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Tratamento da doença do enxerto contra hospedeiro crônica oral: um estudo de coorte retrospectivo

RESUMO

Objetivo

Avaliar os pacientes com resposta completa da doença do enxerto contra hospedeiro crônica oral ao tratamento com imunossupressor.

Métodos

Vinte e nove pacientes submetidos ao transplante alogênico de células tronco hematopoiéticas, com doença do enxerto contra hospedeiro crônica oral, foram incluídos neste estudo retrospectivo, de setembro de 2012 a fevereiro de 2018. Os pacientes foram tratados com dexametasona para bochecho associada ao tacrolimo pomada, dexametasona para bochecho associada ao tacrolimo tópico, tratamento imunossupressor sistêmico, e dexametasona tópica apenas.

Resultados

O tempo médio para resposta completa das lesões liquenoides, eritema e ulcerações usando dexametasona e imunossupressor sistêmico foi de 105, 42 e 42 dias, respectivamente (p=0,013). Quando a dexametasona estava associada ao tacrolimo e a medicação imunossupressora sistêmica, o tempo médio para resposta completa das lesões liquenóides, eritema e ulcerações foi de 91, 84 e 77 dias (p=0,011). Quando foi utilizada apenas dexametasona, o tempo médio para resposta completa das lesões liquenoides, eritema e ulcerações foi de 182, 140 e 21 dias, respectivamente (p=0,042).

Conclusão

Nosso estudo mostra que as lesões liquenoides requerem mais tempo para cicatrização completa. É notável que as lesões liquenoides tendem a responder melhor ao tratamento da dexametasona combinada com o tacrolimo e o imunossupressor sistêmico. Já o eritema e as ulcerações respondem melhor à dexametasona combinada com medicação imunossupressora sistêmica, e dexametasona apenas, respectivamente.

Doença do enxerto-hospedeiro; Transplante de medula óssea; Transplante de células tronco hematopoiéticas; Dexametasona; Tacrolimo

ABSTRACT

Objective

The aim of this study was to evaluate patients with complete response of oral chronic graft-versus-host disease to immunosuppressive treatment.

Methods

A total of 29 patients submitted to allogeneic hematopoietic stem cell transplantation, with oral chronic graft-versus-host disease, were enrolled in this retrospective study, from September 2012 to February 2018. Patients were treated with combined topical dexamethasone solution and topical tacrolimus ointment, combined topical dexamethasone and topical tacrolimus, systemic immunosuppressive medication, and topical dexamethasone only.

Results

The mean time of complete response of lichenoid lesions, erythema, and ulcers using dexamethasone and systemic immunosuppressive medication was of 105, 42 and 42 days, respectively (p=0.013).When we associated dexamethasone, tacrolimus and systemic immunosuppressive medication, the mean time of complete response of lichenoid lesions, erythema and ulcers was of 91,84 and 77 days (p=0.011). When dexamethasone was used alone, the mean time of complete response of lichenoid lesions, erythema and ulcers was 182, 140, 21 days, respectively (p=0.042).

Conclusion

Our study shows that lichenoid lesions require more time to heal. Notably, lichenoid lesions tend to respond better to dexamethasone combined with tacrolimus and systemic immunosuppressive medication, whereas erythema and ulcers respond better to dexamethasone combined with systemic immunosuppressive medication and dexamethasone only, respectively.

Graft vs host disease; Bone morrow transplantation; Hematopoietic stem cell transplantation; Dexamethasone; Tacrolimus

INTRODUÇÃO

A doença do enxerto contra o hospedeiro crônica (DECH-c) é uma das principais complicações do transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH). A doença afeta de 30% a 70% desses pacientes, causando respostas inflamatórias em diferentes órgãos e tecidos que se assemelham às de doenças autoimunes.(11. Jagasia MH, Greinix HT, Arora M, Williams KM, Wolff D, Cowen EW, et al. National Institutes of Health Consensus Development Project on Criteria for Clinical Trials in Chronic Graft-versus-Host Disease: I. The 2014 diagnosis and Staging Working Group report. Biol Blood Marrow Transplant. 2015;21(3): 389-401.e1.)Na cavidade oral, os sintomas clínicos da DECH-c acometem principalmente a mucosa e a língua, caracterizando-se pela presença de lesões liquenoides na mucosa oral (estrias brancas), reconhecidas pelo consenso do National Institutes of Health (NIH) como lesões diagnósticas. Os pacientes também podem apresentar manifestações clínicas distintas que, isoladamente, não são suficientes para estabelecer o diagnóstico, como xerostomia, mucocele, atrofia da mucosa, pseudomembranas e úlceras, e outras manifestações clínicas comuns à DECH aguda e crônica, como gengivite, eritema, úlceras e dor.(11. Jagasia MH, Greinix HT, Arora M, Williams KM, Wolff D, Cowen EW, et al. National Institutes of Health Consensus Development Project on Criteria for Clinical Trials in Chronic Graft-versus-Host Disease: I. The 2014 diagnosis and Staging Working Group report. Biol Blood Marrow Transplant. 2015;21(3): 389-401.e1.

