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ATUALIDADE DE PAULO FREIRE E A ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

PAULO FREIRE’S RELEVANCE AND THE LITERACY IN RURAL EDUCATION

LA ACTUALIDAD DE PAULO FREIRE Y LA ALFABETIZACIÓN EN LA EDUCACIÓN RURAL

RESUMO

Em pesquisa bibliográfica, realizada em plataformas virtuais internacionais, evidenciamos as contribuições de Paulo Freire em duas direções: a) como o seu legado tem sido evocado, desde 1997, data de sua morte, até julho de 2021, ano de seu centenário, em diferentes partes do mundo; e b) como ele é referenciado em artigos nacionais e internacionais dedicados à alfabetização de pessoas que vivem e/ou trabalham no campo. A primeira parte da pesquisa é quantitativa e a segunda parte está baseada em pesquisa qualitativa, com análise de conteúdo. Os resultados revelam que Freire continua a ser fundamento e inspiração para a pesquisa em diferentes temas e lugares do mundo, e que sua contribuição é efetiva para a alfabetização na educação do campo.

Palavras-chave
Paulo Freire; Educação dialógica; Pedagogia crítica; Alfabetização; Educação do campo

ABSTRACT

In a bibliographical research, carried out in international virtual platforms, we highlighted Paulo Freire’s contributions in two directions: a) how his legacy has been evoked, since 1997, the date of his death, until July 2021, the year of his centennial, in different parts of the world; and b) how he is referenced in national and international articles dedicated to the literacy of people who live and/or work in the countryside. The first part of the research is quantitative and the second part is based on qualitative research, with content analysis. The results reveal that Freire continues to be a foundation and inspiration for research on different topics and in different places around the world, as well as that his contribution is effective for literacy in rural education.

Keywords
Paulo Freire; Dialogical education; Critical pedagogy; Literacy; Rural education

RESUMEN

En una investigación bibliográfica, realizada en plataformas virtuales internacionales, destacamos los aportes de Paulo Freire en dos direcciones: a) cómo se ha evocado su legado, desde 1997, fecha de su muerte, hasta julio de 2021, ano de su centenario, en diferentes partes del mundo; y b) cómo se lo referencia en artículos nacionales e internacionales dedicados a la alfabetización de personas que viven y/o trabajan en el campo. La primera parte de la investigación es cuantitativa y la segunda se basa en una investigación cualitativa, con análisis de contenido. Los resultados revelan que Freire sigue siendo una base e inspiración para la investigación sobre diferentes temas y en diferentes lugares del mundo, y que su contribución es efectiva para la alfabetización en la educación rural.

Palabras-clave
Paulo Freire; Educación dialógica; Pedagogía crítica; Alfabetización; Educación rural

Introdução

No centenário de nascimento de Paulo Freire (1921-1997), faz-se necessário retomar e dar luz à sua intensa produção intelectual, não apenas por justa homenagem, mas porque o mundo encontra-se dela necessitado. Desigualdades foram agravadas e matizadas, desafiando-nos a denunciá-las e, também, a apresentar o anúncio do quefazer.

Um preciso - e precioso - inventário da obra, das viagens, das conferências, das aulas ministradas e das homenagens recebidas por Freire, em diferentes lugares do mundo, foi realizado por Ana Maria de Araújo Freire (2006)FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma história de vida. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2006., em uma biografia intitulada Paulo Freire: uma História de Vida. Nela, é possível visualizar o legado e o impacto da produção do educador brasileiro no decorrer de sua vida. Destacamos, dentre a produção listada na biografia, os dezessete livros individuais e os treze em coautoria, quase todos traduzidos para o inglês e o espanhol, e muitos também para o italiano, o francês e o alemão. Há, ainda, como indica Ana Maria de Araújo Freire (2006, p. 397)FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma história de vida. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2006., tradução dos livros para outros vinte idiomas, entre os quais o coreano, o japonês, o hindu, o sueco, o holandês, o finlandês, o dinamarquês, o paquistanês e o indonésio.

Em vida, conforme listado por ela, Paulo Freire recebeu 34 títulos de Doutor Honoris Causa em universidades de países como Bélgica, Inglaterra, Estados Unidos, Suíça, Bolívia, Espanha, Itália, El Salvador, Suécia, Argentina, Portugal e Brasil. Outros nove títulos lhe foram atribuídos em universidades de Espanha, Canadá, Estados Unidos, México, Argentina e Brasil, mas não recebidos, por motivo de doença e falecimento do educador. Mais de uma centena de outras homenagens, títulos e prêmios lhe foram concedidos em diferentes lugares do mundo. Assim, é evidente o alcance da obra de Freire, em vida, bem como o seu reconhecimento mundial.

Dos vários conceitos criados pelo educador, mencionamos a dialética da relação opressor-oprimido; a educação bancária; a educação dialógica; a conscientização; o inédito viável; o cansaço existencial; a unidade na diversidade; a leitura do mundo-leitura da palavra; o diálogo freiriano; a dialética objetividade-subjetividade; esperança-utopia; e o compromisso incessante de articular o movimento denúncia-anúncio. Tais conceitos foram gerados a partir da profunda reflexão-ação de Freire no mundo e com as outras pessoas.

Na práxis freiriana, a denúncia trazida por Freire nos primeiros escritos - em 1959 e nos escritos do exílio (seus seis primeiros livros, publicados entre 1967 e os anos 1970) -, sobre as desigualdades sociais e malvadezas geradas nos processos históricos de colonização, progresso sem desenvolvimento, forma de organização do capital e das relações entre grupos, já carregava consigo o anúncio de uma educação libertadora, por meio da educação dialógica, nela incluindo o seu método de alfabetização. Sua proposição de superar o “falar por” e o “falar para”, estabelecendo-se com os(as) oprimidos(as) o “falar com” eles e elas, lançou ao mundo uma perspectiva que se mantém até hoje como alternativa profundamente transformadora, seja nos movimentos sociais, seja no mundo da política, ou na geração de conhecimento científico na área de humanas. Em 1979, com o fim de seu exílio e a abertura política do Brasil, Paulo Freire iniciou, como ele mesmo explica nas páginas da Pedagogia da Esperança, uma nova aprendizagem do país: era preciso “reaprender” o Brasil (FREIRE, 2014FREIRE, P. (1992) Pedagogia da esperança: um encontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. [1992]).

Ana Maria de Araújo Freire (2006, p. 350)FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma história de vida. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2006. arrola e comenta os 572 livros anotados de próprio punho pelo educador em um caderno de leituras que ele mantinha em casa: livros que o ajudaram a construir suas bases teóricas. Lamentando que Paulo Freire não tenha registrado todas as leituras e influências vivenciadas, Ana Maria de Araújo Freire (2006., p. 352)FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma história de vida. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2006. acrescenta à lista mais 37 autores(as); muitos deles(as) - como Marx, Engels, Hegel, Rosa Luxemburgo, Frantz Fanon, Alberti Memmi, Karl Jaspers, Husserl, Erich Fromm, Marcuse, Lukács - são mencionados pelo educador já nas primeiras obras, como, por exemplo, nas páginas de Pedagogia do Oprimido (2005 [1974]).

