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“Isso vai ser um caos!”: distopia e autoritarismo em Namíbia, não!* * O artigo é parte da tese de doutorado intitulada Fora do plano, em luta pelo espaço: memória, distopia e arquivo em narrativas das periferias, defendida em 28 de junho de 2022, na Universidade de Brasília.

“This is going to be chaos!”: dystopia and authoritarianism in Namíbia, não!* * O artigo é parte da tese de doutorado intitulada Fora do plano, em luta pelo espaço: memória, distopia e arquivo em narrativas das periferias, defendida em 28 de junho de 2022, na Universidade de Brasília.

“¡Esto va a ser un caos!”: distopía y autoritarismo en Namíbia, não!* * O artigo é parte da tese de doutorado intitulada Fora do plano, em luta pelo espaço: memória, distopia e arquivo em narrativas das periferias, defendida em 28 de junho de 2022, na Universidade de Brasília.

Resumo

Este artigo analisa como a narrativa de Namíbia, não!, texto teatral do ator e diretor baiano Aldri Anunciação, elabora um universo distópico em que o cruzamento de temporalidades expõe contradições do passado, amplia a percepção sobre a violência racial do presente e realiza projeções de futuro em que a hostilidade e as interdições se materializam no espaço. Para isso, utiliza contribuições de intelectuais como Grada Kilomba (2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó.), em Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano; de Abdias do Nascimento (2004NASCIMENTO, Abdias do (2004). Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos Avançados, v. 18, n. 50, p. 209-224. https://doi.org/10.1590/S0103-40142004000100019
https://doi.org/10.1590/S0103-4014200400...
), em “Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões”; de Leda Maria Martins (2020MARTINS, Leda Maria (2020). Como respirar? In: ANUNCIAÇÃO, Aldri. Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva. p. 11-25.), em “Como respirar?”; e de Gregory Claeys (2017), em Dystopia: a natural history. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions.

Palavras-chave:
distopia; autoritarismo; espaço; Namíbia, não! ; Aldri Anunciação

Abstract

This article analyzed how the narrative of Namíbia, Não!, a theatrical text by the actor and director Aldri Anunciação, from Bahia, Brazil, elaborates a dystopian universe in which the intersection of temporalities exposes contradictions of the past, broadens the perception of racial violence in the present and holds projections of future in which hostility and interdictions materialize in space. For this purpose, it uses contributions from intellectuals such as Grada Kilomba, in Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano (2019), by Abdias do Nascimento, in Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões (2004), by Leda Maria Martins, in Como respirar? (2020), and Gregory Clayes, in Dystopia: A Natural History. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions (2017).

Keywords:
dystopia; authoritarianism; space; Namíbia, não! ; Aldri Anunciação

Resumen

Este artículo analizó cómo la narrativa de Namíbia, Não!, texto teatral del actor y director baiano Aldri Anunciação, elabora un universo distópico en el que el cruce de temporalidades expone contradicciones del pasado, amplía la percepción sobre la violencia racial del presente y realiza proyecciones del futuro en que la hostilidad y las interdicciones se materializan en el espacio. Para eso, utiliza contribuciones de intelectuales como Grada Kilomba, en Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano (2019), de Abdias do Nascimento, en Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões (2004), de Leda Maria Martins, en Como respirar? (2020) y de Gregory Clayes, en Dystopia: A Natural History. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions (2017).

Palabras-clave:
distopía; autoritarismo; espacio; Namíbia, não! ; Aldri Anunciação

A articulação de tecnologias implementadas pelo colonialismo, como violência, racismo e segregação, tem atingido grupos sociais específicos, como a população negra e periférica. Esse fato, à medida que inspira um conjunto de produções estéticas de diferentes linguagens, aponta a necessidade de se pensarem aparatos críticos que contribuam para a compreensão das intervenções que essas obras provocam. É nessa direção que este artigo, com base na ideia de que hierarquias sociais, raciais, políticas e simbólicas são determinantes para a configuração do espaço, aborda a narrativa distópica Namíbia, não!, do ator e diretor baiano Aldri Anunciação (2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva.), com os objetivos de analisar os procedimentos acionados pela obra e demonstrar como ela auxilia na desconstrução de um imaginário social repleto de preconceitos e no enfrentamento de práticas excludentes que deles decorrem.

Publicada em 2010, a peça teatral Namíbia, não!, além de diversas menções em festivais de teatro, recebeu o Prêmio Jabuti em 20131 1 Namíbia, não! inspirou também a obra fílmica Medida provisória, que estreou no Brasil em 2022, provocando expectativa no público e na crítica, sobretudo pela abordagem de questões que envolvem identidade, democracia e legitimidade política no Brasil. . O enredo apresenta a história de Antônio, bacharel em Direito e estudante de um curso preparatório para o concurso para diplomata de Melanina Acentuada do Itamaraty, e de seu primo, um boêmio estudante de Direito. Surpreendidos por uma medida provisória que, como forma de reparar o erro histórico da escravização em terras brasileiras, determina o retorno imediato das pessoas de melanina acentuada para os países de origem, Antônio e André, tentando escapar dos efeitos dessa medida, confinados no apartamento que dividem, avaliam as consequências da viagem de volta para a África enquanto debatem questões raciais, sociais, econômicas e históricas. Daí o título do texto, já que Namíbia é um país de colonização alemã para o qual André se recusa a ir, com o argumento de que teria dificuldades de comunicação na língua germânica.

Como obra escrita, dirigida e protagonizada por artistas negros, Namíbia, não! dialoga com movimentos que, ao longo dos anos, modificaram as possibilidades de atuação de artistas e dramaturgos negros no Brasil — caso do Teatro Experimental do Negro, fundado por Abdias do Nascimento em 1944 — e avança sobre temáticas como os desdobramentos da colonialidade no mundo não europeu e as consequências de corpos negros ocuparem espaços distintos dos que são a eles destinados no condicionado imaginário social, na falsa democracia racial e na desigual estrutura social brasileira. Essa ocupação, tanto no plano físico quanto no simbólico, provoca respostas no sentido de se estabelecerem barreiras de controle.