2. Carl W, Higby DJ. Oral manifestations of bone marrow transplantation. Am J Clin Oncol. 1985;8(1):81-7.

3. Filipovich AH, Weisdorf D, Pavletic S, Socie G, Wingard JR, Lee SJ, et al. National Institutes of Health Consensus Development Project on Criteria for Clinical Trials in Chronic Graft-versus-Host Disease: I. Diagnosis and Staging Working Group report. Biol Blood Marrow Transplant. 2005;11(12):945-56.
-44. Demarosi F, Bez C, Sardella A, Lodi G, Carrassi A. Oral involvement in chronic graft-vs-host disease following allogenic bone marrow transplantation. Arch Dermatol. 2002;138(6):842-3.)

O último consenso do NIH(55. Carpenter PA, Kitko CL, Elad S, Flowers ME, Gea-Banacloche JC, Halter JP, et al. National Institutes of Health Consensus Development Project on Criteria for Clinical Trials in Chronic Graft-versus-Host Disease: V. The 2014 Ancillary Therapy and Supportive Care Working Group report. Biol Blood Marrow Transplant. 2015;21(7):1167-87.) recomenda tratamento tópico com corticosteroides de alta potência, inibidores da calcineurina e analgésicos.(66. Couriel DR, Beguelin GZ, Giralt S, De Lima M, Hosing C, Kharfan-Dabaja MA, et al. Chronic graft-versus-host disease manifesting as polymyositis: an uncommon presentation. Bone Marrow Transplant. 2002;30(8):543-6. Review.,77. Wolff D, Gerbitz A, Ayuk F, Kiani A, Hildebrandt GC, Vogelsang GB, et al. Consensus conference on clinical practice in chronic graft-versus-host disease (GVHD): first-line and topical treatment of chronic GVHD. Biol Blood Marrow Transplant. 2010;16(12):1611-28.) Os medicamentos tópicos locais têm o benefício de intensificar o tratamento, reduzindo ou eliminando os sintomas sem aumentar a imunossupressão sistêmica.(88. Schubert MM, Correa ME. Oral graft-versus-host disease. Dent Clin North Am. 2008;52(1):79-109,viii-ix. Review.,99. Eckardt A, Starke O, Stadler M, Reuter C, Hertenstein B. Severe oral chronic graft-versus-host disease following allogeneic bone marrow transplantation: highly effective treatment with topical tacrolimus. Oral Oncol. 2004;40(8):811-4.) Tratamentos tópicos podem fornecer melhores benefícios locais do que a terapia sistêmica sozinha.(55. Carpenter PA, Kitko CL, Elad S, Flowers ME, Gea-Banacloche JC, Halter JP, et al. National Institutes of Health Consensus Development Project on Criteria for Clinical Trials in Chronic Graft-versus-Host Disease: V. The 2014 Ancillary Therapy and Supportive Care Working Group report. Biol Blood Marrow Transplant. 2015;21(7):1167-87.)

Apesar da ausência de evidências fortes, alguns estudos mostram que a maioria dos pacientes com DECH-c oral em uso de dexametasona combinada com tacrolimo responde positivamente ao tratamento.(99. Eckardt A, Starke O, Stadler M, Reuter C, Hertenstein B. Severe oral chronic graft-versus-host disease following allogeneic bone marrow transplantation: highly effective treatment with topical tacrolimus. Oral Oncol. 2004;40(8):811-4.,1010. Noce CW, Gomes A, Shcaira V, Corrêa ME, Moreira MC, Silva Júnior A, et al. Randomized double-blind clinical trial comparing clobetasol and dexamethasone for the topical treatment of symptomatic oral chronic graft-versus-host disease. Biol Blood Marrow Transplant. 2014;20(8):1163-8.) No presente estudo observacional, procuramos avaliar pacientes com DECH-c oral com resposta completa ao tratamento com imunossupressão tópica, associada ou não à imunossupressão sistêmica.