Continuando a analisar a obra de Freire, observa-se que a década de 1980 foi marcada por produção intensa em coautoria com intelectuais de diferentes lugares do mundo, nos chamados livros dialogados (FREIRE, 2006FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma história de vida. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2006., p. 627). Na década seguinte, a de 1990, o educador dedicou-se à produção de livros de autoria individual, que refletem a sua experiência como Secretário de Educação e a retomada de conceitos e reflexões. Em alguns desses livros, ele fala diretamente aos(às) educadores(as) progressistas sobre a educação transformadora (sete livros publicados de 1991 a 1996). Nessa última fase, considerando-se o então novo contexto mundial da globalização, da redemocratização (ou democratização) de muitos países e do neoliberalismo, Freire reafirmou e aprofundou os conceitos que havia gerado, alterando, porém, o eixo de sua obra em torno do conceito de conscientização para o de diálogo (GALLI; BRAGA, 2017aGALLI, E. F.; BRAGA, F. M. O diálogo transformador a partir da Pedagogia da Esperança de Paulo Freire. INTER-AÇÃO, Goiânia, v. 42, p. 51, 2017a. https://doi.org/10.5216/ia.v42i1.44030
https://doi.org/10.5216/ia.v42i1.44030...
, 2017b)GALLI, E. F.; BRAGA, F. M. O diálogo em Paulo Freire. Quaestio - Revista de Estudos em Educação, Sorocaba, v. 19, p. 161-180, 2017b. https://doi.org/10.22483/2177-5796.2017v19n1p161-180
https://doi.org/10.22483/2177-5796.2017v...
. Para além do inventário traçado por Ana Maria de Araújo Freire (2006)FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma história de vida. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2006., publicado em 2006, vale destacar que a obra freiriana e seus conceitos influenciaram, ainda em vida, ao longo das décadas, a criação de correntes pedagógicas, como a Pedagogia Crítica (CASTELLS et. al., 1994CASTELLS, M. et al. Nuevas perspectivas críticas em educación. Barcelona: Paidós, 1994.; MACRINE, 2020MACRINE, S. L. (ed.). Critical pedagogy in uncertain times: hope and possibilities. London: Palgrave MacMillan, 2020.) e perspectivas feministas como a de bell hooks (2020)HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020., além de outras áreas e temas.

Falecido em 1997, de maneira geral, sabemos que a obra de Paulo Freire continuou - e continua - guiando e iluminando novos trabalhos e conceitos. Também visualizamos, pela mídia, que ela ganhou ainda maior projeção a partir da segunda década do século XXI, diante do crescimento de governos com tendências fascistas, estabelecidos em diferentes lugares do mundo. Nos últimos anos, no Brasil, a obra freiriana tem sido sistematicamente atacada por governantes, acarretando numa reação da academia e do setor educacional para manter seu nome como patrono da educação brasileira (MACRINE, 2020MACRINE, S. L. (ed.). Critical pedagogy in uncertain times: hope and possibilities. London: Palgrave MacMillan, 2020.). Ao mesmo tempo, Paulo Freire passou a ocupar mais a atenção de autores(as) e de diferentes correntes teóricas, inclusive as epistemologicamente divergentes de sua perspectiva e dos conceitos esperançosos e comprometidos com a transformação social por ele elaborados; ou seja, autores(as) que divergem de suas bases e conceitos passaram a citá-lo em seus escritos. Todavia, para além de impressões gerais, a atual posição mundial da obra de Paulo Freire merece, no centenário de nascimento do educador, ser analisada com base em evidências concretas. Nesse sentido, como pesquisadoras freirianas, propusemo-nos tal tarefa.

A primeira questão que nos pusemos para a elaboração deste artigo foi de escopo mais amplo. Perguntamo-nos: como o legado de Freire tem sido evocado, desde 1997, data de sua morte, até julho de 2021, ano de seu centenário, em diferentes partes do mundo?

A segunda pergunta, de caráter mais qualitativo, baseou-se em um tema específico explorado em pesquisa anterior,1 1 Pesquisa de doutorado defendida em 2021 por Cristiane Fontes de Oliveira junto ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob a orientação de Roseli Rodrigues de Mello. da qual fazemos aqui um recorte de dados. O questionamento foi: Como Paulo Freire é referenciado em artigos nacionais e internacionais dedicados à alfabetização de pessoas que vivem e/ou trabalham no campo? Considerando-se que sua obra foi dedicada a analisar a relação entre opressores(as) e oprimidos(as) em vários contextos e perspectivas, entendemos que as pessoas adultas analfabetas, entre as quais os(as) trabalhadores(as) rurais, foram sujeitos que tiveram, na vida e na obra do autor, atenção central. Nossa curiosidade epistemológica sobre esse tema específico foi: Paulo Freire influencia o trabalho pedagógico de alfabetização desenvolvido na educação do campo? Passemos a responder à primeira pergunta.

A Atualidade de Paulo Freire em Artigos de Plataformas Internacionais

Para responder à nossa primeira pergunta de pesquisa, realizamos levantamento bibliográfico em três plataformas internacionais: Scopus,2 2 Na página web da Scopus, encontramos a declaração de que compõem seu acervo 41.524 revistas científicas das mais diferentes áreas do conhecimento, originárias de 280 países diferentes. Do total, 41.508 são de acesso aberto. a maior plataforma acadêmica na atualidade; Web of Science,3 3 Na página web da Web of Science, consta a informação de que a coleção central, composta por revistas científicas, conta com 21.000, originárias de 240 países. plataforma mundialmente considerada a mais qualificada; e SciELO,4 4 Na página web da SciELO, é possível visualizar que compõem a base 1.493 revistas científicas, todas em acesso aberto, originárias de quinze países, sendo doze da América Latina. Do total, 379 são revistas brasileiras. plataforma de acesso totalmente aberta desde sua criação. A busca foi realizada com um único descritor - “Paulo Freire” -, limitado pelas aspas, e na categoria “artigos”. A coleta foi finalizada em 28 de julho de 2021. Na contagem, verificamos a quantidade de publicações por ano, país de origem, idioma e áreas de conhecimento. Utilizamos a contagem oferecida pelas próprias plataformas e tais categorias como critérios de inclusão. Confirmamos os dados lendo os resumos dos textos e excluímos aqueles que não tratavam de Paulo Freire, educador pernambucano.

Assim como foi possível constatar, no inventário realizado por Ana Maria de Araújo Freire (2006)FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma história de vida. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2006., a importante inserção que a obra de Paulo Freire, ao longo da vida do educador, teve em diferentes lugares do mundo, ao analisarmos os dados coletados de 1997 a 28 de julho de 2021 junto às plataformas Scopus, Web of Science e SciELO com o descritor “Paulo Freire”, pudemos verificar que seu legado continua vigoroso. Na Tabela 1, vê-se que foi publicado, no período, um total de 2.157 artigos, sendo 832 em revistas registradas na plataforma Scopus; 860, na plataforma Web of Science; e 465, na plataforma SciELO. Dos 465 artigos publicados nessa última plataforma, 333 são de revistas brasileiras. É importante alertar aos(às) leitores(as) de que se trata de uma estimativa, uma vez que há artigos que se repetem nas três plataformas.

