOLINI, R. (org.). Psicanálise e formação de professores: antiformação docente. São Paulo: Zagodoni, 2018., p. 85). Em oposição à fala vazia, que restringe e identifica, uma fala plena permite e propicia ecos, reverberações e modulações a partir daquilo que é dito.

Assim, inspirados pelas considerações aqui apresentadas de Arendt e Lacan, propomos a reflexão sobre a fala do professor como uma fala que deita raízes, que não se deixa levar pela ventania dos modismos e enunciados vazios. Raízes cultivadas pelo exercício do pensar e do lembrar, como nos diz Arendt. Raízes que, a despeito da profundidade que conferem àquilo que se passa na superfície, estão sempre inacabadas e são reiteradamente examinadas por um alguém; são raízes que sustentam uma viva-voz (COMÊNIO, 1966COMÊNIO, J. A. Didática magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Tradução Joaquim Ferreira Gomes. Lisboa: Gráfica de Coimbra, 1966.). Violeta, em sua narrativa, bem poderia estar se referindo a elas – as raízes – ao tratar da importância da personalidade da professora para a educação. Só quem finca raízes, diz-nos Almeida, “pode tomar uma posição e renovar ou conservar o lugar ao qual pertence” (2010, p. 864).

Considerações Finais

A tarefa do ensinante, que é também aprendiz, sendo prazerosa é igualmente exigente. Exigente de seriedade, de preparo científico, de preparo físico, emocional, afetivo. É uma tarefa que requer de quem com ela se compromete um gosto especial de querer bem não só aos outros, mas ao próprio processo que ela implica. É impossível ensinar sem essa coragem de querer bem, sem a valentia dos que insistem mil vezes antes de uma desistência. [...] É preciso ousar para ficar ou permanecer ensinando por longo tempo nas condições que conhecemos, mal pagos, desrespeitados e resistindo ao risco de cair vencidos pelo cinismo. É preciso ousar, aprender a ousar, para dizer não à burocratização da mente a que nos expomos diariamente.

Paulo Freire

Afinal, quem é esse sujeito que ousa ensinar? De que ousadia se trata, essa de fazer-se professor? Há quase três décadas, Freire nos dizia da ousadia necessária a todos aqueles que se lançam ao professar. Ousadia necessária, inclusive – e sobretudo – para sobreviver ao calvário que o ofício docente pode impor com maior ou menor intensidade nas diferentes sociedades ou estratos sociais. Ousadia como disposição a arriscar, a atrever, a decidir, a agir; ousadia que pressupõe e reconhece as dificuldades e a imprevisibilidade do ensinar e, justamente por isso, sustenta nele um lugar subjetivo capaz de suportar a falta, a desproporção e o impossível com os quais um alguém deve sempre se haver. Lugar esse em que Violeta parecia se situar como professora:

Não somos apenas servas de superiores intolerantes. Somos uma força social, viva e poderosa. Em nossas mãos tão frágeis está o futuro da Pátria. Somos nós, o exército de professoras primárias, que temos a responsabilidade dos caráteres em formação. Somos formadoras de almas e seremos, por isso, remodeladoras do caráter nacional. [...] precisamos de muita coragem e força de vontade

(LICE, 1928LICE, D. O calvário de uma professora. São Paulo: Estabelecimento Gráfico Irmãos Ferraz, 1928., p. 155-156).

O professor, como um alguém, ocupa ainda um lugar singular entre os sujeitos em virtude da responsabilidade pública que a ele se impõe com especiais força e explicitação: “Face à criança, é como se ele fosse um representante de todos os habitantes adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança: – Isso é o nosso mundo” (ARENDT, 2014ARENDT, H. A crise na educação. Entre o passado e o futuro. Tradução Mauro W. Barbosa. 2. reimp. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014., p. 239). Na voz de um professor, escuta-se também aquelas de diversos outros sujeitos que o antecederam e que a ele são contemporâneos. É uma fala em nome próprio – no sentido de resultar de um exercício de pensamento, de ser livre e se constituir por uma responsabilidade inalienável –, porém profundamente enraizada fora de si, enraizada em uma tradição, em um legado humano. Essa não é uma tarefa fácil, tampouco passível de ser conduzida a partir de uma prescrição técnica pretendida como autônoma e universal, como fazem crer certos discursos pedagógicos contemporâneos. Trata-se de um ofício profundamente relacionado ao exercício da liberdade – faculdade que pode apenas ser exercida por um alguém.