OBJETIVO

Avaliar os pacientes com resposta completa da doença do enxerto contra hospedeiro crônica oral ao tratamento com imunossupressor.

MÉTODOS

Pacientes

Este estudo de coorte retrospectiva incluiu pacientes submetidos ao TCTH alogênico, de setembro de 2012 a fevereiro de 2018, registrados no Instituto Nacional de Câncer (INCA), Brasil. Foram considerados pacientes elegíveis homens e mulheres com idade ≥10 anos, que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), submetidos ao TCTH alogênico com diagnóstico de DECH-c oral (lesões liquenoides, lesões eritematosas e úlceras), que haviam recebido tratamento tópico com dexametasona com ou sem tacrolimo, com ou sem imunossupressão sistêmica, de acordo com a rotina hospitalar. Pacientes que faltaram à consulta, pacientes com resposta incompleta, e pacientes com diagnóstico de segundo tumor primário maligno na cavidade oral, orofaringe, nasofaringe, hipofaringe, laringe e glândulas salivares maiores foram considerados inelegíveis. Os dados foram coletados dos prontuários médicos e odontológicos dos pacientes. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa número do parecer 4606137; CAAE: 04066512.1.1001.5274.

Tratamento tópico para doença do enxerto contra hospedeiro crônica oral

Os pacientes incluídos no estudo usaram, como primeira linha de tratamento, dexametasona para bochecho 0,1mg/mL, por três minutos, quatro vezes ao dia, após a higiene oral. Tacrolimo pomada 0,1% foi aplicado no local da lesão na cavidade oral duas vezes ao dia.(1111. Mawardi H, Stevenson K, Gokani B, Soiffer R, Treister N. Combined topical dexamethasone/tacrolimus therapy for management of oral chronic GVHD. Bone Marrow Transplant. 2010;45(6):1062-7.) A opção pelo tratamento tópico foi uma decisão individual do profissional com base na gravidade da doença e na disponibilidade da medicação.

Tratamento sistêmico para doença do enxerto contra hospedeiro crônica

Os pacientes incluídos no estudo estavam usando os seguintes imunossupressores sistêmicos: prednisona (PDN), ciclosporina (CSA), tacrolimo, metotrexato (MTX) e micofenolato de mofetila (MFM), sozinhos ou em combinação.

Avaliação de fluxo e pH da saliva

Considerando a alta frequência de acometimento de glândulas salivares em pacientes com DECH-c oral, com implicações na qualidade e quantidade da saliva,(1212. Nagler A, Nagler R, Ackerstein A, Levi S, Marmary Y. Major salivar gland dysfunction in patients with hematological malignancies receicing interleukin-2-based immunotherapy post-autologous blood stem cell transplantation (ABSCT). Bone Marrow Transplantat. 1997;20(7):575-80.) pacientes submetidos ao TCTH fizeram sialometria não estimulada durante a consulta de retorno (rotina odontológica do nosso centro). Um fluxo salivar abaixo de 0,1mL/minutos foi considerado hipossalivação.(1313. Davies AN, Broadley K, Beighton D. Salivary gland hypofunction in patients with advanced cancer. Oral Oncol. 2002;38(7):680-5.) Para avaliar o pH salivar foram utilizadas as tiras indicadoras de pH Color Card MQuant®, indicador universal da Merck.

Avaliação da doença do enxerto contra hospedeiro crônica oral

De acordo com o atendimento de rotina, os pacientes foram submetidos a exame clínico odontológico a cada 21 dias, desde o diagnóstico de DECH-c oral até a regressão total das lesões liquenoides, eritema e úlceras. Os casos graves eram acompanhados semanalmente. Uma resposta completa na boca corresponde a resolução das manifestações clínicas reversíveis relacionadas à DECH-c oral.