Tabela 1
Número de artigos por ano, de 1997 a julho de 2021, publicados em três plataformas internacionais

Ao focarmos em alguns anos específicos, os quais marcaram a obra de Paulo Freire após sua morte, observamos como a diferença no número de publicações em cada uma das plataformas é notável (dados em negrito na Tabela 1). Em 1998, por exemplo, ano seguinte ao falecimento do educador, quando poderiam ter sido escritas homenagens a ele, localizamos na Scopus seis artigos sob o descritor “Paulo Freire”; na Web of Science, três artigos; e na SciELO apenas um. No ano de 2007, dez anos após sua morte, nota-se crescimento importante de publicações nas três plataformas em relação ao ano anterior: na Scopus, o número passa a 29; na Web of Science, a dez; e, na SciELO, a dezesseis. Quanto ao ano de 2017, quando se completaram vinte anos da morte de Freire, na Scopus foram localizados 42 artigos; 96 na Web of Science; e 23 na SciELO. Com base nesses dados, afirmamos que tais números indicam um crescimento vigoroso de uma década para outra. Atribuímos esse fato à resposta de pesquisadores e pesquisadoras à escalada de governos fascistas em vários lugares do mundo, inclusive o Brasil.

O ano de 2019 foi particularmente importante para a produção voltada à obra freiriana, em vista da manifestação de intenção, pelo presidente brasileiro, de retirar de Paulo Freire o título de patrono da educação brasileira. Na Scopus, foram encontrados 62 artigos publicados sobre Freire no ano; na Web of Science, 106 artigos; e, na SciELO, na coleção total, 48 artigos. Analisando as publicações de tal ano, chama a atenção o aumento ocorrido na SciELO, inclusive na coleção brasileira, na qual foram encontrados 36 artigos.

Outro ano de referência por nós destacado foi o de 2020, quando se completaram cinquenta anos da publicação da Pedagogia do Oprimido5 5 Embora Paulo Freire tenha concluído a redação de Pedagogia do Oprimido em 1968, a primeira publicação da obra foi em 1970, em língua inglesa (Ana Maria de Araújo Freire, 2006). : na Scopus, foram captados 96 artigos com o descritor “Paulo Freire”; 158 na Web of Science; e 57 na SciELO. Finalmente, quando observamos os artigos captados até julho de 2021, ano do centenário do educador, a Scopus registrou 75; a Web of Science, 45; e a SciELO, 29.

Ao analisarmos os dados organizados na Tabela 1, podemos afirmar que o número de publicações por ano mostra a atualidade de Freire e o crescente acesso ao seu legado. Quanto à comparação entre as três plataformas, é compreensível que, pelo número de periódicos indexados pela Scopus e pela Web of Science, o montante de publicações por ano no período estudado seja muito maior do que na SciELO.

Pudemos verificar a abrangência da atualidade da obra de Paulo Freire ao analisarmos, nas três plataformas, os países de origem das publicações captadas. Foram identificados sessenta países: na Scopus, todos eles estão presentes; 54 deles estão na Web of Science; e quinze estão na SciELO. São países das Américas, da África, da Europa, do Oriente Médio e do Oriente. Os três países com maior número de publicações são: na Scopus, Brasil (289 artigos), Estados Unidos (218 artigos) e Reino Unido (78 artigos); na Web of Science, Brasil (354 artigos), Estados Unidos (172 artigos) e Reino Unido (67 artigos); e, na SciELO, Brasil (335 artigos), Portugal (28 artigos) e Argentina (15 artigos). Assim, pode-se notar que o Brasil está em primeiro lugar na produção de artigos sobre Paulo Freire nas três plataformas entre os países que mais publicaram nesses últimos 25 anos, seguido pelos Estados Unidos, presente em duas plataformas, e pelo Reino Unido, também em duas plataformas. A extensão do legado atinge sessenta países identificados!

Os artigos foram publicados em doze diferentes idiomas, todos presentes na Scopus, cinco na Web of Science e três na SciELO. Os mais utilizados foram: inglês, português e espanhol, respectivamente, na Scopus e na Web of Science. Na SciELO, 384 textos foram publicados em português, 97 em inglês e 35 em espanhol. Verifica-se que, embora a tradução dos livros de Paulo Freire para vinte idiomas tenha permitido o acesso ao seu legado, após sua morte, nos artigos, o inglês tem sido o idioma mais utilizado para circulação e vivificação de seu patrimônio, chegando a sessenta países diferentes - o que estimula e desafia pesquisadoras e pesquisadores brasileiros a investirem mais atenção à escrita de seus trabalhos em inglês.

Quanto às áreas de conhecimento registradas pelas plataformas acessadas no estudo, pudemos perceber que, das 61 que constam na Scopus, as que mais veicularam o legado de Paulo Freire foram: Social Sciences (622 artigos); Arts and Humanities (163 artigos); e Nursing (97 artigos). Na Web of Science, das 22 áreas anotadas, apresentaram maior volume de artigos as seguintes: Education/Educational Research (444 artigos); Social Sciences (51 artigos); e Nursing (49 artigos). Na SciELO, das oito áreas indicadas, as que mais contemplaram a obra de Paulo Freire foram: Ciências Humanas (281 artigos); Ciências da Saúde (194 artigos); e Ciências Sociais Aplicadas (51 artigos). Por meio da leitura dos resumos, verificou-se que Paulo Freire é referência para afirmar humanização, diálogo e conscientização para além da área educacional, mas também em processos de atendimento na saúde e de conscientização na agroecologia, etc.

Em suma, sobre a primeira questão que guia este artigo, podemos indicar que o legado de Paulo Freire tem sido evocado, desde 1997, data de sua morte, até julho de 2021, ano de seu centenário (2.157 artigos localizados). Também é possível dizer que isso se deu em diferentes partes do mundo (os sessenta países de origem dos artigos mostram a abrangência da obra). Além disso, sua presença se mostra crescente (vinte artigos localizados nas plataformas em 1997 contra 311 em 2020). Foram encontrados artigos em doze diferentes idiomas e em diferentes áreas do conhecimento (Ciências Humanas, da Saúde e Sociais Aplicadas; Linguística, Letras e Artes; Ciências Exatas e da Terra; Artigos multidisciplinares; e Ciências Biológicas). Assim, evidencia-se a atualidade da obra de Paulo Freire.

Para aprofundar a compreensão sobre as maneiras pelas quais esse legado vem sendo apropriado pelo(as) pesquisadores(as) do mundo, dedicamo-nos, a seguir, à análise de cunho qualitativo sobre a alfabetização na educação do campo. Nos anos de 1950 e 1960, início da trajetória de Paulo Freire como educador, a população do campo, massivamente analfabeta e explorada, compunha a maioria do povo brasileiro marginalizado. Para essa população, Freire dirigiu muito de sua preocupação e de sua dedicação ao longo de toda a sua vida. Depois de sua morte, infelizmente, essa população configura o maior contingente mundial de analfabetismo e pobreza. Por isso, acreditamos que dar relevo à influência de Paulo Freire nesse tema signifique focar sua relevância e sua atualidade em tema fulcral. Passemos a ele.

Paulo Freire e a Alfabetização na Educação do Campo

As pessoas campesinas continuam participando no mundo como uma população marginalizada e vulnerável à extrema pobreza, conforme apontam dados do The International Policy Centre for Inclusive Growth (IPC-IG, 2019IPC-IG [THE INTERNATIONAL POLICY CENTRE FOR INCLUSIVE GROWTH]. Rural poverty reduction in the 21st century. Policy in Focus, [s. l.], v. 16, n. 1, 10 Apr. 2019. Disponível em: http://ipcig.org/sites/default/files/pub/en/PIF44_Rural_poverty_reduction_in_the_21st_century.pdf. Acesso em: 17 jul. 2020.
http://ipcig.org/sites/default/files/pub...
): cerca de 80% da população extremamente pobre no mundo vive em territórios rurais.

