Acessibilidade / Reportar erro

Má percepção da falta de controle da asma em ambulatório de hospital terciário do Rio de Janeiro

RESUMO

Objetivo

Determinar a proporção de pacientes com asma com percepção inadequada do mau controle de sua doença.

Métodos

Estudo transversal com amostra de conveniência de pacientes com asma e idade ≥18 anos. Avaliou-se o controle da asma por meio do Asthma Control Test e do questionário do Global Initiative for Asthma. Utilizou-se o coeficiente Kappa para análise da concordância entre os resultados desses testes e a percepção do controle da asma pelo paciente, definida pela resposta a uma questão do Asthma Control Test: “Como você avalia o controle da sua asma durante as últimas 4 semanas?”.

Resultados

Entre os 71 pacientes com idades entre 19 e 81 anos e média de 57,7±13,9 anos, existiam 27 (38%) controlados, segundo o Asthma Control Test, e 18 (25,3%) de acordo com o questionário do Global Initiative for Asthma. Os coeficientes de Kappa entre os resultados desses testes e a percepção do controle pelos pacientes foram, respectivamente, 0,4 e 0,29. Entre os 41 (57,7%) pacientes que se consideravam controlados, 18 (43,9%) tinham percepção inapropriada do seu mau controle, de acordo com o Asthma Control Test, e 25 (61%) segundo o Global Initiative for Asthma.

Conclusão

Aplicando-se o Asthma Control Test, observou-se que quase metade dos participantes tinha percepção inadequada de seu mau controle da doença e, segundo o questionário da Global Initiative for Asthma, mais da metade da amostra não percebeu o descontrole da asma.

Asma; Inquéritos e questionários; Percepção; Controle; Sinais e sintomas

ABSTRACT

Objective

To determine the proportion of patients with asthma with misperception of poor control of their disease.

Methods

A cross-sectional study with a convenience sample of patients with asthma and aged ≥18 years. Asthma control was assessed by the Asthma Control Test and the Global Initiative for Asthma questionnaire. The Kappa coefficient was used to analyze the agreement between the results of these tests and the patients’ perception of asthma control, defined by the response to one question of the Asthma Control Test: “How do you evaluate your asthma control during the last 4 weeks?”.

Results

Among the 71 patients aged 19 to 81 years and a mean of 57.7±13.9 years, there were 27 (38%) controlled, according to the Asthma Control Test, and 18 (25.3%) using the Global Initiative for Asthma questionnaire. The Kappa coefficients of the results of these tests and the perception of control by the patients were 0.4 and 0.29, respectively. Among the 41 (57.7%) patients who considered themselves controlled, 18 (43.9%) had a misperception of their poor control, as per the Asthma Control Test, and 25 (61%) by the Global Initiative for Asthma.

Conclusion

Applying the Asthma Control Test, it was observed that almost half of the participants had a misperception of their poor control of the disease and, according to the Global Initiative for Asthma questionnaire, more than half of the sample did not notice the lack of asthma control.

Asthma; Surveys and questionnaires; Perception; Control; Signs and symptoms

INTRODUÇÃO

A asma acomete cerca de 300 milhões de pessoas no mundo.(11. World Health Organization (WHO). Global surveillance, prevention and control of chronic respiratory diseases: a comprehensive approach. Geneva: WHO; c2007 [cited 2018 Mar 7]. Available from: http://who.int/gard/publications/GARD%20Book%202007.pdf
http://who.int/gard/publications/GARD%20...
) No Brasil, em 2018, ocorreram 2.270 mortes por asma, ou seja, mais de seis por dia.(22. Brasil. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS). Informações de saúde (TABNET). Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008 [citado Abr 30]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obt10uf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
)

Os objetivos do tratamento da asma são o controle dos sintomas e a redução do risco futuro.(33. Przybyszowski M, Bochenek G. The role of questionnaires in the assessment of asthma control. Pneumonol Alergol Pol. 2015;83(3):220-8.,44. Global Initiative for Asthma (GINA). Global strategy for asthma management and prevention: updated 2018. Fontana: GINA; 2018 [cited 2020 Apr 30]. Available from: https://ginasthma.org/wp-content/uploads/2019/01/2018-GINA.pdf
https://ginasthma.org/wp-content/uploads...
) No entanto, no Brasil e no mundo, a maioria dos portadores de asma não tem sua doença controlada.(55. Marchioro J, Gazzotti MR, Nascimento OA, Montealegre F, Fish J, Jardim JR. Level of asthma control and its relationship with medication use in asthma patients in Brazil. J Bras Pneumol. 2014;40(5):487-94.,66. Neffen H, Fritscher C, Schacht FC, Levy G, Chiarella P, Soriano JB, Mechali D; AIRLA Survey Group. Asthma control in Latin America: the Asthma Insights and Reality in Latin America (AIRLA) survey. Rev Panam Salud Publica. 2005;17(3):191-7.)