Nesse ponto, vale lembrar o que apresenta Grada Kilomba (2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó.) em Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Ao tratar do longo e doloroso processo pelo qual passou para inscrever seu projeto de doutorado em uma universidade alemã, a escritora e artista, nascida em Lisboa, Portugal, relata um encontro com uma das diretoras no departamento de registro da universidade:

Ela sentou na minha frente, meus documentos nas mãos e, de maneira persuasiva, perguntou-me se eu tinha certeza absoluta que queria me inscrever como candidata ao doutorado. Ela explicou que eu não precisava, e adicionou que eu deveria considerar a possibilidade de pesquisar e escrever minha tese em casa. A “casa” a que ela se referia é invocada aqui como a margem. Eu estava sendo convidada a permanecer “em casa”, “fora” das estruturas universitárias, com o status não oficial de pesquisadora (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó., p. 61).

O episódio demonstra como a oposição entre centro e periferia é capaz de produzir e englobar distintas formas interseccionadas de violências e interdições. Como explica a autora, diferença racial e espacial coincidem, “quando a mulher branca, habitante do centro, pede à mulher negra, que está na periferia, para não entrar, mas sim para permanecer nas margens” (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó., p. 61). Percebe-se assim como o efeito dessas intersecções são reações que buscam manter barreiras de opressão para garantir a continuidade das relações desiguais.

Moradores de periferias e minorias raciais, por exemplo, conhecem bem como essas barreiras se materializam, ora nas dificuldades de acesso aos espaços de poder e de educação formal, como no caso de Grada Kilomba, ora na privação de direitos, nas ostensivas e arbitrárias abordagens policiais, nas desvantagens de tratamento nas políticas de acesso à renda e à justiça, por exemplo. Mudar esse quadro exige também questionar as políticas de representação, uma vez que a lógica habitual dos objetos estéticos tem reservado um regime de invisibilidade a determinados grupos sociais e étnicos.

Namíbia, não! provoca uma série de reflexões nessa direção. Segundo ensina Abdias do Nascimento (2004NASCIMENTO, Abdias do (2004). Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos Avançados, v. 18, n. 50, p. 209-224. https://doi.org/10.1590/S0103-40142004000100019
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), no artigo “Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões”, é o racismo “que em nenhum outro aspecto da vida brasileira revela tão ostensivamente sua impostura como no teatro, na televisão e no sistema educativo, verdadeiros bastiões da discriminação racial à moda brasileira” (Nascimento, 2004NASCIMENTO, Abdias do (2004). Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos Avançados, v. 18, n. 50, p. 209-224. https://doi.org/10.1590/S0103-40142004000100019
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, p. 236). Isso resulta no escancaramento da imagem deformada que a elite eurocentrista divulga da realidade étnica brasileira, pela qual “escamoteia o trabalho e a contribuição intelectual e cultural do negro ou invoca nossas ‘origens africanas’ apenas na medida de interesses imediatos, sem entretanto modificar sua face primeiramente europeia na representação do país no mundo todo” (Nascimento, 2004NASCIMENTO, Abdias do (2004). Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos Avançados, v. 18, n. 50, p. 209-224. https://doi.org/10.1590/S0103-40142004000100019
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, p. 236).

O trecho em que André dialoga com a socióloga responsável por orientar o retorno dos descendentes de escravizados para a África é representativo dessa imagem deformada. Após ser conduzido a uma delegacia, a socióloga, afirmando o caráter democrático da medida — nos moldes do que Abdias do Nascimento (2004NASCIMENTO, Abdias do (2004). Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos Avançados, v. 18, n. 50, p. 209-224. https://doi.org/10.1590/S0103-40142004000100019
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) definiu como “discriminação racial à moda brasileira” —, oferece a André países africanos como opções de escolha, aconselhando-o a retornar ao país de origem de sua família:

SOCIÓLOGA (off): Como você não sabe de onde vieram seus tataravós? Vocês têm obrigação de saber a origem de vocês. Questão de cultura! Eu, por exemplo, meu sobrenome é Garcez. Logo, sei muito bem que meus ascendentes vieram da Espanha!

ANDRÉ: Então por que a senhora não volta pra lá? Para os seus familiares espanhóis?

SOCIÓLOGA (off): Porque a Medida Provisória é muito clara, meu querido! Muito clara na sua redação: “Cidadãos com traços e características que lembrem, mesmo que de longe, uma ascendência africana, a partir de hoje, 13 de maio de 2025, deverão ser capturados e deportados para os países africanos, como medida de correção do erro cometido pela então Colônia Portuguesa, e continuado pelo Império e pela República Brasileira. Erro esse que gerou quatro séculos de trabalhos gratuitos realizados por uma população injustamente transferida de suas terras de origem, para as terras brasilianas. Com o intuito de reparar esse gravíssimo erro cometido pela União, essa Medida prevê a volta desses cidadãos, e de seus descendentes, para terras africanas em caráter de urgência” (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 44, grifos do original).

Essa identidade eurocentrada até hoje é reivindicada para fundamentar as atitudes autoritárias da chamada elite brasileira, que sistematicamente ignora as contribuições históricas de grupos minoritários, como as populações negra e indígena, para a formação cultural brasileira, transformando-as assim em intrusas no país que ajudaram a construir. Por isso, o que se vê não é o debate a respeito de uma reparação justa, nem mesmo o reconhecimento da ancestralidade, elemento central para a cultura afro-brasileira, mas sim a exclusão definitiva da população negra, para a qual funções intelectuais e científicas são sistematicamente negadas.

Namíbia, não! também demonstra bem isso. André e Antônio possuem formação acadêmica, não habitam os subúrbios nem as periferias urbanas, expressam-se na norma padrão da língua portuguesa, possuem acesso a serviços de streaming e TV a cabo, vestem ternos e gravatas. Antônio fala alemão, estagiou na Áustria, possui plano de saúde, prepara-se para ser diplomata. O boêmio André também estudou alemão e sonha em ser advogado. Todas essas características poderiam credenciá-los a participar da lógica elitista brasileira, a não ser por um fator: o racial. Como aponta Kilomba (2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó.), negros são sempre considerados “de fora”, o que impede cidadãos de melanina acentuada de alcançar o exercício pleno da cidadania ao mesmo tempo que autoriza o Estado a controlá-los.

Percebe-se aqui uma reconfiguração da noção de periferia que, para além das representações relacionadas a questões sociais, inclui marcadores étnico-raciais. A própria expressão “melanina acentuada” demonstra isso na medida em que constitui uma apropriação irônica, por parte de um projeto hegemônico de poder que, em consonância com o que se convencionou chamar de discurso politicamente correto, funciona com o cálculo exato de impedir o efetivo debate acerca do preconceito racial e, simultaneamente, estender a possibilidade de exclusão a todas e todos “com traços e características que lembrem, mesmo que de longe, uma ascendência africana” (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 44). Como melanina é uma proteína presente no organismo humano, determinar quem a possui de maneira acentuada consiste em uma operação subjetiva que, amparada na medida provisória, oferece bases legais ao Estado brasileiro para que este decida quem pode viver no Brasil, como se pode ver a seguir:

ANDRÉ: Isso vai ser um caos! Minha agência bancária vai ficar uma loucura sem o sr. Mário, meu gerente.