Os maiores índices de analfabetismo ainda estão entre pessoas dessa população, como demonstram Pereira e Castro (2019)PEREIRA, C. N.; CASTRO, C. N. Educação: contraste entre o meio urbano e o meio rural no Brasil. Boletim Regional, Urbano e Ambiental, Brasília, DF, n. 21, jul./dez. 2019. no caso do Brasil. Faz-se importante destacar que, em 2019, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a “Década da Agricultura Familiar”, em atenção à condição de pobreza dessa população e à sua importância para a segurança alimentar mundial (FAO, 2019FAO [ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA]. Década das Nações Unidas para a Agricultura Familiar. FAO no Brasil, 11 abr. 2019. Disponível em: http://www.fao.org/brasil/noticias/detail-events/pt/c/1190270/. Acesso em: 17 jul. 2021.
http://www.fao.org/brasil/noticias/detai...
).

Segundo Ana Maria de Araújo Freire (2006)FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma história de vida. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2006., Paulo Freire se encontrou com a alfabetização de pessoas de territórios rurais no Movimento de Cultura Popular (MCP) em Recife (PE), no CEPLAR (Campanha de Educação Popular da Paraíba), em Angicos (RN) e em suas experiências com a alfabetização de pessoas adultas. Teve, ainda, um relevante trabalho para a educação da população campesina durante a vivência no exílio imposto pelo golpe militar de 1964 no Brasil.

No segundo país de moradia, o Chile, Freire trabalhou no Instituto de Desenvolvimento Agropecuário (INDAP), no setor de Promoção Humana. Atuou, também, no Ministério da Educação do Chile, na Chefatura de Planos Extraordinários de Educação de Adultos e no Instituto de Capacitação e Investigação Agrária (ICIRA) (FREIRE, 2006FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma história de vida. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2006., p. 187), desenvolvendo a educação de pessoas adultas como processo de reforma agrária. A experiência chilena proporcionou, em nossa visão, a criação de um de seus mais belos trabalhos, Extensão ou Comunicação? (FREIRE, 2013FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.), publicado primeiramente em espanhol, em 1969. Nessa obra, Paulo Freire aborda a relação de trabalho entre o(a) agrônomo(a) e o homem e a mulher do campo. Suas proposições, como toda a sua epistemologia e a sua ontologia, expressam-se na ideia de que as pessoas aprendem juntas. Dessa forma, ele propõe que o(a) agrônomo(a) (re)conheça a importância dos saberes populares campesinos, os saberes de experiência feitos e, por meio deles, estabeleça diálogo com homens e mulheres agricultores(as), baseando-se no conhecimento, no reconhecimento e no respeito ao trabalho camponês. Ana Maria de Araújo Freire define a obra Extensão e Comunicação? como “[...] um tratado ainda atual da teoria da comunicação” (2017, p. 333) freiriana.

Compreendemos que as reflexões de Freire, no conjunto de seus estudos sobre ensino de língua materna, expressam-se em uma teoria da linguagem que é parte de sua teoria do conhecimento, a qual começa em seus primeiros estudos sobre teorias e metodologias de ensino para alfabetização, estendendo-se até suas reflexões mais amplas e filosóficas sobre linguagem e ensino da língua materna. O cerne dessas reflexões está no “diálogo dialógico”, a dialogicidade, o “diálogo verdadeiro”, no dizer de Paulo Freire (1983; 2005)FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.; ou seja, diálogo que se faz na escuta fraterna das pessoas, para, com elas (e não para elas ou delas), produzir entendimentos, saberes e fazeres num processo de síntese, não de invasão, em “unidade na diversidade”6 6 O conceito de “unidade na diversidade” (FREIRE, 2014, p. 208-212) tem relação com a necessidade de que os(as) oprimidos(as) trabalhem coletivamente com base em suas semelhanças, não só em suas diferenças, para conjuntamente superarem as condições de opressão. Tem relação com consensos de luta, para superação das mazelas sociais, com respeito e acolhimento dos aspectos que compõem a diversidade de formas de ser e se fazer no mundo das pessoas, em suas singularidades. Tem relação, portanto, com a necessidade de união (FREIRE, 2005, p. 141-213) dos(as) historicamente oprimidos(as) para vencer as forças opressoras. (FREIRE, 2014, p. 208-212), não sobreposição ou exclusão.

Para Freire (1983FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.; 2005FREIRE, P. (1974) Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.; 2013FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.; 2014)FREIRE, P. (1992) Pedagogia da esperança: um encontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. e Freire e Macedo (2013)FREIRE, P; MACEDO, D. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013., existem dois movimentos que dão base à práxis humana, um dialógico e outro antidialógico. A “alfabetização emancipadora” (FREIRE; MACEDO, 2013FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.) tem relação com a dialogicidade freiriana, com um movimento que se dá por meio do diálogo ético, solidário, que se faz com a humildade de quem compreende que aprende ao ensinar e pode ensinar ao aprender. Esse tipo de diálogo conhece, reconhece e fortalece as culturas, (re)conhecendo-as em suas diferenças, mas buscando a unidade nas lutas sociais. Tem, em suma, um “conteúdo programático” (FREIRE, 2005FREIRE, P. (1974) Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005., p. 96-110) - pois possui um conteúdo rico em saberes “verdadeiros”, referendados pelas teorias e experiências sociais - e é humanizador -age na promoção do “ser mais” (FREIRE, 2005FREIRE, P. (1974) Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005., p. 32). Por isso, é um diálogo crítico, problematiza as realidades do mundo, mostrando, dessa maneira, as possibilidades para o futuro. Por mostrar as possibilidades, faz perceber que a pessoa humana é um ser do “trânsito” (FREIRE, 1983FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983., p. 47-48); está condicionada às estruturas sociais, mas não determinada por elas, podendo pensar e fazer melhores relações sociais. O outro tipo de alfabetização, que consideramos “alfabetização da sujeição”, antidialógica, tem relação com o total oposto da alfabetização da emancipação, porque é negação do “ser mais”; nega a vocação humana de humanização e a possibilidade de criação livre e fraterna da pessoa humana como ser “educável” - apta a melhorar constantemente a si e ao mundo.

Há uma relação, portanto, entre consciência, linguagem7 7 Freire e Macedo dizem: “Minha linguagem e pensamento, creio, são uma unidade dialética” (2013, p. 221). e mundo (nas relações subjetivas e objetivas), na medida em que nossa ação no mundo se faz com a linguagem, constituindo-a e sendo constituída por ela. Assim, Freire propõe a compreensão profunda dos aspectos constituidores da linguagem e cria uma proposta, em teoria e prática, para o ensino de língua, que começa por meio de uma perspectiva de “mergulho antropológico”, de estudo do universo dos(as) educandos(as): como são, como vivem, o que e como falam.

