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Considerações sobre a problemática do direito autoral

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Considerações sobre a problemática do direito autoral

Leilah Santiago BufremI; Sônia Maria BredaII

IMestra em Educação pela UFPR e Professora-Assistente do Departamento de Biblioteconomia da UFPR

IIEspecialista em Biblioteconomia e Professora-Auxiliar do Departamento de Biblioteconomia da UFPR

1 - NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

As novas tecnologias para registro e tratamento da informação conferem as características de rapidez e eficácia ao processo de comunicar. Técnicas de registro de imagens visuais e sonoras multiplicam-se em ritmo acelerado, trazendo certa inquietação ao meio jurídico pela possibilidade de virem a ferir os direitos do autor sobre sua obra. Como a autoria de qualquer obra esteve sempre ligada aos progressos tecnológicos, as suas origens remontam à época dos mais antigos suportes do conhecimento.

Historicamente, o direito moral precedeu o patrimonial. Sabe-se que o direito autoral formalizou-se a partir da imprensa, todavia, era respeitado, na Grécia e Roma antigas, sob o aspecto moral. O plágio, então considerado ação desonrosa e desleal, era objeto de repúdio pela sociedade. Os autores romanos tiveram consciência de seus direitos sobre a obra realizada e chegaram a usufruir de benefícios pecuniários com a cópia das mesmas. Facilmente controlável, o delito era punido apenas com a sanção social. Durante a Idade Média, raramente ocorriam contrafações e estas, como o plágio, eram duramente condenadas pela opinião pública.

Com a invenção da imprensa por Gutenberg, a obra escapa ao controle do autor. O custo do livro diminui gradualmente, na proporção em que aumenta sua produção, facilitando a difusão de obras e sua conseqüente reprodução. Como resultado, surgem dois fatores determinantes para a formalização legal de documentos reguladores do direito patrimonial e moral do autor: as obras passam a ser objeto de lucro e de transações comerciais e a difusão em grande escala favorece o plágio, assim como a contrafação. Os editores passam a enfrentar grandes riscos. Suas edições no mercado são facilmente reproduzidas por outros editores, sem os trabalhos preliminares de elaboração de provas, correções e arranjos estéticos. Assim, a edição dos especuladores possibilita um barateamento do preço em relação à obra original.

A percepção do clero e do governo, na Europa, de que se encontravam diante de um instrumento de propagação de idéias e conseqüente poder político - a imprensa -, determina a prática da concessão de privilégios. Esses privilégios baseavam-se no interesse pela difusão de determinadas obias por parte dos editores, de modo a favorecer os objetivos políticos e religiosos. Estado e clero, desta forma, passam a exercer censura à imprensa, até o século XVIII, publicando editos reais e ordenanças, em troca dos privilégios.

O sistema de privilégios só foi abalado a partir das idéias dos filósofos liberais - em especial Locke, com a noção de individualismo - e da decadência das monarquias de direito divino. As restrições à liberdade de imprensa foram reduzidas, passando-se a questionar o monopólio de impressão. A situação de desequilíbrio entre uma estrutura arcaica e outra ainda não estabelecida formalmente leva os livreiros à defesa de seus privilégios com base na teoria da propriedade intelectual.

Atendendo a insistentes reclamos de uma corporação de livretos, foi submetido à Câmara dos Comuns, na Inglaterra, em 1709, o projeto de lei destinado a encorajar o estudo, colocando os exemplares de livros impressos sob o controle dos autores ou daqueles que os adquirissem durante o período previsto pela lei. Convertido na Lei da Rainha Ana, em 1710, este projeto foi legislação pioneira sobre o direito do autor, no sentido moderno do termo, reconhecendo pela primeira vez o direito individual pela obra publicada. Uma das formalidades a que devia se sujeitar o autor, além do registro de suas obras com o próprio nome, era o depósito de nove exemplares destinados a universidades e bibliotecas.

