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Fatores de risco para estridor pós-extubação em crianças: o papel da cânula orotraqueal

Resumos

Objetivo

Determinar os fatores de risco associados ao estridor, com especial atenção para o papel da cânula orotraqueal.

Métodos

Análise prospectiva de todos os pacientes entubados submetidos à ventilação mecânica no período de janeiro de 2008 a abril de 2011. Os fatores relevantes para estridor coletados foram idade, peso, tamanho e tipo da cânula orotraqueal, diagnóstico, e duração da ventilação mecânica. Os efeitos das variáveis sobre estridor foram avaliados utilizando modelos de regressão logística uni e multivariada.

Resultados

Foram incluídos 136 pacientes. A média de idade foi 1,4 ano (3 dias a 17 anos). O tempo médio de ventilação mecânica foi 73,5 horas. Apresentaram estridor após extubação 56 pacientes (41,2%). A taxa de reintubação foi de 19,6% e 12,5% em pacientes com ou sem estridor, respectivamente. A duração da ventilação mecânica (>72 horas) foi associada a um maior risco de estridor (odds ratio de 8,60; intervalo de confiança de 95% de 2,98-24,82; p<0,001). A presença da cânula orotraqueal não foi associada ao estridor (odds ratio de 0,98; intervalo de confiança de 95% de 0,46- 2,06; p=0,953).

Conclusão

O principal fator de risco para estridor após extubação em nossa população foi o tempo de ventilação mecânica. A presença da cânula orotraqueal não foi associada a maior risco de estridor, reforçando o uso de cânulas com balonete em crianças com dificuldade respiratória.

Sons respiratórios; Fatores de risco; Intubação intratraqueal/instrumentação; Criança


Objective

To determine the risk factors associated with stridor, with special attention to the role of the cuffed orotracheal cannula.

Methods

Prospective analysis of all the intubated patients submitted to mechanical ventilator support from January 2008 to April 2011. The relevant factors for stridor collected were age, weight, size and type of airway tube, diagnosis, and duration of mechanical ventilation. The effects of variables on stridor were evaluated using uni- and multivariate logistic regression models.

Results

A total of 136 patients were included. Mean age was 1.4 year (3 days to 17 years). The mean duration of mechanical ventilation was 73.5 hours. Fifty-six patients (41.2%) presented with stridor after extubation. The total reintubation rate was 19.6% and 12.5 in patients with and without stridor, respectively. The duration of mechanical ventilation (>72 hours) was associated with a greater risk for stridor (odds ratioof 8.60; 95% confidence interval of 2.98-24.82; p<0.001). The presence of the cuffed orotracheal cannula was not associated with stridor (odds ratio of 98; 95% confidence interval of 0.46-2.06; p=0.953).

Conclusion

The main risk factor for stridor after extubation in our population was duration of mechanical ventilation. The presence of the cuffed orotracheal cannula was not associated with increased risk for stridor, reinforcing the use of the cuffed orotracheal cannula in children with respiratory distress.

Respiratory sounds; Risk factors; Intubation; intratracheal/instrumentation; Child


INTRODUÇÃO

O manejo convencional do desconforto respiratório grave em crianças com insuficiência respiratória consiste em ventilação mecânica (VM) em unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP). A intubação endotraqueal é frequentemente usada para suporte respiratório, e esse procedimento pode acarretar efeitos colaterais e complicações associadas. Atelectasia e estridor pós-extubação representam 30% de todas as complicações relacionadas à VM em crianças.(11 Principi T, Fraser DD, Morrison GC, Farsi SA, Carrelas JF, Maurice EA, et al. Complications of mechanical ventilation in the pediatric population. Pediatr Pulmonol. 2011;46(5):452-7.) A incidência de estridor após a extubação em pacientes pediátricos varia de 3,5 a 30,2%.(11 Principi T, Fraser DD, Morrison GC, Farsi SA, Carrelas JF, Maurice EA, et al. Complications of mechanical ventilation in the pediatric population. Pediatr Pulmonol. 2011;46(5):452-7.,22 Wittekamp BH, van MooK WN, Tjan DH, Zwaveling JH, Bergmans DC. Clinical review: post-extubation laryngeal edema and extubation failure in critically ill adult patients. Crit Care. 2009;13(6):233. Review.) Essa ampla variação de incidência pode ser explicada pela variação e pela falta de objetividade das definições de estridor.(33 Khemani RG. Post extubation stridor the call for objectivity. Indian Pediatr. 2010;47(4):307-8.) A presença de estridor após a extubação em crianças pode prolongar a internação na UTIP, especialmente se for preciso intubar novamente.