Ao operar sob princípios tecnocráticos, a docência passa a ser concebida como um ofício passível de ser exercido por qualquer um; por alguém transformado em máquina, como propõe Violeta. Isto é, um ofício que prescinde de um sujeito. Conduzido por ninguém, o ensinar seria então possível à revelia da existência de um sujeito que professa, que se lança ao risco e à ousadia de endereçar a palavra a outro sujeito. Ao ensino bastaria um bom conjunto de métodos e um aplicador apto. “É como se tivessem dito que bastaria que os homens renunciassem à sua capacidade para a ação – que é fútil, ilimitada e incerta com relação aos resultados – para que houvesse um remédio para a fragilidade dos assuntos humanos” (ARENDT, 2015ARENDT, H. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. Revisão técnica e apresentação Adriano Correia. 12. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015., p. 242).

Propomos, dessa forma, ser o calvário a condição de um ofício reiteradamente submetido a inúmeros injunções, mecanismos e instrumentos aportados pela lógica tecnocrática e pelos saberes especializados convocados à educação. Parece-nos improvável que o sujeito implicado no educar passe incólume pelas inúmeras prescrições e técnicas e por todo o aparato que atualmente se impõe sobre a educação, visando a anonimato, impessoalidade e permutabilidade dos sujeitos.

A despeito de dizer ao Secretário do Interior sobre as condições bastante precárias que vivia em seu ofício, Violeta não as tomava como algo capaz de justificar uma renúncia ao educar, visto que reconhecia ser a possibilidade de fazer-se como um alguém o elemento de maior influência sobre a sua práxis. Violeta, a todo tempo, reclamava liberdade, experiência, autonomia, debates. Seu calvário, a despeito da precariedade que vivenciava diariamente, seria ver-se alienada a enunciados, programas e metodologias que de alguma forma obliteravam o seu lugar de ação e de enunciação.

É, assim, a liberdade, a possibilidade de agir, de se implicar em nome próprio em uma ação e fazer face à responsabilidade de pôr o mundo em ordem (ARENDT, 2014ARENDT, H. A crise na educação. Entre o passado e o futuro. Tradução Mauro W. Barbosa. 2. reimp. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014.), que Violeta Leme suplicava ao Secretário do Interior na carta que prefacia a sua obra. A educadora paulista, em suas palavras, reclama poder ocupar um lugar de enunciação em meio ao maquinário educacional, um lugar no qual lhe fosse possível falar em nome próprio e, assim, escapar de enclausuramentos tecnocráticos que visam obliterar o imprevisto e o sujeito.

A narrativa de Violeta nos inspira a propor uma subversão da lógica pela qual hoje são frequentemente interpretadas as queixas ou o que poderia ser mais modernamente nomeado como mal-estar docente. Tivemos contato com diversos trabalhos que examinam os fenômenos encobertos pela expressão “mal-estar docente” como um queixume, uma renúncia deliberada ao educar – justificada pelo álibi da precariedade do ensino de maneira geral –, como uma forma de covardia moral (LACAN, 2003LACAN, J. Televisão. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.) e até mesmo como uma condição de doença. Certamente, há casos nos quais esses fenômenos guardam semelhanças com tais categorias, como afirmam importantes estudos desenvolvidos acerca dessa temática.

Propomos, no entanto, a partir da discussão iniciada neste artigo e inspirados pela narrativa de Violeta, acrescentar ao debate sobre o mal-estar a interpretação do sofrimento docente como um indicativo de potência, não apenas de uma doença que acomete o professor. No avesso das análises que concebem o mal-estar – e as demais situações que dele decorrem – como uma forma de renunciar à liberdade e à responsabilidade implicadas no ofício docente, propomos mirá-lo como uma forma de enunciar a existência de um alguém, um alguém que padece ao ver-se enclausurado em um mecanismo que visa suprimir qualquer traço de singularidade que possa emergir dos sujeitos situados sob o seu domínio, sujeitos submetidos à lógica do “mundo contemporâneo que nos ameaça não apenas com o nada, mas também com o ninguém” (ARENDT, 2016ARENDT, H. A promessa da política. Tradução Pedro Jorgensen Jr. 6. ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2016., p. 269, grifos nossos).