Não usamos a Escala de Classificação da Mucosa Oral do NIH para avaliar a resposta clínica, porque não queríamos uma avaliação geral da boca, mas uma avaliação específica do eritema, das úlceras e lesões liquenoides. Os seguintes dados foram coletados: localização (mucosa oral direita e esquerda, vermelhão do lábio inferior e superior, mucosa do lábio inferior e superior, borda lateral direita e esquerda da língua, face ventral e dorsal da língua, palato mole e palato duro) e duração da DECH-c oral, tratamento tópico utilizado (dexametasona para bochecho e tacrolimo pomada), tempo de tratamento e tratamento imunossupressor sistêmico utilizado.

Avaliação dos níveis séricos de tacrolimo

Desde o diagnóstico, todos os pacientes tratados com tacrolimo sistêmico foram submetidos a testes séricos rotineiramente. No entanto, a avaliação da absorção após o tratamento tópico intraoral não foi realizada devido à falta de padronização de dia e horário de coleta.

Análise estatística

O desfecho do estudo foi a avaliação da DECH-c oral com resposta completa ao tratamento tópico com dexametasona, com ou sem tacrolimo, com ou sem imunossupressão sistêmica, por meio de amostragem por conveniência. Para as variáveis discretas (tipos de lesão, localização das lesões e medicação utilizada), avaliamos frequências simples e percentagem. Para as variáveis contínuas, usamos medianas. O teste não paramétrico de Kruskal-Wallis foi usado para comparar o tempo de cicatrização durante o tratamento (em dias) por tipo de lesão e medicação utilizada e, quando significantes, foram aplicadas comparações múltiplas para avaliar as diferenças.

Todas as análises foram realizadas no software SPSS, versão 20.0, considerando um nível de significância de 5% de probabilidade. Valores de p menores ou iguais a 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.

Dados de pacientes com perda de acompanhamento e que não puderam ser avaliados quanto ao uso da medicação e resposta ao tratamento não foram incluídos na avaliação.

RESULTADOS

Este estudo coletou dados de prontuários médicos de pacientes para avaliar a resposta completa da DECH-c oral à dexametasona, com ou sem tacrolimo, e com ou sem imunossupressão sistêmica. Foram triados 76 pacientes com DECH-c oral, mas como se tratava de um estudo observacional, 45 pacientes foram excluídos por insuficiência de dados já que faltaram às consultas. Vinte e nove pacientes foram incluídos e, como o objetivo era avaliar pacientes com resposta completa, dois pacientes foram excluídos por apresentarem lesões com resposta parcial, consideradas não resolvidas.

A doença de base mais comum foi leucemia mieloide aguda (34,48%), seguida de leucemia linfoblástica aguda (31,03%). A maioria dos doadores eram aparentados (82,75%) e o esquema de condicionamento mais utilizado foi ciclofosfamida + bussulfano (48,28%) (Tabela 1).

Tabela 1
Características demográficas e clínicas

No presente estudo, lesões liquenoides foram o tipo mais frequente de lesão da DECH-c na cavidade oral (134 lesões no total), acometendo principalmente a mucosa oral. Lesões eritematosas e úlceras foram menos frequentes (46 e 34 lesões no total, respectivamente) e o local mais acometido por estes tipos de lesão também foi a mucosa oral. Alguns pacientes apresentaram, concomitantemente, lesões de tipos diferentes e, em alguns casos, em locais diversos (Tabela 2). No vermelhão dos lábios superior e inferior, as lesões liquenoides foram o tipo de lesão mais frequente (71% no total, tabela 2 e tabela 3).

Tabela 2
Distribuições de frequências simples e percentuais relacionadas ao local da lesão

Tabela 3
Tipo de lesão no vermelhão dos lábios

A análise do tempo de cicatrização da lesão considerou o período entre o primeiro e o último dia de tratamento tópico (quando o paciente apresentou regressão total da lesão). A duração da lesão foi contada em dias. O tempo de cicatrização de cada tipo de lesão, de acordo com os medicamentos usados e suas combinações, não apresentou diferença significativa nas avaliações intragrupo. No entanto, as lesões liquenoides responderam melhor ao tratamento com dexametasona-tacrolimo, e o eritema e as úlceras responderam melhor à dexametasona combinada ao tratamento sistêmico (Tabela 4). As lesões liquenoides tiveram um tempo mediano de cicatrização mais longo (105 dias para a cicatrização total), enquanto as úlceras cicatrizaram mais rapidamente. Não foi possível realizar análise estatística para lesões do vermelhão do lábio superior e inferior devido ao pequeno número de lesões nesses locais em nossos pacientes.