Vários fatores já foram associados ao estridor pós--extubação, como idade, peso, duração da VM, tamanho da cânula orotraqueal (COT), presença de tubo com balonete e indicação subjacente para VM. Alguns métodos foram usados para predizer o estridor pós-extubação, como o teste de vazamento de ar, mas a baixa sensibilidade em crianças pequenas dificulta a identificação de pacientes com risco.(44 Mhanna MJ, Zamel YB, Tichy CM, Super DM. The “air leak” test around the endotracheal tube, as a predictor of post-extubation stridor, is age-dependent in children. Crit Care Med. 2002;30(12):2639-43.,55 Wratney AT, Benjamin DK Jr, Slonim AD, He J, Hamel DS, Cheifetz IM. The endotracheal tube air leak test does not predict extubation outcome in critically ill pediatric patients. Pediatr Crit Care Med. 2008;9(5):490-6.) Desse modo, os intensivistas pediátricos devem conhecer todos os principais fatores de risco associados ao estridor ao prestar cuidados a uma criança intubada.

A presença de uma COT com balonete (cuff) está geralmente associada ao estridor em crianças pequenas, levando à clássica indicação da COT sem cuff em crianças com idade abaixo de 8 anos.(66 Flynn PE, Black AE, Mitchell V. The use of cuffed tracheal tubes for paediatric tracheal intubation, a survey of specialist practice in the United Kingdom. Eur J Anaesthesiol. 2008;25(8):685-8.) Entretanto, recentemente, e após a recomendação do uso da COT com balonete em certas circunstâncias (por exemplo, baixa complacência pulmonar, alta resistência de vias aéreas, ou grande vazamento glótico de ar), pela American Heart Association,(77 Kleinman ME, Chameides L, Schexnayder SM, Samson RA, Hazinski MF, Atkins DL, et al. Part 14: pediatric advanced life support: 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2010;122(18 Suppl 3):S876-908. Review.) houve um interesse crescente por tubos com balonetes na prática pediátrica, no centro cirúrgico ou na UTIP.

OBJETIVO

Identificar os preditores do estridor após a extubação em crianças admitidas em uma unidade de terapia intensiva pediátrica de um hospital privado, com especial atenção quanto à relação entre o uso da cânula orotraqueal, com e sem balonete.

MÉTODOS

Este estudo prospectivo com coorte foi realizado em uma UTIP com equipe multidisciplinar e 14 leitos, no Hospital Israelita Albert Einstein, uma instituição privada, de janeiro de 2008 a maio de 2011. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do hospital, com registro 10/1450, e não houve necessidade de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido já que nenhuma intervenção foi feita, e a confidencialidade dos pacientes foi preservada.

Todos os pacientes que atenderam os seguintes critérios foram incluídos: idade abaixo de 18 anos; e necessidade da COT e VM por mais de 24 horas. Os pacientes foram excluídos em função de morte após VM sem tentativas de extubação; recebimento de corticosteroides profiláticos; paralisia ou malácia de cordas vocais identificada; e limitações de cuidados médicos oferecidos. Os pacientes selecionados foram acompanhados por 72 horas após extubação. Usamos a definição de estridor como qualquer respiração ruidosa, especificamente um som de alto pitch associado à obstrução de vias aéreas após intubação. Há alguns escores descritos na literatura, mas não foi usado nenhum padronizado para estridor. A avaliação diária foi realizada pela intensivista pediátrica e o fisioterapeuta respiratório. Junto da presença de estridor, sinais de dificuldade respiratória, saturação de oxigênio no sangue (SpO2) < 92% e nível de consciência também foram observados. Os dados de pacientes coletados em relação aos fatores de risco associados com estridor foram idade, peso, tamanho e tipo de tubo de via aérea (sem cuff, cuffdesinflado ou insuflado), diagnóstico à admissão, e duração de VM. A lista de fatores de risco possíveis foi selecionada antes do início do estudo. A seleção foi feita pelos autores com base na literatura pediátrica e de adultos, além das experiências pessoais; o método Delphi foi usado para chegar a um consenso.(88 Jones J, Hunter D. Consensus methods for medical and health services research. BMJ. 1995;311(7001):376-80. Review.)