A tentativa de desumanização do educar, de reduzi-lo a um conjunto objetivo de técnicas e conteúdos, parece inserir-se no moderno crescimento da ausência-de-mundo, descrito por Arendt (2016)ARENDT, H. A promessa da política. Tradução Pedro Jorgensen Jr. 6. ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2016., na destruição do que há entre nós, na expansão do deserto. Estranho seria se nos adaptássemos a essa condição, se placidamente renunciássemos à esperança de “que nós, que não somos do deserto, embora vivamos nele, podemos transformá-lo num mundo humano” (ARENDT, 2016ARENDT, H. A promessa da política. Tradução Pedro Jorgensen Jr. 6. ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2016., p. 266). Não há necessariamente algo errado – uma patologia, um distúrbio, uma insuficiência – com os professores que sofrem em seu ofício, com aqueles incapazes de viver sob as condições da vida no deserto. Pelo contrário: precisamente porque sofremos nas condições do deserto, diz Arendt, “é que ainda somos humanos e ainda estamos intactos; o perigo está em nos tornarmos verdadeiros habitantes do deserto e nele passarmos a nos sentir em casa” (2016, p. 267).

Sustentamos, ainda, que ambas as faces do mal-estar – como forma de renúncia ou enunciação da liberdade – deflagram um aspecto constitutivo do educar: a sua fragilidade. O educar, como laço entre sujeitos, como ação e fala endereçadas de um sujeito a outro, é, segundo Freud (1996)FREUD, S. Análise Terminável e Interminável. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Tradução Maria Aparecida Moraes Rego. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 23., um ofício impossível. Com tal afirmação, o autor não pretendia dizê-lo como ofício irrealizável. Freud (1996)FREUD, S. Análise Terminável e Interminável. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Tradução Maria Aparecida Moraes Rego. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 23. referia-se antes ao fato de que, no educar – assim como na política e no processo de cura analítica –, aquilo que se atinge ao final do processo jamais reitera ou coincide com o ponto de partida; isto é, com aquilo que era almejado no início.

Há, no educar, de forma irreconciliável, falta de proporção, fragilidade, imprevisibilidade, impossibilidade. Resta assim ao professor – a despeito das metas tecnocráticas – um lugar estruturalmente instável, tensionado pelo constante desafio de mover-se no escuro (CARVALHO, 2016CARVALHO, J. S. F. Por uma pedagogia da dignidade: memórias e reflexões sobre a experiência escolar. São Paulo: Summus, 2016.). Por se tratar de um ofício estruturado em torno de um impossível, o sujeito que se lança ao professar é a todo tempo convocado a fazer face à liberdade, ou seja, convocado a agir, julgar, pensar, fazer escolhas, diante da irredutível desproporção que se aninha em seu ofício. Nessa perspectiva, podemos pensar que estar mal, no sentido de uma relação que jamais se ajusta e se previne, é constitutivo das próprias relações humanas e, ainda, agudizado no educar. O que o professor contingencialmente faz desse impossível, propomos, é o que muda o fenômeno – mais ou menos afortunado – que chega até nós.

Assim, em lugar de sugerir aos professores que se sentem mal em seu ofício que se adaptem às condições do deserto, propomos que a eles seja possível o professar de uma fala enraizada, fala capaz de tecer uma práxis marcada pela subjetividade, pela personalidade próprias a um agente. Um ofício conduzido desse modo suporta mudanças de rumo, suporta o imponderável e não persegue de forma obstinada um objetivo ou produto final, uma vez que reconhece a sua impossibilidade. O professar dá-se, assim, em oposição à lógica da fabricação educativa, à fabricação de sujeitos-objetos – homogeneizados, padronizados, adaptados – que testemunham a apática alienação à técnica e o anonimato daquele que professa.

  • O presente artigo é parte da pesquisa de doutorado em curso “O professor nos tempos da técnica: a docência entre a ação e a fabricação”, desenvolvida na Universidade de São Paulo (Brasil) e na Université Paris 8 (França), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processos n. 2019/14645-0 e 2020/01667-2.

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Editora de seção: Sandra Maria Zákia L Sousa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2021
  • Aceito
    22 Abr 2022
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