ANTÔNIO (preocupando-se): E aquele seu professor da Faculdade? Como ele se chama?

ANDRÉ: Professor Geraldo.

ANTÔNIO: Melanina Acentuadíssima!

ANDRÉ: É… ali caprichou! Antônio!

ANTÔNIO (impacientando-se): Diga.

ANDRÉ: E a santa?

ANTÔNIO: Que Santa, primo?

ANDRÉ: A Padroeira… Nossa Senhora Aparecida? Ela é de melanina acentuada!

ANTÔNIO: Mas tem uma teoria que diz que ela nem sempre foi daquele jeito… Ela foi encontrada no fundo de um rio. E foi lá que ela foi ficando assim… escurecendo.

ANDRÉ: É… Mas vale o que está aparecendo.

Pausa.

ANDRÉ: O que eles pensam que estão fazendo? (pausa) O Jorge Benjor, meu Deus! Pra que país tropical eles vão levar o Jorge Benjor?

ANTÔNIO: Tanta gente… o Muniz Sodré. A Leda Maria Martins. O Lázaro Ramos!

ANTÔNIO: A escritora Ana Maria Gonçalves…

ANDRÉ: O Nei Lopes. Joelzito Araújo. A Sabrina Queen! A Iza!

ANTÔNIO (preocupando-se): A Conceição…

ANDRÉ (assustado): A Conceição Evaristo, vão levar pra onde?

ANTÔNIO: Neguinho da Beija-Flor.

ANDRÉ (mais assustado): O Neguinho! O Emicida! MV Bill! Mano Brown! Meu Deus!

ANTÔNIO: O Antônio Pitanga eles vão embarcar imediatamente! Junto com o filho… O Rocco! E a Benedita vai junto!

ANDRÉ (intrigado): E a Camila Pitanga, hein?

ANTÔNIO (estranhando): O que é que tem a Camila, primo?

ANDRÉ: Vai, ou não vai?

ANTÔNIO: Eu acho que o caso da Camila é facultativo… Ela vai poder escolher. Camila é sortuda! (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 56, grifos do original).

A projeção dos efeitos da medida provisória na vida social e a discussão dos destinos de personalidades negras, à medida que articulam drama e humor, levam o leitor/espectador a repensar as próprias concepções, pela possibilidade de experimentar o que é ser negro na sociedade brasileira, mesmo no caso daquelas e daqueles que possuem reconhecimento social, ampliando e renovando formas de exclusão, cerceamento e confinamento para além dos territórios urbanos marginalizados. Ao promover essa experiência, o caráter absurdo, porém realista, de Namíbia, não! provoca o debate numa complexa interseccionalidade crítica entre questões de raça, classe e território.

Diante disso é que, confinados, André e Antônio discutem a possibilidade de terem o apartamento invadido, em função dos elementos que disparam os conflitos da obra: a medida provisória e o cinismo de seu suposto caráter reparador, perceptível nas contradições entre expressões como “deverão ser capturados e deportados para os países africanos” e “medida de correção do erro cometido pela então Colônia Portuguesa” (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva.). Assim interpretada, tal medida, nada democrática, utiliza um subterfúgio próprio dos regimes autoritários: o discurso, mascarado por uma espécie de boa intenção, como forma de ocultar medidas compulsórias.

Para apresentar e discutir esse mascaramento, Namíbia, não! entrelaça referências teóricas, históricas, políticas e artísticas, mobilizando saberes e poéticas que apontam o alinhamento do texto a vozes que surgem para recontar trajetórias invisibilizadas. Nomes como Ana Maria Gonçalves, Conceição Evaristo, Emicida, MV Bill e Mano Brown não são simples referências, mas sim intelectuais cujas produções, realizadas com base em uma mirada periférica, elaboram uma linguagem capaz de mobilizar códigos e gerar referências literárias oriundas da cultura afro-brasileira.

Outro procedimento é a estratégia de empregar palavras/expressões que ativam processos cognitivos e mobilizam memórias decisivas para a compreensão do texto, como o fato de a medida provisória ter entrado em vigor em 13 de maio, data que apresenta alta carga simbólica, em razão do valor histórico que possui e dos debates que movimenta, sobretudo no sentido de denunciar o racismo ainda vigente, destacando o fato de que a abolição não veio acompanhada, entre outras ações, de uma política de inserção social da população negra. Dessa maneira, por participar da mobilização de vozes negras e periféricas, Namíbia, não! interfere nessa disputa, contribuindo para desvelar como o discurso também constitui dispositivo de manutenção do poder pelo apagamento de perspectivas contra-hegemônicas.

Além disso, a centralidade da data está também na indicação do tempo das ações no texto. Nas rubricas de Namíbia, não!, o dramaturgo afirma que o “tempo em que se passa a ação da peça será sempre cinco anos à frente do tempo atual de sua montagem. […] Portanto, perceba o ano em que você está lendo este livro e avance ludicamente cinco anos” (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 38). Assim, a iminência de um futuro assustador tão próximo, determinado pelas contradições sociais que vivemos, torna táteis as ações projetadas pelo texto, o que permite reapresentar causas que, por serem perturbadoras, são frequentemente interditadas no debate público, estratégia relevante para demonstrar como, para as populações negras e periféricas, a distopia territorial é uma realidade há tempos.

Prova disso é a instauração de um ambiente de medo, pela implementação de formas de opressão e controle social que se articulam, em Namíbia, não!, com a formulação e a veiculação de discursos, elementos centrais nas engrenagens distópicas da obra. Isso fica claro quando André e Antônio, ao buscarem informações dos desdobramentos da medida provisória nos canais abertos da TV, que “não falam sobre o assunto como medida estratégica” (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 46), acabam assistindo a uma matéria a respeito dos cachorros poodle:

APRESENTADORA DE TV (exageradamente simpática): Olá! Os pelos do seu pequeno e lindo poodle estão escurecendo? (muito triste) Não permita que isso aconteça. (de repente bem alegre) O programa Claridade da Manhã de hoje apresenta uma matéria que vai ajudar você a manter cada vez mais brancos os pelos do seu cão. Pois é a brancura dos seus pelos que o torna mais lindo. A claridade dos pelos é fundamental nos dias de hoje. É quase uma necessidade básica! Aprendam: cães com pelos claros é sinal de limpeza, cães com pelos escuros (séria) é sinal de sujeira (entusiasmada). Vamos exterminar com essa escuridão! (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 46, grifos do original).