Os pacientes submetidos a VM usaram COT plástico (Mallinckrodt Medical, Irlanda; SIMS Portex Ltd, Reino Unido; Rüsch GmbH, Alemanha). A escolha da COT foi padronizada usando a fórmula de Pediatric Advanced Life Support: diâmetro interno (em mm) da COT = 4 + idade (em anos)/4 para COT sem cuff; e diâmetro interno (em mm) da COT = 3,5 + idade (em anos)/4 para COT com cuff. A escolha da COT com ou semcuff foi determinada pela opção do clínico responsável. O grupo de pacientes que usaram COT com cuff teve a pressão do balonete endotraqueal controlada. Essa pressão foi mantida abaixo de 20cmH2O durante todo o período de VM. O tempo de extubação durante o estudo foi estipulado pela equipe com base na avaliação clínica e no uso do teste de respiração espontânea.

Análise estatística

As características observadas possivelmente associadas a estridor foram descritas em frequências absolutas e percentagens, se categóricas; ou como média e desvio padrão, se quantitativas, dentre os pacientes com ou sem obstrução. Os efeitos das variáveis sobre o estridor foram avaliados com modelos logísticos de regressão univariada e multivariada. Variáveis com valor de p<0,10 na abordagem univariada foram incluídas no modelo multivariado. Os tamanhos do efeito foram apresentados como odds ratios (OR) e intervalos de confiança de 95% (IC95%), e os valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significantes. As análises foram feitas usando o Statistical Software for the Social Sciences (SPSS), versão 17.

RESULTADOS

No total, 148 pacientes usaram VM por mais de 24 horas e foram elegíveis para o estudo. Foram excluídos 12 deles (8 por receberem corticosteroides profiláticos e 4 por morte antes da tentativa de extubação). A idade média foi 1,4 ano (variação de 3 dias a 17 anos). Tinham menos de 1 ano de idade 33% dos pacientes. O peso médio foi de 16,6kg. A tabela 1 (136 pacientes) mostra que a UTIP recebeu predominantemente pacientes clínicos com doença respiratória (71% dos pacientes não cirúrgicos).

Tabela 1
Dados demográficos e características de pacientes submetidos à ventilação mecânica (>24 horas)

A figura 1 mostra que o tamanho da COT mais usado foi 3,5mm. Usaram a COT com cuff 74 (54%) pacientes; 19 (14%) pacientes usaram a COT com cuff desinsuflado. A COT sem cuff foi preferido em lactentes (76% COT sem cuff versus 24% COT com cuff). Além disso, entre crianças acima de 1 ano, COT sem cuff foi usado em 22% e comcuff em 78% delas (Figura 2).

Figura 1
Tamanho da cânula orotraqueal, em milímetros, e número de pacientes

Figura 2
Distribuição de idade para a cânula orotraqueal com e semcuff (%)

A duração média da VM foi de 73,5 horas, com variação de 24 a 72 horas. Apresentaram estridor após extubação 56 (41,2%) pacientes. A taxa total de total reintubação foi de 12,5% em pacientes sem estridor e de 19,6% em pacientes com estridor. Não houve diferenças estatisticamente significantes em relação a idade, peso, tamanho e tipo da COT (Tabela 2).

Tabela 2
Efeitos das variáveis sobre o estridor usando modelos de regressão logística univariada e multivariada

Na análise univariada, a idade menor que 12 meses (p<0,037), peso abaixo de 10kg (p<0,77), e duração de VM entre 24 e 72 horas (OR: 4,14; IC95%: 1,60-10,73; p=0,001) e maior que 72 horas (OR: 5,92; IC95%: 2,24-15,63; p<0,01) foram estatisticamente associados ao estridor.

Já na análise multivariada, o fator de risco associado ao estridor foi a duração de VM entre 24 e 72 horas (OR: 5,40; IC95%: 1,96-14,90; p<0,001). Esse risco aumentava se a duração de VM fosse maior que 72 horas (OR: 8,60; IC95%: 2,98-24,82; p<0,001). Com essa análise, o único fator de risco associado ao estridor em nossa população foi a duração de VM.

