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Impacto da pandemia da COVID-19 no volume de atendimentos no pronto atendimento: experiência de um centro de referência no Brasil

RESUMO

Objetivo

Analisar o impacto da pandemia da COVID-19 nas métricas do pronto atendimento de um hospital terciário de referência no Brasil.

Métodos

Uma análise retrospectiva das visitas consecutivas ao pronto atendimento, de 1o de janeiro de 2020 a 21 de novembro de 2020, foi realizada e comparada ao mesmo intervalo nos anos de 2018 e 2019. O volume de atendimentos e as características clínicas e demográficas dos pacientes foram comparados. Todos os diagnósticos foram incluídos, exceto os casos confirmados de COVID-19.

Resultados

Um total de 138.138 visitas ao pronto atendimento ocorreu durante o período do estudo, com redução estatisticamente significativa (p<0,01) de 52% do volume comparado tanto a 2018 como a 2019. Essa queda foi mais pronunciada nos atendimentos de pediatria, com redução de 71% se comparada aos números de anos anteriores. Em relação ao quadro clínico, houve redução dos casos graves em 34,7% e 37,6%, enquanto os casos leves caíram 55,2% e 56,2%, quando comparado 2020 a 2018 e a 2019, respectivamente. Uma queda de 30% foi vista no volume de admissões hospitalares originadas dessas visitas, porém houve aumento percentual da taxa de admissão mensal em relação ao volume desde abril de 2020.

Conclusão

O impacto da pandemia da COVID-19 gerou redução de 52% no volume de atendimento do pronto atendimento por outras condições clínicas, bem como aumento proporcional na taxa de admissão hospitalar de pacientes com COVID-19. Os profissionais de saúde devem orientar seus pacientes a não atrasar a procura por atendimento médico de condições graves que precisem de cuidados no pronto atendimento.

Infecções por coronavírus; COVID-19; SARS-CoV-2; Serviços médicos de emergência; Economia da saúde

ABSTRACT

Objective

To analyze the impact of COVID-19 on emergency department metrics at a large tertiary reference hospital in Brazil.

Methods

A retrospective analysis of consecutive emergency department visits, from January 1, 2020, to November 21, 2020, was performed and compared to the corresponding time frame in 2018 and 2019. The volume of visits and patients’ demographic and clinic characteristics were compared. All medical conditions were included, except confirmed cases of COVID-19.

Results

A total of 138,138 emergency department visits occurred during the study period, with a statistically significant (p<0.01) reduction by 52% compared to both 2018 and 2019. This decrease was more pronounced for pediatric visits – a drop by 71% in comparison to previous years. Regarding clinical presentation, there was a decrease of severe cases by 34.7% and 37.6%, whereas mild cases decreased by 55.2% and 56.2% when comparing 2020 to 2018 and 2019, respectively. A 30% fall in the total volume of hospital admission from emergency department patients was observed during the study period, but accompanied by a proportional increase in monthly admission rates since April 2020.

Conclusion

The COVID-19 pandemic led to a 52% fall in attendance at our emergency department for other conditions, along with a proportional increase in hospital admission rates of COVID-19 patients. Healthcare providers should raise patient awareness not to delay seeking medical treatment of severe conditions that require care at the emergency department.

Coronavirus infections; COVID-19; SARS-CoV-2; Emergency medical services; Health economics

INTRODUÇÃO

Poucos meses após o surto da doença causada pelo coronavírus 2019 (COVID-19) em Wuhan, China, o Brasil se tornou um dos epicentros da doença.( 11. Teich VD , Klajner S , Almeida FA , Dantas AC , Laselva CR , Torritesi MG , et al . Epidemiologic and clinical features of patients with COVID-19 in Brazil . einstein (São Paulo) . 2020 ; 18 : eAO6022 . )Para diminuir o risco de contaminação e não sobrecarregar os sistemas de saúde, os governos municipais emitiram decretos de quarentena.( 22. Gostin LO , Wiley LF . Governmental public health powers during the COVID-19 pandemic: stay-at-home orders, business closures, and travel restrictions . JAMA . 2020 ; 323 ( 21 ): 2137 - 8 . )Desde 24 de março de 2020, com a instauração da quarentena em São Paulo, a maior cidade do Brasil, os serviços não essenciais foram encerrados ou fortemente restringidos, incluindo exames médicos eletivos, consultas e cirurgias.