No excerto, as palavras ganham fluência em um regime discursivo que, ironicamente, realiza o diagnóstico de uma grave questão social: as consequências da segregação racial no Brasil, país de evidente hegemonia branca. Como no pensamento social, “claridade” e “brancura” são associadas à beleza e limpeza, enquanto “escuro” é relacionado à sujeira. Por isso, o desejo de exterminar a escuridão é uma demonstração de como essa hegemonia reforça a assepsia como “necessidade básica”, o que é corroborado também pelo efeito estratégico criado pelos elementos cênicos, exageradamente brancos2 2 Nas rubricas, podem ser lidas as seguintes indicações do cenário: “Sala de um apartamento de dois quartos. Tudo exageradamente branco: pisos, paredes, televisão, mesa, sofá, controle remoto, geladeira, estante de livros, chaleira, copos, taças… Enfim, tudo branco! Sobre a mesa de centro da sala, um tabuleiro de xadrez com jogo já começado. Detalhe e atenção para o fato de todas as peças do tabuleiro de xadrez (ambos os lados) serem também brancas” (Anunciação, 2020, p. 38, grifos do original). . Essas são formas de escancarar a maneira como o racismo se transforma numa linguagem tão bem elaborada que oculta a violência pela qual se impõe. Assim é que, diante do impasse de serem corpos estranhos ao meio, sujeitos indesejáveis ao projeto de formação da identidade nacional, André e Antônio percebem que podem ser capturados e deportados.

Ao longo do texto, como se estivessem a traçar estratégias para lidar com as situações que decorrem tanto dessa estrutura racista quanto do confinamento, os primos jogam xadrez em um tabuleiro composto exclusivamente de peças brancas. Ao mesmo tempo, buscando compreender o que motivou o governo brasileiro a editar tal medida, observam, da janela da sala, uma mulher ser esfaqueada durante um assalto:

ANTÔNIO: Eu vou lá… Eu vou ajudar aquela garota… Ela está morrendo na calçada.

André segura Antônio

ANDRÉ: Não! Você não vai! Está maluco? Se você sair de casa, será deportado pra África! […]

ANTÔNIO: Eles não vão me prender!

ANDRÉ: Claro que vão! Eles estão atrás dos de Melanina Acentuada! Eles não conseguem enxergar outra coisa. O prazer dos policiais agora é nos prender. Se o moleque não tem Melanina Acentuada, ele está absolvido (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 61, grifos do original).

A constatação de que, formalmente, se tornaram alvos de um Estado que usa o poder político para naturalizar a morte e a violência é intensificada pela suspensão de direitos que vivenciam e pelo confinamento compulsório a que são submetidos. Isso desencadeia um processo de questionamento da própria identidade e das relações que estabelecem com o Brasil e com a África, o que resulta em divergências e problematizações que se projetam sobre o espaço, sobre fatos históricos e sobre questões de pertencimento, como se pode perceber a seguir:

ANTÔNIO: Meu Deus, isso não pode estar acontecendo! Eu estou perdendo meu Curso. Tô sem telefone, sem noticiário, sem internet. (desesperado) Sem poder sair de casa. Que loucura! Estamos presos! O que vamos fazer?

ANDRÉ (hirto): Talvez a única alternativa seja se entregar. Mas, ainda assim, eu tenho medo da ação da polícia.

ANTÔNIO: Como assim? Você está pensando em se deixar levar pra África?

ANDRÉ: Por que não? Eu só tenho medo de ir pra delegacia. Quando estive lá ontem de madrugada, eu vi o tratamento que é dado. Só isso que me assusta. Mas acho que devemos voltar pra África. (olha para a plateia) Lá é o nosso lugar.

ANTÔNIO: Meu lugar é aqui! Foi aqui que eu nasci! Tá maluco? Ir pra África?

ANDRÉ: Ir não. Voltar… voltar pra África! Não foi de lá que nossos parentes vieram? Então estamos voltando.

ANTÔNIO: Que ideia repentina é essa, André? Ainda agora você me segurou pra não sair de casa, que eles iriam me pegar e levar pra África…

ANDRÉ (interrompendo): Mudei de ideia! E eu te segurei porque eu sei que eles vão te tratar muito mal, primo. Eu sei! (Estrategista) Quero arranjar um jeito… de não ser capturado pela polícia. (De súbito) E tem mais, pra mim o Brasil já deu o que tinha que dar. Não quero mais ser tratado do jeito que fui ontem na delegacia!

ANTÔNIO: Você tá desistindo, André? Só por que perdeu no Concurso pro Curso Preparatório pro Concurso pra Diplomata de Melanina Acentuada do Itamaraty? É isso?

ANDRÉ: Cansei dessa história de melanina acentuada… de melanina exaltada… destrambelhada! Melanina deslocada!

ANTÔNIO (surpreso): O que isso, André? Você vai aceitar essa Medida Provisória desastrosa, que acha que está fazendo um favor pra gente? (Irritando-se) Não vai me dizer agora que você quer ir… para aquela terra estranha?

ANDRÉ (surpreso): Como assim terra estranha? Vai querer negar agora? Vai negar sua origem? Sua cultura?

ANTÔNIO (irritado): Eu não estou negando nada! Somente estou lhe dizendo que a África pra mim, hoje, é um continente estranho. Não conheço ninguém lá!

ANDRÉ: E nossos parentes que ficaram lá?

ANTÔNIO: Devem estar cagando pra mim! Cagando pra você! Assim como o mundo caga pra eles! Eles não sabem quem nós somos, André! Você acha o quê? Que a gente vai chegar lá e vai ser recebido com honrarias no aeroporto? (Antônio pulando pela sala, em alegria irônica) Fogos de artifícios pra receber os parentes que se foram séculos atrás e nunca mais mandaram notícias?

ANDRÉ: Não mandaram notícias, vírgula! Temos instituições seríssimas que sempre estudaram as relações africanas com o Brasil. Contato sempre tivemos!