Dois fatores de risco conhecidos com probabilidade aumentada de determinar estridor pós-extubação foram avaliados com especial atenção. A presença da COT com cuff (independentemente de estar inflado ou desinsuflado) e crianças com menos de 12 meses e 10kg (lactentes) não foram associados ao risco aumentado de estridor em nossa população.

DISCUSSÃO

Nossos achados mostram que a duração de VM e, consequentemente, a duração de uso da COT foram os único fatores de risco associados ao estridor após extubação em nossa população. Embora possa ser considerada uma conclusão óbvia, a literatura é controversa em relação à duração da intubação e ao risco subsequente de desenvolver complicações.(22 Wittekamp BH, van MooK WN, Tjan DH, Zwaveling JH, Bergmans DC. Clinical review: post-extubation laryngeal edema and extubation failure in critically ill adult patients. Crit Care. 2009;13(6):233. Review.) Na análise específica da presença de estridor pós-extubação, a duração de VM por mais de 3 dias foi associada com risco aumentado para estridor na literatura adulta.(99 Kriner EJ, Shafazand S, Colice GL. The endotracheal tube cuff-leak test as a predictor for post-extubation stridor. Respir Care. 2005;50(12):1632-8.,1010 Jaber S, Chanques G, Matecki S, Ramonatxo M, Vergne C, Souche B, et al. Post-extubation stridor in intensive care unit patients. Risk factors evaluation and importance of the cuff-leak test. Intensive Care Med. 2003;29(1):69-74.) No entanto, outros autores não mostram essa associação, mantendo, assim, o assunto em debate.(55 Wratney AT, Benjamin DK Jr, Slonim AD, He J, Hamel DS, Cheifetz IM. The endotracheal tube air leak test does not predict extubation outcome in critically ill pediatric patients. Pediatr Crit Care Med. 2008;9(5):490-6.,1111 Cheng KC, Hou CC, Huang HC, Lin SC, Zhang H. Intravenous injection of methylprednisolone reduces the incidence of postextubation stridor in intensive care unit patients. Crit Care Med. 2006;34(5):1345-50. Erratum in: Crit Care Med. 2007;35(5):1454.,1212 Wang CL, Tsai YH, Huang CC, Wu YK, Ye MZ, Chou HM, et al. The role of the cuff leak test in predicting the effects of corticosteroid treatment on postextubation stridor. Chang Gung Med J. 2007;30(1):53-61.) Essas considerações são importantes já que a falha em extubação resulta em uso prolongado de VM e está associada de forma independente a um risco cinco vezes maior de morte em pacientes pediátricos.(1313 Harkel AD, van der Vorst MM, Hazekamp MG, Ottenkamp J. High mortality rate after extubation failure after pediatric cardiac surgery. Pediatric Cardiol. 2005;26(6):756-61.)

Quando a duração da VM estiver associada ao estridor e for por mais de 72 horas, é também frequentemente correlacionada com um maior risco.(1414 Sandhu RS, Pasquale MD, Miller K, Wasser TE. Measurement of endotracheal tube cuff leak to predict postextubation stridor and need for reintubation. J Am Coll Surg. 2000;190(6):682-7.) Em outros estudos, o risco aumentou apenas após 5 a 6 dias.(99 Kriner EJ, Shafazand S, Colice GL. The endotracheal tube cuff-leak test as a predictor for post-extubation stridor. Respir Care. 2005;50(12):1632-8.,1515 Erginel S, Ucgun I, Yildirim H, Mentintas M, Parspour S. High body mass index and long duration of intubation increase post-extubation stridor in patients with mechanical ventilation. Tohoku J Exp Med. 2005;207(2):125-32.) É interessante notar que, em nosso estudo, uma duração de VM mesmo por apenas 24 horas foi suficiente para demonstrar significância na presença de estridor.