Há evidências de que cerca de metade dos pacientes com sintomas graves de asma considera que sua doença encontra-se bem controlada.(77. Rabe KF, Vermeire PA, Soriano JB, Maier WC. Clinical management of asthma in 1999: the Asthma Insights and Reality in Europe (AIRE) study. Eur Respir J. 2000;16(5):802-7.)

Asmáticos com má percepção do controle de sua doença possuem maior risco de subestimá-la e receber tratamento insuficiente,(88. Juniper EF, Svensson K, Mörk AC, Ståhl E. Measurement properties and interpretation of three shortened versions of the asthma control questionnaire. Respir Med. 2005;99(5):553-8.)com maior risco de exacerbações.(99. Almeida PC, Souza-Machado A, Leite Mdos S, Castro LA, Coelho AC, Cruz CS, et al. Comparison between two methods of asthma control evaluation based on individual perception. J Bras Pneumol. 2012;38(3):299-307.)Além disso, os médicos podem superestimar os níveis de controle ou a extensão da melhora alcançada com a terapia, em razão de uma avaliação inadequada.(1010. Boulet LP, Phillips R, O’Byrne P, Becker A. Evaluation of asthma control by physicians and patients: comparison with current guidelines. Can Respir J. 2002;9(6):417-23.) A ciência do nível de controle da doença, por parte do paciente, auxilia na titulação de seu tratamento.

OBJETIVO

Determinar a proporção de pacientes portadores de asma com percepção inadequada do mau controle de sua doença.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal com amostra de conveniência, cujos critérios de inclusão foram idade ≥18 anos, diagnóstico confirmado de asma segundo os critérios do documento do Global Initiative for Asthma (GINA),(44. Global Initiative for Asthma (GINA). Global strategy for asthma management and prevention: updated 2018. Fontana: GINA; 2018 [cited 2020 Apr 30]. Available from: https://ginasthma.org/wp-content/uploads/2019/01/2018-GINA.pdf
https://ginasthma.org/wp-content/uploads...
) não se encontrar em exacerbação e não estar em primeira consulta no ambulatório de asma do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (UFF). No período de março de 2017 a março de 2018, nos dias de suas consultas pré-agendadas, os pacientes foram convidados a preencher um questionário com itens sobre dados sociodemográficos e a respeito do nível de controle da doença. Avaliou-se também a gravidade do distúrbio ventilatório obstrutivo na espirometria mais atual. O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética local, sob o CAAE: 56248816.1.0000.5243 e parecer 3.304.939. Os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Avaliou-se o nível de controle da asma por meio de dois questionários (Tabela 1). O Asthma Control Test (ACT)(1111. Nathan RA, Sorkness CA, Kosinski M, Schatz M, Li JT, Marcus P, et al. Development of the asthma control test: a survey for assessing asthma control. J Allergy Clin Immunol. 2004;113(1):59-65.) é composto de cinco questões que abordam limitações causadas pela asma, presença de dispneia, despertares noturnos em decorrência da doença, necessidade de uso de medicação de alívio e autoavaliação do controle asmático. Sua avaliação se restringe às últimas 4 semanas. Cada questão apresenta cinco alternativas, que geram pontuações de um a cinco. A pontuação máxima é de 25 pontos, e a mínima, cinco pontos. Nesta pesquisa, considerou-se a asma controlada quando foram obtidos escores ≥20, valor utilizado como balizador de controle na maioria dos estudos, inclusive no que deu origem ao ACT. O questionário proposto pelo GINA(44. Global Initiative for Asthma (GINA). Global strategy for asthma management and prevention: updated 2018. Fontana: GINA; 2018 [cited 2020 Apr 30]. Available from: https://ginasthma.org/wp-content/uploads/2019/01/2018-GINA.pdf
https://ginasthma.org/wp-content/uploads...
) tem quatro questões semelhantes às do ACT, com apenas duas alternativas de resposta (sim ou não). Pode-se obter um ponto a cada pergunta, de modo que a pontuação máxima é quatro. Pacientes são considerados controlados somente quando não pontuam neste questionário. Não há, no GINA, pergunta similar à quinta questão do ACT sobre autoavaliação do paciente a respeito do controle da asma.