Com o desenvolvimento dos meios eletrônicos de comunicação de massa, do rádio, do cinema, da televisão, da fonografía, da fita magnética, da xerografía, da transmissão via satélite, o sistema de comunicações tornou-se muito complexo, ampliando, por sua vez, as formas e nuances dos direitos do autor.

Já no século XVIII, não bastou o copyright para satisfazer as necessidades de proteção ao autor. Em 1735 um artista inglês desencadeou uma ação contra reproduções piratas de seus desenhos, jurisprudência que resultou na adoção de uma lei sobre gravuras.

Quando interesse público e direito do autor são conflitantes, apresentam-se problemas que vêm sendo alvo de preocupações internacionais.

Ainda no século XIX, vários países se uniram na Convenção de Berna, visando à proteção das obras literárias e artísticas. Em 1886 é criada a União Internacional para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, cujas medidas vêm sendo revisadas continuamente.

Outra convenção, proposta pela UNESCO e realizada em Genebra, em 1952, é administrada por uma comissão intergovernamental. O Brasil é signatário das duas convenções.

2 - DIREITO AUTORAL NO BRASIL

Inaugurado em 11 de agosto de 1827 com a lei que criou os cursos jurídicos no Brasil, o direito autoral evoluiu proporcionalmente aos meios de comunicação. Em 1898, a Lei n.º 496 definiu e garantiu os direitos do autor. Mas foi a partir da promulgação do Código Civil Brasileiro de 1916 - que protegeu os direitos autorais - que surgiram e proliferaram as sociedades arrecadadoras, assim como numerosa legislação complementar.

Em torno do princípio constitucional e dos dispositivos do Código Civil - que classificam os direitos do autor como bem móvel e fixam em cinco anos a ação civil por ofensa aos direitos do autor -, foi-se desdobrando a atividade do legislador.

O processo evolutivo culminou com a Lei n.º 5988, de 14 de dezembro de 1973. Esta lei regula os direitos autorais, dá outras providências e cria o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA).

O CNDA foi reorganizado em 1979 pelo Decreto n.º 84252, enquanto a Lei n.º 5988 passou a vigorar com alterações a partir de 25 de junho de 1980, por força da Lei n.º 6800.

2.1 - AS OBRAS PROTEGIDAS

São consideradas pela lei como obras intelectuais, "as criações do espírito, de qualquer modo exteriorizadas" (17:7).

2.1.1 - Objeto do direito

São objetos do direito as obras intelectuais como:

I - livros, brochuras, folhetos, cartas missivas e outros escritos;

II - conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;

III - obras dramáticas e dramático-musicais;

IV - obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixa por escrito ou por outra forma;

V - composições musicais, com ou sem letras;

VI - obras cinematográficas ou por processo análogo;

VII - obras fotográficas ou por processo análogo, desde que pelo objeto ou condições de execução possam ser consideradas artísticas;

VIII - obras de desenho, pintura, gravura, escultura e litografia;

IX - ilustrações, cartas geográficas ou obras da mesma natureza;

X - projetos, esboços e obras plásticas concernentes a geografia, topografia, engenharia, arquitetura, cenografia e ciência;

XI - obras de arte aplicada, desde que seu valor artístico possa dissociar-se do caráter industrial do objeto ao qual estiverem sobrepostas;

XII - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originárias, desde que previamente autorizadas e não lhes causando danos, se apresentarem como criação intelectual nova (17:7).

2.1.2 - Requisitos da tutela

Para segurança dos seus direitos, o autor poderá registrar a obra intelectual, conforme a sua natureza, na Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Cinema ou nos Conselhos Federais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Se a obra comportar registro em mais de um órgão, este deverá ser feito com aquele de maior afinidade. Considera-se autor aquele que indicar ou anunciar essa qualidade ao registrar a obra, e na falta desta indicação, presume-se que seja aquele que a utilizar publicamente.

2.1.3 - Obra coletiva e de colaboração

A autoria das obras em colaboração é atribuída àqueles colaboradores em cujo nome, pseudônimo ou sinal convencional for utilizada. Não é considerado colaborador aquele que simplesmente auxiliou o autor na revisão, atualização, fiscalização, ou mesmo dirigiu a apresentação no teatro, cinema, fotografia ou radiofusão sonora ou visual.