ANTÔNIO: E esse contato melhorou em quê a vida deles? (pausa) Esses estudos mataram a fome daquele povo? […] Isso faz parte da cartilha econômica. Em algum lugar a miséria tem que ser depositada. Ela não pode ser eliminada. Acabar com a miséria é uma utopia. E agora preste atenção que é lá que o nosso país está querendo nos depositar. Eu e você! (pausa) Matou a charada? Consegue identificar o jogo do “Vamos Colocar As Coisas No Seu Devido Lugar”? (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 63, grifos do original).

O trecho é representativo do que Leda Maria Martins (2020MARTINS, Leda Maria (2020). Como respirar? In: ANUNCIAÇÃO, Aldri. Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva. p. 11-25.), estudiosa do teatro negro brasileiro, no artigo “Como respirar?”, considerou como instâncias básicas e basilares da ação dramática de Namíbia, não!: “a interferência externa objetiva” que impulsiona os debates dramatizados pelas personagens capsuladas, “os conflitos interpessoais” e “o embate íntimo”. Entender a articulação entre essas instâncias permite compreender como o confinamento compulsório “provoca tensões intersubjetivas e sociais que as situações de exceção maximizam” (Martins, 2020MARTINS, Leda Maria (2020). Como respirar? In: ANUNCIAÇÃO, Aldri. Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva. p. 11-25., p. 12).

Por isso, para André e Antônio, na narrativa distópica de Namíbia, não!, não está em jogo apenas o confronto com a medida provisória, um “dispositivo ampliador do poder autoritário, socialmente impositivo” (Martins, 2020MARTINS, Leda Maria (2020). Como respirar? In: ANUNCIAÇÃO, Aldri. Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva. p. 11-25., p. 12), ou o impasse entre “aceitar o exílio involuntário, ou resistir, recusando-se a sair do imóvel, entricheirando-se?” (Martins, 2020MARTINS, Leda Maria (2020). Como respirar? In: ANUNCIAÇÃO, Aldri. Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva. p. 11-25., p. 13), mas sim um debate a respeito de vozes silenciadas, da submissão de corpos, do esvaziamento do valor da vida de pessoas negras, da falta de reconhecimento cultural e dos danos que essa depreciação generalizada causa. Isso inclui os privilégios ao que é associado ao branco e a desqualificação do que é codificado como negro.

Leda Maria Martins destaca ainda que a espacialidade-limite do apartamento confina os protagonistas também nas “tensões que ora distendem ora comprimem essa clausura, assim como ora os aproxima, ora os distancia, devido às situações díspares e contraditórias face às circunstâncias que os engolfam” (Martins, 2020MARTINS, Leda Maria (2020). Como respirar? In: ANUNCIAÇÃO, Aldri. Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva. p. 11-25., p. 12). Nesse movimento, em função da articulação dramática, o leitor/espectador é envolvido numa compreensão aprofundada de como se formou, na sociedade brasileira, o predomínio do imaginário social centrado no universo branco, por meio do debate de questões como diáspora africana, a violência policial e o futuro próximo da população negra, independentemente se no hostil território brasileiro, se na estranha África.

Dessa maneira, o confinamento, como metáfora do racismo, dos processos espacializantes e da colonização do pensamento, figura no universo imaginário de Namíbia, não! e oferece formas de se compreender o processo social vigente, ampliando seus aspectos inadmissíveis pela construção da consciência histórica dos sujeitos envolvidos, escancarando a supressão de direitos e garantias fundamentais em curso no Brasil e projetando um futuro em que a existência dependerá das decisões de um Estado autoritário. Por isso, a relevância da distopia como dispositivo de análise fundamental ao exercício crítico desse cruzamento de temporalidades.

SUJEIÇÃO DE CORPOS NEGROS: COTIDIANO DE VIOLÊNCIAS

Analisar como aspectos distópicos pairam sobre a vida urbana possibilita entender como regimes políticos articulam medo e desumanização para exercer controle social. Em Namíbia, não!, André e Antônio estão no centro dessa articulação, envoltos por um conjunto de ações que criam uma atmosfera crescente de angústia e sufocamento. É desse lugar que os protagonistas, ansiosos por liberdade, conscientes dos riscos que surgem da necropolítica do Estado, lançam um olhar negro sobre o mundo, sobre si mesmos e sobre como o poder perpassa as relações humanas.

Assim, os primos ampliam os limites espaciais do apartamento em que moram ao discutirem desde questões subjetivas até fatos da geopolítica internacional: questionam se o cumprimento da medida provisória implicará a perda da nacionalidade brasileira; preparam a partida para a África, colocando as roupas brancas em malas, de mesma cor; especulam o destino para o qual serão deportados. Antônio conta a André que, em uma noite regada a vinho branco, juntamente com Capitu, sua namorada, procurou descobrir de que região africana tinham vindo:

ANTÔNIO (constrangido): Ah… Capitu pegou pinturas de época de melaninas acentuadas dessas localidades e comparou com fotos atuais de nossas famílias. Depois de muita procura e… (malicioso) e de muita brincadeira naquela noite, a gente suspeitou que a família dela veio de Angola e a nossa, por incrível que pareça… Adivinha?

ANDRÉ (interessado): De onde?

ANTÔNIO: Da Etiópia! (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 71, grifos do original).

Desesperançado, André questiona se Capitu deixaria de ir para Angola, país de origem de sua família, para encontrar Antônio na Etiópia. Sem a resposta, sentam-se no sofá branco da sala para ouvir o noticiário:

REPÓRTER NA TV (off): A expectativa é muito grande, sobretudo em relação à adaptação desses cidadãos, muitos realizando sua primeira viagem internacional. […] Agora estamos mostrando imagens das acomodações desses cidadãos, agora não mais brasileiros, e sim angolanos. […] Observem agora imagens das acomodações… Muito simples!

ANTÔNIO (constrangido): Isso é um albergue!

ANDRÉ: Quarto muito pequeno. Não cabe nem as malas!

REPÓRTER NA TV (off): Um quarto com decoração toda em verde e amarelo, dando o tom nostálgico que o momento pede… Olhem só… Uma cama de solteiro, lençol, travesseiro. E um banheiro coletivo nos corredores.

ANTÔNIO (pra si mesmo): O que é isso?!