Presume-se que essas medidas, junto do medo de contrair a COVID-19, tenham afetado notavelmente o número de atendimentos hospitalares e de pronto atendimento (PA) não relacionados ao coronavírus,( 33. De Filippo O , D’Ascenzo F , Angelini F , Bocchino PP , Conrotto F , Saglietto A , et al . Reduced rate of Hospital Admissions for ACS during COVID-19 outbreak in northern Italy . N Engl J Med . 2020 ; 383 ( 1 ): 88 - 9 . )apesar do comportamento tendencioso de nossa população, tanto na rede privada quanto na saúde pública, para o uso excessivo do PA como atalho ou substituto para as consultas clínicas eletivas. Um relatório de 2015 mostrou que 34% dos casos atendidos em PA poderiam ser tratados em Atenção Primária.( 44. Ogundimu T . Reducing Avoidable Emergency Department Use . Washington (DC) : Advisory Board Company ; 2021 [ cited 2021 Mar 12 ] [ Updated 2017 Sep 5 ]. Available from: http://www.advisory.com/topics/access/2017/09/reducing-avoidable-emergency-department-use
http://www.advisory.com/topics/access/20...
)Relatórios anteriores referentes ao surto do coronavírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV), ocorrido em 2002, documentavam redução de 50% nas visitas ao PA em Hong Kong e Taiwan.( 55. Man CY , Yeung RS , Chung JY , Cameron PA . Impact of SARS on an emergency department in Hong Kong . Emerg Med (Fremantle) . 2003 ; 15 ( 5-6 ): 418 - 22 . , 66. Chen WK , Cheng YC , Chung YT , Lin CC . The impact of the SARS outbreak on an urban emergency department in Taiwan . Med Care . 2005 ; 43 ( 2 ): 168 - 72 . )Mais recentemente, os dados da pandemia da COVID-19 mostraram redução de 27% a 32% nos atendimentos cirúrgicos no PA( 77. Anteby R , Zager Y , Barash Y , Nadler R , Cordoba M , Klang E , et al . The Impact of the Coronavirus Disease 2019 outbreak on the attendance of patients with surgical complaints at a Tertiary Hospital Emergency Department . J Laparoendosc Adv Surg Tech A . 2020 ; 30 ( 9 ): 1001 - 7 . )e queda impressionante de 76% nas admissões pediátricas.( 88. Ciacchini B , Tonioli F , Marciano C , Faticato MG , Borali E , Pini Prato A , et al . Reluctance to seek pediatric care during the COVID-19 pandemic and the risks of delayed diagnosis . Ital J Pediatr . 2020 ; 46 ( 1 ): 87 . )

Embora as razões para esse fenômeno ainda não sejam compreendidas, isso pode resultar em atrasos no diagnóstico e no atendimento de condições graves, como síndrome coronariana aguda e acidente vascular cerebral, o que provavelmente resulta em aumento na morbidade em longo prazo e no número de óbitos extra-hospitalares.( 99. Mafham MM , Spata E , Goldacre R , Gair D , Curnow P , Bray M , et al . COVID-19 pandemic and admission rates for and management of acute coronary syndromes in England . Lancet . 2020 ; 396 ( 10248 ): 381 - 9 . , 1010. Rinkel LA , Prick JC , Slot RE , Sombroek NM , Burggraaff J , Groot AE , et al . Impact of the COVID-19 outbreak on acute stroke care . J Neurol . 2020 ; 268 ( 2 ): 403 - 8 . )É fundamental avaliar como a pandemia afeta o atendimento hospitalar para a adaptação e a reorganização da força de trabalho e das unidades de atendimento de emergência.

OBJETIVO

Analisar o impacto epidemiológico da pandemia da COVID-19 nos atendimentos de pronto atendimento em um grande centro terciário de referência privado no Brasil.

MÉTODOS

Neste estudo transversal, os prontuários médicos de todos os pacientes consecutivos que se apresentaram no PA entre 1º de janeiro de 2020 e 21 de novembro de 2020 foram analisados e comparados com aqueles admitidos no mesmo período durante 2018 e 2019. O complexo de saúde estudado inclui cinco unidades de PA e um hospital terciário de referência privado, com 592 leitos. Todas as enfermidades foram incluídas, exceto as relacionadas à COVID-19 confirmadas por resultado positivo do ensaio de reação em cadeia da polimerase seguida de transcriptase reversa em tempo real (RT-PCR) de espécimes de esfregaço nasal e faríngeo e categorizadas como B34.2, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – décima edição (CID-10).