No caso de obra coletiva organizada por empresa singular ou coletiva e em seu nome utilizada, caberá a autoria à entidade.

São considerados co-autores da obra cinematográfica o autor do assunto ou argumento literário, musical ou lítero-musical, o diretor e o produtor.

No caso de desenhos animados são considerados coautores os que criam os desenhos utilizados na obra cinematográfica.

2.2 - SUJEITOS DE DIREITOS

2.2.1 - Titularidade originária

A titularidade originária advém da relação entre autor e sua obra original, enquanto a titularidade derivada decorre de uma modificação, transformação ou adaptação de uma obra preexistente. Este tipo de obra é protegido, como a original, uma vez que a sua criação exige capacidades específicas e o esforço criador. Seu autor, portanto, passa a exercer titularidade derivada (18:47).

2.2.2 - Titularidade da obra coletiva

De acordo com o artigo 23 da Lei 5988/73, salvo convenção em contrário, os co-autores da obra intelectual exercerão, de comum acordo, seus direitos. Em caso de divergência, a requerimento de um deles, decidirá o CNDA (8:65).

Se a contribuição de cada co-autor pertencer a diferentes gêneros, cada um poderá explorá-la separadamente, desde que não haja prejuízo para a utilização da obra comum. A lei também se refere à obra indivisível. Nenhum dos colaboradores, no caso, poderá publicá-la sem o consentimento dos demais, ou mesmo autorizar-lhe a publicação, salvo na coleção de suas obras completas, sob pena de responder por perdas e danos. No caso de divergência, decidirá a maioria, e na falta desta, o CNDA. Ao colaborador dissidente fica assegurado o direito de não contribuir para as despesas da publicação, renunciando à sua parte nos lucros, assim como o de vedar a inclusão de seu nome na obra (8:65).

Cada colaborador, sem aquiescência dos outros, pode, individualmente, registrar a obra e defender os próprios direitos contra terceiros.

2.2.3 - A obra por encomenda e a originada de contrato de trabalho.

Segundo o artigo 36 da Lei 5988, se a obra intelectual for produzida em cumprimento a dever funcional ou a contrato de trabalho ou de prestação de serviços, os direitos do autor, salvo convenção em contrário, pertencerão a ambas as partes, conforme for estabelecido pelo CNDA. Após um ano da publicação da obra encomendada, o autor poderá reunir em livro ou em obras completas a sua participação. Se a obra não for publicada após realizada por encomenda, dentro de um ano após a entrega dos originais, recebidos sem ressalva por quem os encomendou, o autor recobrará os direitos patrimoniais (8:67).

Salvo convenção em contrário, segundo o artigo 37, os direitos patrimoniais sobre a produção cinematográfica, no contrato, pertencem ao produtor (8:67).

Neste sentido, BITTAR ressalta os dois sistemas jurídicos a que se chegou, ambos de natureza intelectual - ou seja, o direito de autor relacionado às obras estéticas e o direito de propriedade industrial, relacionado às obras de cunho utilitário (1:428). Alerta, contudo, para alguns aspectos a serem analisados antes da definição da titularidade de direitos, como vínculo entre empresa e criador, condições de contrato de trabalho e de elaboração da obra (1:430).

2.3 - OS DIREITOS MORAIS DO AUTOR

A Lei sintetiza os principais direitos morais do autor sobre suas obras, direitos estes considerados "inalienáveis e irrenunciáveis":

"I. o de reivindicar, a qualquer tempo, a paternidade da obra;

II. o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo do autor, na utilização de sua obra;

III. o de conservá-la inédita;

IV. o de assegurar-lhe a integridade, opondo-se a quaisquer modificações, ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la, ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

V. o de modificá-la, antes ou depois de utilizada;

VI. o de retirá-la de circulação ou de lhe suspender qualquer forma de utilização já autorizada" (8:65).

Em caso de morte do autor, esses direitos são transmitidos aos seus herdeiros. Por outro lado, cabe ao Estado, através do CNDA, "a defesa da integridade e genuidade da obra caída em domínio público" (8:65).