REPÓRTER NA TV (off): O governo de Angola já está providenciando vales e bolsa cidadão-angoleiro em valores que permitam a aquisição de alimentos básicos para esses cidadãos que estão chegando. (animado) Agora voltamos com imagens do aeroporto de Angola, ao vivo… (sons de multidão) Os nativos de Angola também estão presentes. Mas a recepção não é nada agradável. (sons de multidão agressiva)… Eles protestam com faixas… Temem que esses ex-brasileiros recém-chegados aumentem ainda mais o número de desempregados e provoquem uma disputa acirrada pelas poucas vagas de trabalho que existem em Angola… (Antônio e André entreolham-se) Espera aí… (sons de tiros) Estou ouvindo sons de tiro… Parece que um cidadão angolano protesta com armas… E grita pela não entrada de ex-brasileiros no país… Policiais estão controlando o cidadão angolano. Pessoas assustadas ao redor… Por enquanto não há feridos! (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 74, grifos do original).

Em seguida, ouvem-se gritos de uma senhora, Dona Aracy, que, ao sair para buscar um lençol branco no varal, foi capturada pelos policiais:

SENHORA (off): Vocês estão pensando o quê? Que vão me enviar pra África? Isso é um absurdo! Eu não tenho a Melanina Acentuada… Nem exaltada! A lei é bem clara […] Eu sou parda, tá entendendo? Parda! Tá escrito aqui na minha certidão! Vocês me respeitem. Me larguem!

[…]

ANDRÉ (rindo): Ela acreditou no conto da certidão, primo. Nossa certidão também diz que a gente é pardo. Mas o que seria isso, meu Deus? […]

ANTÔNIO: Estatísticas… Queriam forjar um país de melanina mais branda (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 77, grifos do original).

Na continuação da cena, em um cenário completamente escuro, barulho de sirenes tomam o apartamento:

ANTÔNIO: O que está acontecendo?

ANDRÉ: Agora eles devem ter cortado o fornecimento de energia elétrica dos de Melanina Acentuada. Estamos na escuridão.

ANTÔNIO: Eles estão nos pressionando! E essa sirene?

ANDRÉ: Um aviso de que mais um Descendente foi capturado.

ANTÔNIO: Isso é terror!

ANDRÉ: Eles não querem mais a gente aqui, primo. Eu não quero ir. Mas de que vale ficar aqui? Um lugar onde você não é benquisto?

ANTÔNIO (indignado): Mas eu sou benquisto. Esse pessoal do Curso Preparatório pro Concurso pra Diplomata de Melanina Acentuada é um exemplo. No encontro que tivemos durante a matrícula, encontrei pessoas legais na secretaria. Pessoas interessadas e educadas. Não é bem assim, André. Temos que tomar cuidado com o nosso julgamento. Sei que não podemos agradar a todos, mas é um exagero generalizar tudo. Existem pessoas que querem o bem das outras, sim! Eu me recuso a acreditar que 100% da população brasileira queira todos os de Melanina Acentuada de volta aos países da África em pleno 2025! Tenho percebido evoluções, primo! Atores protagonizando novelas. Mais Melaninas Acentuadas nas Universidades. As cotas estão aí, vieram pra ficar! Abra os olhos e veja, André!

ANDRÉ: Sim, estou abrindo, mas não vejo nada. Está tudo escuro ainda!

ANTÔNIO (irritado): Escuta, André… Aqui no Brasil eu sou benquisto, sim!

Nesse momento, uma pedra atinge a janela de vidro do apartamento de André e Antônio. Um homem lá fora grita.

SEU LOBATO (VIZINHO, off): Saiam daí, seus malucos! É lei agora! Vocês devem voltar pro lugar de onde vieram! Vocês vieram de longe, e não vão aguentar ficar presos nesse apartamento por muito tempo. E por causa de vocês a rua inteira está sem luz. O Governo disse que a luz só volta quando não morar nem mais um de melanina sublinhada na rua. Vocês estão trazendo a escuridão para os nossos lares! Saiam! […]

Som de outra pedra quebrando outra janela. Tudo continua escuro.

ANTÔNIO (surpreso): É Seu Lobato!

ANDRÉ: Seu Lobato!

ANTÔNIO: Mas… Ele sempre foi tão legal com a gente. Sempre tratou a gente tão bem!

SEU LOBATO (off): Nunca gostei de vocês! Saiam desse apartamento.

[…]

ANTÔNIO: Procure não se mexer muito, pra evitar cortes com o vidro!

ANDRÉ: Ok, primo! Vou ficar parado. Estático. Nunca mais vou me mexer pra evitar que eu me machuque. Vamos continuar sempre assim. Imóveis… paralisados e invisíveis na escuridão. […]

ANTÔNIO (irritando-se): Qual é seu problema, hein? Está contra mim?

ANDRÉ: Tô contra essa situação! Quero estar num lugar onde eu possa me movimentar normalmente. Do jeito que está, primo, a gente não tem visibilidade alguma! Nem eu consigo te ver. Está tudo escuro, Antônio! (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 83, grifos do original).

O destaque para essa sequência de ações — que envolvem a incerteza a respeito da própria origem e do próprio futuro, a quebra dos vínculos pessoais, a suspensão dos direitos individuais, a discussão do que é ser negro no Brasil e a incompatibilidade dos corpos negros com o espaço que ocupam — busca demonstrar como a narrativa de Namíbia, não! faz emergir questões sociais enquanto instaura e articula situações de medo e angústia crescentes. Isso, associado à previsão de um futuro aterrorizante e à vivência de um presente repleto de valores éticos distorcidos e dominado por um Estado totalitário, são engrenagens de um universo distópico, gênero cujo estudo exige, mesmo que de forma ampla, compreender a ligação ideológica que estabelece com a utopia, conceito que, embora muitas vezes banalizado pela frequência com que é relacionado a propostas/pensamentos irrealizáveis, pode ser identificado como rota de fuga de realidades sociais opressoras na direção de se construírem formas de vida mais justas.

Gregory Claeys (2017CLAEYS, Gregory (2017). Dystopia: a natural history. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions. Oxford: Oxford University Press.), professor de História do Pensamento Político na Universidade de Londres, na obra Dystopia: a natural history. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions, explica que o termo distopia, surgido em 1747, comumente associado ao oposto de “utopia”, deriva das palavras gregas dus e topos e guarda a ideia de lugar ruim, desfavorável. Usado em 1868 por John Stuart Mill para denominar os proponentes da impraticável política britânica na Irlanda, o termo ganhou maior relevância somente no fim do século XX, principalmente na literatura, em que é considerado por alguns críticos um subgênero da ficção científica.