Tabela 1
Questões e pontuações do Asthma Control Test e da Global Initiative for Asthma

Foi realizada análise da percepção do controle da asma pelo paciente a partir da seguinte pergunta do próprio ACT: “Como você avalia o controle da sua asma durante as últimas 4 semanas?” As opções de respostas oferecidas à questão e a divisão dos grupos podem ser observadas na figura 1.

Figura 1
Divisão dos pacientes, de acordo com a resposta à pergunta do Asthma Control Test “Como você avalia o controle da sua asma?”

Investigou-se a concordância entre a resposta a essa pergunta-chave do estudo, presente no ACT e o nível de controle da asma por meio da pontuação total obtida nesse mesmo teste e no questionário do GINA.

Para a análise descritiva dos dados numéricos, utilizaram-se medidas de tendência central e de dispersão. Foram usados os cálculos das frequências simples e relativas e as percentagens para as questões com respostas categorizadas. Verificaram-se as associações das variáveis categóricas utilizando o teste estatístico do χ2 ou o teste exato de Fisher, conforme indicação teórica. Valores de p<0,05 indicaram significância estatística. Foi analisada a concordância entre a percepção de controle da asma segundo o paciente e o nível de controle no ACT e no GINA por meio do coeficiente Kappa, que a classifica em pobre (0,01 a 0,2), discreta (0,21 a 0,4), moderada (0,41 a 0,6), substancial (0,61 a 0,8) e quase perfeita (0,81 a 0,99). Os dados obtidos foram digitalizados em planilha do Microsoft Excel 2010 e importados para análise estatística no programa Epi Info™ 7.2.

RESULTADOS

Foram incluídos 71 participantes entre 19 e 81 anos de idade, com média de 57,7±13,9 anos. Cinquenta (70,4%) eram não tabagistas, quatro (5,6%) tabagistas e 17 (24%) ex-tabagistas. No que se refere à gravidade do distúrbio obstrutivo, 11 (15,5%) apresentavam espirometrias normais, 39 (54,9%) tinham obstruções leves, 13 (18,3%) apresentavam obstruções moderadas, e seis (8,4%) tinham obstruções graves, sendo que dois pacientes (2,8%) não conseguiram realizar o teste de maneira confiável. Pacientes com obstruções mais graves, bem como os que não eram casados, encontravam-se mais frequentemente não controlados pelo ACT, dado não corroborado pelo GINA. Segundo o documento do GINA de 2018, dois participantes (2,8%) encontravam-se no estágio 1 do tratamento da asma (beta2-agonista de curta duração conforme necessidade), 14 (19,7%) no estágio 2 (baixa dose de corticosteroides inalatórios), 11 (15,5%) no estágio 3 (baixa dose de corticosteroide inalatório e broncodilatador de longa ação), 43 (60,6%) no estágio 4 (dose moderada ou alta de corticoide inalatório e broncodilatador de longa ação) e um (1,4%) no estágio 5 (corticosteroides orais usados regularmente e/ou anti-imunoglobulina E – IgE, associados à combinação de corticoides e broncodilatadores inaláveis). Vinte e sete pacientes (38,0%) apresentavam asma controlada segundo o ACT e 18 (25,3%) de acordo com o GINA. A tabela 2 demonstra as associações das características sociodemográficas e clínicas com o controle da asma de acordo com o ACT e o GINA.