Caberá ao diretor o exercício dos direitos morais da obra cinematográfica. Todavia ele só poderá tirá-la da circulação após sentença judicial passada em julgado (8:66).

No caso de construção arquitetônica, projetada previamente por especialista, o dono do empreendimento poderá modificá-la, sem contudo atribuí-la ao autor do projeto inicial. Este poderá repudiar a paternidade da obra, segundo o expresso no artigo 27 (8:66).

2.4 - OS DIREITOS PATRIMONIAIS DO AUTOR

2.4.1 - Características

Define o artigo 29 que "cabe ao autor o direito de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica, bem como o de autorizar sua utilização ou fruição por terceiros, no todo ou em parte (8:66).

O artigo 30 define as formas e processos de utilização da obra, autorizados pelo autor, enquanto o artigo 31 regula a publicação e os direitos da obra em colaboração (8:66).

A ninguém é permitido reproduzir obra que não haja caído em domínio público, a pretexto de aumentá-la, anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, sem permissão do autor. Somente poderão ser publicados, separadamente, comentários ou anotações.

No caso de obra produzida como fruto de contrato de trabalho ou dever funcional, os direitos patrimoniais pertencem a ambas as partes, conforme for estabelecido pelo CNDA.

Os direitos patrimoniais da obra cinematográfica pertencerão ao produtor, salvo convenção em contrário (8:67).

2.4.2 - Duração

O artigo 42 afirma que os direitos patrimoniais do autor perduram durante toda a sua vida. Os herdeiros gozarão vitaliciedade no caso de transmissão por morte, em se tratando de filhos, pais ou cônjuge. Demais herdeiros gozarão dos direitos patrimoniais pelo período de sessenta anos, a contar de 1.º de janeiro do ano subseqüente ao falecimento. Aplica-se às obras póstumas os mesmos prazos de proteção (8:68).

O artigo 43 determina que a obra em colaboração indivisível terá o mesmo prazo de proteção a contar da morte do último dos colaboradores. Serão acrescidos aos dos sobreviventes, os direitos daqueles que faleceram sem sucessores (8:68).

O prazo de proteção de obras anônimas ou pseudônimas será de sessenta anos, a partir de 1.º de janeiro do ano imediatamente posterior ao da primeira publicação. Se, no entanto, o autor se der a conhecer, terá direitos patrimoniais vitalícios, assim como seus sucessores.

O artigo 45 limita em sessenta anos os direitos sobre obras cinematográficas, fonográficas, fotográficas e de arte aplicada, a contar de 1.º de janeiro do ano subseqüente ao de sua conclusão (8:68).

As obras encomendadas pela União, pelos Estados, Municípios e Distrito Federal, são protegidas por quinze anos a contar, respectivamente, da publicação ou da reedição (8:68).

2.4.3 - Sucessores

De acordo com a Lei, são considerados sucessores do autor seus herdeiros até segundo grau, na linha reta ou colateral, bem como o cônjuge, os legatários e cessionários.

2.4.4 - Domínio público

Pertencem ao domínio público, segundo o artigo 48, além das obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção:

"I. as de autores falecidos, que não tenham deixado sucessores;

II. as de autor desconhecido, transmitidas pela tradição oral;

III. as publicadas em países que não participem de tratados a que tenha aderido o Brasil, e que não confiram aos autores de obras aqui publicadas o mesmo tratamento que dispensam aos autores sob sua jurisdição" (8:68).