Nossa incidência de estridor após extubação (42%) é maior do que a de outros estudos pediátricos.(11 Principi T, Fraser DD, Morrison GC, Farsi SA, Carrelas JF, Maurice EA, et al. Complications of mechanical ventilation in the pediatric population. Pediatr Pulmonol. 2011;46(5):452-7.,22 Wittekamp BH, van MooK WN, Tjan DH, Zwaveling JH, Bergmans DC. Clinical review: post-extubation laryngeal edema and extubation failure in critically ill adult patients. Crit Care. 2009;13(6):233. Review.) Isso pode ser explicado pela alta sensibilidade de nossa definição de estridor. Toda a equipe de saúde de nossa UTIP foi treinada para considerar qualquer respiração ruidosa como sendo estridor. Às vezes, a secreção e a agitação após extubação podem imitar uma obstrução de vias aéreas, mas já que a diferenciação em crianças é difícil, optamos por usar a definição mais sensível. Essa definição é a aquela com menos variabilidade entre os observadores, em nossa experiência. Tal variabilidade na avaliação pode contribuir para achados inconsistentes na avaliação de fatores de risco e na incidência de estridor.(33 Khemani RG. Post extubation stridor the call for objectivity. Indian Pediatr. 2010;47(4):307-8.,1616 Khemani RG, Schneider JB, Morzov R, Markovitz B, Newth CJ. Pediatric upper airway obstruction: interobserver variability is the road to perdition. J Crit Care. 2013;28(4):490-7.)

Quanto ao sexo, a literatura adulta indica que mulheres têm um risco aumentado de desenvolver estridor após extubação.(99 Kriner EJ, Shafazand S, Colice GL. The endotracheal tube cuff-leak test as a predictor for post-extubation stridor. Respir Care. 2005;50(12):1632-8.,1212 Wang CL, Tsai YH, Huang CC, Wu YK, Ye MZ, Chou HM, et al. The role of the cuff leak test in predicting the effects of corticosteroid treatment on postextubation stridor. Chang Gung Med J. 2007;30(1):53-61.) O menor tamanho da laringe das mulheres explica esse risco aumentado quando comparadas aos homens.(1717 Malhotra D, Gurcoo S, Qazi S, Gupta S. Randomized comparative efficacy of dexamethasone to prevent post-extubation upper airway complications in children and adults in ICU. Indian J Anaesth. 2009;53(4):442-9.) Por outro lado, em crianças, o sexo masculino está associado ao comprometimento das vias aéreas após a extubação.(55 Wratney AT, Benjamin DK Jr, Slonim AD, He J, Hamel DS, Cheifetz IM. The endotracheal tube air leak test does not predict extubation outcome in critically ill pediatric patients. Pediatr Crit Care Med. 2008;9(5):490-6.) Em nossa população, nenhum dos sexos teve associação com maior risco.

Segundo estudos anteriores, os pacientes não cirúrgicos (pacientes clínicos) têm risco de desenvolver estridor após extubação.(1010 Jaber S, Chanques G, Matecki S, Ramonatxo M, Vergne C, Souche B, et al. Post-extubation stridor in intensive care unit patients. Risk factors evaluation and importance of the cuff-leak test. Intensive Care Med. 2003;29(1):69-74.) A maioria das crianças em nossa UTIP apresentou doenças não cirúrgicas (66%). Nesta população houve uma clara prevalência de doenças respiratórias, e mais de 70% dos pacientes não foram submetidos a cirurgia. Mesmo assim, o diagnóstico à admissão não estava associado a um maior risco de estridor.

Esperava-se encontrar na literatura que crianças com menos de 24 meses tivessem risco de estridor após extubação, em função do menor calibre das vias aéreas e(55 Wratney AT, Benjamin DK Jr, Slonim AD, He J, Hamel DS, Cheifetz IM. The endotracheal tube air leak test does not predict extubation outcome in critically ill pediatric patients. Pediatr Crit Care Med. 2008;9(5):490-6.) Optamos por também incluir peso como um fator de risco, e ambos revelaram que crianças com menos de 12 meses e menos de 10kg apresentavam risco de estridor na análise univariada. Caso contrário, na análise multivariada, cada preditor falharia ao demonstrar sua associação com o estridor. É possível que esses preditores associados a lactentes (idade <12 meses e peso <10kg) poderiam mostrar significância se a amostra fosse maior.