Tabela 2
Associação das características sociodemográficas e clínicas com o controle da asma de acordo com o Asthma Control Test e a Global Initiative for Asthma

Na tabela 3, vê-se a distribuição da amostra segundo suas respostas à pergunta-chave do estudo, e a concordância de cada item com o ACT e o GINA. Houve concordância entre a opinião do paciente sobre o controle da asma e o ACT em 49 (69,0%) casos; o coeficiente de Kappa entre a percepção do paciente do controle de sua doença e o nível de controle segundo o ACT foi 0,4, sendo considerado discreto. Houve concordância em 44 (62,0%) casos entre a opinião do paciente e o questionário proposto pelo GINA. O coeficiente de Kappa foi 0,29, também sendo considerado discreto. Entre os 34 participantes que assinalaram a opção bem controlada na questão-chave do estudo, 22 (64,7%) não estavam controlados segundo o documento GINA, e 17 (50%) não estavam controlados no próprio ACT.

Tabela 3
Distribuição da amostra segundo suas autoavaliações* do controle de asma e concordâncias em relação ao nível de controle no Asthma Control Test e na Global Initiative for Asthma

Na tabela 4, separou-se a amostra em controlados (os que assinalaram na questão-chave totalmente controlado ou bem controlada) e não controlados (que assinalaram totalmente descontrolada, pobremente controlada ou um pouco controlada). Verifica-se que, utilizando-se o ACT, 43,9% dos pacientes não perceberam a falta de controle da asma e, ao se usar o GINA, esse percentual subiu para 61%. Considerando-se a má percepção do nível de controle em toda a amostra, 67% perceberam mal seu nível de controle.

Tabela 4
Percepção de controle de asma pelo paciente em relação ao Asthma Control Test e à Global Initiative for Asthma

Na tabela 5, vê-se que a percepção do controle não teve relação estatisticamente significativa com o perfil sociodemográfico e clínico, independentemente do questionário utilizado, GINA ou ACT.

Tabela 5
Associação da qualidade da percepção de controle de asma com características sociodemográficas e clínicas

DISCUSSÃO

Neste serviço, demonstra-se a técnica inalatória a todos os pacientes em todas as consultas. Solicita-se, invariavelmente, que os pacientes tragam seus dispositivos inalatórios vazios para treinamento em todas as consultas, e, quando o fazem, eles realizam a técnica inalatória diante do médico; quando não o trazem, os médicos sempre demonstram a técnica com um mecanismo vazio igual ao usado por cada paciente. Se constatados equívocos, estes são sempre corrigidos.(1212. Pessôa CL, Mattos MJ, Alho AR, Fischmann MM, Haerdy BM, Côrtes AC, et al. Most frequent errors in inhalation technique of patients with asthma treated at a tertiary care hospital. einstein (São Paulo). 2019;17(2):eAO4397.) Além disso, no ambulatório investigam-se e tratam-se as principais comorbidades relacionadas à asma, como rinite, refluxo gastresofágico, ansiedade, depressão e tabagismo. Talvez essas condutas sejam a justificativa para termos observado que 25% a 38% da amostra apresentava a asma controlada. Se é ainda abaixo do ideal, é maior que os 9% e 13% observados em estudos nacionais recentes,(55. Marchioro J, Gazzotti MR, Nascimento OA, Montealegre F, Fish J, Jardim JR. Level of asthma control and its relationship with medication use in asthma patients in Brazil. J Bras Pneumol. 2014;40(5):487-94.,1313. Cançado JE, Penha M, Gupta S, Li VW, Julian GS, Moreira ES. Respira project: humanistic and economic burden of asthma in Brazil. J Asthma. 2019;56(3):244-51.) apesar de se manejarem os casos de mais alta complexidade neste ambulatório de hospital terciário. Ao se utilizar o ACT, não se observaram associações entre não controle e baixa renda ou escolaridade, como demonstrado anteriormente.(1414. Zahran HS, Bailey CM, Qin X, Moorman JE. Assessing asthma control and associated risk factors among persons with current asthma - findings from the child and adult Asthma Call-back Survey. J Asthma. 2015;52(3):318-26.) Por outro lado, verificou-se que pacientes não casados e com obstruções mais graves mais frequentemente não estavam controlados, sugerindo que atenção especial deva ser dispensada a esses grupos. Em contrapartida, o GINA não demonstrou associações entre características clínicas, sociodemográficas ou funcionais da amostra e controle da asma, remetendo à ideia de que a supervisão do nível de controle deve ser universal.