2.4.5 - Limitações

O artigo 49 enumera extensamente as limitações ao direito do autor, em formas não consideradas ofensivas a este direito:

I. a reprodução sob várias formas;

II. a reprodução de um só exemplar desde que não vise lL:cro;

III. citações para fins de estudo, crítica ou polêmica;

IV. o apanhado de lições, vedada sua publicação sem autoiização de quem as ministrou;

V. execução de fonogramas e transmissões de rádio ou televisão em estabelecimentos comerciais para demonstração à clientela;

VI. a representação teatral e a execução musical, quando no recesso familiar ou para fins didáticos, nos locais de ensino, sem intuito de lucro.

VII. a utilização de obras intelectuais quando indispensáveis à prova judiciária ou administrativa.

São permitidas as paráfrases e paródias, desde que não sejam reproduções da obra originária nem lhe impliquem descrédito.

É lícita a reprodução de fotografias utilizadas em obras didáticas ou científicas, "com indicacão do nome do autor e mediante pagamento a este de retribuição eqüitativa, a ser fixada pelo CND A" (8:69).

2.5 - CONTRATOS DE DIREITO AUTORAL

2.5.1 - Características

A legislação prevê que, mediante contrato, o editor adquira o direito exclusivo de publicar e explorar a obra que lhe foi confiada, obrigando-se a reproduzi-la mecanicamente e a divulgá-la.

O contrato deve fixar as obrigações de autor e editor, o termo de entrega da obra, o número de edições e o número de exemplares da edição, as retribuições do autor e o preço de venda.

2.5.2 - Cessão de direitos

A cessão de direitos poderá ser feita pelo autor ou por seus sucessores, pessoalmente ou por meio de representantes, a título universal ou singular. Sequer no caso de transmissão total - que compreende todos os direitos do autor - modificações serão permitidas.

A cessão total ou parcial se fará por escrito e presume-se onerosa. Deverá ser averbada à margem do registro no órgão competente. Deverão constar do instrumento jurídico as condições, os direitos e, se for o caso, o preço e retribuição.

A cessão de obras futuras será permitida pelo período máximo de cinco anos. No caso de um período maior ou não estipulado no instrumento, deverá ser reduzido a cinco anos e a remuneração proporcionalmente calculada.

O artigo 55 refere-se à obra em colaboração: "até prova em contrário, presume-se que os colaboradores omitidos na divulgação ou publicação da obra cederam seus direitos àqueles em cujo nome ela foi publicada" (8-70).

Quanto à tradução de negativo ou de meio de reprodução análogo, induz à presunção de que foram cedidos os direitos do autor sobre a fotografia.

2.6 - DEFESA E SANÇÕES

2.6.1 - Tutela do direito do autor

Na maioria dos países a legislação especifica quem poderá apresentar queixa em caso de fraude ou infração. Este direito cabe, em princípio, à pessoa lesada, no caso, ao titular do direito. Em todos os países, no entanto, se reconhece que a parte lesada pode apresentar queixa informando as autoridades competentes de que foi cometida uma infração passível de sanções penais. Não há dúvida de que a pessoa interessada é, em primeiro lugar, o autor, em vida e, após a sua morte, os herdeiros, até a expiração do prazo de fruição exclusiva do direito de autor que a lei lhes concede. No Brasil a presunção de tutela está implícita no registro das obras intelectuais no órgão competente, o que assegura os direitos do autor.

2.6.2 - O plágio e a contrafação

As formas mais freqüentes de infração são o plágio e a contrafação. A palavra plágio designa o ato de copiar os escritos de outra pessoa e fazer-se passar por seu autor. Já a contrafação designa a reprodução, a representação ou a comunicação não autorizada, seja por que meio for.

Segundo CHAVES, "a contrafação é o aproveitamento econômico ilícito, escancarado, é a reprodução fraudulenta da obra alheia, tal qual, sem preocupação de esconder a paternidade da mesma, cuidando apenas de dela retirar os proventos econômicos que de direito caberiam ao autor; - o plágio é mais sutil: apresenta o trabalho alheio como próprio, mediante o aproveitamento disfarçado, mascarado, diluído, oblíquo, de frases, idéias, personagens, situações, roteiros e demais elementos das criações alheias" (4:406).