Contar sua realidade e analisá-la juntamente com o(a) educador(a) é o próximo passo para o qual educandos(as) são convidados(as). Seguidamente, cabe a educadores(as), sabedores(as) da língua e do seu ensino, selecionar um conjunto de palavras com valores fonológico, semântico e pragmático para a composição de atividades para o processo de ensinar e aprender que será desenvolvido em aula (FREIRE, 1983FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.). As palavras a serem primeiramente ensinadas devem se referir às temáticas da atualidade, promovendo o desenvolvimento da compreensão crítica sobre as coisas do mundo. Na alfabetização freiriana, primeiro compreende-se a palavra do e no mundo, a palavra em seu contexto - que é histórico, cultural, social - e, depois, explica-se como ela, em sua estrutura grafofonêmica, funciona; ou seja, como se faz para lê-la e escrevê-la. Dessa forma, a palavra possui sentido para o(a) educando(a), que passa a querer aprendê-la porque compreende que, para ser pessoa de direito no mundo, ativa e não passiva, interferidora (em âmbito individual e coletivo), é preciso dominar a substância da palavra em sua totalidade, que não é só fonológica, morfológica, sintática, mas é também semântica, estilística, pragmática.

Em Paulo Freire, a alfabetização se expressa como conjunto de conhecimentos sobre a linguagem e é reflexão e ação, não apenas uma teoria ou um método. O ensino da língua, em sua complexidade, precisa se dar na relação dialógica que se estabelece entre educadores(as) e educandos(as). Dessa maneira, tem potencialidade para levar à conscientização, porque tem um conteúdo programático, um problema da sociedade a ser pensado. Justamente por esse conteúdo, o ensino da língua começa com os “Círculos de Cultura” (FREIRE, 1983FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.), ou seja, nos momentos em que, dialogicamente - em interação democrática e horizontal dos educadores(as) com os educandos(as) -, temas relevantes da sociedade contemporânea são discutidos, tendo como primeira fonte indutora da reflexão a “palavra geradora”, que depois vai ganhando forma de “tema gerador”.

Como bom professor, pensando em uma metodologia de fazer a alfabetização dialógica, Freire (1983)FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. criou uma parte metodológica para seu sistema de alfabetização (parte de sua teoria da linguagem), que ficou conhecida como “Método Paulo Freire”. A parte mais significativa desse método - e que, acreditamos, ainda é pouco empregada nas escolas brasileiras - é a tomada da palavra como “palavra geradora” (FREIRE, 1983FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.), como aquela que se expressa como base da reflexão e da ação, porque é capaz de “gerar” a reflexão crítica sobre as coisas do mundo e sobre nossa própria posição nele. Começa primeiro, portanto, com a pesquisa do universo vocabular do(a) educando(a), que se faz de forma participante e, mais do que isso, é uma busca pela compreensão sobre a “leitura de mundo” dos(as) alunos(as), para que o(a) educador(a) seja capaz de desenvolvê-la por meio da ampliação das atividades de “leitura da palavra - leitura do mundo” (FREIRE, 1983FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.; FREIRE; MACEDO, 2013FREIRE, P; MACEDO, D. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.).

Com uma “educação verdadeira” de língua - “verdade” que se dá no ensino da língua materna em sua complexidade - o(a) educando(a) compreende melhor como as coisas do mundo se constituem, inclusive a si próprio(a). Trata-se de uma educação que se presta à conscientização, não é manipulação: é a maneira ética de ensinar ao(à) educando(a) não só os saberes científicos em forma puramente técnica, mas como eles se constituem e a partir de quais e para quais contextos. Nesse sentido, o diálogo-dialógico freiriano quer garantir que as diferentes opiniões sejam igualmente ouvidas e avaliadas com base na validade da argumentação, que se dá nos saberes que apresenta, na capacidade de coerência entre fala e ação e na promoção de consensos por meio da unidade na diversidade (FREIRE, 2005, p. 89-139; 191-213).

Essa concepção - além da concepção de uma proposta para a comunicação humana - é elucidada na obra Extensão ou Comunicação? (FREIRE, 2013FREIRE, P; MACEDO, D. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.), na qual se verifica que, para Paulo Freire, a comunicação deve ser sempre um projeto de construção coletiva, porque é diálogo que se faz com as pessoas, entre elas, e não pelas pessoas ou para elas.

Retomados elementos centrais da práxis freiriana de alfabetização na educação do campo, passamos a seguir a apresentar e a analisar como tal práxis tem sido incorporada, atualmente, por pesquisadoras e pesquisadores de diferentes lugares do mundo.

A Atualidade de Paulo Freire na Alfabetização na Educação do Campo

Para responder à segunda pergunta que guia este artigo, seguimos os passos indicados por Laurence Bardin (2016)BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016. 229 p., para a análise de conteúdo de artigos selecionados por meio de pesquisa bibliográfica (SALVADOR, 1982SALVADOR, A. D. Métodos e técnicas de pesquisa bibliográfica. Elaboração e Relatório de Estudos Científicos. Porto Alegre: Sulina, 1982.). Buscamos, em plataformas escolhidas para esta parte do estudo (Web of Science e Scopus), artigos que, além do descritor “Paulo Freire”, tivessem o descritor “educação do campo” associado, no campo da Educação. Como nada encontramos, utilizamos, sequencialmente, o descritor “educação rural” e, nesse caso, poucos resultados foram verificados na época da coleta (março de 2019) nas plataformas. Assim, constatamos que o caminho mais produtivo seria deixar de lado o descritor “Paulo Freire” e passar a utilizar outros descritores para a busca; além disso, foi agregada uma plataforma a mais ao trabalho: a Eric ProQuest.

O caminho foi inverso ao utilizado na primeira parte do estudo apresentado no artigo: nas produções sobre educação do campo, buscamos se Paulo Freire apareceria como referência e como tal referência estaria sendo utilizada. O descritor “Rural Education” foi o primeiro a ser aplicado, já que se verificou que é o mais utilizado internacionalmente para se referir à educação de populações de territórios rurais - o termo “educação do/no campo”, utilizado predominantemente na pesquisa brasileira sobre educação de populações campesinas, é pouco utilizado no contexto de outros países, pelo que se optou pelo descritor com maior abrangência internacional. Entendemos que essa questão se deva, em síntese, a uma particularidade da produção científica brasileira sobre educação em territórios rurais, que, inspirada pelo movimento denominado de “por uma educação básica do campo”, iniciado na década de 1990 por movimentos sociais de luta por reforma agrária e por intelectuais brasileiros(as), fez a opção pelo termo “do campo” em substituição a “rural”, com o propósito de criar um conceito que se diferenciasse das ideias do chamado “ruralismo pedagógico” - movimento que surgiu na década de 1930, centrado nos interesses das oligarquias agrárias brasileiras para a educação dos(as) camponeses(as). Dessa forma, a educação “do campo” pretende ser, no dizer de CaldartCALDART, R. S. Educação do Campo (verbete). In: CALDART, R. S. et al. (org.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/São Paulo: Expressão Popular, 2012. p. 257-266., “[...] expressão legítima de uma pedagogia do oprimido” (2012, p. 263), em alusão à obra de Freire (2005)FREIRE, P. (1974) Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005., feita com e pelos(as) camponeses(as), e não para eles(as).

Procuramos, inicialmente, na leitura e na análise dos resumos dos trabalhos encontrados, por artigos que tratassem da educação do campo, a fim de conferirmos um panorama geral das discussões sobre essa temática e que pudessem colaborar para se pensar a alfabetização das populações rurais. Nesse momento, como parte das decisões de delimitação do escopo do estudo, foi excluída a maior parte dos trabalhos que tratavam da educação indígena, quilombola ou do ensino bilíngue. Optamos, ainda, por restringir o período de busca de trabalhos para 2014 a 2019, quando as buscas apresentaram muitos resultados, considerando suficiente o período de cinco anos para a produção de um ensaio analítico e qualitativo sobre a presença de Paulo Freire na produção mundial a respeito da alfabetização na educação do campo.