A asma mal controlada ou incorretamente tratada pode evoluir desfavoravelmente com exacerbações quase fatais e até resultar em óbito.(1515. van Schayck CP, van Der Heijden FM, van Den Boom G, Tirimanna PR, van Herwaarden CL. Underdiagnosis of asthma: is the doctor or the patient to blame? The DIMCA project. Thorax. 2000;55(7):562-5.) Até 66% dos pacientes com asma não informam espontaneamente os sintomas ao médico,(1616. Watson L, Kerstjens HA, Rabe KF, Kiri V, Visick GT, Postma DS. Obtaining optimal control in mild asthma: theory and practice. Fam Pract. 2005; 22(3):305-10.) e cerca de 50% com sintomas persistentes graves consideram sua doença bem controlada.(1717. Boulet LP, Boulet V, Milot J. How should we quantify asthma control? A proposal. Chest. 2002;122(6):2217-23.) A má percepção do controle da asma pelo paciente pode levar à avaliação inadequada da doença pelo médico e, consequentemente, a um tratamento insuficiente ou excessivo.(1616. Watson L, Kerstjens HA, Rabe KF, Kiri V, Visick GT, Postma DS. Obtaining optimal control in mild asthma: theory and practice. Fam Pract. 2005; 22(3):305-10.) Ainda não há consenso sobre um padrão-ouro para mensurar controle objetivamente.(1212. Pessôa CL, Mattos MJ, Alho AR, Fischmann MM, Haerdy BM, Côrtes AC, et al. Most frequent errors in inhalation technique of patients with asthma treated at a tertiary care hospital. einstein (São Paulo). 2019;17(2):eAO4397.) O documento atual do GINA enfatiza a necessidade de avaliar o controle da asma para orientar as decisões de manejo da asma, e propõe o uso de um questionário, que, apesar de amplamente recomendado e aceito, não é formalmente validado.(44. Global Initiative for Asthma (GINA). Global strategy for asthma management and prevention: updated 2018. Fontana: GINA; 2018 [cited 2020 Apr 30]. Available from: https://ginasthma.org/wp-content/uploads/2019/01/2018-GINA.pdf
https://ginasthma.org/wp-content/uploads...
) O ACT(1111. Nathan RA, Sorkness CA, Kosinski M, Schatz M, Li JT, Marcus P, et al. Development of the asthma control test: a survey for assessing asthma control. J Allergy Clin Immunol. 2004;113(1):59-65.) é um questionário validado, inclusive para o português, e é reprodutível e sensível para a avaliação do controle.(1818. Korn S, Both J, Jung M, Hübner M, Taube C, Buhl R. Prospective evaluation of current asthma control using ACQ and ACT compared with GINA criteria. Ann Allergy Asthma Immunol. 2011;107(6):474-9.) É uma das ferramentas recomendadas pela força-tarefa da American Thoracic Society (ATS)/European Respiratory Society (ERS) sobre a padronização das medidas de controle da asma.(1919. Reddel HK, Taylor DR, Bateman ED, Boulet LP, Boushey HA, Busse WW, Casale TB, Chanez P, Enright PL, Gibson PG, de Jongste JC, Kerstjens HA, Lazarus SC, Levy ML, O’Byrne PM, Partridge MR, Pavord ID, Sears MR, Sterk PJ, Stoloff SW, Sullivan SD, Szefler SJ, Thomas MD, Wenzel SE; American Thoracic Society/European Respiratory Society Task Force on Asthma Control and Exacerbations. An official American Thoracic Society/European Respiratory Society statement: asthma control and exacerbations: standardizing endpoints for clinical asthma trials and clinical practice. Am J Respir Crit Care Med. 2009;180(1):59-99.)Neste estudo, 41 (57,7%) percebiam-se controlados, quando, em verdade, 18 (43,9%) dos indivíduos não estavam controlados pelo ACT, e 25 (61%) não tinham controle pelo GINA. Estes resultados são inferiores aos 68,5% vistos em amostra diferente à deste estudo, pois se tratava de um inquérito realizado em farmácias,(2020. Laforest L, Van Ganse E, Devouassoux G, Osman LM, Brice K, Massol J, et al. Asthmatic patients’ poor awareness of inadequate disease control: a pharmacy-based survey. Ann Allergy Asthma Immunol. 2007;98(2):146-52.) e superiores aos 27,2% obtidos quando se utilizou outro questionário, o Asthma Control Questionnaire (ACQ-6).(1313. Cançado JE, Penha M, Gupta S, Li VW, Julian GS, Moreira ES. Respira project: humanistic and economic burden of asthma in Brazil. J Asthma. 2019;56(3):244-51.) Importante enfatizar que metade dos pacientes que assinalou especificamente a opção bem controlado no ACT falhou em perceber controle inadequado da asma segundo a pontuação obtida no próprio ACT, e, usando-se o GINA, 64,7% dos que marcaram essa opção, em realidade não tinham a doença controlada. Dentre os 30 pacientes que consideravam a asma não controlada, quatro (13,3%) a tinham controlada pelo ACT e dois (6,7%) segundo o GINA. Nesse último caso, a existência de outras comorbidades, como os distúrbios psiquiátricos, talvez seja a razão desse confundimento. Nesse ambulatório já foi verificado que, no mínimo, 53% dos pacientes têm ansiedade e/ou depressão.(2121. Pessôa CL, Milanez AI, Aguiar GP, Rabelo LK, Rigolon LP. Impacto da ansiedade e depressão no controle da asma. Rev Bras Neurol Psiquiatr. 2019;23(1):4-13.) Talvez esses pacientes tenham alguma insatisfação com sua ventilação por somatizações ou hiperinsuflações, e tais fatos poderiam gerar repercussões matemáticas nas perguntas e nas pontuações em questionários. No total da casuística, 22 (31%) participantes interpretaram erradamente o nível de controle de sua doença quando se utilizou o ACT e 27 (38%) no GINA.