2.6.3 - Determinações legais

O código penal prevê as penas a serem impostas nos casos de crimes contra os direitos de autor, que variam, no caso da detenção, entre três meses e quatro anos e, no caso de multa, de Cr$ 2.000,00 a CrS 50.000,00 (dois mil a cinqüenta mil cruzeiros (8:89).

O título VIII da Lei n.º 5988 trata das sanções à violação dos direitos do autor e dos direitos que lhes são conexos e determina que as sanções civis de que trata o capítulo se aplicam sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

As sanções visam a repressão de:

1 - impressão de obra literária, artística ou científica, sem autorização do autor. Comina com a perda dos exemplares que se apreenderem e o pagamento do restante da edição ao preço por que foi vendido, ou for avaliado;

2 - reprodução, divulgação, ou qualquer outra forma de utilização fraudulenta. Autoriza a apreensão dos exemplares produzidos ou a suspensão da divulgação ou utilização da obra, sem prejuízo do direito à indenização por perdas e danos;

3 - venda, ou exposição à venda, de obra reproduzida com fraude implica em responsabilidade solidária com o contrafator, e se tiver sido feita no estrangeiro, na responsabilidade, como contrafatores, do importador e do distribuidor;

4 - transmissões, retransmissões, reproduções ou publicações realizadas, sem autorização, por quaisquer meios ou processos, de execuções, interpretações, emissões e fonogramas protegidos;

5 - falta de indicação ou de anúncio do nome, do pseudônimo ou sinal convencional do autor, intérprete ou executante, por parte de quem, por qualquer meio ou processo, utilizar obra intelectual. Ao infrator caberá indenizar os danos morais e divulgar a autoria pelos modos que especifica a lei, conforme se trate de empresa de radiodifusão, publicação gráfica ou fonográfica, ou de outra forma de utilização;

6 - violação de direitos autorais nas representações ou execuções realizadas nos locais ou estabelecimentos como teatros, cinemas, salões de bailes ou concerto, etc. Nesse caso, proprietários, gerentes, arrendatários, diretores e empresários são considerados coresponsáveis;

7 - alteração, supressão, acréscimo pelos artistas, nas representações ou execuções, de palavras, frases ou cenas, sem autorização, por escrito, do autor.

A prescrição da ação civil por ofensa a direitos autorais ocorre após cinco anos, contados a partir da data em que se deu a violação (8:81).

3 - O DIREITO DO AUTOR E AS NOVAS TECNOLOGIAS DE REPRODUÇÃO E DIFUSÃO

3.1 - A REPROGRAFIA

O termo reprografia - em conceito amplo "reprodução do que está gravado" - passou a ser melhor difundido a partir de 1961.

A fotocópia, a microfilmagem, a gravação eletrônica, a computação e outros processos reprográficos criaram verdadeiro desafio ao direito autoral, desde que passaram a ser utlizados, indiscriminadamente, por empresários, profissionais, professores, estudantes, empresas comerciais, bibliotecas, entre outros. Os juristas consideram este o problema mais grave atualmente na matéria em questão.

Alguns autores defendem a regulamentação legal da reprografia, oferecendo sugestões para sua concretização, baseadas no princípio de cobrança de direitos por cópia extraída. Esta fórmula, já adotada em alguns países, encontra certa resistência, especialmente naqueles em vias de desenvolvimento, onde sistema de reprografia é fator básico para a maior difusão da informação. May Brooking NEGRÃO aconselha para esses países, o equilíbrio entre as partes, "tendo em vista a informação como fator de desenvolvimento e o direito do autor à proteção de sua criação" (13:199).

Com o aparecimento de processos eletrônicos, barateamento das cópias e divulgação de máquinas mais aperfeiçoadas de processos eletrostáticos, a xerografía passou a ser largamente empregada em bibliotecas para reprodução de materiais bibliográficos, tendo como vantagem evitar a mutilação de obras e a possibilidade de substituir aquelas muito caras ou esgotadas. A função básica de disseminação da informação foi bastante facilitada com a introdução da prática reprográfica: uma das regras da biblioteconomia, "poupe o tempo do leitor", é agilizada. Todavia, o problema do direito do autor persiste.