Outra circunscrição deu-se quanto ao idioma dos textos: foram selecionados apenas os escritos em português, espanhol ou inglês, pela possibilidade de leitura e compreensão nos idiomas. Por fim, definimos o campo de estudo: Educação. Em seguida, para podermos ter acesso a um panorama geral das discussões sobre alfabetização-letramento8 8 No contexto deste estudo, “letramento” é considerado processo de alfabetização. na educação do campo, optamos por buscas mais refinadas, com o uso do descritor “Literacy” associado (“Rural Education” - “Literacy”). Executamos, ainda, uma busca associada com o descritor “Textbook” (“Rural Education” - “Textbook”), tendo em vista o livro didático ser portador de opções metodológicas. Também buscamos na plataforma Eric ProQuest, por meio dos descritores isolados “Rural Literacy” e “Placed-based Education”

Ao final do processo, feita a leitura dos resumos dos artigos, foram selecionados 82 para a amostra total, de diferentes partes do mundo, com diferentes temáticas acerca da educação do campo: 34 artigos eram brasileiros (41%) e o restante era de países como África do Sul, Argentina, Austrália, Canadá, Chile, China, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, Índia, Inglaterra, México, Nova Guiné, Paquistão, Peru, Portugal, Suíça, Suécia, Turquia e Uruguai. O segundo maior contingente de artigos encontrados foi dos Estados Unidos (quinze artigos; 18% da amostra total).

Durante a leitura desses trabalhos, foi aplicada uma análise em escala (BARDIN, 2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016. 229 p.), de modo a mensurar neles a influência da obra freiriana. A escala de variáveis foi um recurso utilizado para tentar compreender em que sentido os trabalhos faziam uso dos estudos de Paulo Freire. Assim, delimitamos os seguintes indicadores: a) estudos que possuam a teoria freiriana como um dos referenciais, com citações diretas, mesmo que também façam uso de outros(as) autores(as); b) artigos que possuam como referencial teorias influenciadas pela obra de Paulo Freire, contudo, sem citações diretas; e c) artigos que possuam outras perspectivas teóricas.

Do conjunto de 82 artigos, 279 9 Os artigos do conjunto amostral de dados citados estão classificados por siglas alfanuméricas e suas indicações bibliográficas constam no Apêndice: A - Artigo; N - Nacional; I - Internacional. acusaram algum nível de influência da obra de Paulo Freire, o que representa 32% dos trabalhos - ou seja, 1/3 dos trabalhos captados apontou alguma relação com os estudos freirianos. Desses, os contextos são: oito latino-americanos (sete brasileiros e um colombiano); catorze norte-americanos; um europeu; e quatro oceânicos. No caso do grupo latino-americano, todos figuram no grupo do indicador A (AN03; AN08; AN09; AN13; AN14; AN19; AN21; e AI10), assim como o único artigo europeu (AI24). No caso do grupo norte-americano, uma parte refere-se ao grupo A (AI01; AI06; AI11; AI16; AI17; AI27) e outra parte maior ao indicador B (AI04; AI05; AI12; AI20; AI22; AI23; AI25; AI26). Por fim, entre os oceânicos, um figura no grupo A (AI18) e o restante no grupo B (AI02; AI07; AI15). Portanto, são dezesseis trabalhos no indicador A e onze no indicador B.

Os indicadores de contexto (BARDIN, 2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016. 229 p.) foram definidos por meio da verificação do contexto sobre o qual os(as) autores(as) falavam e, no caso de pesquisa bibliográfica, indicamos a nacionalidade com base na instituição de ensino na qual os(as) autores(as) - ou o(a) autor(a) principal - estão vinculados(as).

Identificamos, no nível B, dois subcampos de estudos que foram verificados na amostra total, obtidos por meio da leitura dos 82 artigos científicos captados nas bases de dados, os denominados “Placed-based Education” (educação baseada no lugar) e “Rural Literacies” (letramentos rurais), os quais são apresentados internacionalmente como perspectivas criadas tendo como uma de suas bases as proposições de Paulo Freire (CORBETT; DONEHOWER, 2017CORBETT, M.; DONEHOWER, K. Rural literacies: toward social cartography. Journal of Research in Rural Education, Orono, v. 32, n. 5, p. 1-13, 2017.).

Como unidade de contexto, pudemos mais uma vez verificar que a obra de Paulo Freire circulou - e ainda circula - pelo mundo, comprovando a sua presença e a sua relevância mundial na produção em Educação e, mais especificamente, para os estudos sobre alfabetização e sobre educação do campo. Com a leitura aprofundada do conjunto amostral principal, percebemos que os trabalhos eram consensuais em afirmar a perspectiva de Freire em duas dimensões, constituindo, assim, importantes indicadores:

  1. a importância do contexto de vida do(a) educando(a) para os processos de ensino-aprendizagem; e

  2. as culturas como uma das bases fundamentais do pensamento crítico-problematizador.

Sobre a importância do contexto de vida do(a) educando(a), os trabalhos, consensualmente, abordam esse contexto como aspecto de grande importância na delimitação das identidades desses indivíduos. Por isso, ele deve figurar como fonte de recursos didáticos para o trabalho do(a) educador(a). Ou seja, entende-se que, a partir da compreensão da sua própria realidade, o(a) educando(a) pode compreender melhor outros contextos. Nesse sentido, sendo o território de moradia (e, na maior parte dos casos das pessoas rurais, também de trabalho) um dos fatores constitutivos das identidades, ele pode e deve se tornar objeto de estudo pelos(as) educadores(as) para que melhor o compreendam e o tornem base para o ensino dos conteúdos científicos, de modo que, assim, posteriormente, o(a) próprio(a) educando(a) o veja por meio de outras perspectivas e consiga estabelecer a relação necessária entre o “seu mundo” e “o mundo dos(as) outros(as)”.

Paulo Freire (2005) foi um entusiasta da cultura popular, não só por ser um “homem do povo”, fazedor ele próprio de cultura popular, mas também porque compreendia a riqueza de saberes e práticas das culturas de todos os povos - muitas vezes marginalizadas - e porque entendia que, partindo da realidade posta, poderia ser mais fácil para o(a) educando(a) aprender os saberes científicos escolares, na relação de teoria que se percebe na prática. Para Freire, parece mais natural que primeiro se aprenda a ler e escrever o que se diz no seu cotidiano, o universo da sua própria linguagem, o seu “universo vocabular” (1983, p. 112-115).

Waller e Barrentine>WALLER, R.; BARRENTINE, S. J. Rural elementary teachers and place-based connections to text during reading instruction. Journal of Research in Rural Education, Orono, v. 30, n. 7, p. 1-13, 2015. sintetizam, de maneira certeira o que compreendemos como o pensamento de Freire aplicado à alfabetização campesina: “Quando os(as) educandos(as) são orientados(as) a entrelaçar sua comunidade com o texto, não apenas a relevância do texto aumenta, mas também a relevância da comunidade”

(2015, p. 11, tradução nossa).10 10 Texto original: “When students are guided to interweave their community with text, not only is the relevance of text increased, but so is the relevance of community.”