Os estudos publicados sobre a utilização da COT com cuff em crianças pequenas demonstraram resultados diferentes e melhores quando comparados com a afirmação padrão e clássica de que este tipo de tubo está associado à lesão da mucosa das vias aéreas e, consequentemente, ao estridor pós-extubação. Esses estudos mostram que o uso da COT com cuffnão tem relação com dano às vias aéreas quando o diâmetro da COT for adequado e a pressão do balonete for mantida abaixo de 20mmHg.(44 Mhanna MJ, Zamel YB, Tichy CM, Super DM. The “air leak” test around the endotracheal tube, as a predictor of post-extubation stridor, is age-dependent in children. Crit Care Med. 2002;30(12):2639-43.,1818 Deakers TW, Reynolds G, Stretton M, Newth CJ. Cuffed endotracheal tubes in pediatric intensive care. J Pediatr. 1994;125(1):57-62.

19 Khine HH, Corddry DH, Kettrick RG, Martin TM, McCloskey JJ, Rose JB, et al. Comparison of cuffed and uncuffed endotracheal tubes in young children during general anesthesia. Anesthesiology. 1997;86(3):627-31; discussion 27A.
-2020 Weiss M, Dullenkopf A, Fischer JE, Keller C, Gerber AC; European Paediatric Endotracheal Intubation Study Group. Prospective randomized controlled multi-centre trial of cuffed or uncuffed endotracheal tubes in small children. Br J Anaesth. 2009;103(6):867-73.)

Assim, a prática clínica tradicional, nos últimos 50 anos, de que crianças abaixo de 8 a 10 anos devem usar COT sem cuff baseou-se na opinião médica e experiente, e no empirismo, e não em evidências científicas. O pressuposto seria de que a cartilagem cricoide é sempre uma estrutura perfeitamente circular e, portanto, forneceria uma vedação fisiológica com pressão das vias aéreas <25cmH2O com COTs semcuff.(2121 Fisher DM. Anesthesia equipment for pediatrics. In: Gregory GA, editor. Pediatric anesthesia. 4th ed. New York: Churchill Livingstone; 2003. p. 214-6.)

Outros estudos mostraram que o uso de TET com cuff em crianças pequenas poderia levar à lesão laríngea e a subsequente estridor pós-extubação, além de outras morbidades de vias aéreas. Mesmo assim, é importante mencionar que alguns desses estudos são relatos de casos e/ou estudos relacionados ao uso incorreto da COT, como diâmetros superdimensionados do tubo,cuffs com desenho inadequado, posição inapropriada do tubo, superinsuflação do balonete, ou ausência de controle da pressão do balonete.(2222 Dillier CM, Trachsel D, Baulig W, Gysin C, Gerber AC, Weiss M. Laryngeal damage due to an unexpectedly large and inappropriately designed cuffed paediatric tracheal tube in a 13-month-old child. Can J Anaesth. 2004;51(1):72-5.

23 Holzki J. Laryngeal damage from tracheal intubation. Paediatr Anaesth. 1997;7(6):435-37.

24 Holzki J. [Tubes with cuffs in newborn and young children are a risk! Remarks on the paper by T. Erb and F. J. Frei (Anaesthesist (2001) 50:395-400]. Anaesthesist. 2002;51(4):321-3; author reply 325-6. German.

25 Silva MJ, Aparício J, Mota T, Spratley J, Ribeiro A. Ischemic subglottic damage following a short-time intubation. Eur J Emerg Med. 2008;15(6):351-3.
-2626 Weiss M, Dullenkopf A, Gysin C, Dillier CM, Gerber AC. Shortcomings of cuffed paediatric tracheal tubes. Br J Anaesth. 2004;92(1):78-88.)

Independentemente da controvérsia sobre lesão das vias aéreas e o temor de mudar conceitos tradicionais, o uso da COT com cuff tem vantagens claras em anestesia e cuidados intensivos pediátricos. Para a anestesia, a COT com cuff permite o uso de fluxo mais baixo de gás fresco e, assim, diminui a poluição atmosférica por gases anestésicos, reduzindo o risco à saúde para a equipe da sala cirúrgica e diminuindo o consumo desses gases, com implicações econômicas. Para a anestesia e os cuidados intensivos pediátricos, diminui o risco de aspiração, e melhora a ventilação e o monitoramento de dióxido de carbono ao final da expiração, com melhor controle de vazamento de ar.(2727 Bhardwaj N. Pediatric cuffed endotracheal tubes. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2013;29(1):13-8.,2828 Fine GF, Borland LM. The future of the cuffed endotracheal tube. Paediatr Anaesth. 2004;14(1):38-42. Review.) Em crianças com doença pulmonar grave, que necessitam de pressões médias maiores nas vias aéreas para recrutamento pulmonar, como em estratégias de proteção pulmonar na ventilação (baixo volume corrente e alta pressão positiva expiratória final − PEEP) ou ventilação oscilatória de alta frequência, o uso dessas estratégias seria impossível sem COT com cuff.(2929 Prabhakaran P. Acute respiratory distress syndrome. Indian Pediatr. 2010; 47(10):861-8. Review.)