3.2 - O MICROFILME

Entre as principais razões para o uso da microfilmagem estão a economia de espaço pela eliminação dos arquivos convencionais, a seguiança e a proteção contra o desgaste do original.

A Lei n.º 5.433, de 8 de maio de 1968, determina que todo documento microfilmado tem o mesmo valor do ori ginal, estabelecendo que:

1 - é autorizada a microfilmagem de documentos particulares e oficiais;

2 - os microfilmes, certidões, traslados e cópias passam a ter, em juízo ou fora dele, o mesmo valor dos documentos originais;

3 - os documentos microfilmados podem ser eliminados, a critério da autoridade competente;

4 - a eliminação do original deve ser feita mediante lavratura de termo, por autoridade competente.

A Lei n.º 5.433, juntamente com o Decreto 64.398 que a regulamenta, assinalam a introdução do microfilme na legislação brasileira.

Com o advento da Lei n.º 5.869, de 1973, que institui o Código de Processo Civil, surgiram dúvidas a respeito da permanência da validade dessa legislação. Entendem, todavia, os juristas que tanto a lei quanto o decreto que dispõem sobre a microfilmagem estão em pleno vigor.

3.3 - O VIDEOCASSETE

As novas técnicas de registro de imagens sonoras tornaram possível reproduzir, a baixo custo, o material, sem a necessidade de processamento para sua utilização. Mas essas facilidades impuseram preocupações legais para regulamentação de seu uso, sem que os direitos autorais sejam feridos.

A Lei n.º 5.988 é alterada em seu artigo 83 pela Lei n.º 6.800, de 25 de junho de 1980, referindo-se à utilização do fonograma:

Os cassetes, cartuchos, discos, videofonogramas e aparelhos semelhantes, contendo fitas de registro de som gravadas, não poderão ser vendidos, expostos à venda, adquiridos ou mantidos em depósitos para fins de venda, sem que em seu corpo conste, em destaque e integrando-o de forma indissociável, o número de inscrição no Cadastro Geral dos Contribuintes - CGC, do Ministério da Fazenda, da empresa responsável pelo processo industrial de reprodução da gravação (8:82).

A análise de CHAVES sobre o tema revela significativa problemática: a difícil posição de videoclubes, distribuidores, locadores e revendedores de videocassetes em face do direito autoral. Aponta como única solução plausível a remuneração pela "potencialidade" de gravação de obras protegidas (5:379).

A idéia, aliás, foi expressa em Anteprojeto apresentado ao CNDA em 14 de abril de 1982, mas, ainda segundo CHAVES, não soluciona a questão referente à locação de discos, teipes, cassetes, cartuchos, filmes, etc., que através de clubes está se multiplicando no mundo inteiro (5:386).

3.4 - PROGRAMAS DE COMPUTADOR

Diversas manifestações em favor da proteção jurídica aos programas de computador têm sido uma constante em congressos, conferências e entrevistas.

No direito brasileiro os tratados internacionais têm prevalência sobre as leis internas, portanto, a lei interna só é merecedora de aplicação se não conflitar com as definições internacionais das quais o país é signatário.

A Lei n.º 5.988 segue as normas internacionais de Berna e Genebra. Tanto uma como a outra, por visarem a instituição de um regime uniforme, têm como ponto básico a identificação das obras protegidas pelos direitos de autor. Ambas as convenções iniciam pela definição das obras protegidas como produções do espírito nos domínios literário, científico e artístico, acrescentando, para melhor precisar, um elenco de obras protegidas, precedido da locução "tais como".

Carlos Augusto da Silveira LOBO ressalta que os programas de computador são obras literárias,

No sentido em que essa expressão é empregada pelas Convenções de Berna e Genebra, classificando-se comodamente na categoria 'outros escritos' e 'escritos' prevista nas listas exemplificativas de obras protegidas constantes, respectivamente, dos arts. 2.º e 1.º daque'es tratados internacionais (10:9).