Outro aspecto a ressaltar é que, diferente de outros questionários, o ACT, em uma de suas questões, permite que o paciente faça uma autoavaliação de seu controle, que é a questão-chave deste estudo. Foi demonstrado que pacientes com má percepção de seu mau controle frequentemente respondem a essa questão de forma inadequada, assinalando equivocadamente as opções totalmente controlado ou, ainda mais frequentemente, a opção bem controlada. Isso aumenta a pontuação obtida nessa pergunta e, por conseguinte, no escore final do questionário, o que pode contribuir por classificá-lo como controlado no ACT – apesar de, por vezes, essa não ser a realidade. Utilizando-se, por exemplo, o questionário proposto no documento do GINA, que não oferece essa questão para autoavaliação, detectou-se um número ainda maior de pacientes não controlados, que se diziam controlados nessa casuística. De qualquer forma, o coeficiente de Kappa entre o controle da asma segundo o GINA ou o ACT, e a percepção de controle segundo o paciente foi discreto em ambos.

Não se confirmou o verificado previamente de que determinados grupos se percebem de forma inapropriada, como idosos,(2222. Ponte EV, Petroni J, Ramos DC, Pimentel L, Freitas DN, Cruz AA. Perception of asthma control in asthma patients. J Bras Pneumol. 2007;33(6):635-40.) mulheres(2323. Nguyen VN, Chavannes N, Le LT, Price D. The Asthma Control Test (ACT) as an alternative tool to Global Initiative for Asthma (GINA) guideline criteria for assessing asthma control in Vietnamese outpatients. Prim Care Respir J. 2012;21(1):85-9.) e portadores de asmas consideradas leves.(2121. Pessôa CL, Milanez AI, Aguiar GP, Rabelo LK, Rigolon LP. Impacto da ansiedade e depressão no controle da asma. Rev Bras Neurol Psiquiatr. 2019;23(1):4-13.) Isso pode ter se dado em decorrência da exclusão realizada neste estudo dos pacientes controlados e sem percepção de seu controle adequado, visto o objetivo atual ser avaliar exclusivamente a percepção do mau controle. Nem o fato de ser um ambulatório coordenado por especialista parece influenciar na qualidade da percepção de controle dos pacientes.(2020. Laforest L, Van Ganse E, Devouassoux G, Osman LM, Brice K, Massol J, et al. Asthmatic patients’ poor awareness of inadequate disease control: a pharmacy-based survey. Ann Allergy Asthma Immunol. 2007;98(2):146-52.)

Dentre as limitações deste estudo, está a possibilidade de viés de seleção de pacientes que constituíram uma amostra de conveniência de um hospital de ensino, a qual pode não ser representativa da população geral de pacientes ambulatoriais. A recordação dos pacientes quanto aos sintomas de asma no último mês pode não ser totalmente precisa, não se podendo descartar a possibilidade de viés de memória. Outra limitação é o tamanho da amostra. Finalmente, a questão do ACT utilizada para avaliação da percepção dos pacientes sobre o controle da asma “Como você classificaria seu controle de asma nas últimas 4 semanas? não foi validada para esse fim.