Tabela 4
Comparação intragrupo do tempo de cicatrização (em dias) por tipo de lesão e medicação usada durante o tratamento

Ao comparar as lesões liquenoides com eritema e úlceras, observamos que estas últimas responderam significativamente melhor quando tratadas com dexametasona associada ao tratamento sistêmico (p=0,047 e p=0,012, respectivamente), sem diferença significante entre úlceras e eritema. Quando os pacientes foram tratados com dexametasona combinada com tacrolimo e tratamento sistêmico, o eritema e as úlceras responderam significativamente melhor do que as lesões liquenoides (p=0,009 e p=0,000, respectivamente). Em pacientes que usaram apenas dexametasona, as úlceras responderam significativamente melhor do que as lesões liquenoides (p=0,017) (Tabela 5).

Tabela 5
Tempo de cicatrização nos pacientes que usaram dexametasona e imunossupressão sistêmica; dexametasona, tacrolimo e imunossupressão sistêmica; e dexametasona apenas
Pacientes que usaram dexametasona, tacrolimo e imunossupressão sistêmica
Medidas de posição e medidas de variação Lesões liquenoides Eritema Úlceras Valor de p
Mediana 91 84 77 0,011*
Mínimo 35 21 63
Máximo 427 147 84
  • * nível de significância 1%. Lesões liquenoides versus eritema – p=0,009; Lesões liquenoides versus úlceras – p=0,000; Eritema versus úlceras – p=0,106 – não significativo.
  • Pacientes que fizeram imunossupressão com dexametasona apenas
    Medidas de posição e medidas de variação Lesões liquenoides Eritema Úlceras Valor de p
    Mediana 182 140 21 0,042**
    Mínimo 84 7 14
    Máximo 392 280 56
  • ** nível de significância 1%. Lesões liquenoides versus eritema – p=0,196 não significativo; Lesões liquenoides versus úlceras – p=0,017; Eritema versus úlceras – p=0,101 – não significativo.
  • Embora este não tenha sido o objetivo principal do estudo, também coletamos dados de sialometria mediana, que foi de 0,5mL (mínimo=0mL; máximo=0,82mL) no início, e 0,2mL (mínimo=0mL; máximo=1,6mL) no final do tratamento. Observamos hipossalivação em 13% dos pacientes no primeiro exame, e em 30% dos pacientes no último exame. O pH médio da saliva no início e no final do tratamento foi de 6,5 (desvio padrão (DP) =0,56) e 6,9 (DP=0,57), respectivamente. Não encontramos associação entre hipossalivação/pH e resposta ao tratamento de DECH-c oral.

    DISCUSSÃO

    No presente estudo, observamos que o uso de medicação tópica foi de extrema importância para a obtenção de resposta positiva em todas as lesões, principalmente quando associada ao tratamento sistêmico. Em nosso centro, a dexametasona é usada rotineiramente como medicação tópica de escolha para o tratamento de DECH-c oral, e o tacrolimo é usado como potencializador do tratamento, sozinho ou em combinação com a dexametasona, quando a lesão não apresenta boa resposta à dexametasona sozinha. Em algumas situações, o tacrolimo não foi associado à dexametasona por questões de indisponibilidade, ou quando o paciente não aceitou seu uso. Nenhum dos pacientes do estudo foi submetido a tratamento com fotoferese extracorpórea durante o tratamento para DECH-c oral.

    O tratamento da DECH-c oral inclui o uso de corticosteroides, inibidores da calcineurina e analgésicos. Tratamentos com bochecho tópico são amplamente utilizados devido à sua fácil aplicação e eficiência, mas pomadas também são efetivas em lesões isoladas.(1313. Davies AN, Broadley K, Beighton D. Salivary gland hypofunction in patients with advanced cancer. Oral Oncol. 2002;38(7):680-5.)

    A dexametasona demonstrou ser efetiva no tratamento de lesões orais, melhorando consideravelmente a gravidade da lesão, a sensibilidade da mucosa oral e as lesões liquenoides.(1414. Mays JW, Fassil H, Edwards DA, Pavletic SZ, Bassim CW. Oral chronic graft-versus-host disease: current pathogenesis, therapy, and research. Oral Dis. 2013;19(4):327-46. Review.