A linguagem do computador, embora não acessível ao leigo, contém os elementos característicos de qualquer linguagem, como, por exemplo, letras, números, caracteres e outros símbolos, assim como uma sintaxe própria. Diversos programas de computador, além disso, são expressos em linguagem comum. Mesmo convertido em linguagem de máquina, o programa de computador não perde a sua característica de escrito.

A análise da substância dos programas de computador leva à afirmação de suas características de obra literária de grande criatividade e para a qual contribuem níveis elevadíssimos de esforço intelectual. A todo momento são criados e lançados no mercado de software programas originais, envolvendo capacidade analítica e planejamento. É importante lembrar que a elaboração de um programa de computador é precedida de uma análise e compreensão das atividades do usuário, das necessidades e elementos que auxiliarão na definição dos objetivos do programa, para, em seguida, passar a determinar suas especificações e funções e elaborar o projeto. Este projeto é o resultado de uma projeção mental das seqüências de dados e instrução que comporão o programa. Daí se passa à elaboração das diversas seqüências para a solução dos problemas que o programa inclui.

O problema da proteção jurídica dos programas de computador, tendo em vista a análise da sua substância, surgiu na segunda metade da década de setenta. De início os juristas tinham dificuldade para enquadrá-lo como norma jurídica, em virtude do inusitado e da ausência de uma compreensão total da substância, sobremaneira complexa, dos programas.

Em recente reunião do CONIN (Conselho Nacional de Informática e Automação), o assunto foi discutido e, conforme recomendação aprovada em bloco pelos ministros presentes, a proteção de software deverá ser regida pelo regime do direito autoral, sistema já adotado por 37 países (16:108).

4 - CONCLUSÃO

A proteção jurídica dos direitos do autor, assim como a proteção do patrimônio bibliográfico nacional, são instrumentos ligados indissoluvelmente à área da produção e do controle bibliográfico. O desenvolvimento científico e literário de um país só pode ser suficientemente estimulado se autores, cientistas e produtores de obras e trabalhos tiverem seus direitos assegurados por uma legislação justa e atualizada. Ao mesmo tempo, é impossível que o processo cultural atinja o nível desejado se as obras publicadas não estiverem ao alcance para suprir os diversos campos da informação necessária com os últimos resultados das pesquisas.

Todavia, nem sempre as leis são adequadas ao estágio de desenvolvimento do país. Apresentam, muitas vezes, defasagem ou rigidez em relação a novas descobertas, novas tecnologias, ou até mesmo, novas perspectivas. É necessário que haja um processo contínuo de revisão da legislação, para que as normas reflitam valores realmente condizentes com o contexto sócio-econômico e cultural. É preciso, antes de mais nada, que decretos, projetos, resoluções e normas, espelhem a realidade em permanente transformação e, portanto, tenham como características básicas a flexibilidade e a simplicidade. Em oposição ao formalismo legal que impera no país, o profissional consciente deve lutar pelo realismo legal, pela implantação de uma postura crítica que leve em conta os problemas e necessidades do contexto.

  • 1 - BITTAR, Carlos Alberto. Direitos autorais nas criações publicitárias. R. Inf. legisl, Brasília, 21(83):427-40, jul./set. 1984.
  • 2 - Os processos modernos de comunicação e o direito de autor. R. Inf. legisl, Brasília, 19(74):287-300, abr./ jun.1982.
  • 3 - CHAVES, Antônio. A nova lei brasileira de direito de autor;estudo comparativo com o projeto que lhe deu origem. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1975. 182 p.
  • 4 - Plágio. R. Inf. legisl, Brasília, 20(77): 403-24, jan./mar. 1983.
  • 5 - Vídeo-clubes, distribuidores, locadores e revendedores de videocassetes: sua posição frente ao direito de autor. Rev. Inf. legisl, Brasília, 22(85):365-90, jan./mar. 1985.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1987
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