Segundo nosso conhecimento, utilizando-se o ACT e o GINA, este é o único estudo observacional já realizado para investigar a dificuldade de percepção do mau controle da asma em hospital terciário em um estudo de vida real, no Brasil. A noção de controle parece pouco compreendida pelos pacientes asmáticos. Talvez estes se satisfaçam com o controle parcial da asma e considerem a persistência dos sintomas aceitável.(2424. Rakusić N, Krmpotić D, Samarzija M, Richter D, Krmpotić P. Physician/patient differences in the perception of asthma: impact on everyday life and level of the asthma control in Croatia. Coll Antropol. 2001;25(2):475-84.) Ouve-se com alguma frequência os pacientes proferirem frases como “Doutor, eu conheço o meu corpo”, mas esta percepção pode se demonstrar falha quando aferida por métodos objetivos. É preciso dobrar a atenção e a rigorosidade na avaliação do controle da asma. Além de investigar a adesão ao tratamento, a qualidade da técnica inalatória e o tratamento das comorbidades para obtenção do controle da asma, é importante lembrar que a má percepção do nível de controle é muito comum. Há pacientes que têm asma controlada e a consideram não controlada, mas, muito mais frequentemente, há pacientes que se consideram controlados sem, na verdade, esta ser a realidade. É necessária uma melhor educação quanto à importância, à percepção e aos métodos de identificação do controle. Talvez familiarizar os pacientes asmáticos com esses mesmos questionários e orientar a utilizá-los em suas residências sejam boas estratégias.

CONCLUSÃO

Aplicando-se o Asthma Control Test, observou-se que quase metade dos participantes tinha percepção inadequada de seu mau controle da doença e, segundo o questionário do Global Initiative for Asthma, mais da metade da amostra não percebeu o descontrole da asma. A má percepção é muito comum, preocupante e impele à utilização de questionários na prática médica, para avaliação mais fidedigna do controle e da titulação correta do tratamento, independentemente das características dos pacientes.