    15. Park AR, La HO, Cho BS, Kim SJ, Lee BK, Rhie JY, et al. Comparison of budesonide and dexamethasone for local treatment of oral chronic graft-versus-host disease. Am J Health Syst Pharm. 2013;70(16):1383-91.
    -1616. Wolff D, Anders V, Corio R, Horn T, Morison WL, Farmer E, et al. Oral PUVA and topical steroids for treatment of oral manifestations of chronic graft-vs.-host disease. Photodermatol Photoimmunol Photomed. 2004;20(4):184-90.)

    Wolff et al.,(1616. Wolff D, Anders V, Corio R, Horn T, Morison WL, Farmer E, et al. Oral PUVA and topical steroids for treatment of oral manifestations of chronic graft-vs.-host disease. Photodermatol Photoimmunol Photomed. 2004;20(4):184-90.) realizaram uma análise retrospectiva do uso de dexametasona em combinação com medicação antifúngica profilática em 16 pacientes com lesões de DECH-c oral. Desses pacientes, nove apresentaram regressão total das lesões, dois apresentaram regressão parcial e cinco não responderam à medicação.

    O tacrolimo tem sido frequentemente usado em pacientes com DECH-c cutâneo, e os resultados demonstram que 72% dos pacientes tratados com este medicamento melhoraram em um curto período de tempo.(1717. Choi CJ, Nghiem P. Tacrolimus ointment in the treatment of chronic cutaneous graft-vs-host disease: a case series of 18 patients. Arch Dermatol. 2001; 137(9):1202-6.) Embora o tacrolimo não tenha, atualmente, formulação em gel ou pomada, o que dificulta sua aplicação tópica na mucosa úmida, relatos de casos de tratamento tópico de DECH-c oral com a combinação de tacrolimo e corticosteroides demonstram melhora das lesões, e regressão total em até um ano de tratamento.(1818. Fricain JC, Sibaud V, Swetyenga N, Tabrizi R, Campana F, Taïeb A. Long-term efficacy of topical tacrolimus on oral lesions of chronic graft-versus-host disease. Br J Dermatol. 2007;156(3):588-90.)

    Alguns estudos demonstraram que o uso de tacrolimo tópico como tratamento adjuvante na cavidade oral melhora a qualidade de vida do paciente de forma significativa, e diminui a dor sem alterações sistêmicas ao paciente.(99. Eckardt A, Starke O, Stadler M, Reuter C, Hertenstein B. Severe oral chronic graft-versus-host disease following allogeneic bone marrow transplantation: highly effective treatment with topical tacrolimus. Oral Oncol. 2004;40(8):811-4.) As lesões costumam melhorar quando a dexametasona é combinada com tacrolimo, alcançando regressão total ou estabilizando sem piora.(1111. Mawardi H, Stevenson K, Gokani B, Soiffer R, Treister N. Combined topical dexamethasone/tacrolimus therapy for management of oral chronic GVHD. Bone Marrow Transplant. 2010;45(6):1062-7.)

    Em nosso estudo, os pacientes foram tratados com tacrolimo apenas após falha do tratamento com dexametasona, exceto aqueles com lesões no vermelhão dos lábios. Na análise da mediana do tempo de cicatrização dos pacientes agrupados por tipo de lesão, observamos melhores resultados quando o eritema e as úlceras foram tratados com dexametasona associada ao tratamento sistêmico, e quando as lesões liquenoides foram tratadas com dexametasona e tacrolimo, mas as diferenças observadas não foram significativas. Quando comparamos o tempo de cicatrização mediano entre os diferentes tipos de lesões, observamos que o eritema e as úlceras responderam melhor ao tratamento do que as lesões liquenoides.

    Segundo Filipovich et al.,(33. Filipovich AH, Weisdorf D, Pavletic S, Socie G, Wingard JR, Lee SJ, et al. National Institutes of Health Consensus Development Project on Criteria for Clinical Trials in Chronic Graft-versus-Host Disease: I. Diagnosis and Staging Working Group report. Biol Blood Marrow Transplant. 2005;11(12):945-56.) os pacientes com DECH-c moderada podem receber apenas tratamento tópico, a menos que a doença acometa três ou mais órgãos ou quando um único órgão apresente um escore de DECH-c ≥2. Isso sugere que, caso o paciente já tenha finalizado um protocolo de medicação sistêmica, o tratamento tópico seria suficiente para tratar as lesões orais e manter a qualidade de vida do paciente, ao mesmo tempo em que traria benefícios locais, sem a necessidade de reiniciar o tratamento sistêmico.