Na referida obra, Claeys (2017CLAEYS, Gregory (2017). Dystopia: a natural history. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions. Oxford: Oxford University Press.) toma a distopia como um estado psicológico e ponto de partida da humanidade para, conforme sublinha o título, traçar uma história natural segundo a qual medos causados por deuses e seres ameaçadores foram reinventados e substituídos coletivamente por medos compostos socialmente: o temor de catástrofes climáticas e colapsos ambientais, do domínio pela ciência e pela tecnologia, do terrorismo, da xenofobia ou dos totalitarismos políticos. Por esse motivo, no decorrer do tempo, as distopias, regimes definidos por extrema coerção, desigualdade, prisão e escravidão, fizeram a história de diferentes grupos (Claeys, 2017CLAEYS, Gregory (2017). Dystopia: a natural history. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions. Oxford: Oxford University Press., p. 5).

Além das distopias ambiental e tecnológica, o estudioso aponta ainda a distopia política, que, em função da associação com o fracasso das aspirações utópicas, tem chamado a atenção ao longo do tempo. Por causa de características/elementos definidores, as distopias políticas podem ser divididas em cinco modelos:

  • sociedades altamente militarizadas ou centradas na guerra, nas quais todo o processo educacional é voltado para a total obediência à autoridade;

  • sociedades cujo governo é totalitarista;

  • sociedades que se beneficiaram da escravidão, regime de submissão que marca toda a história da humanidade;

  • as prisões, costumeiramente caracterizadas pela associação popular de distopia com tortura, trabalho forçado e campo de extermínio;

  • o isolamento de populações doentes.

Em paradigmas modernos, algumas dessas características/elementos, explica Claeys (2017CLAEYS, Gregory (2017). Dystopia: a natural history. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions. Oxford: Oxford University Press.), agregaram outros elementos ou foram sobrepostas a eles. O despotismo clássico dos governos de um único tirano, por exemplo, incorporou o terror como instrumento legítimo de defesa da vontade geral, o que também foi utilizado em regimes democráticos, nos quais a submissão às opiniões desaprovadoras da maioria por vezes determina uma lógica de conformidade, com a qual certas organizações/instituições se assemelham.

Esse é o caso de escolas, entidades religiosas, academias militares e prisões, que, em geral, uniformizam, despersonalizam, disciplinam e anulam identidades, submetendo a vida das populações à vontade de governantes. Nesse aspecto, Claeys (2017CLAEYS, Gregory (2017). Dystopia: a natural history. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions. Oxford: Oxford University Press.) faz referência ao pensamento de Michel Foucault, para quem a extensão desses ideais, visando a uma reforma comportamental universal, torna o Estado nação parecido com uma prisão e coincide com o surgimento de uma utopia política de uma sociedade universal, na qual mecanismos penais internalizados pelos cidadãos impediriam que ilegalidades fossem praticadas.

Claeys (2017CLAEYS, Gregory (2017). Dystopia: a natural history. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions. Oxford: Oxford University Press.) apresenta ainda como o medo, condicionado por discursos de fundo social e biológico, foi ao longo do tempo direcionado a grupos considerados ameaçadores. Leprosos, por exemplo, no Antigo Egito, eram confinados em ilhas e, no século XIV, na Europa, sofreram uma verdadeira caçada, tendo as propriedades confiscadas e a identidade apagada dos registros oficiais. Hereges, judeus e bruxas também se tornaram alvo logo em seguida. Monges e padres condenados por feitiçaria eram obrigados a usar distintivos que indicavam tal condenação. No século XV, além de também associados à feitiçaria, judeus eram relacionados a pestes e perseguidos em razão do sucesso com o comércio e com as finanças.

Compreender essa associação entre o medo e a hostilidade direcionada a grupos específicos é fundamental para entender o funcionamento das distopias não só no passado, mas também no período moderno, quando a necessidade de submeter o Outro, embora permaneça ligada aos princípios do que Claeys (2017CLAEYS, Gregory (2017). Dystopia: a natural history. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions. Oxford: Oxford University Press.) chamou história natural, prossegue por meios reelaborados. Assim, ao continuarem deslocando medos naturais para aqueles formulados em âmbito social, indivíduos utilizam diferentes formas de escravidão, prisões e discursos que fundamentam despotismos políticos e dão prosseguimento à lógica de produção de distopias para determinados grupos.

Nesse ponto, tendo em vista que os exemplos de experiências distópicas apresentados, em maior parte, dizem respeito à realidade europeia, é importante aproximar o pensamento de Claeys (2017CLAEYS, Gregory (2017). Dystopia: a natural history. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions. Oxford: Oxford University Press.) das contribuições de Grada Kilomba (2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó.), sobretudo no que se refere à perseguição de grupos específicos. Isso porque, como expressão periférica capaz de apresentar, por um olhar interno, os componentes psicológicos do racismo cotidiano e a silenciada realidade de sujeitos negros, as reflexões em Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano são essenciais tanto para compreender a lógica etnocêntrica com que corpos negros são definidos como para analisar Namíbia, não!.

Vale então retomar a passagem em que, ao tratar das memórias e dos traumas causados pelo colonialismo, Kilomba (2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó., p. 37, grifos do original) apresenta como, “no mundo conceitual branco, o sujeito negro é identificado como o objeto ‘ruim’ […]. Por conseguinte, acabamos por coincidir com a ameaça, o perigo, o violento, o excitante e também o sujo”. Para tanto, resgata as imagens de Anastácia, mulher escravizada que se tornou figura de devoção política e religiosa pela luta que travou pela libertação dos escravizados, e da máscara que era obrigada a usar. Presa à cabeça por cordas e composta de um pedaço de metal, que era inserido na boca do “sujeito negro”, a máscara tinha o objetivo de impedir o consumo de açúcar ou cacau enquanto o indivíduo trabalhava nas plantações e, na perspectiva de Kilomba (2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó., p. 33), implementar “um senso de mudez e de medo”, visto que a boca era um lugar de silenciamento e de tortura.

Como metáfora para posse, a boca constitui, então, órgão a ser controlado e censurado, já que na lógica racista o “sujeito negro” é colocado no lugar de alguém que deseja possuir o que pertence ao senhor “branco”, uma inversão da narrativa que busca negar a existência de um projeto colonial e legitimar processos de exclusão racial.

Enquanto o sujeito negro se transforma em inimigo intrusivo, o branco torna-se a vítima compassiva, ou seja, o opressor torna-se o oprimido e o oprimido, o tirano. Esse fato é baseado em processos nos quais partes cindidas da psique são projetadas para fora, criando o chamado “Outro”, sempre como antagonista do “eu” (self). […] O sujeito negro torna-se então tela de projeção daquilo que o sujeito branco teme reconhecer sobre si mesmo (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó., p. 34, grifos do original).