Os dados coletados do prontuário eletrônico do paciente incluíram número diário de pacientes, idade, sexo, diagnósticos, gravidade clínica e necessidade de internação hospitalar. Os diagnósticos foram classificados de acordo com a CID-10. A gravidade da apresentação no PA foi avaliada de acordo com o Índice de Gravidade de Emergência (ESI - Emergency Severity Index ). A idade foi distribuída em grupos, e as crianças e adolescentes foram classificados como tendo ≤16 anos, pois esse é o ponto de corte aplicado na instituição para alocação em atendimento pediátrico. Como a população idosa estava em maior risco para COVID-19, ela foi subcategorizada para cada década: de 60 a 69, de 70 a 79, e acima de 80 anos. A distribuição dos volumes foi realizada semanalmente, de acordo com a semana epidemiológica, definida de forma padronizada, com início no domingo e término no sábado, pois a primeira semana epidemiológica do ano termina, por definição, no primeiro sábado de janeiro.

O desfecho primário deste estudo foi analisar o impacto da pandemia da COVID-19 no volume de atendimentos no PA em 2020 em comparação com os dois anos anteriores. O desfecho secundário foi avaliar o impacto nas principais especialidades médicas no PA e as taxas de admissão hospitalar de pacientes a partir desse atendimento.

A confidencialidade dos pacientes foi preservada pela desidentificação dos prontuários médicos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), CAAE: 37238020.2.0000.0071, parecer 4.276.727.

As variáveis contínuas foram expressas como médias com desvio-padrão, medianas e valores mínimo e máximo. Realizou-se um teste t Student pareado para as comparações anuais, agrupadas a cada 2 anos como 2018-2019, 2018-2020 e 2019-2020. As variáveis categóricas foram resumidas como contagens e percentagens e aplicadas ao teste do χ2. Utilizou-se o teste F de igualdade de variâncias para a análise temporal do volume epidemiológico semanal e das taxas mensais de internação. A significância estatística foi estabelecida como p<0,05. Foram usados os programas IBM (SPSS), versão 23.0 (IBM Corp., Armonk, Nova Iorque, Estados Unidos), e R, versão 3.5.3 (R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria), para análise estatística.

RESULTADOS

No período do estudo, ocorreram 138.138 atendimentos de PA, com redução de 52,7% em relação ao ano de 2019 (n=292.344) e de 52,2% em relação a 2018 (n=289.118), com diferença estatisticamente significativa (p<0,01). Conforme mostrado na tabela 1 , durante o período de estudo de 2020, a média de idade dos pacientes foi significativamente mais alta em comparação a 2019 e a 2018 (36,5 versus 31,7 versus 31,2 anos, respectivamente; p<0,01). Ao analisar as faixas etárias, a distribuição proporcional mostrou importante redução percentual nos menores de 16 anos (22% versus 33% versus 33,7%) e aumento nos de 60 a 69 anos (65% versus 56% versus 56%), respectivamente para 2020, 2019 e 2018. Em relação à gravidade clínica na apresentação, a distribuição proporcional foi afetada com aumento significativo nos casos graves agrupados como ESI 1 ou 2 (8,8% versus 6,7% versus 6,5%), acompanhada por diminuição nos casos leves com ESI 4-5 (45,1% versus 48,7% versus 48,1%) em 2020 em comparação com 2019 e 2018. Ao comparar a diminuição relativa de atendimentos no PA por grupo ESI, houve diminuição menor de visitas com ESI 1-2 (37,6% e 34,7%), ao passo que os atendimentos com ESI 4-5 diminuíram 56,2% e 55,2%, na comparação de 2020 com 2019 e com 2018, respectivamente.

Tabela 1
Características da população atendida entre os anos

A partir da 12ª semana epidemiológica de 2020, coincidindo com as medidas de contenção social impostas pelo governo, pôde-se verificar redução semanal de atendimentos no PA em relação aos anos anteriores, conforme mostra a figura 1 . Ocorreu leve recuperação após a 24ª semana, mas permaneceu estatisticamente inferior no volume semanal quando comparado a 2019 e 2018 (p<0,01).

Figura 1
Volume de atendimentos de unidades de pronto atendimento distribuídos em semanas epidemiológicas (exceto COVID-19)

Seguindo a mudança do perfil dos pacientes observada na tabela 1 , também houve impacto marcante no volume de especialidades médicas no PA, com diminuição estatisticamente significativa (p<0,01) em todas durante o período de estudo, conforme pode ser visto na figura 2 . Notavelmente, a pediatria teve o impacto mais pronunciado, com queda de 70,7% e 71%, em relação a 2019 e 2018, respectivamente. Nos mesmos intervalos, a ortopedia teve redução de 54,6% e 54,2%, a clínica médica de 46,2% e 45,8% e a cirurgia geral de 34,2% e 26,2%.