Uma limitação do nosso estudo foi não avaliar o número de tentativas de intubação e o local do procedimento, já que poderia estar associado ao estridor.(55 Wratney AT, Benjamin DK Jr, Slonim AD, He J, Hamel DS, Cheifetz IM. The endotracheal tube air leak test does not predict extubation outcome in critically ill pediatric patients. Pediatr Crit Care Med. 2008;9(5):490-6.) Outra limitação foi o desenho do estudo, pois um estudo clínico forneceria evidências mais fortes, quando comparado a uma coorte.

Em contraste, nossa UTIP terciária tem pacientes de alta complexidade submetidos a transplantes de fígado e de medula óssea, e à cirurgia cardíaca, mas também recebe pacientes menos graves, com um grande número de doenças respiratórias como bronquiolite, laringite e pneumonia em crianças previamente hígidas. Portanto, um dos pontos fortes deste estudo foi a análise dos fatores de risco do estridor nesse grupo heterogêneo, com o fato de ser uma UTIP privada, com uma amostra grande para um único centro pediátrico. Outra vantagem foi enfatizar o conceito de que dias de ventilação correlacionam com o desfecho após extubação, como demonstrado previamente na literatura.(99 Kriner EJ, Shafazand S, Colice GL. The endotracheal tube cuff-leak test as a predictor for post-extubation stridor. Respir Care. 2005;50(12):1632-8.,1010 Jaber S, Chanques G, Matecki S, Ramonatxo M, Vergne C, Souche B, et al. Post-extubation stridor in intensive care unit patients. Risk factors evaluation and importance of the cuff-leak test. Intensive Care Med. 2003;29(1):69-74.,1313 Harkel AD, van der Vorst MM, Hazekamp MG, Ottenkamp J. High mortality rate after extubation failure after pediatric cardiac surgery. Pediatric Cardiol. 2005;26(6):756-61.,1515 Erginel S, Ucgun I, Yildirim H, Mentintas M, Parspour S. High body mass index and long duration of intubation increase post-extubation stridor in patients with mechanical ventilation. Tohoku J Exp Med. 2005;207(2):125-32.)

Quanto à COT, nosso estudo aumenta o corpo de evidências de que COT comcuff não está associado a um maior risco de estridor no contexto da UTIP. Infelizmente, este estudo não teve poder estatístico suficiente para esclarecer as afirmações de autores anteriores e corroborar a opinião de intensivistas pediátricos e anestesistas quanto ao uso da COT comcuff em todas as situações pediátricas. Há uma tendência na literatura, com um número crescente de artigos publicados, descrevendo que a COT com cuff deve ser usado em todos os pacientes pediátricos, mas isso não deve ser extrapolado para o contexto de cuidados intensivos pediátricos.(66 Flynn PE, Black AE, Mitchell V. The use of cuffed tracheal tubes for paediatric tracheal intubation, a survey of specialist practice in the United Kingdom. Eur J Anaesthesiol. 2008;25(8):685-8.)

CONCLUSÃO

O principal fator de risco para estridor após extubação em nossa população foi a duração da ventilação mecânica por mais de 24 horas. O risco aumentou se a duração da ventilação mecânica fosse maior que 72 horas. A presença da cânula orotraqueal com manguito não foi associada ao estridor em crianças, mas não teve poder estatístico suficiente para fazer uma recomendação a favor ou contra o uso rotineiro da cânula orotraqueal com cuff.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer Elivane da Silva Victor pela colaboração com as questões estatísticas.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2015
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2014
  • Aceito
    20 Jan 2015
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