Quanto às culturas serem apresentadas como uma das bases fundamentais do pensamento crítico-problematizador, a educação deve ser culturalmente relevante, segundo os trabalhos analisados: ou seja, uma educação que promova ao educando(a) a reflexão sobre sua própria cultura e as demais, para, assim, promover e fazer compreender a realidade social do(a) educando(a) e dos(as) demais pessoas/povos, em um tipo de compromisso ético, tão enfatizado por Freire (1983FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.; 2005FREIRE, P. (1974) Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.; 2014FREIRE, P. (1992) Pedagogia da esperança: um encontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.), no qual cabem apenas os saberes contextualizados, porque todo conhecimento se dá em meio a um contexto social, em suas diferentes facetas.

Freire (1983)FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. propõe, desde o início de suas reflexões sobre alfabetização, que o(a) educador(a) comece o ensino da língua com reflexões sobre as culturas. O autor (1983, p. 39-64, p. 109-110) compreendia que, fazendo o(a) educando(a) se compreender como ser de cultura (o que o(a) diferencia dos demais animais), conseguiria rapidamente se ver como ser “interferidor(a)”, que produz e é produzido pelas relações culturais e sociais e, dessa forma, o(a) educando(a) poderia ter a oportunidade de ver-se como potencialmente transformador(a) delas.

Para os territórios rurais, os trabalhos analisados propõem conhecer e pensar sobre as culturas campesinas, sem, com isso - conforme advertiu Freire (2014, p. 98) -, ficar “aderido” a elas. Nesse sentido, os trabalhos analisados indicam uma série de estratégias didáticas para conhecer, reconhecer e pensar sobre as culturas rurais e suas problemáticas, empoderando-as.

Do contingente de artigos que revelaram influência da práxis freiriana, os artigos AI01, AI04, AI05, AI06, AI07, AI10, AI11, AI12, AI16, AI18, AI20, AI22, AI23, AI25, AI26 e AI27 tratam explicitamente de algum aspecto do ensino de língua materna às populações rurais, ou seja, dezesseis trabalhos (59% da amostra). Nota-se que nenhum deles vincula-se ao contexto brasileiro (com base na verificação das unidades de contexto), o que pode denotar uma carência de estudos com base freiriana sobre ensino de língua materna nos estudos nacionais em educação do campo. Com foco na análise das estratégias didáticas propostas pelos trabalhos, pudemos perceber alguns indicadores sobre como se organizam como práxis:

  • A - Estudos que propõem verificação etnográfica para dar base ao planejamento do(a) educador(a) (podemos ver esse indicador nos artigos internacionais AI11; AI18; AI21; AI22; AI25);

  • B - Estudos que propõem material didático, cultural e socialmente relevante, ou elaboração de materiais criados de forma colaborativa ou participante, que se dediquem a problematizar as questões rurais (AN08 - nacional; AI01; AI 12; AI20; AI22; AI24; AI25; AI26; AI27 - internacionais);

  • C - Estudos que propõem a realização de atividades que façam uso de aspectos dos territórios (geográficos, históricos, culturais, políticos, ideológicos etc.) como “matéria-prima” para o desenvolvimento de saberes científicos nas diferentes áreas do conhecimento, em contextos de educação em territórios rurais (verificados nos artigos nacionais AN03; AN13; AN14; AN19; AN21; e nos internacionais AI01; AI02; AI03; AI04; AI05; AI06; AI11; AI15; AI16; AI18; AI20; AI22; AI25; AI26; AI27);

  • D - Estudos que propõem que se faça uso de teorias (como a antropologia e sociologia rural), para pensar as identidades/culturas campesinas e suas demandas sociais (AN09 - nacional; AI10; AI11; AI16 - internacionais);

  • E - Estudos que propõem o uso de tecnologias para minimizar eventuais problemas causados pelo isolamento geográfico de comunidades campesinas (AN09 - nacional; AI01; AI07; AI10; AI20; AI23 - internacionais).

Outra questão a ser destacada é que, durante a análise dos artigos, dois subcampos de estudos foram verificados associados aos da educação do campo/educação rural: “letramentos rurais” e “educação baseada no lugar”.

Os estudos sobre os “letramentos rurais” advêm, conforme explicam Corbett e Donehower (2017, p. 3)CORBETT, M.; DONEHOWER, K. Rural literacies: toward social cartography. Journal of Research in Rural Education, Orono, v. 32, n. 5, p. 1-13, 2017., do grupo “educação e letramentos rurais” (“Rural Education and Literacies”; REAL), com pesquisadores(as) em Canadá, Austrália, Finlândia e Estados Unidos. Esses estudos nascem com base naqueles sobre os territórios rurais, na Pedagogia Crítica, principalmente fundamentados no conceito de “leitura de mundo” de Paulo Freire. Possuem, também, fundamento nos chamados “Novos Estudos de Letramento” e na educação progressista. Os artigos que fazem referência a esse conceito são: AI05; AI06: AI07; AI11; AI23; e AI26.

Já o conceito de “educação baseada no lugar” é, temporalmente, anterior ao de “letramentos rurais”, tendo também dado base às reflexões da REAL. Somerville (2010, p. 333-334)SOMERVILLE, M. J. A place pedagogy for global contemporaneity. Educational Philosophy and Theory, London, v. 42, n. 3, p. 01-19, 2010. https://doi.org/10.1111/j.1469-5812.2008.00423.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-5812.2008...
explica que essa proposta de abordagem educacional também tem como uma das inspirações a Pedagogia Crítica e os estudos freirianos, tendo como objetivo pensar, na teoria e na prática, as relações entre pedagogia e territórios, projetando-se como uma “pedagógica crítica do lugar” (SOMERVILLE, 2010SOMERVILLE, M. J. A place pedagogy for global contemporaneity. Educational Philosophy and Theory, London, v. 42, n. 3, p. 01-19, 2010. https://doi.org/10.1111/j.1469-5812.2008.00423.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-5812.2008...
, p. 334) e desenvolvendo-se, na atualidade, por exemplo, com fundamento nos estudos de David Gruenewald a partir da compreensão de que os territórios moldam as nossas identidades. Esse conceito pode ser visto nos artigos AI01; AI02; AI04; AI05; AI06; AI11; AI12; AI15; AI17; AI18; AI20; AI22; AI24; AI25; AI26; AI27.

Entendemos que os estudos apresentados pelos artigos relacionados a esses conceitos, assim como os demais artigos, conduzem a duas importantes categorias: uma que se refere a um tipo de “alfabetização de sujeição”, portanto, antidialógica, estritamente técnica e estruturalista, não reflexiva, eurocêntrica e urbanocêntrica; e outra que se refere a um tipo de “alfabetização emancipadora” - conceito elaborado por Freire e Macedo (2013)FREIRE, P; MACEDO, D. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013. -, essencialmente dialógica e que, por sua vez, expressa a perspectiva freiriana de alfabetização.

Verificamos que o sistema de alfabetização de Paulo Freire ora aparece diretamente nos estudos que compuseram a amostra principal de dados, ora dá base para a constituição de outras perspectivas. Portanto, pode ser o que melhor responde às necessidades de ensino de língua às populações dos campos, já que pensa os saberes e fazeres sobre a linguagem em sua complexidade, atendendo às necessidades de aprendizagem instrumental e de inserção crítica e ativa no mundo.