Tais reflexões permitem perceber como Namíbia, não!, a um só tempo, aborda contradições do presente imediato e projeta um futuro em que a hostilidade do espaço se traduz em interdições, exclusões e violências latentes, contribuindo para a compreensão dos dispositivos distópicos mobilizados na obra. Deles resultam as inquietudes que André e Antônio vivenciam ao buscarem preservar a própria humanidade. Exemplo disso é a passagem na qual, enquanto avaliam a inconstitucionalidade da medida provisória, André começa a maquiar o rosto:

André já de rosto completamente branco pelo pancake.

[…]

ANTÔNIO: O que é isso, André?! Você está pálido.

ANDRÉ: Pálido, não! Eu estou branco. Fiquei branco!

[…]

ANDRÉ (bebendo o vinho branco): Eu preciso sair pra comprar comida. Não temos mais comida em casa, primo. […] Primo, você acha que vão me reconhecer na rua?

[…]

ANDRÉ (triste): Ficou bom, primo?

ANTÔNIO: A execução ou a ideia?

ANDRÉ: Os dois!

ANTÔNIO (irônico): Você está conseguindo um efeito. Sua melanina está aparentemente mais suave. Você está menos retinto!

[…]

André tenta abrir a porta. Percebe a porta trancada.

ANDRÉ (irado): Quem trancou essa maldita porta, primo?

ANTÔNIO: Acho que foi a Corte portuguesa.

ANDRÉ (surpreso): Quem?!

ANTÔNIO: Foi a Corte portuguesa quem comandou o tráfico de melaninas acentuadas da África pro Brasil. Eles quem deveriam pagar a indenização.

ANDRÉ: Você acha isso mesmo?

ANTÔNIO (entusiasmado): Agora está tudo muito claro!

[…]

ANTÔNIO (limpando o rosto de André): Vamos invalidar essa Medida Provisória, primo. (Grita pela janela.) Ninguém mais será deportado pra África!!!

Entra mais uma vez o som da sirene que anuncia mais um melanina acentuada capturado nas ruas. Antônio e André se entreolham preocupados.

ANDRÉ (aflito com a sirene): Mas temos que agir rápido! (Anunciação, 2020, p. 97, grifos do original).

Nesse excerto, a imagem de um melanina acentuada pintando o rosto de branco, lida sob a tensão do arbítrio e da violência de um regime de exceção e potencializada pelo estado de crise que as personagens vivenciam, articula um conjunto de sentidos que revelam outras formas de confinamento, metáfora das imposições eurocentradas e da lógica colonial que torna compulsório o embranquecimento, demonstrando como cor da pele, sobretudo no Brasil, país que sofre com as consequências do modelo escravocrata, não é apenas um dado observável, mas sim um conjunto de informações que, ao serem lidas socialmente, restringem ou ampliam possibilidades. O espaço também reflete isso na medida em que, rotulados por estruturas de poder, corpos negros são impossibilitados de usufruir a cidade. Branquear-se para deslocar-se por ela, como faz André, remete ao fato de que espaços urbanos não são transitáveis por todos igualmente, o que se materializa na naturalização e na institucionalização das diferenças que definem quais corpos pertencem a que espaços, destinando à população negra, em geral, territórios periféricos e marginalizados, estigmatizados como ilegais ou invasões.

Nessa dinâmica de poder, como os protagonistas de Namíbia, não!, a população negra é submetida a outras diferentes formas de constante confinamento, entre elas o silenciamento e a imposição de epistemologias centradas no universo branco, tentativas sistemáticas de aprisionamento da mente, de invalidação do pensamento e de desumanização. Em razão disso, é necessário enfatizar o relevante papel político de obras como Namíbia, não!, que, ao contestarem as demarcações validadas por uma lógica que entrelaça racismo, elitismo e patrimonialismo, questionam o estabelecimento de fronteiras que também se estendem ao universo simbólico, produzindo limitações de acesso à academia, à literatura, à produção intelectual ou, no caso da dramaturgia, aos papéis distintos dos subalternizados, campos não destinados para negros e periféricos no sistema ideológico vigente.

  • 1
    Namíbia, não! inspirou também a obra fílmica Medida provisória, que estreou no Brasil em 2022, provocando expectativa no público e na crítica, sobretudo pela abordagem de questões que envolvem identidade, democracia e legitimidade política no Brasil.
  • 2
    Nas rubricas, podem ser lidas as seguintes indicações do cenário: “Sala de um apartamento de dois quartos. Tudo exageradamente branco: pisos, paredes, televisão, mesa, sofá, controle remoto, geladeira, estante de livros, chaleira, copos, taças… Enfim, tudo branco! Sobre a mesa de centro da sala, um tabuleiro de xadrez com jogo já começado. Detalhe e atenção para o fato de todas as peças do tabuleiro de xadrez (ambos os lados) serem também brancas” (Anunciação, 2020ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva., p. 38, grifos do original).
  • *
    O artigo é parte da tese de doutorado intitulada Fora do plano, em luta pelo espaço: memória, distopia e arquivo em narrativas das periferias, defendida em 28 de junho de 2022, na Universidade de Brasília.
  • ERRATA

    https://doi.org/10.1590/2316-40186705erratum
    No artigo “Isso vai ser um caos!”: distopia e autoritarismo em Namíbia, não!, com número de DOI 10.1590/2316-40186705, publicado no periódico Estud. Lit. Bras. Contemp., n. 67, e6705, 2022, na página 1, seção:
    Onde se lia:
    LITERATURA E IMAGINAÇÃO UTÓPICA
    Leia-se:
    UTOPIA E IMAGINAÇÃO UTÓPICA

REFERÊNCIAS

  • ANUNCIAÇÃO, Aldri (2020). Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva.
  • CLAEYS, Gregory (2017). Dystopia: a natural history. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions. Oxford: Oxford University Press.
  • KILOMBA, Grada (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó.
  • MARTINS, Leda Maria (2020). Como respirar? In: ANUNCIAÇÃO, Aldri. Trilogia do confinamento: Namíbia não!, Embarque imediato, O campo de batalha. São Paulo: Perspectiva. p. 11-25.
  • NASCIMENTO, Abdias do (2004). Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos Avançados, v. 18, n. 50, p. 209-224. https://doi.org/10.1590/S0103-40142004000100019
    » https://doi.org/10.1590/S0103-40142004000100019

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2022
  • Aceito
    13 Dez 2022
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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