REFERENCES

  • 1
    World Health Organization (WHO). Global surveillance, prevention and control of chronic respiratory diseases: a comprehensive approach. Geneva: WHO; c2007 [cited 2018 Mar 7]. Available from: http://who.int/gard/publications/GARD%20Book%202007.pdf
    » http://who.int/gard/publications/GARD%20Book%202007.pdf
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS). Informações de saúde (TABNET). Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008 [citado Abr 30]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obt10uf.def
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obt10uf.def
  • 3
    Przybyszowski M, Bochenek G. The role of questionnaires in the assessment of asthma control. Pneumonol Alergol Pol. 2015;83(3):220-8.
  • 4
    Global Initiative for Asthma (GINA). Global strategy for asthma management and prevention: updated 2018. Fontana: GINA; 2018 [cited 2020 Apr 30]. Available from: https://ginasthma.org/wp-content/uploads/2019/01/2018-GINA.pdf
    » https://ginasthma.org/wp-content/uploads/2019/01/2018-GINA.pdf
  • 5
    Marchioro J, Gazzotti MR, Nascimento OA, Montealegre F, Fish J, Jardim JR. Level of asthma control and its relationship with medication use in asthma patients in Brazil. J Bras Pneumol. 2014;40(5):487-94.
  • 6
    Neffen H, Fritscher C, Schacht FC, Levy G, Chiarella P, Soriano JB, Mechali D; AIRLA Survey Group. Asthma control in Latin America: the Asthma Insights and Reality in Latin America (AIRLA) survey. Rev Panam Salud Publica. 2005;17(3):191-7.
  • 7
    Rabe KF, Vermeire PA, Soriano JB, Maier WC. Clinical management of asthma in 1999: the Asthma Insights and Reality in Europe (AIRE) study. Eur Respir J. 2000;16(5):802-7.
  • 8
    Juniper EF, Svensson K, Mörk AC, Ståhl E. Measurement properties and interpretation of three shortened versions of the asthma control questionnaire. Respir Med. 2005;99(5):553-8.
  • 9
    Almeida PC, Souza-Machado A, Leite Mdos S, Castro LA, Coelho AC, Cruz CS, et al. Comparison between two methods of asthma control evaluation based on individual perception. J Bras Pneumol. 2012;38(3):299-307.
  • 10
    Boulet LP, Phillips R, O’Byrne P, Becker A. Evaluation of asthma control by physicians and patients: comparison with current guidelines. Can Respir J. 2002;9(6):417-23.
  • 11
    Nathan RA, Sorkness CA, Kosinski M, Schatz M, Li JT, Marcus P, et al. Development of the asthma control test: a survey for assessing asthma control. J Allergy Clin Immunol. 2004;113(1):59-65.
  • 12
    Pessôa CL, Mattos MJ, Alho AR, Fischmann MM, Haerdy BM, Côrtes AC, et al. Most frequent errors in inhalation technique of patients with asthma treated at a tertiary care hospital. einstein (São Paulo). 2019;17(2):eAO4397.
  • 13
    Cançado JE, Penha M, Gupta S, Li VW, Julian GS, Moreira ES. Respira project: humanistic and economic burden of asthma in Brazil. J Asthma. 2019;56(3):244-51.
  • 14
    Zahran HS, Bailey CM, Qin X, Moorman JE. Assessing asthma control and associated risk factors among persons with current asthma - findings from the child and adult Asthma Call-back Survey. J Asthma. 2015;52(3):318-26.
  • 15
    van Schayck CP, van Der Heijden FM, van Den Boom G, Tirimanna PR, van Herwaarden CL. Underdiagnosis of asthma: is the doctor or the patient to blame? The DIMCA project. Thorax. 2000;55(7):562-5.
  • 16
    Watson L, Kerstjens HA, Rabe KF, Kiri V, Visick GT, Postma DS. Obtaining optimal control in mild asthma: theory and practice. Fam Pract. 2005; 22(3):305-10.
  • 17
    Boulet LP, Boulet V, Milot J. How should we quantify asthma control? A proposal. Chest. 2002;122(6):2217-23.
  • 18
    Korn S, Both J, Jung M, Hübner M, Taube C, Buhl R. Prospective evaluation of current asthma control using ACQ and ACT compared with GINA criteria. Ann Allergy Asthma Immunol. 2011;107(6):474-9.
  • 19
    Reddel HK, Taylor DR, Bateman ED, Boulet LP, Boushey HA, Busse WW, Casale TB, Chanez P, Enright PL, Gibson PG, de Jongste JC, Kerstjens HA, Lazarus SC, Levy ML, O’Byrne PM, Partridge MR, Pavord ID, Sears MR, Sterk PJ, Stoloff SW, Sullivan SD, Szefler SJ, Thomas MD, Wenzel SE; American Thoracic Society/European Respiratory Society Task Force on Asthma Control and Exacerbations. An official American Thoracic Society/European Respiratory Society statement: asthma control and exacerbations: standardizing endpoints for clinical asthma trials and clinical practice. Am J Respir Crit Care Med. 2009;180(1):59-99.
  • 20
    Laforest L, Van Ganse E, Devouassoux G, Osman LM, Brice K, Massol J, et al. Asthmatic patients’ poor awareness of inadequate disease control: a pharmacy-based survey. Ann Allergy Asthma Immunol. 2007;98(2):146-52.
  • 21
    Pessôa CL, Milanez AI, Aguiar GP, Rabelo LK, Rigolon LP. Impacto da ansiedade e depressão no controle da asma. Rev Bras Neurol Psiquiatr. 2019;23(1):4-13.
  • 22
    Ponte EV, Petroni J, Ramos DC, Pimentel L, Freitas DN, Cruz AA. Perception of asthma control in asthma patients. J Bras Pneumol. 2007;33(6):635-40.
  • 23
    Nguyen VN, Chavannes N, Le LT, Price D. The Asthma Control Test (ACT) as an alternative tool to Global Initiative for Asthma (GINA) guideline criteria for assessing asthma control in Vietnamese outpatients. Prim Care Respir J. 2012;21(1):85-9.
  • 24
    Rakusić N, Krmpotić D, Samarzija M, Richter D, Krmpotić P. Physician/patient differences in the perception of asthma: impact on everyday life and level of the asthma control in Croatia. Coll Antropol. 2001;25(2):475-84.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2020
  • Aceito
    15 Mar 2021
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br