Retornando à segunda indagação feita por nós na constituição deste artigo, ou seja, “como Paulo Freire é referenciado em artigos nacionais e internacionais dedicados à alfabetização de pessoas que vivem e/ou trabalham no campo?”, verificamos que o pensamento de Paulo Freire aparece em 1/3 da amostra total, configurando um dos(as) autores(as) mais referenciados(as) em meio aos estudos sobre educação do campo/educação rural. Verificamos também que as proposições de Freire apareceram em todos os artigos do conjunto amostral que se propuseram abordar o tema de ensino de língua a populações campesinas. Por fim, verificamos que esses estudos sobre linguagem ratificam as proposições freirianas, destacando uma necessidade de ensino de língua como expressão e empoderamento das identidades campesinas.

Considerações Finais

A partir do estudo bibliográfico realizado, quantitativo e qualitativo, pudemos evidenciar que Paulo Freire continua a ser referência mundial em diferentes áreas do conhecimento, major itariamente na Educação. De 1997 a 2021, sob o descritor “Paulo Freire”, foram localizados 2.157 artigos, originários de sessenta países e escritos em doze idiomas diferentes. Algo que nos surpreendeu foi o fato de ter havido, de 1997 para 2020, um crescimento substancial de artigos publicados. No estudo qualitativo, verificamos que a obra freiriana também é referenciada em alfabetização-letramento na educação do campo, dando base às perspectivas teóricas e práticas que têm como objetivo conhecer, reconhecer, preservar e empoderar as culturas camponesas, além de ajudar as populações rurais a pensar as suas sustentabilidades cultural, econômica e social não como aceitação e sobrevivência indigna na realidade posta, mas como movimento que resiste e que luta pela transformação social.

A práxis freiriana tem contribuído para a alfabetização das populações campesinas como base para compreensão e ação sociais, por meio daquilo que é uma das mais fortes expressões do humano, a sua língua materna. A alfabetização dialógica proposta por Freire pode ajudar não só as comunidades campesinas a pensar a sua língua, a sua cultura e a sua histórica, mas também a sua sustentabilidade social. Tal proposição está baseada na análise dos trabalhos científicos que puderam ser estudados por meio da pesquisa bibliográfica relatada, que ratificam consensualmente as proposições de Paulo Freire.

A alfabetização freiriana possui como base a “leitura do mundo-leitura da palavra” (FREIRE, 1983FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.) - o ensino da língua em sua totalidade. Tem como objetivo o “ser mais”, o melhoramento social, na perspectiva de que relações cada vez mais baseadas em solidariedade, equidade e fraternidade possam existir entre os povos, relacionando-se, ainda, com o “inédito viável” (FREIRE, 2005FREIRE, P. (1974) Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005., p. 108-100), conceito freiriano que se diz respeito ao projeto coletivo e democrático que a humanidade precisa assumir e se expressa como possibilidade viável de um mundo mais socialmente justo.

Embora o atual contexto, que chamamos de sociedade da informação - organizada em redes e baseada nas novas tecnologias da informação e comunicação -, tenha ampliado as possibilidades de expansão do capital, complexificando e agravando formas de exploração (CASTELLS, 2002CASTELLS, M. A sociedade em rede. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. v. 1.), ao mesmo tempo, cada vez mais, também gera demanda por espaços de diálogo, com reconhecimento e atendimento de direitos de grupos sociais historicamente marginalizados e oprimidos (FLECHA, 2001FLECHA, R. Por que Paulo Freire é o principal pedagogo na atual sociedade da informação? In: FREIRE, A. M. A. F. (org.). A pedagogia da libertação em Paulo Freire. São Paulo: Editora UNESP, 2001. p. 203-206.). A demanda por mais diálogo e por garantia de direitos pode ter, nas perspectivas teórica e prática de Paulo Freire, um caminho por meio da Educação para, juntamente com outras frentes, promover contextos de transformação social.

Em tempos de pandemia da Covid-19, que afetou consideravelmente a educação das populações marginalizadas, as quais costumam ter menos acesso à Internet e, consequentemente, às experiências da educação mediada por tecnologias, espera-se que este artigo ajude educadores(as) a pensar o empoderamento dessas populações ainda tão excluídas, por intermédio da alfabetização.

Por fim, considerando o potencial a ser ainda alcançado por pesquisadores(as) freirianos(as) brasileiros(as) na divulgação de seu trabalho, nossa proposta é a abertura à produção científica freiriana internacional, compondo com ela um importante conjunto de saberes que podem ajudar educandos(as) de todo o mundo a ter aprendizagens cada vez mais socialmente significativas, com possibilidade de conduzir à melhoria da qualidade de suas vidas e à construção coletiva de um novo projeto para o viver em sociedade, no qual todos e todas tenham direito ao “ser mais”. Nos artigos estrangeiros sobre a alfabetização na educação do campo, verificamos possibilidades importantes desse diálogo.

Notas

  • 1
    Pesquisa de doutorado defendida em 2021 por Cristiane Fontes de Oliveira junto ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob a orientação de Roseli Rodrigues de Mello.
  • 2
    Na página web da Scopus, encontramos a declaração de que compõem seu acervo 41.524 revistas científicas das mais diferentes áreas do conhecimento, originárias de 280 países diferentes. Do total, 41.508 são de acesso aberto.
  • 3
    Na página web da Web of Science, consta a informação de que a coleção central, composta por revistas científicas, conta com 21.000, originárias de 240 países.
  • 4
    Na página web da SciELO, é possível visualizar que compõem a base 1.493 revistas científicas, todas em acesso aberto, originárias de quinze países, sendo doze da América Latina. Do total, 379 são revistas brasileiras.
  • 5
    Embora Paulo Freire tenha concluído a redação de Pedagogia do Oprimido em 1968, a primeira publicação da obra foi em 1970, em língua inglesa (Ana Maria de Araújo Freire, 2006FREIRE, A. M. A. Paulo Freire: uma história de vida. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2006.).
  • 6
    O conceito de “unidade na diversidade” (FREIRE, 2014FREIRE, P. (1992) Pedagogia da esperança: um encontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014., p. 208-212) tem relação com a necessidade de que os(as) oprimidos(as) trabalhem coletivamente com base em suas semelhanças, não só em suas diferenças, para conjuntamente superarem as condições de opressão. Tem relação com consensos de luta, para superação das mazelas sociais, com respeito e acolhimento dos aspectos que compõem a diversidade de formas de ser e se fazer no mundo das pessoas, em suas singularidades. Tem relação, portanto, com a necessidade de união (FREIRE, 2005FREIRE, P. (1974) Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005., p. 141-213) dos(as) historicamente oprimidos(as) para vencer as forças opressoras.
  • 7
    Freire e Macedo dizem: “Minha linguagem e pensamento, creio, são uma unidade dialética” (2013, p. 221).
  • 8
    No contexto deste estudo, “letramento” é considerado processo de alfabetização.
  • 9
    Os artigos do conjunto amostral de dados citados estão classificados por siglas alfanuméricas e suas indicações bibliográficas constam no Apêndice: A - Artigo; N - Nacional; I - Internacional.
  • 10
    Texto original: “When students are guided to interweave their community with text, not only is the relevance of text increased, but so is the relevance of community.”

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2021
  • Aceito
    17 Set 2021
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