Figura 2
Volume de atendimento conforme especialidades medicas entre os anos

Comparando a proporcionalidade de cada especialidade médica com o volume total, a ortopedia teve ligeira redução, passando de 14,2% nos anos anteriores para 13,6% em 2020, ao passo que a pediatria teve a redução mais pronunciada, com queda de 26,1% e 25,5%, em 2018 e 2019, para 15,8%, em 2020. A clínica médica e a cirurgia geral aumentaram em volume percentual, conforme mostrado na tabela 2 .

Tabela 2
Comparação estatística entre o volume de atendimento, conforme especialidades medicas entre os anos

O número absoluto de internações hospitalares a partir do PA diminuiu em 31% em 2020, em comparação com 2019, e em 30% em comparação com 2018. No entanto, proporcionalmente, ao se comparar o número mensal de internações hospitalares a partir do PA ao seu respectivo volume total de atendimentos no PA, observou-se aumento estatisticamente significativo (p<0,01) nas taxas de internações a partir de abril de 2020, conforme mostra a figura 3 .

Figura 3
Taxas mensais de internação hospitalar a partir de atendimento no pronto atendimento

DISCUSSÃO

Este estudo mostra evidências de redução de 52% no número de atendimentos no PA no hospital em 2020, em comparação com 2019 e 2018. Embora muito tenha sido postulado sobre as razões para esse fenômeno, como medo de contaminação ou redução da probabilidade de acidentes de trabalho e acidentes de trânsito, ainda não há dados publicados que comprovem tais explicações. Curiosamente, esse número diminuiu de forma acentuada em março de 2020, após a 12ª semana epidemiológica, coincidindo com as medidas de contenção social impostas pelo governo.

Semelhantemente a esta experiência, outras publicações relataram redução nos atendimentos no PA não relacionados à COVID-19, desde março de 2020.( 1111. Hartnett KP , Kite-Powell A , DeVies J , Coletta MA , Boehmer TK , Adjemian J , Gundlapalli AV ; National Syndromic Surveillance Program Community of Practice . Impact of the COVID-19 pandemic on emergency department visits - United States, January 1, 2019-May 30, 2020 . MMWR Morb Mortal Wkly Rep . 2020 ; 69 ( 23 ): 699 - 704 . , 1212. Pintado JF , Gibaja W , Vallejos RA , Rosas W , Guerra-Farfan E , Nuñez JH . How COVID-19 has affected emergent visits to a Latin-American trauma department: experience at a Peruvian national trauma referral center . Injury . 2020 ; 51 ( 12 ): 2834 - 9 . )Dados do National Syndromic Surveillance Program (NSSP), nos Estados Unidos, revelaram declínio de 42% nos atendimentos de PA no início da pandemia, de 29 de março a 25 de abril de 2020.( 1010. Rinkel LA , Prick JC , Slot RE , Sombroek NM , Burggraaff J , Groot AE , et al . Impact of the COVID-19 outbreak on acute stroke care . J Neurol . 2020 ; 268 ( 2 ): 403 - 8 . )No cenário latino-americano, Pintado et al., mostraram queda de 79,9% no número de pacientes atendidos em um centro de referência para trauma peruano, comparando os meses imediatamente pré e pós- lockdown .( 1212. Pintado JF , Gibaja W , Vallejos RA , Rosas W , Guerra-Farfan E , Nuñez JH . How COVID-19 has affected emergent visits to a Latin-American trauma department: experience at a Peruvian national trauma referral center . Injury . 2020 ; 51 ( 12 ): 2834 - 9 . )

O perfil dos pacientes de acordo com as faixas etárias variou durante a pandemia. Ao contrário da presente expectativa de redução proporcional de idosos, 65% dos pacientes tinham de 60 a 69 anos, em comparação com 56% nos anos anteriores. Montagnon et al., também encontraram aumento semelhante na proporção de pacientes idosos.( 1313. Montagnon R , Rouffilange L , Agard G , Benner P , Cazes N , Renard A . Impact of the COVID-19 pandemic on emergency department use: focus on patients requiring urgent revascularization . J Emerg Med . 2021 ; 60 ( 2 ): 229 - 36 . )No entanto, embora não se conheça o motivo específico disso, talvez seja resultado da redução significativa na proporção de pacientes com menos de 16 anos, que, em 2020, passou de 33% e 22%.