    Mawardi et al.,(1111. Mawardi H, Stevenson K, Gokani B, Soiffer R, Treister N. Combined topical dexamethasone/tacrolimus therapy for management of oral chronic GVHD. Bone Marrow Transplant. 2010;45(6):1062-7.) estudaram o uso de dexametasona associada ao tacrolimo, mas com duração mais curta do que a deste estudo. Seus achados foram consistentes com os nossos no que tange às lesões eritematosas e liquenoides, e ao alívio da dor.

    Outra opção de tratamento para lesões orais é o uso de clobetasol que não foi avaliado neste estudo, mas apresenta resultados positivos semelhantes aos relatados para dexametasona. Noce et al.,(1010. Noce CW, Gomes A, Shcaira V, Corrêa ME, Moreira MC, Silva Júnior A, et al. Randomized double-blind clinical trial comparing clobetasol and dexamethasone for the topical treatment of symptomatic oral chronic graft-versus-host disease. Biol Blood Marrow Transplant. 2014;20(8):1163-8.) relataram que os dois medicamentos apresentaram resultados positivos; porém o clobetasol foi mais eficiente em proporcionar regressão de sintomas e cicatrização das lesões.

    Sinais da DECH-c nas glândulas salivares foram vistos com muita frequência em nossos pacientes. Observamos um aumento de 17% na frequência de pacientes com hipossalivação após o início do tratamento, apesar da melhora da DECH-c oral. Esta observação corrobora os resultados observados por Imanguli et al.,(1919. Imanguli MM, Atkinson JC, Mitchell SA, Avila DN, Bishop RJ, Cowen EW, et al. Salivary gland involvement in chronic graft-versus-host disease: prevalence, clinical significance, and recommendations for evaluation. Biol Blood Marrow Transplant. 2010;16(10):1362-9. Erratum in: Biol Blood Marrow Transplant. 2016;22(6):1147.) que relataram que o comprometimento da mucosa oral e glândulas salivares parecem ser sinais independentes de DECH-c oral.

    Nosso estudo teve algumas limitações. A principal delas foi o pequeno número de pacientes incluídos, levando à existência de variáveis de confusão (por exemplo, ausência de alguns tipos de tratamento) durante a análise estatística. Além disso, não foram realizadas avaliações com escalas de dor. Existem poucos estudos avaliando o uso de dexametasona e tacrolimo, a maior parte deles sendo relatos de casos. Portanto, as evidências disponíveis ainda são escassas, o que limita a comparação de nossos resultados, e destaca a necessidade de expandir as investigações sobre o tratamento tópico das lesões da DECH-c oral. A avaliação da cavidade oral do NIH por escores fornece uma visão geral da boca, mas não avalia que tipo de lesão regrediu e o impacto na qualidade de vida. Devemos considerar que as úlceras causam dor e redução da qualidade de vida, ao passo que as lesões liquenoides normalmente não causam dor. Portanto, é importante incluir, na prática clínica, uma avaliação da DECH-c oral que relate a evolução de cada tipo de lesão, e não apenas uma avaliação geral, dependendo de seu impacto na qualidade de vida.

    CONCLUSÃO

    Concluindo, nosso estudo mostra que as lesões liquenoides requerem mais tempo para cicatrizar do que outros tipos de lesão. Notavelmente, lesões liquenoides tendem a responder melhor ao tratamento com dexametasona associada ao tacrolimo, enquanto o eritema e as úlceras respondem melhor à dexametasona combinada ao tratamento sistêmico.

    AGRADECIMENTOS

    Os autores agradecem ao Instituto Nacional de Câncer (INCA), Brasil – Divisão de Pesquisa Clínica, pelo apoio durante este trabalho.

    REFERENCES

    • 1
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    • 2
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    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Out 2021
    • Data do Fascículo
      2021

    Histórico

    • Recebido
      2 Out 2020
    • Aceito
      10 Maio 2021
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