Consoante a essa redução no volume de atendimentos de pacientes mais jovens, também foi encontrada diminuição de 71% nas consultas pediátricas em 2020, em comparação com 2019 e 2018. No início da pandemia, Ciacchini et al., mostraram resultados semelhantes na Itália, com redução de 76% nas internações pediátricas no PA.( 88. Ciacchini B , Tonioli F , Marciano C , Faticato MG , Borali E , Pini Prato A , et al . Reluctance to seek pediatric care during the COVID-19 pandemic and the risks of delayed diagnosis . Ital J Pediatr . 2020 ; 46 ( 1 ): 87 . )Mais recentemente, Nascimento et al., encontraram redução significativa de 81% para 45% nas hospitalizações por doenças respiratórias em crianças menores de 5 anos.( 1414. Nascimento MS , Baggio DM , Fascina LP , Prado C . Impact of social isolation due to COVID-19 on the seasonality of pediatric respiratory diseases . PLoS One . 2020 ; 15 ( 12 ): e0243694 . )Como outros estudos mostraram o impacto do distanciamento físico e outras estratégias de lockdown para desacelerar a propagação de doenças virais respiratórias comuns entre as crianças,( 1515. Kuitunen I , Artama M , Mäkelä L , Backman K , Heiskanen-Kosma T , Renko M . Effect of social distancing due to the COVID-19 pandemic on the Incidence of Viral respiratory tract infections in children in finland during early 2020 . Pediatr Infect Dis J . 2020 ; 39 ( 12 ): e423-7 . )essa redução também poderia ser decorrente de aumento na educação sobre o uso de máscaras e higienização das mãos, tanto em relação a crianças quanto aos pais.

Em relação à gravidade da doença, foi encontrada uma diminuição relativa menor nos casos graves agrupados nos ESI 1 e 2, ao passo que houve diminuição maior no volume de casos leves, agrupados nos ESI 4 e 5. Além disso, estudo alemão realizado por Stöhr et al., encontrou redução nos eventos cardiovasculares eletivos, enquanto as doenças graves e internações inevitáveis, como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral, permaneceram estáveis.( 1616. Stöhr E , Aksoy A , Campbell M , Al Zaidi M , Öztürk C , Vorloeper J , et al . Hospital admissions during COVID-19 lock-down in Germany: differences in discretionary and unavoidable cardiovascular events . PLoS One . 2020 ; 15 ( 11 ): e0242653 . )Ainda que demande ser comprovada com dados mais consistentes, essa maior redução nas doenças clínicas leves no PA poderia ser explicada pelo uso disseminado da telessaúde durante a pandemia da COVID-19.( 1717. Keesara S , Jonas A , Schulman K . COVID-19 and Health Care’s Digital Revolution . N Engl J Med . 2020 ; 382 ( 23 ): e82 . )

Apesar de ter havido diminuição de 30% no número absoluto de internações hospitalares provenientes do PA, observa-se aumento proporcional nas taxas de internação desde abril de 2020, como também descrito em outros estudos.( 1818. Heppner Z , Shreffler J , Polites A , Ross A , Thomas JJ , Huecker M . COVID-19 and emergency department volume: the patients return but have different characteristics . Am J Emerg Med . 2020 : S0735-6757 ( 20 ) 30803 - 2 . )Embora esta análise de dados não o possa comprovar, levanta-se a hipótese de que esse aumento nas taxas de admissão poderia ser decorrente do atraso na procura por cuidados de saúde, resultando em uma apresentação de quadros clínicos mais graves no PA. Suspeita-se que o medo da exposição à infecção da COVID-19 possa ter impedido que fossem administrados cuidados de saúde em tempo hábil e, assim, tenha impactado nos desfechos clínicos.

Este estudo é limitado devido à sua natureza observacional, já que as causas reais da redução observada nos atendimentos do PA não puderam ser determinadas. Além disso, por ser um estudo unicêntrico, não é possível concluir que represente todas as regiões do Brasil, pois o impacto da pandemia da COVID-19 tem variado de acordo com as características dos hospitais e geograficamente em todo o país.

CONCLUSÃO

A pandemia da COVID-19 resultou em redução significativa no atendimento no pronto atendimento estudado, especialmente nas consultas pediátricas, a partir de março de 2020, logo após as medidas de contenção social impostas pelo governo. Também foi observado aumento proporcional nas taxas de internação hospitalar a partir do pronto atendimento durante o período do estudo. Estes achados sugerem que os profissionais de saúde devem enfatizar a importância dos atendimentos no pronto atendimento para doenças graves, que não podem ser tratadas em outros ambientes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2021
  • Aceito
    17 Mar 2021
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